Idealizado e coordenado pelo professor Raimundo Luiz, ex-diretor da Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo, o projeto teve patrocínio da Wilson Sons através da Lei Federal de Incentivo à Cultura
O idealizador e coordenador Raimundo Luiz (o segundo a partir da direita) e professores das oficinas do projeto Música em Ação. Foto: divulgaçãoOficina do núcleo de cordas do projeto Música em Ação. Foto: divulgaçãoApós sua palestra, o professor Daniel Lemos brindou os alunos com uma apresentação. Foto: divulgação
“Eu tinha chegado na sessão na época e fiquei loucamente curioso pra saber que monte de coisa pretinha era aquela. “Ah, isso aqui é música, é partitura!”. Ela me levou à Escola de Música, em 1980, já fora do período de inscrição, me apresentou para a então diretora Olga Mohana. Ela já tinha esse sonho que nós temos até hoje, de ter uma Orquestra Sinfônica no estado. Ela já me viu tocando violino, já me ofereceu o violino pra estudar. Eu não tinha instrumento e queria isso mesmo”.
A fala é de um entusiasmado Raimundo Luiz, multi-instrumentista, professor aposentado e ex-diretor-geral da Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo, em seu depoimento à Chorografia do Maranhão, série de entrevistas publicadas por este repórter com os irmãos Ricarte e Rivânio Almeida Santos, posteriormente reunidas no livro homônimo, publicado em 2018 em parceria pelas editoras Pitomba! e Edufma.
O mesmo entusiasmo segue motivando o integrante do Instrumental Pixinguinha, formado por professores, nos corredores da Emem: Raimundo Luiz poderia estar se dedicando tão somente a curtir a aposentadoria ou as rodas boemias de choro da ilha que adotou o garoto vindo de Jacarequara, povoado de Cedral (Guimarães antes da emancipação), mas o amor pela música e pela educação musical seguem motivando-o a inventar ações como o projeto Música em Ação – Meio Norte Maranhão, que leva oficinas de educação musical, instrumentos e ações de contrapartidas sociais aos municípios de Guimarães e Cedral.
O projeto Música em Ação tem patrocínio da Wilson Sons, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, e é uma realização da Sol Maior Produção Musical, que já conta mais de 10 anos de atividades de produção na capital e sobretudo no interior do estado do Maranhão, em projetos artísticos e educativo nos quais tomaram parte integrantes dos corpos docentes das Universidades Estadual e Federal do Maranhão, além da Emem, entre outros. As atividades são desenvolvidas em escolas e sindicatos, através de parcerias com estes e as secretarias municipais de educação, além das próprias prefeituras municipais, que apoiam a iniciativa.
O projeto foi encerrado em fevereiro, tendo atendido mais de 150 alunos com oficinas de musicalização (flauta doce), cordas e sopros. “Estamos muito felizes em trabalhar na formação cultural de crianças e jovens destas cidades”, afirmou Raimundo Luiz, idealizador e coordenador do Música em Ação.
“Nós só temos a agradecer ao professor Raimundo Luiz por proporcionar esse projeto. Guimarães só tem a agradecer por este trabalho, a cidade só tem a ganhar, Guimarães é um grande celeiro musical”, afirmou Osvaldo Gomes, prefeito do município, reconhecido como berço do bumba meu boi sotaque de zabumba.
“Este projeto é algo que nós devemos incentivar e abraçar cada dia mais, para que ele seja fortalecido e possa acontecer. Sou muito feliz por poder ter a minha filha participando desse projeto”, declarou Fernanda Cardoso, mãe de aluna.
Maria Vitória, aluna do núcleo de cordas, também revela, emocionada: “eu tinha muita vontade de um dia pegar num violão, nunca tinha pegado; aí apareceu essa oportunidade e eu aproveitei, estou me sentindo muito bem”. Kahyo Martins, do mesmo núcleo, afirma: “eu gostei muito, a comunidade toda está envolvida, eu espero muito que continue no próximo ano”. Também do núcleo de cordas, Skarlleth Santos, realça o caráter social do ensino da música: “essa oportunidade que abriram para a gente foi muito importante, foi abrindo novas portas, e em vez de o jovem estar em outros lugares, está aqui, curtindo e aprendendo coisas novas. Em Guimarães, além da sede, o projeto chegou também à comunidade de Damásio, graças a uma parceria com o polo 20 do projeto Bombeiro-Mirim.
“A música, além de uma oportunidade de formação, de futuro para quem pratica, mas traz muitos valores juntos, é uma oportunidade de trabalhar educação, respeito, pertencimento, identidade, e é muito bom ver essa equipe trabalhando. Que venham mais projetos como esse, pois as crianças e jovens estão precisando de oportunidades”, afirmou Wagner Ramos, do departamento de responsabilidade social da Wilson Sons, que patrocina o projeto.
O pianista e professor Daniel Lemos, sintetiza: “Para mim foi uma honra tomar parte no projeto, com uma palestra intitulada “A música no currículo escolar”, seguida de uma intervenção musical. Projetos belíssimos como esse, que tem trazido a música para as crianças, mostrando a questão da formação cidadã, do qual a música é um tipo de conhecimento específico e muito importante para o desenvolvimento social de nosso país, o nosso futuro, e também importante destacar a questão da geração de renda, de você trazer os bolsistas, os trabalhadores, jogar esse recurso para regiões do interior, descentralizando o capital. É uma iniciativa muito importante e a gente espera que outras venham a acontecer no futuro. Estão de parabéns todos os membros da equipe, o professor Raimundo Luiz, e será sempre um prazer colaborar com iniciativas tão valiosas como essa”.
A convite da jornalista Vanessa Serra, participo hoje (5) da roda de conversa “Jornalismo cultural no Maranhão: reflexão e importância em tempos de mudanças”, que acontece às 18h30, no Café Teatro Cazumbá (Rua Portugal, esquina com Beco Catarina Mina, Praia Grande). O evento é gratuito e aberto ao público.
A moderação da mesa se completa com o jornalista e dj Pedro Sobrinho e a jornalista Flávia Regina, tendo como convidada a jornalista Larissa Corrêa, da Conteúdo Comunicação, que assessora o Instituto Itaú Cultural (em cujo site cheguei a assinar a coluna Emaranhado, entre 2017 e 18).
Quando perguntei, humilde e sinceramente, à convidante, o que eu ia fazer lá, ela respondeu-me: “contar um pouco de sua experiência no jornalismo cultural”. E imediatamente me ocorreu a memória: foi ela uma das primeiras a me abrir as portas (as páginas, para ser mais exato) de sua coluna (hoje também blogue), o Diário de Bordo, publicada semanalmente no Jornal Pequeno – ela e o professor Alberico Carneiro, no mesmo período, início do século, então editor-chefe do Suplemento Cultural e Literário JP Guesa Errante (a princípio semanal, depois quinzenal, até tornar-se ocasional).
Eu ainda nem tinha entrado na faculdade quando publiquei textos sobre os discos de estreia do grupo carioca de choro Regional Tira-Poeira e do compositor maranhense Cesar Teixeira (que fundara e então engrossava as fileiras dos colaboradores do Guesa) respectivamente, nos espaços citados (parece fazer tanto tempo que sequer há links para estes textos na internet; um dia eu procuro os recortes para mostrar à minha meia dúzia de leitores).
20 anos depois, na estrada sinuosa percorrida até aqui, muita água rolou. Jornais impressos deixaram de circular ou emagreceram, uns apregoaram a morte do jornalismo, outros, do jornalismo cultural; mas a julgar pelo pequeno time que se reúne hoje para debater experiências, cenários, relevância, perspectivas, estratégias, tecnologias, mudanças e o que mais pintar, o jornalismo cultural segue vivo e necessário – para além de puxar a brasa para nossa sardinha.
Este texto é uma tentativa inicial de evocar uma memória, uma estrela a guiar o rumo de minha prosa – o resto é no susto mesmo. Ou como diria Belchior: “a vida realmente é diferente, quer dizer, ao vivo é muito pior”.
Após o bate-papo haverá discotecagem com os djs Pedro Sobrinho, Vanessa Serra e Marcos Vinícius.
O quê: Roda de conversa “Jornalismo cultural no Maranhão: reflexão e importância em tempos de mudanças” e discotecagem Quem: os jornalistas Larissa Corrêa, Flávia Regina, Pedro Sobrinho, Vanessa Serra e Zema Ribeiro Quando: hoje (5), às 18h30 Onde: Café Teatro Cazumbá (Rua Portugal, esquina com Beco Catarina Mina, Praia Grande) Quanto: grátis
Um compositor que não precisou descobrir a América para ganhar fama, já trazia dentro de si a nau inspirada com que recriava o mundo todos os dias, e de improviso. Neste 12 de outubro, Dia das Crianças, completaria 100 anos, se estivesse vivo. O nome dele é Cristóvão / Sobrenome: Alô Brasil.
Alô Brasil no bar. Fotos: Acervo Cesar Teixeira. Reproduções
– Alô Brasil! Era a saudação de mouros e cristãos agrupados nas calçadas, nos botecos ou nas portas das casas quando ele passava, e logo respondia: “Aquele abraço!”.
Se fosse tempo de carnaval, transitava amanhecido com a fantasia da Turma do Quinto ou dos Fuzileiros da Fuzarca. De outra feita, era o chapéu de palha ou feltro, geralmente enfeitado com uma flor ou uma pena sobrevivente, quase um enxerto da batucada em sua cabeça. Era magro, de olhos graúdos e semiabertos que pareciam sonhar o tempo todo.
Caso estivesse fardado de funcionário da Secretaria de Transportes e Obras Públicas (Setop, hoje Sinfra) e sem o chapéu, podia-se ver sua cabeleira cheia, penteada rigorosamente à moda Orlando Silva, espécie de ídolo do compositor, daí o inseparável pente Flamengo no bolso de trás da calça.
O autor do perfil, ladeado por Cristóvão e Antonio Vieira
Invariavelmente, subia e descia as ruas da Madre de Deus todos os dias, obedecendo a um relógio interior, as longas pernas arqueadas como se cavalgasse uma nuvem, até finalmente encostar na quitanda do Seu Alfredo Louzeiro para a hora extra. Foi lá que eu conheci de perto, no início da década de 1970, a obra do compositor e amigo navegante Cristovam Colombo da Silva – conforme reza sua carteira de identidade –, que na gramática do samba foi rebatizado Cristóvão “Alô Brasil”.
O nome de pia era homenagem ao descobridor da América, e o apelido ganhou depois de ter na época participado do programa Alô Brasil, Aquele Abraço, apresentado por Lúcio Mauro na Rádio Globo, do Rio de Janeiro, depois de chegar com um dia de atraso para uma participação no Chacrinha.
Em 1982, foi ao programa de Flávio Cavalcante – Boa Noite Brasil –, da Rede Bandeirantes, em São Paulo, como convidado especial do produtor Renato Barbosa, que estivera em São Luís para ser apresentador do 1º Festival de Verão da Música Popular Maranhense, por ocasião dos festejos de 370 anos da cidade, em setembro daquele ano.
“Santo Cristo”, como era reverenciado por alguns familiares, então mostrou para todo o Brasil a sua arte de improvisar, o que fez aumentar mais ainda a sua popularidade, tendo no copo a sua cruz e o solovox da fraternidade. “Palavras que me comovem”, repetiria.
O compacto “Velhos moleques”, produzido por Chico Saldanha, Giordano Mochel e Ubiratan Souza. Capa. Reprodução
“Alô Brasil”. Capa. Reprodução
Ao lado de Caboclinho (José Assunção Gomes), integrou em abril de 1986 o Projeto Pixinguinha, do qual já havia participado três anos antes. João Nogueira e Marília Medalha estavam lá. No mesmo ano, gravou com Antonio Vieira, Lopes Bogéa e Agostinho Reis o compacto “Velhos Moleques”, e, em 1999, o cd “Alô Brasil”, com a participação de vários intérpretes maranhenses.
UNIVERSIDADE DE BAMBA
A quitanda do Alfredo, na Madre de Deus, era uma espécie de pontifícia universidade do samba, a cachaça tinha prioridade sobre os livros e não havia censura prévia, depois era entender-se com a medicina e tentar um fiado nas farmácias do bairro, restando as alternativas do boldo, espinheira santa e folha de mamão.
Entre os catedráticos que a frequentavam estavam Sapinho, Henrique Reis, Paletó, Luís de França, Caboclinho, Biné do Banjo, Vavá, Patativa, Dedinho e Veríssimo (Cuíte), todos compositores. Careca, Virador, Penicilina e Caraolho já eram falecidos.
Vez por outra, por lá passavam os violonistas Paquinha e Mascote, além de Nazinho, pescador e banjoísta que transformava segundas-feiras em domingos após longos dias no mar, entre charutos e doses de alcatrão para manter o voto de silêncio, enquanto Reinaldo mostrava a picardia na cabaça, Zé Leão no pandeiro, Dedinho na retinta…
Bem, na quitanda tudo virava instrumento: as portas, os mochos e até um inocente tonel de querosene encostado na parede, que servia de marcação. Sapinho fazia variações na bomba de lata que puxava o combustível, soprando-a como se fosse um saxofone.
Cristóvão ali era o coringa que iniciava o samba, com pulmão de Noel Rosa, outro artista que admirava. Dava o tom, descendo e subindo uma escala maior, para depois atacar com uma voz sibilada, devido aos dois únicos dentes na boca, segundo ele “para abrir as garrafas”:
Silêncio, vou ler um aviso: É hora de começar a batucada…
O samba esquentava, convencendo Seu Alfredo a jogar uma pá de camarão seco sobre o balcão para absorver a aguardente do peritônio da rapaziada. “Se tivesse dinheiro, eu comprava um anel pra ser doutor de samba”, costumava dizer Cristóvão. Não sabia que já estava dando uma aula.
Cheguei a levar muitos desses compositores para um programa chamado “Pitacos” gravado e transmitido pela Rádio Timbira nos finais de semana, numa produção do Laborarte, entre 1972 e 1973. Não havia patrocinador, nem cachê. Às vezes partilhávamos uma garrafa e as passagens de ônibus, mas quase sempre a volta para a Madre de Deus era a pé. “Eu acho é bom!”, dizia Cristóvão.
Junto com o compositor participei de vários espetáculos nos palcos da cidade, e como já tinha o costume de acompanhá-lo no violão ou no cavaquinho pelas rodas de samba, quase não havia ensaio. Ele improvisava de lá e eu de cá. Lembro com saudade a apresentação que fizemos do Teatro Praia Grande [hoje Teatro Alcione Nazaré] ao lado de Henrique Reis e Patativa.
NOTÍCIAS DE JORNAL
Em 1984, Cristóvão foi fazer um show para ser gravado pelo Projeto Pró-Memória/SPHAN, que funcionava na rua das Barrocas, nº 125. Chegamos lá com uma garrafa de pinga embrulhada numa folha de jornal no horário marcado para as 19 horas. A secretária viu aquilo e não nos deixou entrar. “Pois bem, então vamos beber em outro lugar”, disse-lhe.
Já estávamos dobrando a esquina, quando um esbaforido Ivan Sarney, diretor do programa gritou da porta: “Voltem, voltem, o auditório está cheio! Podem entrar com a garrafa!” Foi uma noite memorável, com muito tema para improviso e estrondosas gargalhadas da plateia.
“Alô Brasil” costumava dizer, e cantar, que tinha samba na cabeça “como letra no jornal”. Isso denunciava o seu hábito pela leitura, que incluía os livrinhos de bolso. No final do expediente da Sinfra, onde foi contínuo e porteiro, ele reunia os jornais diários que por ali passavam, dobrando-os meticulosamente num pacote retangular amarrado com barbante.
Esse pacote ficava guardado debaixo dos balcões e prateleiras dos bares enquanto durasse a farra e a batucada, quando o carregava para casa. Lia até anúncio. No dia seguinte estava por dentro dos fatos, mesmo sem perceber as armadilhas criadas pelos feitores da informação, quase sempre ruins da cabeça e doentes do pé.
Cristóvão, porém, tinha um espírito puro, que através da música lhe permitia o dom da ubiquidade, assumindo as dores e alegrias dos outros. Fez samba para Dedinho (Eu moro no morro do Esqueleto / com a minha Nega Teresa…) e para Tabaco (Se você desceu de lá / por favor me dê notícias da mina Nega Joana…) como se fosse eles cantando. Mas fez também para si próprio:
Foi no dia 12 de outubro de 22 que nasceu na Madre Deus mais um sambista, o resto eu conto depois…
Nasceu no Dia das Crianças, que tanto adorava. Por isso, repetia que se pudesse nasceria de novo, pois estava ficando “velho e encolhidinho”. Aí conjeturava que alguém poderia pensar: “Será que ele está virando criança outra vez?” Quase chega lá, não fossem as complicações de uma hérnia, que o levou à morte em 20 de agosto de 1998.
Fui ver pela última vez meu grande amigo no Hospital Carlos Macieira, onde jazia sobre o mármore, embrulhado em lençóis. Lembrei-me do pacote de jornais, que ele não iria mais colecionar, nem leria ansioso a notícia da própria morte. Isso não seria mais necessário para quem tirou de letra a vida como um passeio distraído pela rua.
No cemitério, antes que o pedreiro vedasse com tijolos o mausoléu de família, consegui jogar-lhe uma flor, para que não esquecesse de por no chapéu quando encontrasse com os outros sambistas já embriagados de aurora.
O BATENTE DO SAMBA
Caricatura de Érico Junqueira
Cristovam Colombo da Silva nasceu em São Luís, na rua do Passeio, em 12 de outubro de 1922, numa casa ao lado do extinto Cine Rialto. De lá foi ainda criança para a rua de São Pantaleão, nº 1.275, próximo ao Hospital Geral, para onde também se mudou, em 1941, o bloco Fuzileiros da Fuzarca, fundado cinco anos antes na rua de São João, com o envolvimento de toda a sua família.
E não era pouca gente. Seus pais, José Bonifácio da Silva e Mercedes Ramos da Silva, tiveram oito filhos: Amélia, Sandoval, Astrogildo, Cristovam, Manoel, Lenir, Noca e Teresa, somando-se uma infinidade de descendentes. Dona Mercedes foi uma espécie de esteio dos Fuzileiros durante cerca de 20 anos, até o seu falecimento no início da década de 1960, quando o bloco se mudou para o coração da Madre de Deus.
Foi então que Cristóvão pode se dedicar à Turma do Quinto, escola de samba da qual foi um dos fundadores, mas tinha uma participação quase clandestina por causa da predileção da família pelos Fuzileiros da Fuzarca.
Quando a escola foi criada, em 1940, ele já era operário têxtil cardador da Fábrica São Luís, que processava fios de algodão, mudando-se dali para a Cânhamo, onde durante 28 anos ocupou como fiandeiro uma das máquinas que fabricavam sacos de estopa para a indústria e o comércio locais.
Depois do trabalho, Cristóvão ainda encontrava disposição e tempo para tocar pandeiro e cantar suas músicas em gafieiras, clubes e cabarés, sobretudo na Zona do Meretrício, onde se apresentava com a orquestra de Pedrão e no Jazz Irakitan. Assim, matava a sede da boemia e alimentava a magra renda.
Em 1968, conseguiu um emprego na Secretaria de Viação e Obras Públicas (SVOP), que depois se tornou SETOP, e, por último Sinfra. Lá exerceu os cargos de contínuo e agente de portaria, que para ele era o nome moderno de vigia. “Mas não vigio nada, nem ninguém”, dizia.
Na verdade, Cristóvão gostava de servir a todos e não se furtava de qualquer tipo de empreitada, desde as filas de banco até entregar no horário exato o almoço dos executivos, que o consideravam um funcionário exemplar. Era o primeiro a chegar e o último a sair da repartição, contrariando o estereótipo da malandragem que pesa sobre os sambistas.
Isso lhe valia uns bons trocados para as suas esticadas pelos botecos das redondezas, antes de chegar na Madre de Deus e de lá seguir para o Bairro de Fátima, para onde se mudara no início dos anos 1970. “Ele acordava às seis horas, tomava café e ia por um atalho até a Madre de Deus, e de lá para o São Francisco, atravessando a ponte, todos os dias”, conta Dona Vanda, a viúva, hoje com 72 anos [à época da publicação original do texto].
Vanderlisa da Silva relata que conheceu Cristóvão na porta da Cânhamo por volta de 1946, quando tinha apenas 14 anos e ele 24. Por ser muito branca, era chamada de “loura” ou “americana” pelos colegas operários. Logo chamou a atenção do compositor, que, a princípio, brincava muito com ela, mas era esnobado.
“A brincadeira virou coisa séria”, lembra Dona Vanda. Tiveram uma convivência de mais de 50 anos, no início cheia de altos e baixos, pois ambos gostavam de brincar – ela nos bailes e ele nas rodas de samba. Dessa paixão, em 1951 nasceu o único filho, Orlando Silva (poderia ser outro?), depois veio o neto, Rafael, herdeiros de uma grande fortuna: o samba inspirado e irretocável de Alô Brasil.
*Cesar Teixeira é jornalista e compositor. Perfil originalmente publicado no Suplemento Cultural e Literário JP Guesa Errante, nº. 66, em 2006, então quinzenalmente encartado no Jornal Pequeno, aqui reproduzido com pequeníssimas modificações
[Faleceu ontem (24) em São Luís, o compositor Chico da Ladeira, em decorrência de falência múltipla dos órgãos; na singela e merecida homenagem prestada pelo Balaio Cultural, que produzo e apresento com Gisa Franco, aos sábados, na Rádio Timbira AM, citei, de memória, perfil escrito por Cesar Teixeira e publicado no Suplemento Cultural e Literário JP Guesa Errante, em fevereiro de 2004, que reproduzimos a seguir]
CHICO DA LADEIRA: MEMÓRIAS DE UM EMBAIXADOR
A verdadeira história de um compositor que ajudou a Flor do Samba a conquistar vários títulos no Carnaval, posou ao lado de Garrincha para uma foto, e é capaz de fazer embaixadas com tampinhas, moedas e copos, não só para beber, mas para mostrar a todos os malabarismos que os artistas maranhenses fazem para sobreviver e serem notados.
POR CESAR TEIXEIRA*
O compositor Chico da Ladeira em janeiro passado, durante gravação no estúdio Zabumba Records. Foto: Suzana Fernandes
Na rua Antônio Rayol (antiga São João), subindo a ladeira tangente à Fonte das Pedras, o encontramos na casa nº 240, sóbrio. Fala mansa, de bermudas e sem camisa, exibe uma enorme cicatriz na barriga proeminente. “Não foi nada. Uma operação que fiz há quinze anos. Tiraram só uma úlcera do estômago, a vesícula biliar e o apêndice”.
Francisco de Assis Vieira é conhecido entre os sambistas da cidade, ratos de praia e boêmios em geral como Chico da Ladeira, apelido que recebeu da tia Dodoca. Em 1979, em parceria com Augusto Maia, compôs um samba bastante difundido como “Haja Deus” e considerado um hino daquela agremiação carnavalesca.
“Haja Deus, quanta beleza a Flor do Samba vem mostrar. São festejos e motivos da cultura popular”
A popularidade de Chico, entretanto, vem do tempo da bola de seringa na praça do Mercado Central e das peladas no Portinho, na Maravalha, ao lado de Japi, Djalma, Pindura, Bacurau e Dalmir, entre outros militantes. Logo conquistaria uma vaga nos desafiados da Ponta d’Areia, sempre regados pela chuva etílica que desabava no bar de Dona Nazaré, fazendo curva com o vento.
Os craques Chico da Ladeira e Garrincha, em Imperatriz/MA. Foto: Acervo Suplemento Cultural e Literário JP Guesa Errante
Foi várias vezes contratado para integrar seleções do interior do Estado, durante campeonatos regionais. Numa das viagens, em Imperatriz, encontrou-se com Garrincha, ex-craque do Botafogo convidado para fazer uma exibição pública, em fins dos anos 60, na inauguração do estádio Frei Epifânio d’Abadia, jogando pelo Cruzeiro, um time local.
A habilidade de Chico com a bola o levou a ser aspirante de times maranhenses como o Ferroviário e o Vitória do Mar, além do Bola Sete, de futebol de salão, na década de 70.
TESOUROS DA JUVENTUDE
Chico lembra da infância, meticuloso, como quem junta pedaços de um filme. “Toquei sino na igreja de Santana, de calça curta engomada e conga, de manhã cedo. Era só pra paquerar as meninas”. Não fez nem o primário, mas aprendeu a ler e a escrever pegando bolos de Dona Risoleta, na rua das Crioulas.
Tinha outras virtudes: era um exímio driblador de bondes e empinador de papagaios, disputando com Alvinho e Ratinho. Vez por outra, retirava das prateleiras do Lusitana e da Loja 4.400 um pouco da mais-valia, transformando gêneros juvenis de primeira necessidade em justiça social. “Eu não tinha medo de nada”.
Entre 14 e 15 anos, para garantir os ingressos do estádio Nhozinho Santos e dos cinemas Éden, Rival e Rialto (gostava de filmes de cow-boy e karatê), carregava sacolas no Mercado Central, e sacrificava dois ou três meses consertando malas de papelão na Casa Santo Antônio, rua da Paz, depois abandonava o serviço. “Era só pra comprar uma calça e uma camisa”.
Foi o futebol, inicialmente, que lhe trouxe algumas doses de vantagem na vida. Recorda que começou a beber tardiamente, aos 18 anos, e, junto com os companheiros de bola, garantia cachaça e mulher na Zona sob o patrocínio de China, pandeirista que vivia na pensão Crás, e sustentava um time amador do mesmo nome. “Lá tinha até karaokê”, acrescenta.
Chico também costumava, na praia ou no bar, exibir-se descalço, fazendo pezinho – embaixadas – com um limão, suspendendo copo e colocando na nuca uma tampinha ou moeda (oferecida por algum incrédulo), que acabava no bolso para completar a próxima cerveja.
O SAMBA NO PEITO
Chico da Ladeira em reprodução da página do Guesa Errante com o perfil escrito por Cesar Teixeira
Aos poucos ele foi deixando a bola, e, adúltero, mergulhou noutra paixão há muito cultivada: o samba. Não era para menos. A casa onde nasceu, em 6 de dezembro de 1949, e na qual vive até hoje, era um terreiro de bamba. Lá foi sede dos Fuzileiros da Fuzarca (fundado em 1936), e depois do bloco Os Lunáticos.
Por ali passaram figuras relevantes do samba maranhense, como Mascote e o náufrago de águas temperadas Cristóvão Colombo.
Chico não viu a batucada dos Fuzileiros na casa da rua São João, pois o bloco se mudou para a São Pantaleão em 1942, quando ainda não era gente, mas chegou a ser baliza de Os Lunáticos, cujos refrões mexiam sua cabeça. O bastante para arriscar-se a fazer o primeiro samba –“Topless” – para um bloco de brincadeira que criou com outros jovens:
“…que coisa louca, que coisa louca, é tanto peito que me dá água na boca”
Tudo culpa do pai adotivo, o bicheiro Arnaldo Ewerton Vieira, e dos muitos tios, como Raimundo Ewerton de Souza (Diquinho), poeta e compositor inspirado “que faleceu cuspindo o fígado”, lembra Chico. Depois das lunáticas reuniões, os ensaios passaram a ser na casa de Dona Preta, algumas casas acima.
Com 16 anos, Chico da Ladeira apresentou-se na Rádio Gurupi, cantando uma música de Roberto Carlos, e foi premiado com um kit: tênis Ki-Chut, escova e pasta de dentes.
Seu talento como compositor, porém, só foi descoberto em 1978, quando fez “O Circo” para a Flor do Samba, convidado por Augusto Maia, que depois seria seu parceiro. O tema baseava-se no tradicional refrão circense: “Ô raia o sol, suspende a lua/Olha o palhaço no meio da rua”.
Em 1980, mudou-se temporariamente para a escola Unidos da Camboa, onde compôs “Sonhos”, junto com Zé da Conceição, parceiro predileto: “São dias zodiacais/o destino não se muda/as cartas não mentem jamais”. Com Zé, também fez um samba para a Unidos da Senzala, do município de Pinheiro. Mas logo voltaria para a Flor, e novos sucessos ajudaram a escola a vencer na passarela.
“De Saint Louis a São Luís, enfim uma só Paris”, foi o samba-enredo de 2002, com letra e música de sua autoria. Este ano anunciou “Os Sete Pecados da Capital”, em parceria com Augusto.
FORA DO ESQUEMA
Chico da Ladeira admite que sua popularidade também lhe valeu um emprego de contínuo nas Centrais Elétricas do Maranhão, de onde foi demitido após a privatização da empresa. “Eu e mais de 2 mil pessoas”. Com a grana da indenização, comprou um apartamento no Ipem-Bequimão, que lhe rende de aluguel 150 reais por mês. “Muita gente pensava que eu ia torrar em cachaça”.
A esse preconceito ele atribui o fato de não ter sido ainda apoiado pelas instituições culturais do Estado. “Os órgãos deveriam procurar mais os artistas. Fico com vergonha. Outro dia fui na Gerência de Cultura pedir ajuda pra publicar um livreto de poesia e disseram: – Aqui tu não pode subir, Fulano não deixa!”.
Seus poemas, apesar de sufocados pela precária convivência com os livros, são farpas da experiência humana acumuladas no pâncreas de quem tem que transformar sentimentos em flanelinha para enxugar a sujeira de uma sociedade conservadora. Em “Corvos e Gaviões” vomita:
“É melhor ser coveiro do próprio cemitério que abraçar os homens dos três poderes onde o mar vira inferno”
Chico, no fundo, é o mesmo moleque, aguardando a hora de driblar o destino e marcar mais um gol. Se tivesse nascido no Cantagalo, talvez ocupasse lugar de honra entre sambistas. Aqui os artistas da gema são condenados a andar de costas para a história. Por isso, quem vê o compositor descendo manhoso a ladeira que o popularizou, imagina que está subindo.
*CESAR TEIXEIRA é jornalista e compositor
*
Bonus track: em janeiro o poeta e jornalista Celso Borges e o percussionista Luiz Cláudio levaram Chico da Ladeira ao Zabumba Records e registraram sua voz para um disco. Com a pandemia de covid-19 o projeto foi adiado.
Ouça uma das composições de Chico da Ladeira registradas na ocasião:
[o amigo Gutemberg Bogéa, editor do suplemento JP Turismo, encomendou um texto exaltação à ilha, por ocasião de seu aniversário de 406 anos, completados hoje (8); o texto, abaixo, saiu ontem (7), no Jornal Pequeno]
Uma singela homenagem ao 406º. aniversário da capital maranhense. E para você: São Luís de quê?
POR ZEMA RIBEIRO ESPECIAL PARA O JP TURISMO
Foto: Marcia Carvalho
São Luís completa hoje (8) 406 anos de fundação – há controvérsias. Na última quarta-feira (5), a escritora Clarissa Carramilo presenteou a cidade com Cidade espanto, seu romance de estreia, em concorrida sessão de autógrafos ocorrida na Livraria Leitura (São Luís Shopping).
Cito o livro da jovem autora por que uma coisa salta aos olhos em suas páginas: a relação que cada ludovicense estabelece com sua terra natal. Adoramos exaltá-la, mas no íntimo, também acreditamos sermos os únicos que podemos esculhambá-la. Imagine alguém nascido em qualquer outra cidade falando mal de São Luís perto de você?
Começa uma troca de argumentos sem fim, uns exagerados, sempre na perspectiva ufanista de que “vivemos na melhor cidade da América do Sul”, como cantou o poeta referindo-se a outra. A Cidade espanto que intitula o romance de Clarissa Carramilo está lá, ao longo de suas páginas, com suas belezas, lugares únicos e problemas.
Mais de quatro séculos de história cantados em verso e prosa, entre inúmeros epítetos: Athenas brasileira, Jamaica brasileira, Ilha do amor, Ilha rebelde, capital brasileira da cultura, cidade patrimônio cultural da humanidade, Ilha bela, Ilha magnética, no título de duas músicas tornadas patrimônio imaterial pela Assembleia Legislativa do Maranhão, de Carlinhos Veloz e César Nascimento, respectivamente, que adotaram São Luís como berço, bebendo de sua inesgotável fonte cultural e retribuindo com uma obra à altura.
São Luís das Pedras da rua, os loucos que qualquer cidade tem, catalogados pelo saudoso Lopes Bogéa no livro homônimo – todo mundo já trombou com um: de um Zé da Chave onipresente em bons shows musicais a Maria do Copo, sempre disposta a mais uma dose, entre muitos outros.
São Luís dos pregoeiros, em que uns apregoam que no passado era melhor: tempos de cinemas fora de shopping centers, Roxy, Alfa, Eden, Monte Castelo, Rex, Passeio, de bares como o Moto Bar, Risco de Vida, Baixo Leblon. Outros a enxergar – merecidamente – beleza na pulsação de espaços como o Bar do Léo, o Chico Discos e a rediviva Fonte do Ribeirão, cartão postal do centro da cidade, ocupada por samba, reggae e outras levadas.
São Luís cujo aniversário é colado a feriado nacional, garantindo um feriado prolongado, merecido descanso a seus trabalhadores e trabalhadoras, para inveja de quem nasceu e vive noutros cantos do Brasil – este ano caiu num sábado, mas de qualquer forma, está valendo.
São Luís das praias, destino de boa parte dos que passam este feriadão por aqui. São Luís onde, no entanto, já não dá mais para vacilar com janelas abertas, pois não há mais dia e hora para chover, levando a comparações gaiatas, em tempos de memes, com Belém e Londres.
São Luís da Feira da Praia Grande – ou Mercado das Tulhas – e, agora, da dominical Feirinha São Luís, em que é possível tomar café ouvindo a banda tocar e já emendar uns chopes artesanais até a hora do almoço e além.
São Luís do reduto boêmio da Madre Deus, berço do samba da Ilha, de “bicho terra e bicho homem, que o tempo espalha e não consome toda magia”, salve a Madre Ilha de Ivandro Coelho e de todos que se aventurem respirar seu ar, que quem vem uma vez para sempre quer ficar.
São Luís do bumba meu boi e do tambor de crioula, do peixe frito com arroz de cuxá, da juçara com camarão seco, da tiquira sem poder tomar banho, reza a lenda – como tantas outras, a carruagem de Ana Jansen, a manguda, entre tantas histórias que seu Antonio Vieira não cansou de contar nos fins de tarde na banca do Dácio, no Estacionamento da Praia Grande.
São Luís da Praia Grande que uns insistem em chamar de Reviver, nome de inacabado projeto de revitalização do centro histórico ludovicense, que abarca ainda os bairros do Desterro e do Portinho.
São Luís do Oscar Frota e da Zona do Baixo Meretrício, por onde supostamente o reggae teria sido introduzido, por discos de vinil trazidos por marinheiros de suas viagens. O resto, a história se encarrega de contar.
Seminário estadual “Fundos solidários: autonomia comunitária para o bem viver” aconteceu no Oásis e reuniu 45 representantes de grupos e comunidades de 15 municípios
POR ZEMA RIBEIRO ESPECIAL PARA O JP TURISMO
Estamos em plena corrida eleitoral e, como de praxe, candidatos se apresentam, alguns com soluções mirabolantes à busca de fisgar o eleitorado. Diante da crise que assola o país, alguns temas chamam a atenção: o reaquecimento da economia e a limpeza do nome do brasileiro estão entre os compromissos de alguns candidatos.
Não são tarefas fáceis, mas para boa parte da população, podem ser mais simples do que aparentam. Uma ideia que pode ser aproveitada pelos postulantes a cargos neste pleito são os fundos rotativos solidários. O Maranhão está repleto de bons exemplos.
Alguns participantes do seminário. Foto: Lena Machado
Entre a última segunda (3) e quarta-feira (5), na Casa de Retiros Oásis (Rua Frei Hermenegildo, Aurora, São Luís), a Cáritas Brasileira Regional Maranhão reuniu cerca de 45 representantes de comunidades e grupos produtivos para uma formação sobre a temática – alguns grupos já atuam nesta perspectiva há mais de 20 anos. A iniciativa tem apoio da Fundação Interamericana.
“A Cáritas celebrou um convênio com a Fundação Interamericana que prevê o apoio a grupos produtivos ligados à Rede Mandioca para o desenvolvimento de ações produtivas, fortalecimento de ações de economia solidária e de comercialização junto a esses grupos em 11 municípios do Maranhão e esse processo também prevê momentos de capacitação e acompanhamento desses grupos. Esse seminário estadual sobre fundos solidários é um desses momentos de capacitação garantidos por essa parceria, o primeiro”, destacou Lucineth Cordeiro, assessora regional de Economia Popular Solidária.
Momento de mística do seminário. Foto: Lena Machado
Para o desenvolvimento da Rede Mandioca, que já tem mais de 10 anos de atuação no Maranhão, a Cáritas também celebrou um termo de fomento junto à Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop). Somando as iniciativas, são 30 grupos e comunidades acompanhados em 15 municípios: Água Doce, Amarante, Aldeias Altas, Belágua, Benedito Leite, Codó, Lago Açu, Lago da Pedra, Lagoa Grande, Loreto, Marajá do Sena, Nina Rodrigues, Presidente Vargas, Riachão e Vargem Grande – onde teve início a experiência da Rede Mandioca.
Intercâmbio – Foi um rico momento de troca de experiências. Os fundos rotativos solidários funcionam à base de solidariedade – como o próprio nome entrega –, coletividade e confiança. Indago a alguns participantes do seminário se eles acreditam que esta solução poderia ser aplicada em larga escala pelo país e a resposta unânime é sim.
Dona Expedita. Retrato: Zema Ribeiro
Em Água Preta, comunidade do município de Amarante, por exemplo, o fundo rotativo solidário local teve início diante da necessidade de a comunidade construir uma casa de farinha em regime de mutirão, com o material doado pela Cáritas. “A união faz a força e em 15 dias construímos a casa. Havia a cultura de que nós somos pobres por que Deus quer, vamos sofrer por que é a vontade de Deus. Nisso não acreditamos mais”, conta a quebradeira de coco Expedita Pereira, de 75 anos.
Ela dá uma ideia da dinâmica de funcionamento dos fundos rotativos solidários: “hoje em dia a gente faz farinha todo dia. Cada um que faz tem que deixar uma porcentagem para a manutenção do forno, que é de todos. Um ajeitando, é para todos. Tem um dinheiro no caixa, uma pessoa adoece, não pode comprar o remédio, eles vão lá e ajudam”, explica.
Walter dos Santos. Retrato: Zema Ribeiro
Para o produtor rural Walter dos Santos, 48, a solidariedade é algo tão arraigado em sua comunidade que ele tem dificuldade em destacar o marco inicial do fundo rotativo solidário em Pequi da Rampa, comunidade de Vargem Grande. “Trabalhamos há muito tempo, vem de berço a questão da solidariedade na comunidade”, afirma.
Os moradores de Pequi da Rampa começaram a se organizar diante da necessidade de pagar um empréstimo, contraído com a finalidade de melhorar a casa de forno local. Ele cita o ano de 1995 como marco e conta: “nós trabalhávamos de roça no toco e no ano seguinte cada um deu meia linha de roça. Todo produto que desse nessa meia linha era botado no depósito, vendido e o arrecadado ia pro fundo. Só com as meias linhas de roça a gente conseguiu estocar mais de três mil quilos de farinha e o empréstimo que era para a gente pagar em três anos, a gente pagou em dois”, relembra.
Seu Zezinho. Retrato: Rose Panet
O catador José Ferreira Lima, de 67 anos, mais conhecido como Seu Zezinho, é presidente da Associação de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis de Imperatriz/MA (Ascamari). Ele lembra que quando a associação foi fundada, já havia um fundo de mil reais, cujo objetivo era a reforma de uma casa na Vila Cafeteira, bairro do município. O dinheiro acabou sendo usado, “em regime de economia solidária”, como ele mesmo frisa, para servir como uma espécie de capital de giro, beneficiando os catadores associados. A associação antecipava aos catadores o pagamento pelo material recolhido e o dinheiro era devolvido ao fundo quando o material era vendido, livrando os trabalhadores de uma espera média de 30 dias.
Através de parcerias desenvolvidas com a Prefeitura municipal, foi construído um galpão e a coleta seletiva está implantada, o que facilita os trabalhos de catação e triagem. A Ascamari tem 54 filiados, o que significa algo em torno de 10% dos catadores e catadoras em atividade em Imperatriz.
Diversidade – Percebe-se a diversidade do grupo reunido no seminário. “Durante esses dias, os integrantes de grupos e comunidades aqui presentes discutiram o que é um fundo solidário, como funciona, proposta de regimento, como organizar um fundo local, pra que serve, qual a perspectiva do fundo solidário dentro da economia solidária, o que é economia solidária. A gente esteve abordando esses princípios e também definindo um pouco a estrutura de gestão, propondo para as comunidades modelo de regimento, como fazer adaptações a partir de suas realidades e a partir também da vocação de cada comunidade”, comenta Lucineth Cordeiro.
Outra experiência apresentada ao longo do seminário foi a de São Benedito dos Colocados, em Codó, comunidade que produz arroz, feijão, milho e mandioca, transformada em farinha. O agente comunitário de saúde Valdivino Silva, 55 anos, agente Cáritas, é um dos integrantes da Coordenação Estadual da Rede Mandioca. O fundo solidário articula várias comunidades, que atuam, além da produção na agricultura familiar, com a produção de artesanato e de peças íntimas.
Valvivino Silva. Retrato: Rose Panet
“Os fundos têm duas frentes de ação: uma é o trabalho em mutirão, é a troca da diária, do serviço; as diárias são calculadas com valores, mas não têm papel [moeda], mas o valor é somado, é contado; a outra parte é a financeira: alguém precisa de um recurso, coloca isso na reunião, tem um tesoureiro, um secretário do fundo, ele anota no caderno e passa a grana”, explica Valdivino. Os valores são pequenos. Nenhum dos fundos solidários sobre os quais conversamos tem mais de seis mil reais em caixa. Mas como dizem os católicos, “o pouco com Deus é muito”, e esta é a premissa que lhes faz crer que, difundidos pelo país, os fundos rotativos solidários podem ser solução para alguns problemas brasileiros.
Pedro Silva Alves. Retrato: Zema Ribeiro
Os conhecimentos adquiridos ao longo das atividades serão multiplicados junto às comunidades, no retorno de seus representantes. O lavrador Pedro Silva Alves, de 26 anos, é morador da comunidade Bola de Coco, município de Lago da Pedra, uma das mais recentes a aderir aos fundos rotativos solidários. “Havia muito desperdício [de polpa de frutas, por exemplo]. O que tínhamos a gente não sabia trabalhar. A Cáritas mostrou o que a gente podia aproveitar e formar uma renda”, conta ele. Seu balanço dos dias de atividade aponta para o futuro: “Foram dias de muita experiência e aprendizado, uma rica troca de informações com outras comunidades. Vamos passar as informações adiante e, com fé em Deus, prosperar ainda mais”, finaliza.
[publicado na edição de hoje do Jornal Pequeno, em que também saiu uma exaltação a São Luís, por ocasião de seu aniversário, amanhã, encomenda do amigo Gutemberg Bogéa, editor do suplemento JP Turismo]
JP Turismo conversou com os poetas Celso Borges e Fernando Abreu sobre o lançamento de Akademia dos Párias: a poesia atravessa a rua, antologia que celebra os 30 anos do movimento poético que agitou a Ilha
POR ZEMA RIBEIRO ESPECIAL PARA O JP TURISMO
Os poetas Celso Borges e Fernando Abreu durante entrevista no Cafofo da Tia Dica. Foto: ZR (29/4/2016)
Quando Fernando Abreu voltou à São Luís – “eu sou daqui, mas só nasci aqui; passei a infância em Grajaú”, localiza –, foi estudar piano. A Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo funcionava ao lado de sua casa, na Rua da Saavedra, no Centro da cidade, o que gerou uma pergunta de um desconfiado Gilles Lacroix, então professor do instrumento na instituição: “mas é só por isso que você quer estudar piano?”, referindo-se ao fato de ele morar perto da escola. “Não. Quero estudar piano por que quero ser músico”, respondeu.
Foi por pouco: Fabreu, como hoje o jornalista e poeta é conhecido pelos amigos mais íntimos e leitores em geral, não tinha, no entanto, piano em casa, para as lições. Olga Mohana, então diretora da EMEM, orientou-o a procurar dona Maria Eugênia Borges, que morava na Rua da Paz, também no Centro, e tinha um piano em casa. Era a mãe do poeta Celso Borges. Fabreu tinha por volta de 14 anos e CB estava às voltas com o lançamento de Cantanto [ed. do autor], sua estreia na poesia, de 1981.
“Uma amizade atávica”, exclama Fabreu, para lembrar-se, logo depois, de que o avô de Celso ajudara seu pai a se estabelecer em São Luís. “Ele ficou anos ocupando um imóvel, sem pagar aluguel. Com a barbearia custeou seu curso de odontologia, depois pagou os aluguéis, mas nada teria acontecido sem aquela força”, agradeceu.
As lembranças vão se emendando umas às outras como cigarros acesos nas baganas dos anteriores, embora ninguém fume durante a entrevista regada a água e coca-cola. No Cafofo da Tia Dica, detrás da Livraria Poeme-se, na Praia Grande, converso com os poetas sobre os 30 anos que a Akademia dos Párias, movimento integrado por eles nas décadas de 1980 e 90, completa em 2016, e que será comemorado com o lançamento da antologia Akademia dos Párias: a poesia atravessa a rua.
“Eu sou mais ou menos seis anos mais velho que toda a turma”, revela Celso, à época já formado em jornalismo pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) – onde grande parte dos párias se encontrou, principalmente nos corredores do curso de Comunicação Social –, pai de família e com carteira assinada no Sistema Mirante de Comunicação. “Eu tinha completa liberdade na rádio [Mirante FM, inaugurada há pouco], levei Ademar Danilo [jornalista e dj] para fazer o Reggae Night, ele já tinha um conhecimento fabuloso do ritmo”, lembra.
“A gente ouvia Bob Marley, Peter Tosh, Jimmy Cliff. Foi através de Ademar que começamos a ouvir outros nomes da Jamaica”, enumera Fabreu. “O estúdio era pequenininho, mas uma vez Celso levou a galera lá, botou a gente sentado no chão, crivou de perguntas e publicou uma entrevista”, conta. O papo saiu na Guarnicê, que era um encarte do jornal O Estado do Maranhão – depois a revista circularia de forma independente –, editada por Celso com Roberto Kenard e Joaquim Haickel.
Ronaldão lendo um poema no lançamento do número 3 da revista Uns & Outros, no bar de Betto Pereira, no São Francisco, em 1986 ou 87. Foto: acervo Párias.
“Outro cara importante foi Ronaldão. Era um cara versado em Bob Dylan, Kraftwerk, Pink Floyd. Encarnou um personagem, sumiu. Ninguém sabe por onde anda. A última vez que eu falei com ele, ao telefone, foi em 1997. Guaracy [Brito Jr.] também já sacava muito de música, Joy Division”, Celso lista outros autores de poemas que estarão na antologia.
Indago-lhe o critério de seleção. Ele não titubeia: “primeiro os poemas que sobreviveram ao momento; depois, poemas que tinham o espírito pária. São 25 poetas, muitos deles só publicaram ali, na Uns & outros [revista editada pela Akademia dos Párias], naquele momento”, revela. O único poema que não saiu na revista foi justamente Pária, de Celso Borges, que encerra seu Pelo avesso [1985]: “somos poucos/ cada vez menos/ somos loucos/ cada vez mais”, diz um trecho do poema, que não por acaso ilustrava a camisa que o poeta escolheu para conversar com o JP Turismo. Vestido de preto, Fabreu saudava o citado Bob Marley e sua One love. Paz, amor e poesia, bem traduzindo o clima pária.
Influências – O surgimento da Akademia dos Párias se dá no apagar das luzes da ditadura militar brasileira, que assombrou o país por 21 anos. “Coincidiu também com uma abertura gráfica, editoras como a Brasiliense começaram a publicar [Paulo] Leminski, Chacal, John Fante, [Charles] Bukowski”, lista Fabreu. “Caprichos e relaxos, Drops de abril, Pergunte ao pó, Cartas da rua e Mulheres eram bíblias, uma espécie de Pentateuco particular”, enumera CB.
Galera Pária no antigo Hotel Quatro Rodas, em 1986. Foto: acervo Párias
“Nós éramos amados e odiados em igual medida. Muita gente adorava, a gente vendia revistas, fazia saraus em bares e, claro, bebia muito. Outros chamavam a gente de “viado”, por que era tudo muito orgânico, a gente se abraçava, se beijava em público”, lembra Fabreu. E completa, pensando em Allen Ginsberg, Jack Kerouac e companhia: “mal comparando, éramos como os beats, ao redor de quem orbitavam também figuras que não escreviam ou escreviam ocasionalmente”.
Uns & outros – A revista Uns & Outros teve oito números publicados em 10 anos – o último saiu em 1996. “Havia uma necessidade de publicar. As pessoas estavam escrevendo, de repente se reunia o material, se cotizava e pensava-se que com o dinheiro da venda da revista a gente pagaria o que ficou devendo na gráfica e investiria no próximo número: mas a farra era grande e nunca havia caixa”, ri Fabreu.
“Gosto de pensar na importância da revista. Havia um vazio. Se pensarmos no que foi feito em termos de agito literário nas décadas anteriores, é nada. É claro que havia os livros de [os poetas Bandeira] Tribuzzi, Nauro [Machado], [José] Chagas – mas outras leituras nos interessavam mais. A Uns & Outros serviu para mostrar que poesia podia ser feita por quem não é da Academia Maranhense de Letras e eu gosto de pensar que anos depois, embora soe estranho, já que eu fiz parte também, influenciou, por exemplo, a revista Pitomba!”, celebra Celso.
Serviço – Akademia dos Párias: a poesia atravessa a rua, a antologia, será lançada no próximo dia 19 de maio (quinta-feira), às 19h, na livraria Poeme-se (Rua João Gualberto, 52, Praia Grande), com recital de poesia.
[Jornal Pequeno, JP Turismo, sexta-feira, 6 de maio de 2016]
[texto escrito às pressas, ontem, a pedido do amigo Gutemberg Bogéa. Saiu no JP Turismo, Jornal Pequeno, hoje]
Emoção e autenticidade marcaram show em que a sambista de 77 anos lançou Ninguém é melhor do que eu, seu disco de estreia
TEXTO: ZEMA RIBEIRO FOTOS: MARISTELA SENA
Há certas facetas de que só Patativa é capaz. Lotar o Porto da Gabi em plena quarta-feira, por exemplo. Mas o motivo era dos mais justos: o lançamento de seu tão aguardado disco de estreia, que finalmente chegava aos ouvidos de quem aprecia a música de qualidade produzida no Maranhão.
O Samba na Fonte, grupo que ocupa com música a Fonte do Ribeirão, um dos cartões postais do Centro Histórico ludovicense, foi reverenciá-la. Vez por outra ela dá canjas na paisagem.
Os DJs Joaquim Zion e Marcos Vinicius, residentes da casa, misturaram reggae, merengue e música brasileira para recebê-la. A noite era dela, a diva, a madredivina dama, em noite de estreia e gala, aos 77 de idade, que nunca é tarde e “quem espera por Deus não cansa”, como ela mesmo não cansa de dizer.
Pelas mãos de Luiz Jr., produtor musical, e Zeca Baleiro, diretor artístico, Ninguém é melhor do que eu, o disco, chega ao mercado pela Saravá Discos, selo que Baleiro inventou e em que investe energia e um punhado de dinheiro do próprio bolso para lançar nomes em que acredita, que valem a pena. Foi assim com Antonio Vieira, com Lopes Bogéa e agora com Patativa, entre outros.
Ninguém é melhor do que eu tem participações especiais de Zeca Baleiro em Santo Guerreiro, Simone em Saudades do meu bem querer e de Zeca Pagodinho na faixa-título. No repertório, além de Xiri meu, por demais conhecida em rodas boêmias da Ilha, estão ainda Rosinha, gravada por Fátima Passarinho no único disco do grupo Fuzarca (integrado ainda por Rosa Reis, Cláudio Pinheiro, Inácio Pinheiro e Roberto Brandão), e Colher de chá, gravada por Lena Machado em Samba de Minha Aldeia (2009).
Após samba e discotecagem, a exibição de Xiri meu, documentário curta-metragem de Tairo Lisboa preparava o público – como se precisasse – para o que viria a seguir. A noite era dela, repita-se. Na tela, depoimentos de amigos e admiradores: o compositor e jornalista Cesar Teixeira, o ator e incentivador Fumaça, o sociólogo e radialista Ricarte Almeida Santos, o feirante Corintiano. Patativa caminha tranquilamente pela Feira da Praia Grande, ruas da Madre Deus e da Vila Embratel, onde mora atualmente. Tudo isso regado a seus sambas, trechos do que se ouviria completo no show.
Escudada por Luiz Jr. (violão sete cordas e direção musical), Robertinho Chinês (cavaquinho), Elton (flauta e sax), Davi (contrabaixo), Oliveira Neto (bateria), Lambauzinho (percussão), Wanderson (percussão), Philippe Israel (vocais) e Lena Machado (vocais), Patativa mostrou, sem ser arrogante, por que Ninguém é melhor do que eu.
Cantou quase o disco inteiro, um apanhado de sambas acima da média, além de cinco inéditas. Sua espontaneidade e jovialidade marcantes contagiaram o público, em uma noite realmente mágica. Tudo jogava a favor: o vento das margens do Bacanga, a qualidade do som, o ambiente, cuja proprietária e seu marido, Gabi e Josemar, são personagens de Samba dos seis, uma das músicas do repertório.
A noite foi coroada ainda com as participações mais que especiais de Lena Machado, que dividiu Colher de chá com a autora, e Zeca Baleiro, que cantou e fez graça com ela em Santo guerreiro e na faixa-título.
O som dos tambores dos Filhos de Dadinha (outro apelido da compositora, este da intimidade de sua casa) encerraram a noite em grande estilo. Até nisso Patativa surpreende: em vez de botar uma saia e rodar, mostrou ao público mais uma composição, no ritmo das batidas frenéticas de Josemar, Peixinho e cia.
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Confiram Patativa em Ninguém é melhor do que eu (com participação especial de Zeca Pagodinho)
Depois do sucesso do lançamento coletivo de ontem (11) no Chico Discos, a editora Pitomba vai botar a banca no Sebo no Chão: domingo (15), a partir das 19h, na praça da Igreja do Cohatrac, Bruno Azevêdo, Celso Borges, Jorgeana Braga e Reuben da Cunha Rocha autografam seus novos livros, respectivamente Baratão 66, O futuro tem o coração antigo, A casa do sentido vermelho e As aventuras de Cavalodada em + realidades q canais de tv.
Na ocasião haverá ainda o tradicional comércio de livros organizado por Diego Pires, exibição do filme Luises – Solrealismo maranhense, do coletivo Éguas, além de apresentações musicais de Acsa Serafim, Sfanio Mesquita e Tammys Loyola.
Um de nossos maiores compositores completa hoje 60 anos. Em 2003, por conta de seu meio século, fui (também) o único a dizer algo: o texto saiu no Jornal Pequeno.
A Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), de que Cesar Teixeira é sócio e ex-assessor de comunicação, homenageou-o (no fundo foi por ele homenageada) em sua Agenda 2013, em que o artista comparece com sete ilustrações (incluindo a da capa), seis poemas e em uma foto (de Aniceto Neto, a mesma que ilustra este post).
Abaixo, o texto que escrevi para a terceira capa da agenda. A Cesar uma saraivada de vivas, votos de vida longa e muita arte!
Carlos Cesar Teixeira Sousa completa 60 anos em 2013: nasceu em 15 de abril de 1953. Esta agenda é uma homenagem da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) a um de seus mais ilustres sócios. Nascido no Beco das Minas, na Madre Deus, bairro boêmio encravado no coração de São Luís, o artista plural é filho do compositor Bibi Silva e desde criança habituou-se a ouvir o som dos tambores do mais antigo terreiro afro da Ilha e das rodas de samba que ocupavam a área. Dedicou-se, ainda na adolescência, às artes plásticas, tendo vencido alguns salões em fins da década de 1960.
Na mesma época iniciou sua trajetória musical, participando de festivais de música no Liceu Maranhense, onde estudou. Datam deste período músicas como Salmo 70, em parceria com o poeta Viriato Gaspar, e Sentinela, com Zé Pereira Godão.
Em 1972 integrou a trupe que fundaria o Laboratório de Expressões Artísticas do Maranhão (Laborarte). Em 1978, Papete, no antológico Bandeira de Aço, pelas mãos do produtor Marcus Pereira, registraria três músicas suas: Boi da Lua, Flor do Mal e a faixa-título.
Cesar Teixeira viria a ser um dos mais gravados compositores maranhenses, tendo sua obra registrada nas vozes de nomes como Alcione, Célia Maria, Chico Maranhão, Chico Saldanha, Cláudio Lima, Cláudio Pinheiro, Cláudio Valente, Dércio Marques, Fátima Passarinho, Flávia Bittencourt, Gabriel Melônio, Lena Machado, Papete e Rita Ribeiro, entre outros, além da Escola de Samba Turma do Quinto, cuja ala de compositores integrou durante algum tempo.
Sua Oração Latina, originalmente composta para a trilha sonora de uma peça teatral, em 1982, venceu o Festival Viva de Música Popular Maranhense, em 1985. A música é até hoje cantada em atos, greves, manifestos e mobilizações populares, não só no Maranhão. Seu único disco até aqui, Shopping Brazil foi lançado em 2004, e apresenta pequena parte de sua significativa obra musical. No carnaval de 2010, o artista foi homenageado pela Favela do Samba.
Sua atuação jornalística também merece destaque: formou-se pela UFMA em 1984, foi editor de cultura do jornal O Imparcial (1986-88), assessor de comunicação da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) (1989-2002), entidade da qual é sócio até os dias atuais, fundador do Suplemento Cultural e Literário JP Guesa Errante (2002), onde escrevia sobre música, cultura popular, teatro e artes plásticas, e fundador do jornal Vias de Fato (2009).
Homenageado com a medalha Simão Estácio da Silveira, da Câmara Municipal de São Luís, Cesar Teixeira não chegou a receber a comenda. Em 2011 foi agraciado com o troféu José Augusto Mochel, do PCdoB, por sua destacada atuação na luta em prol dos Direitos Humanos no Maranhão.
A barbárie se repete no sistema penitenciário. Discurso de autoridades e meios de comunicação idem. Extermínio de detentos não pode ser simplesmente aceito e naturalizado.
Li a cobertura dos três diários ilhéus de maior circulação acerca do assassinato de cinco detentos em Pedrinhas, na madrugada de ontem (10). Manchete de capa em O Estado do Maranhão, jornal de oposição à atual gestão municipal, a chacina perdeu para o balanço de 100 dias do governo Holandinha nos jornais Pequeno e O Imparcial.
Nenhuma das matérias sobre o assunto – tanto faz se em matutino de oposição ou situação, na esfera municipal ou estadual – critica o Estado do Maranhão (o ente federado, não o jornal), seu governo, a governadora Roseana Sarney, a Secretaria de Segurança Pública, a de Justiça e Administração Penitenciária (responsável direta pela questão carcerária) e/ou seus secretários Aluízio Mendes e Sebastião Uchôa, respectivamente. Sintomático.
Há muito por ser esclarecido. As cinco vítimas haviam sido presas na última sexta-feira, isto é, completaram sequer uma semana sob a custódia do Estado. “Segundo agentes que estavam na entrada da detenção, nenhum barulho foi ouvido, apesar do fato ter ocorrido na madrugada”, afirma a matéria de O Imparcial. Este “sono de pedra” dos agentes é, no mínimo, conivente com os assassinatos.
O jornal O Estado do Maranhão, afirma logo no sutiã que “a chacina vitimou três irmãos e dois cúmplices, suspeitos de participação em assaltos, homicídios e tráfico de drogas”, como se o parentesco entre três das cinco vítimas lhes tornassem mais criminosos que as demais. Cabe perguntar: se eram suspeitos, o que faziam presos?
Sobre o ocorrido a “palavra do especialista” – box inventado por O Imparcial em sua última reforma visual – ouviu Bruno Mondego Polary, psicólogo, especialista em Desenvolvimento e Gestão com Pessoas. Faltou dizer que ele é chefe da Assessoria de Planejamento e Ações Estratégicas da SEJAP. Um trecho inacreditável de sua fala ao jornal: “A Psicologia assume uma postura delirante, sonhadora e otimista, da qual compartilho no sentido de que a única maneira de o poder público evitar as mortes nos Estabelecimentos Penais é acreditando no ser humano”.
Acreditar no ser humano é delírio? Delírio parece ser a vontade do sistema de justiça e segurança do Estado de simplesmente lavar as mãos quanto ao ocorrido. Diz o Jornal Pequeno: “Ainda segundo a Sejap, os assassinatos podem ter sido motivados por vingança, uma vez que as cinco vítimas haviam assassinado, semanas atrás, um integrante do grupo rival ao deles”. De suspeitas as vítimas passam instantaneamente à condição de acusados, mesmo que a(s) investigação(ões) não tenha(m) sido concluída(s) – ou sequer iniciada(s).
Não é a primeira vez que Pedrinhas é palco destas cenas brutais. Infeliz e provavelmente não será a última. Logo o assunto cairá no esquecimento, afinal de contas, para os embrutecidos sistema de justiça e segurança, os meios de comunicação e a “opinião pública” – (in)formada pelos anteriores – eram apenas “bandidos”, “marginais” que “tiveram o que mereceram” – ainda que sequer existam provas de suas culpas.
Fugir da questão – e de outras, mais amplas – apenas nos levará a vez por outra nos depararmos com o horror e a tragédia, além de alguns cínicos fingindo deparar-se com o banho de sangue pela primeira vez. O assunto é bem mais complexo e está para além dos muros de nossos presídios.
Depois de alguns anos no Brasil, Joaquim estava passando por sérios problemas financeiros e resolveu partir para o mundo imundo do crime.
Planejou seu golpe e foi até o Parque do Ibirapuera, agarrou um garotinho e falou:
— Isto é um sequestro! Pegue este bilhete e entregue para o seu pai!
O bilhete dizia “Sequestrei seu filho! Deixe dez mil reais amanhã, atrás da moita da praça central. Ass.: Joaquim”.
No dia seguinte, o sequestrador português foi até a praça central e encontrou o dinheiro, acompanhado de um bilhete: “Aqui está o seu dinheiro. Mas não posso acreditar que um português possa fazer isto com outro. Ass.: Manoel”
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Tirei os tremas do texto acima, do Piadas do Dia. A piada saiu nos jornais Pequeno [Rárárá, p. 2]e O Estado do Maranhão [Piada do Dia, Alternativo, p. 4] de hoje (9): o control c control v já não se restringe a releases. Só de portugueses há 186 piadas no site que o segundo credita como fonte e o primeiro não. É claro que pode ser apenas coincidência. Ainda bem que não leio horóscopo…
Jornais da capital maranhense repercutiram o anúncio pelo Governo do Estado do Maranhão das festividades de comemoração dos controversos 400 anos de São Luís.
Da família da governadora Roseana Sarney O Estado do Maranhão é o que traz a maior matéria sobre o assunto, o que não quer dizer a melhor (ou a menos pior). O texto, entretanto, não passa de um grande publieditorial, em vez de jornalismo, cometendo equívocos como dizer que a Biblioteca Pública Benedito Leite será inaugurada quando o correto seria dizer reinaugurada.
A governadora do Maranhão Roseana Sarney e o prefeito de São Luís João Castelo não dialogam; isto é, em alguns dias deverá ser anunciada outra programação oficial dos 400 anos da capital maranhense pelo segundo, em ritmo de campanha pela reeleição.
Não houve qualquer planejamento para a pretensa megafesta que se avizinha e o caos deve se instalar na Lagoa da Jansen, palco dos shows. Artistas como Gilberto Gil, Roberto Carlos, Ivete Sangalo, Zezé di Camargo & Luciano, Alcione, Zeca Pagodinho e Rita Benneditto (que todos os jornais continuaram chamando Rita Ribeiro, mesmo após a mudança do nome artístico da cantora) não têm agendas tão simples de se encaixar em uma programação em cima da hora.
Perguntas básicas que deveriam ter sido feitas por algum/a jornalista presente à coletiva em que a filha do presidente do Senado anunciou a programação: quanto custará aos cofres públicos a farra dos 400 anos? Quanto custa cada cachê das megaestrelas contratadas e anunciadas? De onde sairão estes recursos?
A cobertura domesticada do anúncio das festividades, com o Jornal Pequeno limitando-se a copiar o G1 (no Maranhão sinônimo de Mirante), fez-me lembrar do saudoso Millôr Fernandes, colecionado por Ruy Castro em Mau humor: uma antologia definitiva de frases venenosas [Companhia das Letras, 2007]: “Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”.
Tudo entre aspas, não necessariamente nessa ordem.
“Vice-presidente municipal do PSDB defende campanha sem baixarias”, anuncia manchete na página 3 [Política] do Jornal Pequeno de hoje (14).
A manchete por si só já me daria motivos para rir, pois reúne em si o PSDB e baixarias, como se esta(s) fosse(m) o significado da última letra da sigla.
Lendo o texto penso no desserviço prestado pelo Jornal Pequeno, espécie de Diário Tucano ludovicense, a bater palmas para tudo o que fazem o prefeito João Castelo, candidato à reeleição, e seu partido.
O vice-presidente citado na manchete é o jornalista José Linhares Jr., não à toa, blogueiro abrigado no Jornal Pequeno, onde vive a desfilar baixarias. Ou vocês vão dizer que é elegante a montagem em que o Coringa (do Batman) entrevista o candidato Edivaldo Holanda Jr? Ou a Coligação “Queima Tadeu”, montagem em que o ex-prefeito-candidato aparece ladeado por seus opositores Flávio Dino, Edivaldo Holanda Jr. e Washington Oliveira? De tão “baixarias”, este blogue prefere nem reproduzi-las.
“Eleição não é brincadeira de quem passa o dia inteiro no Facebook plantando mentiras e tentando confundir o eleitor por desespero”, afirma o jornalista-vice-presidente, segundo o texto, quiçá de sua própria lavra. “Nossa coligação não vai entrar nesse jogo”, continua. A coligação talvez não (embora eu não acredite): ele já entrou, embora não no Facebook, mas em seu blogue pequeno-tucano.
É hilariante também a contradição: Linhares critica a postura do também jornalista Márcio Jerry, presidente municipal do PCdoB, de supostamente aparecer mais que Roberto Rocha, candidato a vice-prefeito na campanha que coordena. Ora, a veiculação deste texto não tira os holofotes de Neto Evangelista e joga-os em Linhares Jr.?
José Linhares Jr. é uma espécie de Washington Oliveira jovem: o expoente maior do sarnopetismo maranhense cansou da esquerda, após uma vida inteira nela; o primeiro, agora aos 30 e poucos, cedo deixou a UJS pcdobista para tornar-se um dos principais nomes da ultradireita conservadora maranhense.
Este é um dos coordenadores da campanha de João Castelo à reeleição. No desespero por mais quatro anos em um cargo de confiança, ele certamente recorrerá a quaisquer expedientes. Inclusive baixarias. Está apenas cumprindo seu papel.
Ficaria feliz em ter alguém que cuidasse de toda a parte chata do trabalho. Sobraria mais tempo pra escrever e terceirizaria o custo do material todo, que lucro mesmo eu nunca esperei. Grifes também fariam bem ao espírito, se calhasse.
Mas não calhou.
Tenho aqui tantas cartas de recusa de originais, que dava pra escrever um romance nas costas delas. Um dia uso pra alguma coisa, existe estilo, humor e sarcasmos deliciosos nelas.
A ideia da editora foi a de criar uma falácia. E se eu não fosse eu? Se me institucionalizasse? Criasse um nome de fantasia? O de batismo tinha falhado de todas as maneiras.
Meses depois, transformei o incômodo num pequeno texto chamado Manifesto Pitomba, no qual tentava enumerar problemas e soluções, mas que acabou brutalmente censurado pelo Reuben [da Cunha Rocha] e pelo Celso [Borges] — que têm mais senso do ridículo que eu — mas que insisto em colar, pequenininho, nos meus próprios livros. É no ridículo que opero.
Mas vamos lá. Ao problema.
Nossas possibilidades de edição se resumem a duas secretarias de cultura que valem menos que a merda do pombo da cumeeira do Oscar Frota. Os editais são escritos por um paquiderme, executados por um protozoário e resultam em livros tão feios que, ao longo dos anos, recusei-me a ler vários por não suportar o contato com o objeto.
Os caras não se importam com algo com o qual eu me importo muitíssimo, e isso me emputecia! Me inscrevi nesses editais por anos e anos, ganhei algumas vezes, mas nunca saía nada! É preciso que vocês entendam que um dia eu levei esse povo muito a sério. Eu até lia os poemas, porra!
Com o tempo, passou a me incomodar mais a atitude dos autores, que se sujeitam ao [Concurso Literário e Artístico] Cidade de São Luís todos os anos, sabendo do embuste, como se sujeitam aos editais da Secma (quando esta os faz). O trabalho deles ficava, ao logo dos anos, tão medíocre quanto o esquema todo. Parecia que os editais, antes de promover o tal fomento à produção, a viciava. Há de se tirar o chapéu ao funcionismo, conseguir travar gerações inteiras com uma estratégia de edição tosca e migalhenta como esta é um lance de gênio. Gente que, anos antes, tava amolando as pontas das facas aos murros.
A Pitomba é uma forma positiva de recusa à calhordice geral, ao amadorismo da oficialidade, devolvendo a ofensa na forma de livros ofensivos, porque ousamos achar que o livro é um troço importante, bonito, tesudo e tal. Também é uma maneira de existir, e qualquer existência fora das paredes das repartições, no Maranhão, é transgressora.
A Pitomba edita também a Pitomba. Digo, o selo/editora publica a revista, editada por Bruno com os citados Celso e Reuben, que também publicaram textos sobre a Pitomba, a revista, no Guesa. O do último tá no blogue dele (donde roubei a ilustração do post). O do remanescente da Guarnicê, se ele me mandar, que ver mesmo o Jornal Pequeno de sábado, eu não vi, eu penduro cá no blogue.