Wilson Zara e Louro Seixas prestam tributo a Raul Seixas

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Divulgação
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Show acontece sábado (22) no Bar Contraponto (Praia Grande). Artista baiano completaria 70 anos em 2015

No ano em que Raul Seixas teria completado 70 anos (28 de junho), os cantores Wilson Zara e Louro Seixas sobem ao palco para mais uma edição do Tributo a Raul Seixas, apresentado anualmente, desde 1992, pelo primeiro. O artista homenageado faleceu aos 44 anos em 21 de agosto de 1989, dois dias depois de lançar seu último disco, A panela do diabo, dividido com o também roqueiro baiano Marcelo Nova (vocalista do Camisa de Vênus).

Foram a música e a filosofia de Raul, aliás, que empurraram Wilson Zara, ex-bancário, para a música. Com o dinheiro da indenização comprou violão, equipamento de som e aventurou-se na noite, ainda morando em Imperatriz, onde começou a celebrar a obra do ídolo, em show, à época intitulado A hora do trem passar – título de uma das faixas de Krig-ha, bandolo!, disco de 1973, um dos mais vendidos da carreira de Raul.

Wilson Zara realiza mais uma edição do show anual para homenagear o ídolo. Foto: divulgação
Wilson Zara realiza mais uma edição do show anual para homenagear o ídolo. Foto: divulgação

 

Em seguida, Zara mudou-se para São Luís, tendo sido bem acolhido no cenário musical da cidade, onde continuou realizando a homenagem anual ao roqueiro baiano, além de se apresentar regularmente por diversos bares e casas na noite da ilha.

Louro Seixas já participou de algumas edições do Tributo a Raul e já realizou eventos em homenagem ao roqueiro baiano. Foto: divulgação
Louro Seixas já participou de algumas edições do Tributo a Raul e já realizou eventos em homenagem ao roqueiro baiano. Foto: divulgação

 

Louro Seixas já participou de várias edições do Tributo a Raul Seixas e também já realizou eventos em homenagem ao “maluco beleza”. Este ano, os artistas resolveram somar forças e apresentar um grande repertório, marcado por grandes sucessos do autor de Mosca na sopa e outras canções menos conhecidas. A dupla promete mais de três horas de espetáculo, entre momentos em que cantam juntos ou separados – cada artista será acompanhado de sua própria banda.

A edição 2015 do Tributo a Raul Seixas, este ano batizada por outra música de Raul, Por quem os sinos dobram, acontecerá no Bar Contraponto (Praça dos Catraieiros, Praia Grande, próximo à Casa do Maranhão) no próximo sábado (22), às 22h. Os ingressos individuais custam R$ 20,00.

A noite será aberta por Louro Seixas, acompanhado da banda Os Malucos: Israel (bateria), Sidnei (contrabaixo), Jorge (violão solo) e Berg (teclado). A noite segue com a apresentação de Wilson Zara, acompanhado da banda formada por Marjone (bateria), Moisés Profeta (guitarra) e Mauro Izzy (contrabaixo).

Ouro de tolo, Gitâ, Eu nasci há 10 mil anos atrás, Carpinteiro do universo, A maçã, Baby, Ângela, Sessão das 10, Trem das Sete, Peixuxa, Carimbador maluco, Paranoia, Eu também vou reclamar, Al Capone, Loteria de Babilônia, Capim guiné e How could I know? estarão no repertório de Louro Seixas e Wilson Zara. Para Raul-maníaco nenhum botar defeito.

Serviço

O quê: Por quem os sinos dobram – Tributo a Raul Seixas
Quem: Wilson Zara e Louro Seixas
Quando: 22 de agosto (sábado), às 22h
Onde: Bar Contraponto (Praça dos Catraieiros, Praia Grande, próximo à Casa do Maranhão)
Quanto: R$ 20,00 (ingressos individuais, à venda no local
Maiores informações: (98) 999753999 (oi), 982221315 (tim) e 988332695 (oi)

Amilar: 100 anos de Choro

CESAR TEIXEIRA

Foto: divulgação
Capa da reedição em cd do disco de Amilar. Reprodução

 

Nascido na cidade de Pinheiro, em 15 de agosto de 1915, completa 100 anos de nascimento, hoje, o multi-instrumentista Amilar Arthur Costa Brenha, que se notabilizou no Maranhão como um dos grandes mestres do bandolim. Aos 11 anos de idade ele já se apresentava em emissoras de rádio, teatros e circos, onde teria como inspiração o virtuoso músico e amigo Laquimé.

Foi no circo que pode mostrar seu talento, a partir de 1926, não só como instrumentista, mas também como palhaço e atuando em comédias e dramas. Mudou-se aos 15 anos para São Luís, onde ampliou seus conhecimentos de violão e aprendeu banjo, rabecão, violão tenor, cavaquinho e bandolim, com o qual conquistaria fama.

Na capital, Amilar juntou-se a grandes músicos que tocavam em bailes e clubes. Entre eles, Chaminé (acordeom), Jorge Cego (trombone), Agnaldo (violão), Vital (bateria), Roque (rabecão), Hemetério (violino), que também alegravam as boates tradicionais da Zona do Baixo Meretrício (ZBM), como Monte Carlo, Cristal, Bela Vista, Casablanca, e as madames Maroca, Lili, Zilda… Depois curavam a ressaca no Hotel Central.

Viajando pelo norte do país com o Circo Teatro Íbis, o artista chegou até o Território Federal do Amapá. Para lá retornou no início de julho de 1958 no Rebocador Araguary, pondo um fim nas atividades circenses. Arranjou emprego na Companhia de Eletricidade do Amapá, guardou o bandolim, mas continuou participando com seus amigos das rodas seresteiras como violonista.

Em fevereiro de 1965, deixou a CEA e foi trabalhar na Prefeitura do município de Mazagão, ocupando os cargos de capataz, auxiliar administrativo e almoxarife. A essas alturas, seus dotes com o cavaquinho e o bandolim já tinham sido descobertos pelos seus colegas de trabalho, que sempre o convidavam para festividades públicas.

Candidatou-se e elegeu-se vereador pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), em 1972, tomando posse no ano seguinte, mas em 1976 renunciou ao mandato, descontente com o partido. Nesse mesmo ano foi convidado a ministrar aulas de violão na Escola Estadual D. Pedro I, o que iria compensar os baixos e atrasados salários da Prefeitura.

Para melhorar sua escolaridade, Amilar fez vários cursos na área da música e do folclore, capacitando-se para o Magistério de 1ª a 5ª Séries do 1º Grau, em 1980, por meio do Instituto de Educação do Território do Amapá, tendo recebido o registro de professor.

No Amapá integrou o conjunto de Aimoré Batista e os grupos de choro Os Piriricas, Café com Leite e o Regional E-2, da Rádio Difusora de Macapá, sempre tendo como fiel escudeiro o violonista Nonato Leal. Em 1986, com o apoio do governo do estado, gravou um disco em vinil com 12 músicas suas, entre outras, Piririca no Choro, Laquimé, Choro Café com Leite, Capitão Boca Torta e Mazagão no Choro.

Amilar Arthur Brenha sofria com as complicações do diabetes, que chegou a afetar seu olho direito. Faleceu em Macapá no dia 20 de abril de 1991. Muito querido no Amapá (considerado um verdadeiro tucujuense), na cidade de Mazagão virou nome de escola estadual e em Macapá nome de rua, no bairro Jardim Felicidade.

Desde maio deste ano o Projeto “Macapá no Choro”, reunindo músicos do grupo Pau e Cordas e seus convidados, vem realizando apresentações semanais no espaço cultural Casa do Chorinho para comemorar o centenário de Amilar, reconhecido como o precursor do choro no Amapá. No Maranhão, até agora, não foi lembrado. (Com informações de Nilson Montoril, Chico Terra e Renivaldo Costa)

Quem sabe das coisas mete a mão na cumbuca

Foto: Carolina Libério
Foto: Carolina Libério

 

Cumbuca é palavra que guarda sonoridades. É cuia, simplesmente, outra palavra interessante. A primeira vem do tupi kui’mbuka, “espécie de cuia”. Quem nunca tomou um banho de cuia não sabe o que está perdendo, embora do fruto da cuieira se façam também outros usos.

Como o que as Afrôs fazem em show hoje (7) no Barulhinho Bom (Rua da Palma, 217, Praia Grande), às 21h: Na cumbuca com Afrôs. A ideia é aliar música e gastronomia: da cumbuca sonora do grupo a sonoridade mestiça, calcada nos tambores tocados por mulheres, nos riffs de guitarra e no groove do contrabaixo; doutra cumbuca o sabor de surpresa inusitada preparada pelo chef Pieter, proprietário do restaurante.

A banda é formada por Cris Campos (percussão e voz), Fernanda Pretah (percussão e voz), Rebeca Alexandre (percussão), Hugo César (violão e guitarra), Jânia Lindoso (percussão), Melannie Carolina (contrabaixo e voz), Fofo Black (percuteria) e Tieta Macau (performer).

No repertório, músicas autorais, do primeiro EP do grupo, o homônimo Afrôs, além de inéditas e clássicos dos terreiros do Maranhão, todas com pegada dançante para instigar a interação com o público. O show de hoje é o primeiro de uma série com essa proposta, e percorrerá diversas casas em São Luís. Nesta edição inaugural as Afrôs recebem a cantora Dicy Rocha e o dançarino Igor Gauthier.

Os ingressos podem ser adquiridos no local e custam R$ 20,00 (R$ 10,00 para estudantes e demais casos previstos em lei).

Confiram as Afrôs em Entre o chão e a encantaria (Cris Campos, Camila Pinto Boullosa, Jânia Lindoso e Fernanda Pretah):

Santo de Casa lança três inéditas de Chico Saldanha

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

 

O compositor Chico Saldanha, 70, anunciou para ainda este ano o lançamento de Plano B, seu quarto disco. O aguardado sucessor de Emaranhado (2007) está praticamente pronto.

“Quando voltar de uma viagem vou colocar as últimas vozes, Zeca [Baleiro] gravará sua participação e vamos para as fases de mixagem, masterização e prensagem”, anunciou Saldanha, com exclusividade, ao blogue. Ele irá à Suíça, acompanhar o nascimento de uma neta.

Um disco novo de Chico Saldanha é sempre um acontecimento. O intervalo entre um e outro ajuda a explicar o esmero com que cada álbum é feito. Intitulado Chico Saldanha, seu vinil de estreia, gravado em São Paulo, quando o artista morou lá, foi lançado em 1988, e emplacou ao menos um hit: Itamirim, interpretada por Tião Carvalho.

Aquele álbum trazia também Linha puída, sua canção mais regravada. O segundo disco, Celebração, foi lançado 10 anos depois. O álbum começa com uma homenagem à sua cidade natal, Parabéns, Rosário (Ribamar Marques), que remonta às origens do sotaque de orquestra do bumba meu boi.

Em Emaranhado ele contou com as participações especiais de Zeca Baleiro, Josias Sobrinho, Gerude, Inaldo Bartolomeu e Lenita Pinheiro. Este terceiro disco transita por uma veia pop, sem tirar o pé do brega (Mara), passando por bolero (Babalu), bumba meu boi (a faixa título), blues (Cover de blues) e choro (Branco).

Hoje (23), amanhã (24) e segunda-feira (27) o programa Santo de Casa, na rádio Universidade FM (106,9MHz) apresentará em primeira mão três faixas de Plano B, todas de autoria de Saldanha: Afeganistão, carinhosa e divertidíssima homenagem a um saudoso bar da Madre Deus, bastante frequentado por ele, este blogueiro e outros bambas, Ella, homenagem a Ella Fitzgerald, diva do jazz, e Buriti, em que homenageia os “geniais artífices” do interior do Maranhão que transformam a fibra dessa palmeira em obras de arte. A faixa tem participação especial da cantora Lena Machado.

As três faixas enviadas pelo artista à rádio têm execução de Luiz Jr. (violão, guitarra e arranjos), Mauro (contrabaixo), Rui Mário (sanfona e teclados) e Wanderson (percussão). Afeganistão tem sopros de Daniel Miranda, Daniel Cavalcanti e Elton Nascimento.

O Santo de Casa vai ao ar de segunda a sexta às 11h, com produção de Paula Brito e apresentação de Gisa Franco.

Obituário: Bebé

 

Há mais de 10 anos ouvi falar pela primeira vez em Bebé: ao lado de Wilson Zara e Gilvandro Martins, seu nome aparecia entre os autores de Zaratustra, canção inspirada na obra do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, Assim falou Zaratustra.

“Aborrecido de minha sabedoria/ desci a montanha solitariamente/ carregando os anos seculares/ e os rios que nascem/ nas linhas da palma da minha mão/ abelha enfastiou-se do mel/ o sol baixou às profundezas/ retornei ao meu corpo-espírito/ e voltei a ser homem”, começava a letra. Filosoficamente, fazendo jus à obra inspiradora, continuava: “tudo tem o seu ocaso/ da imensidão dos astros/ ao brilho frágil de uma vela/ tudo é vão/ outro corpo em minha cama/ uma rosa na janela/ minha torpe consciência/ o que é o homem, senão, uma ponte entre o animal e o super-homem”.

Depois conheci sua Fátima, uma verdadeira pérola, incluindo todas as licenças poéticas ao longo da letra, que transcrevo completa a seguir, gravada, entre outros, por Daffé e Tom Cléber: “Esses teus olhos prateados/ feito o céu todo estrelado/ é tão bom de se olhar/ neles tem tantos segredos/ que de olhar inté dá medo/ mas me faz assossegar// Se pra eu ele espia/ meu cabelo se arrepia/ bate forte o coração/ me contento em só olhar/ esses olhos cor de mar/ que nunca vão ser meus, não// Ai, meu Deus, eu não desejo/ dela o corpo, nem os beijos/ só peço uma coisa só:/ não deixe nunca eu viver/ longe desses olhos que/ faz minha vida melhor”

Só estas três obras-primas já lhe valeriam lugar entre nossos grandes compositores. Incluo na conta, Beijo e beliscão, outra parceria com Zara, em cuja companhia Bebé aparece cantando, no vídeo que abre-ilustra este post, por ocasião de uma participação do artista no extinto Terça Cultural, projeto outrora sediado no auditório do Memorial Maria Aragão, na praça homônima, em São Luís.

Mais de cinco anos se passaram até conhecê-lo pessoalmente. Pessoalmente é modo de dizer: fui jurado do III Festival João do Vale de Música Popular, produzido por seu parceiro Wilson Zara, em dezembro de 2008, quando existia o Circo da Cidade – ainda não era chamado Circo Cultural Nelson Brito nem havia sido varrido do mapa. Na ocasião Bebé levou o troféu de melhor interpretação, por sua Reticência. No geral, a música ficou em segundo lugar no certame.

Bebé tinha aparência frágil. Cantou sentado, acompanhando-se ao violão, salvo me traia a memória, as muletas encostadas na cadeira, para agilizar sua saída do palco após sua apresentação – não andava sem elas, vítima de paralisia infantil.

Nascido Raimundo Alberto Teixeira Moraes (1º de fevereiro de 1963 – 19 de julho de 2015), Bebé faleceu no último domingo, vítima de leucemia. Grajauense, venceu várias edições do FEMUG, um outrora famoso festival de música de sua cidade natal, por que passaram nomes como Luís Carlos Pinheiro, Daffé, Wilson Zara, Neném Bragança e Clauber Martins, entre outros.

Bebé deixa a viúva Larissa Barros e três filhos: João Ramon, Raimundo Alberto Teixeira Moraes Segundo (o artista não usou Filho ou Junior, como é usual, ao registrar o filho do meio) e José Felix. Seu corpo foi sepultado segunda-feira (20) no Parque da Saudade, no Vinhais, na capital maranhense.

Sinfonia operária

 

Metropolis (1927), de Friz Lang (1890-1976), caberia bem nas estantes de cinema mudo ou musical. A cidade futurística do filme assusta, ainda que considerados os padrões cinematográficos atuais, sobretudo se levarmos em conta que o filme previa o futuro (século XXI) em que vivemos hoje.

Uma das obras-primas do Expressionismo alemão, o filme é carregado de interpretações exageradas, de personagens de certo modo caricatos, distorção da realidade e (ab)uso de luz e sombras, características daquela escola. Para os representantes do movimento era impossível representar o mundo como ele é. Acreditavam que a imagem (cinematográfica) deveria projetar o conteúdo espiritual do homem.

Nove meses e mais de 30 mil figurantes custaram sua feitura e o parto do monstrengo. À segunda classificação possível, entre as citadas, devemos sua estrutura: Metropolis é dividido em três partes, Prelúdio, Intermezzo e Furioso.

A formação religiosa do diretor, filho de pai católico e mãe de origem judia, também comparece: o filme é uma espécie de atualização da alegoria bíblica da Torre de Babel, retratando a revolta de operários contra seus patrões. Aqueles, nos porões do mundo, literalmente uma espécie de inferno, fazendo a máquina girar para que estes poucos, no paraíso do lado de cima, lucrem e gozem a partir do sacrifício alheio.

Seu personagem central, o ganancioso Joh Fredersen (Alfred Abel), só se preocupará com a classe operária ao saber que seu filho Freder (Gustav Fröhlich), por conta de sua paixão por Maria (Brigitte Helm), está entre os que se revoltam com seu império – e por conta disto corre o risco de morrer.

Há quem diga também ser Metropolis uma espécie de premonição ao nazismo de Adolph Hitler. Talvez seja tudo isso. Por conta de O testamento do Dr. Mabuse (1933), Lang foi convidado por Joseph Boebbels, ministro da propaganda (do) nazista, a assumir o cargo de supervisor do departamento de cinema de seu ministério. Ele fingiu-se lisonjeado, agradeceu o convite, recusou-o e, após a reunião, pegou um trem para Paris, de onde só voltaria 25 anos depois.

Fritz Lang dirigiu 43 filmes entre 1919 e 1960. Com roteiro de Thea von Harbou, que acabou sucumbindo ao nazismo que ele recusou, Metropolis é sua obra mais conhecida.

Uma última curiosidade: pouco depois de estrear, Metropolis sofreu drásticos cortes e alterações. Desde então, mais de um quarto do filme era dado como perdido, somente tendo sido recuperado em 2008, quando uma cópia quase completa do filme foi encontrada em Buenos Aires, ainda que bastante danificada. A versão reconstituída a partir dessa cópia é a mais completa do filme, com 148 minutos.

*

Metropolis será exibido hoje (21), às 18h30, no Cine Praia Grande (Centro de Criatividade Odylo Costa, filho, Praia Grande), na abertura da mostra Sombras que assombram – O expressionismo no cinema alemão, realização do Sesc/MA

Composta por nove filmes, a mostra fica em cartaz até a próxima sexta-feira (24), com entrada franca (ingressos devem ser retirados na bilheteria, com meia hora de antecedência a cada sessão).

No último dia de sessões da mostra, Stella Aranha (graduada em Artes Visuais e mestre em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal do Maranhão) ministrará o workshop O expressionismo no cinema alemão, às 14h30, no mesmo local, também com entrada gratuita.

Confira a programação completa no site do Sesc/MA.

A música é a arte dos encontros

Joãozinho Ribeiro autografa hoje Milhões de uns – vol. 1 no Bip Bip, em Copacabana. Foto: Paulo Caruá

 

Mesmo de férias, o compositor Joãozinho Ribeiro não baixa a guarda. Explico: funcionário público federal, ele está no Rio de Janeiro, acompanhado da musa Rose Teixeira, a quem dedicou, entre outras, Te gruda no meu fofão, tema de espetáculo homônimo encenado pelo Laborarte em tempos idos. Pois se o funcionário público goza férias, o artista não. Ou ao menos não completamente: poeta e musa estarão hoje (20) à noite no mítico Bip Bip, na rua Almirante Gonçalves, em Copacabana, onde o primeiro autografa Milhões de uns – vol. 1 para cariocas e turistas que aparecerem.

Alfredinho, proprietário do mítico Bip Bip. Foto: Dario de Dominicis/ CartaCapital

A escolha não poderia ter sido mais apropriada e é cercada de coincidências. Tanto o Bip Bip quanto Joãozinho Ribeiro são menos conhecidos do que deveriam, dadas suas importâncias, um para a boemia carioca, outro para a música produzida no Maranhão, ambos para a cultura brasileira de modo geral. O bar foi fundado em 13 de dezembro de 1968, data da promulgação do famigerado Ato Institucional nº. 5, que acirrou as trevas da ditadura militar brasileira, de que o artista foi bravo combatente, destacado militante da greve da meia passagem, em São Luís do Maranhão, setembro de 1979.

As coincidências não param por aí: tanto João Batista Ribeiro Filho, o artista, quanto Alfredo Jacinto Melo, atual proprietário do bar, que adquiriu em 1984, são conhecidos por diminutivos. Outra coincidência reside no futebol: tanto Joãozinho quanto Alfredinho atualmente frequentam a segunda divisão, com seu “glorioso” Botafogo.

Como todas as noites (o bar abre às 19h30), a de hoje será pautada pela arte, cultura e solidariedade, além da confiança mútua entre proprietário e frequentadores, desta feita somada à do artista que, aproveitando um passeio, resolve estreitar os laços entre a cidade maravilhosa e a ilha magnética.

A noite de autógrafos de Joãozinho Ribeiro no Bip Bip tem entrada franca. Milhões de uns – vol. 1 será vendido por R$ 20,00 na ocasião.

Chorografia do Maranhão: Hermelino Souza

[O Imparcial, 30 de novembro de 2014]

Técnico em contabilidade de profissão, o violonista Hermelino Souza é o 44º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

Técnico em contabilidade de formação, Hermelino de Jesus Souza nasceu em São Luís, dia 19 de abril de 1938, filho do comerciante Julio Souza, e Domingas dos Santos Costa, doméstica. Seu pai faleceu quando ele tinha apenas 16 anos, mas foi um dos responsáveis pelo gosto que tomou pelo violão.

Aos 76 anos, Hermelino revelou à Chorografia do Maranhão estar diminuindo o ritmo de trabalho na contabilidade – atende em um escritório no Edifício Catu, no Centro da capital maranhense e é conselheiro do Conselho Federal de Contabilidade – para dedicar-se mais à música.

Presenteou a chororreportagem com o cd O violão através dos tempos, fruto do resgate de fitas k7 em que toca repertório clássico e uns poucos choros. A entrevista aconteceu no Bar do Léo, que tocou repetidamente Ninguém é melhor do que eu, disco de estreia da compositora Patativa, que havia sido recém-integrado a seu acervo.

Os chororrepórteres com Léo, Hermelino e sua esposa. Foto: Rivanio Almeida Santos
Os chororrepórteres com Léo, Hermelino e sua esposa Maria Iracema. Foto: Rivanio Almeida Santos

O proprietário do bar posou para uma foto, junto ao entrevistado e aos chororrepórteres, usada para divulgação da série nas redes sociais, e recebeu um elogio do violonista: “esse é o homem da cultura musical”.

Hermelino estava acompanhado de Maria Iracema Aquino, sua esposa, que revelou já o ter visto tocando Sons de carrilhões [João Pernambuco] dormindo. Ela contou também que a reação do marido, um dia, ao chegar e ver a casa arrombada, foi botar as mãos na cabeça e exclamar: “meu violão!”. O instrumento estava intacto.

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

Além de músico, o senhor hoje tem alguma outra profissão? Várias. Além de músico, eu posso contar umas histórias? A história disso é a seguinte: desde a mais tenra juventude, como se diz, todo mundo tem uma noção de instrumento, a coisa com a família, papai cantava alguma coisa, aquela influência toda, me levou a admirar o violão. Mais tarde, meu pai morreu, eu fiquei pequeno. Eu fui desenvolvendo o violão, tocando, aprendendo com um, com outro, por ali. Eu tinha um irmão, Odimar, tocava cavaquinho muito bem. Por influência dele, fizemos um regional, eu já devia ter uns 18 anos, Regional Caçula, acompanhava programa de calouros. Era eu, meu irmão e mais três outros irmãos.

Quanto tempo durou o Caçula? Uns três anos. Depois eu comecei a trabalhar, lá por 1963, num escritório, eu era auxiliar. Tirei o curso técnico de contabilidade, foi meu primeiro emprego.

Depois de contabilidade o senhor estudou outra coisa? Nada.

E hoje? Está aposentado? Não. Trabalhando normal. Estou reduzindo um pouco.

O ambiente em sua casa era muito musical? Era. Nunca me disseram se fazia bem ou mal, mas me acompanhavam. Eu fazia o que eu queria, tinha livre arbítrio.

Seu pai gostava de música? Tocava? Tocava violão.

Comprava discos? Ouvia muito rádio? Não. Nunca vi discos por lá. Nem rádio, naquela época. Nem ele tocando, ele cantava com a turma dele na rua e nem isso eu via.

O senhor lembra com que idade começou a pegar em instrumento? Eu devia ter uns 16 anos, talvez um pouco menos. Era nessa faixa.

A sua principal influência para escolher o violão foi teu pai? Foi.

O que o senhor ouvia em termos de violonistas brasileiros? Quem mais te chamava a atenção? Naquela época eu não sabia, não conhecia ninguém. Na época desse regional, era zero à esquerda. Só tocava.

Vocês tocavam choro e samba? E acompanhávamos. Choro e samba solados por cavaquinho. E acompanhávamos os programas de calouros, em rádios. Naquela época tinha comédias, pastores, uma coisa tradicional, pastor ainda tem até hoje. No desenrolar desse tempo, papai morreu, mamãe morreu, eu fui criado por uma mãe de criação. Ela me orientou de uma forma, mas eu tive que fazer as coisas de acordo com meu pensamento, ela não se metia. Em termos de trabalhar, profissão, aprender alguma coisa, nada. Me botaram para estudar num colégio público, tirei o primário, depois o ginásio, depois fui para a antiga Escola Técnica [hoje Ifma], cursos profissionalizantes na época. Cheguei num ponto tal: “rapaz, o que eu vou fazer na vida?” [risos]. Eu mesmo. Fui fazer um curso médio. Antes disso aconteceu outra coisa interessante. Eu tinha aprendido um bocado de coisa interessante no violão, e andei ensinando um pouco, precariamente. Fui estudando e entrei para um colégio, chamado Academia de Comércio [na Rua Afonso Pena, Centro]. Eu nem sabia o que era contabilidade, mas só tinha vaga lá. Eu ensinava, com o dinheiro do violão pagava o curso. Na escola consegui uma bolsa, pagava uma parte. Consegui tirar o diploma. Concomitantemente, nessa época, eu já estava tocando na rádio Ribamar. Conheci uma pessoa muito importante, um barbeiro, ele queria ser chamado de cabelereiro [risos], seu Wilson, famosão aqui.

Eu queria que o senhor falasse do papel que algumas barbearias cumpriram para a prática do choro e do violão. Fundamental! Eu vivi uma vida com ele lá. Naquela época, toda barbearia, violão tava lá. Wilson era um barbeiro, sabia tocar um pouco, gostava demais de violão. Tinha um professor conhecidíssimo na época, Luiz Almeida. Ele ensinava Wilson. Eu havia estudado música com o maestro Godofredo Rosa, na Vila Bessa, teoria, divisão, aquela coisa toda. Estudei um pouco de flauta com ele, depois clarinete. Aquilo me deu uma base de música. Quando eu cheguei na casa de Wilson, ele me apresentou um método da escola de Tárrega [Francisco Tárrega, compositor, pianista e violonista espanhol]. Ele ia para a barbearia, sentava na cadeira com o violão, isso durou anos e anos. Luiz Almeida eu conheci na barbearia. Eu não podia pagar professor de violão, mas ele me deu umas dicas, eu fiquei amigo dele, comecei a pedir partituras, eu já tinha uma base. Luiz me dava, eu tinha que copiar tudinho. Depois disso foi que veio o programa de rádio. Eu tive que aprender rápido, fui fazer um programa próprio. Nesse programa, Acordes de um violão, naquela época não se desenvolvia muito choro aqui; se desenvolvia música clássica, violão erudito, em termos populares se tocavam algumas marchas e valsas, o repertório de Canhoto, Américo Jacomino. Wilson se transformou, para mim, não vou dizer pai, por que a diferença de idade não era tão grande, mas era como um irmão mais velho. Eu já era da família, não saía de lá.

O programa de rádio era em que ano? 1963, por aí. Na rádio Ribamar, no Apicum.

Como o senhor começava o programa? Esse programa teve vários apresentadores. Um deles foi Jairo Rodrigues, outro, eu gostava muito, era um poeta de mão cheia, Marcos Vinicius, um cara de alta cultura literária, ele ficava tão empolgado.

Quem o senhor elegeria como seus mestres? Indiretamente seu Wilson, Luiz Almeida.

Indiretamente. Então o senhor se considera um autodidata? É, um autodidata com uma porcentagem de 80 a 90%.

Essas duas situações, primeiro o regional, depois o músico de rádio: foram suas primeiras experiências profissionais com música? Não. Não, por que eu nunca me tornei profissional. Foram oportunidades que eu tive.

Isso é modéstia. Não, eu nunca fui mesmo.

Mas na rádio tinha um cachê. Por esse lado era profissional, não? Tinha, mas era tão pequeno. Mas eu estava lá e fiz. Digamos que, de certa forma, seja profissional. Mas eu não considero.

O que te despertou para a música clássica? Wilson. Papai tocava violão, mas eu não via. Eu tocava violão. O que me despertou de música, eu ouvi um rádio de uma vizinha, essa música me marcou até hoje, passei muito tempo para arranjar essa partitura, arranjei, e ainda não criei coragem para estudar. Um dia hei de tocar: Os patinadores [ele solfeja a valsa do compositor francês Émile Waldteufel], todo dia de manhã tocava numa rádio.

O senhor foi acompanhante, depois desperta para o violão erudito, mas depois passa a compreender o choro, as grandes referências do violão popular brasileiro. Quem são essas referências? O choro é uma música de alta elaboração, de alto nível. Eu, naquela época, de música brasileira, tocava algumas valsas e algumas marchas. Eu tocava a Marcha dos marinheiros, de Américo Jacomino. O choro veio mais tarde. Eu aprendi um ou outro, toquei também a Marcha triunfal, de Canhoto. Depois apareceu Dilermando. O choro, pra mim, começou com Dilermando Reis [violonista], mas eu fiquei com os dois lados, nunca consegui me separar, eu continuava com o erudito. Depois eu cheguei a uma conclusão: a música é uma só, muda o ritmo e a preferência de cada localidade, cada pessoa. A música clássica é uma música essencial, ali está toda técnica de ensino, exercícios, dentro da própria música tem. Um dos grandes problemas do choro, que ainda se enfrenta até hoje, são pessoas que devido à época, não tiveram a oportunidade de estudar música, tocam de ouvido, a maioria. Hoje é diferente. O próprio Waldir Azevedo [cavaquinista], o próprio Jacob [do Bandolim]; Jacob veio se esmerar em música depois que conheceu Radamés [Gnattali, pianista, compositor e arranjador], que deu para ele a Suíte retratos [que em quatro movimentos homenageia Anacleto de Medeiros, Pixinguinha, Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth].

O senhor já viveu de música? Não. Só na época da rádio Ribamar, eu ganhei alguns trocados. Só isso.

Além do Caçula o senhor participou de algum outro grupo musical? Eu não lembro.

O senhor já integrou algum grupo acompanhando artistas? Não. Sempre era violão solo. Acompanhando assim, às vezes em duo, eu e Biné [do Cavaco, Os Irmãos Gomes, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 22 de junho de 2014], eu e Fernando Cafeteira [violonista, falecido, integrou a primeira formação do Regional Tira-Teima]. Eu gravei um disco [Hermelino presenteia os chororrepórteres com exemplares de O violão através dos tempos]. Esse disco tem uma história, foi feito com o irmão de Biné, Denizal, o mais velho. Ele foi outro irmão meu, tocava bem violão. Nesse cd eu botei umas músicas que eu gravei com Denizal. Eu tinha em fita k7, descobri isso, ouvi, tava bom. Falei com Gordo [Elinaldo, multi-instrumentista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 27 de outubro de 2013] e ele passou isso aqui pra cd.

Como foi a gravação dessas músicas? Quando foi? Eu tinha umas fitas que eu guardei. Eu estava em Belém e gravei, nós gravamos em casa, no hotel.

E por que o senhor não gravou de novo? Eu não estava mais tocando essas músicas. E queria ter a memória. Isso aqui foi uma transição. Eu estou largando o serviço [de contabilidade], diminuindo. Eu pego o violão todo dia em casa.

Como eram as reuniões nas barbearias? Quem frequentava? Como se dava a dinâmica da música? Tem umas histórias de violão e barbearia. Wilson tinha outro cliente, seu Morais. Eu comecei a tocar músicas de Dilermando Reis, Xodó da baiana, Sons de carrilhões [de João Pernambuco], Interrogando. Seu Morais era doido por isso. Ele ouvia clássico, ouvia por que é bonito mesmo, mas a paixão dele era o popular, Dilermando Reis. Um dia ele me chamou para tocar com eles, a gente ficou tocando, tomando um vinho, na casa do poeta Carlos Cunha, lá no Monte Castelo. As barbearias eram uma salinha pequena, o violão ficava lá, alguém pegava. Quando chegava cliente, tinha uns que gostavam, quando não estavam cortando cabelo, estavam tocando. Depois de muito tempo, chegaram João Pedro Borges [violonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 14 de abril de 2013], Ubiratan [Sousa, multi-instrumentista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 12 de maio de 2013], Wilson primava pela coisa, só iam os bons. Ele era muito rigoroso.

Alguma outra barbearia nas lembranças? Quando eu estive em Belém conheci outras duas. Eu conheci um camarada lá que era barbeiro, era louco por violão. Eu fui pra barbearia dele, ele tocava pra clientela, o pessoal gostava muito, era muito bom [posando para fotos, Hermelino toca um trecho da Marcha dos marinheiros, de Canhoto].

Além de instrumentista o senhor tem outras habilidades na música? A minha maior vontade é escrever, fazer arranjos para violão. Eu comecei a fazer [mostra uma partitura para os chororrepórteres]. Zezé Alves [flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013] fez um álbum [Choros maranhenses – caderno de partituras] só com choros maranhenses. Tem um choro de seu Nuna [Gomes], pai de Biné [do Cavaco], Um sorriso. Eu tinha vontade de tocar esse choro, mas não conseguia pegar de ouvido. Aí eu fiz [o arranjo], mandei para Zezé criticar. Eu fiz primeiro de um jeito, depois mudei um pouquinho, para facilitar mais [executa Um sorriso].

O que é o choro para o senhor? O choro é uma das músicas mais importantes do nosso país. É a única música, ou uma das únicas, verdadeiramente brasileiras, nasceu no Brasil, no Rio de Janeiro. É o som que nós queremos ter e viver.

Na sua opinião, quem é o grande violonista brasileiro em todos os tempos? Nós temos muitos. Para escolher um é difícil. Um camarada que eu admiro muito é Henrique Annes [violonista]. Outro violonista erudito, também aqui do Maranhão, é João Pedro Borges. Turíbio Santos [violonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 29 de setembro de 2013]. Tinha Raphael Rabello [violonista], que faleceu.

E no Maranhão? O senhor tem acompanhado a cena choro? Aqui tem um cara que eu admiro, acompanho a obra dele, que eu considero de vanguarda, chama-se Luiz Jr. [violonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 4 de agosto de 2013]. Nesse meu disco eu quero chamar Luiz Jr. e Domingos Santos [violonista sete cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 16 de março de 2014]. De Luiz Jr. eu tenho uma música linda, chamada Choro pro Guinga.

O senhor se considera um chorão? Também. No Brasil quem não é chorão? Ainda mais quem lida com o instrumental, violão, bandolim, cavaquinho, flauta, é um chorão, queira ou não queira.

Umberto Eco, Jean Wyllys, Cleidenilson, “jornalismo” e linchamentos

Capa do Extra (RJ) de hoje (8). Reprodução
Capa do Extra (RJ) de hoje (8). Reprodução

 

Tenho certeza que todos/as os/as coleguinhas que passaram pela faculdade de jornalismo viram O nome da rosa, de Jean-Jacques Annaud, baseado no livro de Umberto Eco.

Há quase um mês o escritor italiano declarou que “as redes sociais dão o direito à palavra a uma “legião de imbecis” que antes falavam apenas “em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade””.

Recorro ao mestre – que talvez me localizasse nesta “legião de imbecis” – para tratar do assassinato de Cleidenilson Pereira da Silva, de 29 anos, segunda-feira passada (6), por volta de meio dia, no Jardim São Cristóvão.

O caso já é por demais conhecido, sobretudo após ganhar repercussão nacional: depois de uma tentativa de assalto a um bar na região, Cleidenilson foi rendido, amarrado a um poste, despido, e assassinado a socos, chutes, pauladas, pedradas e garrafadas, sangrando em via pública até o óbito.

Nada justifica o ato selvagem, a barbárie nossa de cada dia, a “vingança” coletiva – São Luís tem uma média de um linchamento mensal, embora nem todos ganhem a mesma repercussão. O ato, além de tudo, foi extremamente covarde, já que a vítima estava imobilizada.

A maioria dos comentaristas de internet faz jus à sentença de Eco: “o drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”. Quase nenhum deles consegue ir além das tentativas de justificar o crime pela exceção: “e se invadissem sua casa?”, “e se estuprassem sua filha?”, “leva pra casa!” – este último comentário em relação ao adolescente que sobreviveu à turba enfurecida que assassinou Cleidenilson. A maioria não apenas concorda, como teria ajudado a linchá-lo se lá estivesse presente. E além: ajudarão a linchar qualquer um/a em qualquer circunstância, se no futuro tiverem oportunidade.

De minha parte, prefiro acreditar no – e lutar pelo – aperfeiçoamento dos sistemas de justiça e segurança pública, entre outras políticas públicas garantidoras de direitos, para que não existam Cleidenilsons – não no sentido de aniquilá-los, mas no de que deixem ou sequer ingressem no mundo do crime – nem linchadores, com suas práticas medievais em pleno século XXI.

À “legião de imbecis” que aplaudiu o linchamento – segundo o carioca Extra, que deu uma bela capa hoje (8) sobre o assunto, 71% dos que comentaram a notícia no perfil do jornal no facebook são a favor da prática – soma-se agora a que critica o deputado federal Jean Wyllys (PSol/RJ), justamente por ele ter emitido opiniões contrárias à manada enfurecida que bate/u palmas para o preto tingido de vermelho sob o sol inclemente de São Luís do Maranhão em pleno meio dia.

Uns revoltaram-se com as expressões “turba de psicopatas” e “multidão surtada de fascismo”, usadas por ele. “A carapuça só assenta na cabeça de quem usa”, já diria minha sábia vozinha. Acham ilegítimas as manifestações do parlamentar pelo fato de ele ser baiano, ter sido eleito pelo Rio de Janeiro e pouco visitar o Maranhão (à distância só se pode incentivar o linchamento?).

O diabo não é o “idiota da aldeia” ou a “legião de imbecis”: estes são o autointitulado “cidadão de bem”, propagador do senso comum – alimentado pelos programas policialescos de rádio e tevê, cabe lembrar – de que “bandido bom é bandido morto”. O diabo é jornalistas e veículos ditos “sérios” embarcarem no tom monocórdio, em vez de separar o joio do trigo.

A também muito boa capa de O Estado do Maranhão de ontem (7). Reprodução
A também muito boa capa de O Estado do Maranhão de ontem (7). Reprodução

César Nascimento “na base da chinela”

Jeremias Alves. Quadrante/ Divulgação
Jeremias Alves. Quadrante/ Divulgação

 

Nem só do São João “oficial” vive o período em São Luís. Com diversos arraiais tomando conta das praças da cidade, o que leva produtores a realizar shows com porta paga entrando em bola dividida pelo público?

Descontada a paixão envolvida e os eventuais prejuízos, o saldo é positivo para a cidade (e, torcemos, para os artistas e produtores que se arriscam), que se permite oferecer um cardápio alternativo. Notícias recentes dão conta de acontecimentos tão diversos como o pré-lançamento de Alice ainda, segundo disco de Nathália Ferro, em show realizado ontem (25) no Amsterdam Music Pub, ou ainda do recital Gente é pra brilhar, com leituras em russo e português de poemas de Vladimir Maiakóvski, também ontem, no Museu Russo.

Outro que entra no racha junino é o cantor e compositor César Nascimento, maranhense nascido no Piauí e radicado no Rio de Janeiro. Ele reencontra o público da terra que lhe inspirou Reggae sanfonado e Ilha magnética, para citarmos dois clássicos de sua lavra, em show hoje (26), às 21h, no Barulhinho Bom (Rua da Palma, 217, Praia Grande). os ingressos custam R$ 20,00 e podem ser adquiridos no local.

Em show batizado simplesmente Arrasta-pé, nome do EP homônimo que lança na ocasião, ele promete evocar Jackson do Pandeiro em noite Na base da chinela, verso-título de parceria do paraibano com Rosil Cavalcanti. Além de repertório autoral, a exemplo das dançantes Serenin e Ciúme, entre outras, César Nascimento lembrará outros mestres, referência para sua carreira: João do Vale e Luiz Gonzaga, fechando com Jackson a tríade sacrossanta da música nordestina, além de nomes como João Chiador e os recém-falecidos Humberto de Maracanã e Donato Alves.

Respondendo à pergunta que abre o post, a produtora Letycia Oliveira contou ao blogue que o show partiu de uma ideia de César Nascimento e Pedro Sobrinho fazerem algo juntos. “Eles pensaram num evento que aliasse estrutura e qualidade de atendimento. O Barulhinho Bom tem isso, é um local agradável e bonito, um casarão no Centro Histórico, sem falar na segurança e tranquilidade, além de ser uma apresentação única. Há espaço para tudo e todos no São João”, disse.

César Nascimento (voz e violão) será acompanhado por Moisés Mota (bateria), Mauro Sérgio (contrabaixo) e Marcelo Rebelo (teclado). “Patrocínio: fitas 3M”, brincou ao telefone depois de o repórter observar as iniciais dos músicos da banda. Ele revelou ainda seu próximo projeto: “vou gravar um disco de reggae”. Ele entende do riscado: que o digam suas Reggae sanfonado, Bolha de sabão e Maguinha do Sá Viana, todas hits do rádio maranhense até bem pouco tempo.

A abertura da festa promete aquecer as solas das sandálias, com discotecagem de Pedro Sobrinho, que promete uma mescla de coco, ciranda, dub, xote e xaxado, temperados pelas pitadas eletrônicas que fazem dele um dos mais requisitados “dê-jotas” da Ilha. E antes de César Nascimento subir ao palco, prepara-lhe o terreno o trio General Virgulino, formado por Daniel Pereira (voz e violão), Chico Carvalho (percussão) e Pieter-Jan Coninx (violino), o último, sócio-proprietário da casa que abriga o Arrasta-pé.

Um roteiro inteligente e divertido

Fotosca: ZR (23/6/2015)
Fotosca: ZR (23/6/2015)

 

Durante muito tempo certa repetitividade era ingrediente inevitável na programação dos arraiais juninos em São Luís do Maranhão. Desde que, há mais de 20 anos, Roseana Sarney monetizou a coisa em definitivo e fez disso moeda de troca eleitoral, num tempo em que showmícios e que tais ainda eram permitidos por lei.

Explico: até bem pouco tempo – e talvez isto ainda aconteça, em maior ou menor escala – inchava-se a programação junina mesmo com artistas sem nenhuma relação ou intimidade com o período, longe de algo parecido, guardadas as devidas proporções, com o carnaval multicultural do Recife, por exemplo.

O que acontecia: o turista ou nativo que optasse por passar a noite inteira em um mesmo arraial, invariavelmente ouviria a mesma música repetidas vezes, no show deste ou daquele artista, por repertórios montados a toque de caixa ou quaisquer outros motivos, sem qualquer preocupação ou (maior) ambição estética.

O show apresentado ontem (23), às 21h, na praça da Casa do Maranhão (Praia Grande), por Alexandra Nicolas, artista das mais simpáticas e talentosas surgidas em nossa terra nos últimos 20 anos, dá pistas de como superar um modelo falido de São João. Sua apresentação dá várias pistas disso.

Primeiro, Alexandra Nicolas tem público cativo, independentemente de palcos sazonais oferecidos pelo poder público. Segundo, não é forçar a barra a artista integrar a programação junina da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão: sua obra, mesmo que fiquemos apenas em Festejos (2013), seu único disco gravado até aqui, mostra sua intimidade com o forró, o xote, o coco, o bumba meu boi e o tambor de crioula, para ficarmos em algumas nordestinidades em um disco em geral rotulado como de samba – pelo repertório, todo de autoria de Paulo César Pinheiro – ou de choro – pelos músicos acompanhantes.

Alexandra tem os pés (descalços) no terreiro e os olhos e ouvidos nas janelas do Brasil. Seu repertório demonstra um trabalho de pesquisa, não se dissociando, mesmo para o que poderia ser um mero show de São João, de sua carreira fonográfica, não se limita ao óbvio nem ao local, erro comum em artistas em busca de, digamos, legitimidade junina.

Como o turista que anda por São Luís, e havia vários na praça ontem, empunhando suas máquinas fotográficas, “entra em beco, sai em beco”, Alexandra chega chegando com Madalena (Isidoro), hit de Gilberto Gil, para depois passear pela Feira de mangaio (Sivuca e Glorinha Gadelha). Depois decreta: É proibido cochilar (Antonio Barros). Mas disso todo mundo já sabe, atento que está o público para a ginga, o rodar da saia, a empatia da artista com a plateia, de gente que dança agarrada ou só, entre um selfie e outro.

Depois das escamas da Serpente da lua cheia (Ronald Pinheiro), ela pega carona nas asas da Pipira (João do Vale e José Batista) e, continuando o passeio pelo Maranhão, desvenda O segredo do coco (João Madson). “Esta eu aprendi a cantar com Didã”, revela, referenda. “Vai estar no próximo disco”, anuncia. Depois do Maranhão, volta a Festejos, disco que (quase) dá nome ao show, Festejo no Arraial. Emenda o coco do maranhense radicado em São Paulo ao Coco de Paulo César Pinheiro, levando a plateia a arriscar-se no trava-língua, que ela canta acelerando, ao final, sem correr risco nenhum, a esta altura, acompanhada apenas pelo pandeiro frenético de Marquinhos: “peguei no taco/ com o taco bati no coco/ que o coco deu um pipoco/ por pouco o coco não cai/ galo, no oco/ do toco, que ronda o choco/ o galo tá no sufoco/ dá soco que o galo sai”.

A banda, aliás, merece destaque à parte: além do citado percussionista, Fleming (bateria), Carlos Raqueth (contrabaixo), Rui Mário (sanfona) e Robertinho Chinês (cavaquinho), todos senhores de si em seus instrumentos – dispensariam ensaios, mas disto a artista não abre mão, para a coisa fluir da maneira mais descontraída e com a melhor qualidade possível.

Feito o destaque, voltemos ao repertório. “Os meninos da banda brincam comigo que tem muita Madalena no meu disco, que dava pra fazer um disco só com Madalena. Tem alguma Madalena aí?”, indaga à plateia. E canta Bisavó Madalena (Paulo César Pinheiro e Wilson das Neves). Depois pede licença para bulir com a plateia: “quero ver se vocês conhecem. Essa eu pesquei do fundo do baú do baú do baú”, avisa, dando a devida ideia da profundidade do guardado que ela re-revela. “As pessoas tendem a achar que fuleiragem é coisa ruim. Eu gosto muito de uma fuleiragem. Fuleiragem, catrevagem, sacanagem, tudo é coisa boa”, provoca, entre risos seus, dos músicos e da plateia contagiada. E canta Bulir com tu (Cecéu), lançada por Hermelinda em 1988: “Se você pensa que chega de madrugada/ assim como quem não quer nada/ meu bem se enganou/ não adianta se deitar na rede/ por que a minha sede/ você não matou/ mas se você dormir/ eu vou bulir, eu vou bulir, bulir com tu”.

Do repertório de Jackson do Pandeiro pesca Sebastiana (Rosil Cavalcanti), para depois voltar a João do Vale com o Forró do beliscão (João do Vale, Ary Monteiro e Leôncio Tavares), antes de despedir-se com o bumba meu boi São Luís do Maranhão (Paulo César Pinheiro), que passeia pelo tambor de crioula, fecha seu disco e fechou seu show.

A dinâmica dos arraiais não permite bis, já que após o show de Alexandra Nicolas os brincantes do bumba meu boi de costa de mão de Cururupu já se preparavam para sua hora de apresentação. “Se pudesse seria bom demais”, resignou-se o mestre de cerimônias oficial, rendendo-se aos encantos da artista.

Agenda

Alexandra Nicolas volta a apresentar Festejo no Arraial nesta sexta-feira (26), às 21h, no Arraial Terreiro de Maria (Praça Maria Aragão, Centro).

Hoje (24), às 21h, na praça da Casa do Maranhão (Praia Grande), quem se apresenta é o compositor Cesar Teixeira.

Pé-de-serra no alto da Montanha Russa

Divulgação
Divulgação

 

Já louvei várias vezes, sempre que pude, e louvo sempre que posso, o que torno a fazer agora, a ocupação e resistência, por parte do Centro Cultural Mestre Amaral, de uma edificação em que funcionou um restaurante chique no Centro Histórico ludovicense, mais exatamente na Rua da Montanha Russa, nas imediações da Praça Pedro II, onde ficam localizadas as sedes dos poderes executivos estadual (Palácio dos Leões) e municipal (Palácio La Ravardiere), judiciário (Palácio Clóvis Bevilácqua) e eclesiástico (Igreja da Sé).

Sediar ali este importante centro cultural é uma das mais bem sucedidas e populares experiências de ocupação e reuso do espaço urbano em nossa Ilha capital. Oxalá outras iniciativas culturais tomem o mesmo rumo! A história nos ensina e prova que, mais que com prédios, a revitalização dos espaços públicos em geral, e dos centros históricos em particular, é feita com a circulação de pessoas. Quando a gente do lugar e de fora pode circular respirando arte temos uma experiência exitosa para mostrar aos poderes constituídos como é que se faz – para mim, o Mestre Amaral, como é simplesmente chamado o lugar, hoje, é isso. Só não vê quem não quer.

A agenda cotidiana do lugar inclui rodas e oficinas do Tambor de Crioula de Mestre Amaral, discotecagens, brechós, e muito mais. Basta colar no espaço, sobretudo aos fins de semana, mas não só. Não à toa o Centro Cultural foi incluído na programação Caia na Rede, da 9ª. Aldeia Sesc Guajajara de Artes, ano passado. A proposta da Caia na Rede era atrelar o evento realizado pelo Sesc/MA a iniciativas que já existiam em São Luís, com o fornecimento de infraestrutura, divulgação e pagamento de cachês – outras contempladas foram A vida é uma festa (Praia Grande) e Sebo no Chão (Cohatrac).

Como se não bastasse tudo isso, o Centro Cultural Mestre Amaral volta a surpreender e anuncia para esta sexta-feira (19), um arraial com um quê de inusitado. O Arraial do Amaral terá como principal atração um show do duo Criolina (Alê Muniz e Luciana Simões), que na onda de seu recém-lançado ep Latino-americano, atacam de forró-pé-de-serra. No show prestarão reverências a nomes fundamentais de sua formação musical – e de resto, da maioria dos artistas nordestinos –, como Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e João do Vale, entre outros.

A festa, que conta com o apoio da Rádio Casarão, contará ainda com as participações de Madian, Coletivo Gororoba e da dj Joana Golin. A produção promete: “o tambor também vai apanhar a noite inteira com a turma de Mestre Amaral”. O som está anunciado para começar às 21h. Os ingressos custam R$ 10,00 e podem ser adquiridos no local.

Camila Reis Brito mergulha no universo do Divino e do Cacuriá em livro pioneiro

Cantigas Divinas. Capa. Reprodução
Cantigas Divinas. Capa. Reprodução

 

Até a abertura dos cursos de música das universidades Estadual e Federal do Maranhão a Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo, fundada em 1974, foi, durante muito tempo, responsável pela formação da quase totalidade de nossos músicos em atividade. Durante um bom período foi também questionada com base em uma equação simples: se a maioria dos músicos ali formados iria atuar com cultura popular, em carreiras solo ou em grupos, por que a base do currículo era erudita?

As coisas vêm mudando pouco a pouco, mas partindo dessa premissa, a musicista Camila Reis Brito lança hoje (17), às 19h, no Laborarte (Rua Jansen Müller, 42, Centro), com entrada franca, o livro Cantigas Divinas [Laborarte, 2015, 41 p., distribuição gratuita, disponível para download no site do projeto], conjunto de partituras de músicas executadas por caixeiras, na Festa do Divino Espírito Santo e no Cacuriá – dança tipicamente maranhense originada na festa e coreografada em seu encerramento. O livro será distribuído gratuitamente a escolas, bibliotecas e instituições de ensino de música.

Filha de dois expoentes da cultura popular do Maranhão, o ator e diretor Nelson Brito e a cantora Rosa Reis, Camila, qual os pais, membro do Laboratório de Expressões Artísticas (Laborarte) e brincante do Cacuriá de Dona Teté, pioneiro e mais famoso grupo da dança, indagava-se o porquê de nunca ter visto, no currículo de sua formação musical, peças – do Divino e do cacuriá – que faziam parte de seu círculo de convivência na cultura popular.

Daí surgiu a ideia de Cantigas Divinas, realizado pelo Laborarte com patrocínio da Fundação Cultural Palmares e Ministério da Cultura, em que ela e o cantor, compositor e professor Gustavo S. Correia transcrevem 20 partituras de músicas bastante conhecidas de foliões e “folioas” do Divino (e do cacuriá). A obra é ilustrada por Layo Bulhão, coordenador do Festival de Arte Contemporânea do Maranhão e da revista Insight Photo.

As cantigas são apresentadas “em linguagem infantil e didática com o objetivo de possibilitar que estas músicas façam parte de trabalhos de iniciação musical e de fazer um registro destas em formato de partitura”, afirma a autora na apresentação do livro. O livro de Camila deve interessar não só a maranhenses, já que a Festa do Divino Espírito Santo é uma manifestação de catolicismo popular presente em todo o território nacional.

Nas páginas de Cantigas Divinas estão contemplados um breve histórico acerca da festa, de quem a faz, do cacuriá, além de um glossário. Nas partituras estão cantigas de todas as fases dos festejos. O leitor ou músico, como se em procissão, passeia por versos que emocionam, como “meu Divino Espírito Santo/ a vossa capela cheira/ cheira cravo, cheira rosa/ cheira flor de laranjeira” (de Cheira flor de laranjeira), a músicas tornadas hits pela saudosa voz de Almeirice da Silva Santos, mais conhecida pela alcunha de Dona Teté. Quem não já cantou (e/ou dançou) o Choro de Lera, Passarinho verde, Mariquinha, Jacaré e Jabuti? Todas as músicas do livro são de domínio público.

Cantigas Divinas reúne em sua feitura as doses certas de necessidade, ineditismo, devoção e paixão. Um livro importante não só para os que fazem a cena da cultura popular do Maranhão, mas também para eruditos e mesmo àqueles que só cantam no chuveiro ou ninando as crianças.

Chorografia do Maranhão: Carbrasa

[O Imparcial, 19 de dezembro de 2014]

O percussionista, que já integrou grupos como o Regional Tira-Teima, Instrumental Pixinguinha e Espinha de Bacalhau, é o 42º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVANIO ALMEIDA SANTOS

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

Mais conhecido como Carbrasa, o percussionista João José Pinto Silva não sabe a origem do apelido. Um vizinho começou a chamá-lo e pegou.

Nascido em Cururupu, em 17 de abril de 1954, Carbrasa aportou na Ilha capital aos 13 anos de idade, motivado pela vontade de estudar. Aos 18, como carteiro, começou nos Correios, de onde ainda é funcionário.

Carbrasa é filho de João Pedro Silva, proprietário de embarcação, “tinha o Iate São João e transportava mercadorias”, e Maria Ferreira Pinto Silva, doméstica.

O percussionista participou de alguns dos grupos mais importantes do samba e choro no Maranhão, tendo integrado o Instrumental Pixinguinha – primeiro regional maranhense a gravar um cd, já sem ele na formação –, Regional Tira-Teima – o mais longevo em atividade, prestes a lançar disco de estreia – e o Espinha de Bacalhau.

Hoje Carbrasa integra o Três no Choro, formado por três Joões: ele, João Neto [flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 2 de fevereiro de 2014] e João Eudes [violonista sete cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 16 de fevereiro de 2014].

Fazia uma tarde nublada em São Luís quando Carbrasa concedeu seu depoimento à Chorografia do Maranhão, o 42º. da série, na Fonte do Ribeirão.

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

De onde vem o apelido Carbrasa? Meu nome é João José Pinto Silva e eu venho de uma cidade do interior chamada Cururupu. Lá, se você verificar, tem bastante pessoas que são músicos, compositores. Um exemplo disso é Tião Carvalho. Vim pra São Luís, aqui estou há mais de 50 anos. Na minha adolescência eu vim morar num bairro chamado Boa Vista, entre o Monte Castelo e Camboa. Depois fui morar num bairro chamado Vila Bessa. Nesse bairro, na Rua Nova, precisamente, defronte à minha casa tinha uma pessoa que nós fizemos uma grande amizade. Ele toca violão, e nós estudantes de segundo grau, depois vestibular, ele foi ser bioquímico e farmacêutico. Mas ele era daqueles camaradas que gozava de todo mundo. Não sei por que cargas d’água ele me colocou esse apelido de Carbrasa. Aí ficou no bairro: Carbrasa, Carbrasa, Carbrasa… Lá perto, no bairro, tinha um restaurante, naquela época, aqui chamavam restaurante de base: Base do Germano, Base do Rabelo… essa era a Base do Edilson, um senhor que tomava de conta, era o dono da base, ele e a esposa dele. Eu tinha começado a trabalhar, hoje ainda sou funcionário dos Correios, e nos finais de semana, principalmente aos sábados, nós íamos para a Base do Edilson tomar cerveja e fazer uma brincadeira lá, de violão e percussão. Lá nós, eu e mais três amigos, Joacilo [Frota, cavaquinista, hoje perito criminal em Imperatriz], Luiz Carlos, começamos a fazer uma roda, violão e percussão, um ganzá, um tamborinzinho, e as pessoas gostavam, tanto é que a conta nós não pagávamos. As pessoas que estavam nas mesas e gostavam de nossa apresentação musical pagavam. Daí essa coisa foi evoluindo. Depois esse meu amigo aprendeu a tocar cavaquinho, já fazia umas coisas de choro, aqueles choros de Waldir Azevedo, próprios para cavaco, ele já fazia aquilo ali.

Como era o ambiente musical de tua infância? O que você ouvia quando era criança? Lá no interior era música popular brasileira da época. Nelson Gonçalves, Jamelão, Orlando Silva. No interior acontecia o festejo, Nossa Senhora das Graças, e o Carnaval. Quando viemos para São Luís eu já comecei a separar, já fui ouvir Chico Buarque, principalmente, Caetano, Gil, a nata da música popular brasileira. Mas também não deixando de lado o que se chamou na época de Jovem Guarda, Roberto Carlos nem tanto, mas o resto da Jovem Guarda.

Você ainda lembra muito da infância em Cururupu? Recordo. Na verdade eu vim embora para São Luís com 13 anos. Lembro de colégio, das brincadeiras de roda. Meu lugar, eu nasci num povoado, Valha-me Deus, numa das ilhas do arquipélago de Maiau, nas reentrâncias maranhenses, são várias ilhas, cada uma um povoado. Era uma ilha que eu considero um paraíso, guardadas as devidas proporções. Eu volto lá até hoje, meu irmão tem casa lá, eu até convido vocês para irem um dia visitar o lugar. Tem um festejo lá, o Festejo de Nossa Senhora das Graças, em maio, é uma festa grande. Vai muita gente de São Luís, tanto conterrâneo como pessoas do entorno, de outros povoados, Ajerutiua. A atividade de sustento das famílias era a pesca, somente pesca. Como é uma ilha, não permitia você ter plantios, a força mesmo era a pesca. Na minha família são cinco irmãos, quatro homens e uma mulher.

Não tinha muita musicalidade envolvida? Não tinha. Lá só tinha um serviço de alto-falante. Não lembro se nesse serviço de alto-falante tocava choro, por exemplo. No rádio, meu pai comprou um rádio, a gente ouvia principalmente a rádio Educadora e a Difusora, que tinham uma potência maior na transmissão, aqueles programas que rodavam música popular brasileira. Quando eu vim embora para São Luís, lá onde eu morava tinha Seu João, acho que ele já até morreu, esse senhor, e nos finais de semana ele botava os discos dele de choro, Jacob [do Bandolim], Carlos Poyares.

Aquilo já te chamava a atenção? Que idade você tinha? Já. De 13 pra 14 anos. Me chamava a atenção, pô, que música é essa?

Com 13 anos de idade o que te trouxe à São Luís? A vontade de querer estudar.

Você veio sozinho, então? Vim sozinho, morar com uma tia. Fui estudante de colégio público, Universidade. Sou bacharel e licenciado em Geografia.

Você chegou a exercer a profissão? Não. Eu fui trabalhar nos Correios e eu não fui para o lado de professor.

A partir de quando e de que estímulo você passou a se envolver com música? A partir da minha adolescência, quando eu fui morar na Vila Bessa e eu conheci esse amigo. Antes, já tinha um grupo de pessoas no Caminho da Boiada, apesar de eu não morar lá, mas conheci as pessoas, no carnaval nós saíamos nos blocos de rua. Depois, no Caminho da Boiada, existia um bloco chamado Turma do Lamê, um dos primeiros blocos organizados, eu participei desse bloco, durante vários anos. Era aquela coisa do samba enredo, nós fazíamos aquela coisa do samba. A música, o que me despertou maior interesse, foi exatamente o samba. Daí, consequentemente, veio o choro, junto.

Você sempre foi percussionista? Que instrumentos você toca? Sempre fui percussionista. Toco pandeiro, na verdade, meu primeiro instrumento percussivo profissional foi um instrumento chamado timba. É um atabaque atravessado na horizontal tocado com uma vassourinha de aço, a mão direita na vassourinha, a mão esquerda no couro. Esse instrumento, eu tive contato com ele quando Roberto Rafa [cantor e compositor], que morava também lá na Vila Bessa, essa coisa de ele me conhecer tocando lá na Base do Edilson, com Joacilo, a gente fez amizade, ele sempre participava de festivais de música popular maranhense, e ele me chamava, às vezes, para fazer um zabumba, e eu ia com ele. Depois ele começou a tocar na noite, num barzinho chamado Duas Nações. Do lado da Prefeitura [o prédio sede da Prefeitura Municipal de São Luís, na Praça Pedro II, Centro] tem um local agora que é uma coisa de tambor de crioula [o Centro Cultural Mestre Amaral], era a Base da Lenoca, e antes era o Bar Duas Nações. Lá tinha uma música ao vivo e Roberto Rafa foi pra lá. Como ele precisava de uma percussão, ele me chamou.

Isso era mais ou menos quando? Década de 1980. Ele viu uma pessoa chamada Biriba, que tocava essa percussão, dessa forma. Biriba viu alguém no [Hotel] Quatro Rodas tocando isso [timba], um cidadão chamado Paulo Tripa, era paulista, veio com o irmão, Joran Coelho, tocar no Quatro Rodas. Lá em São Paulo essa coisa era muito difundida, essa timba. Ele aprendeu, aí, “Carbrasa, Biriba aprendeu a tocar uma percussão, tu não quer aprender com ele?”. Eu disse que precisava do instrumento, a vassourinha, para saber como era a levada. Biriba foi lá em casa, me passou a informação, em meia hora eu já estava tocando, modéstia à parte. Isso foi numa quinta, quando foi na sexta, a gente já foi para o bar, lá pro Duas Nações. Aí começamos a fazer MPB.

Você começou fazendo MPB com Roberto Rafa. E tua inserção nos grupos de choro, deu-se a partir de quando? Com essa coisa de tocar com Joacilo, fui conhecendo outras pessoas, aí já me apresentaram um pandeiro. Só que o pandeiro, na época, não existia pandeiro em São Luís. Existiam uns pandeiros com uma platinela diferente, não era pandeiro como é hoje. As platinelas eram diferentes do que são essas platinelas, hoje côncavas. Fui apresentado a uma pessoa, não lembro o nome, ele me passou a forma de como se toca o pandeiro hoje. A minha namorada, que hoje é minha esposa, foi para o Rio e de lá ela trouxe um pandeiro da Ao Bandolim de Ouro [famosa loja carioca de instrumentos musicais, reduto de chorões]. Mas antes, para eu tocar, eu comprei um pandeiro que tinha as platinelas diferentes, e tinha uma pessoa, Joquinha, do 310 [o Regional 310, famoso grupo de samba e pagode do circuito ludovicense], ele fazia, não sei de que forma, as platinelas côncavas, e a gente ouvia esse som que se ouve hoje. Também não me passou a forma de como ele fazia, a gente entregava o pandeiro para ele, ele arrumava, e ia. O pandeiro melhor que eu tive, eu ganhei de presente, da Ao Bandolim de Ouro. Aí já comecei a tocar pandeiro, aí chegou Paulo Trabulsi [cavaquinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 22 de dezembro de 2013], começando a tocar cavaquinho, eu já comecei a conhecer as pessoas, tipo Biné [do Cavaco], Zequinha [do Sax], os Irmãos Gomes [o trio se completa com o violonista Bastico, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 22 de junho de 2014], conheci Agnaldo [Sete Cordas, violonista sete cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 17 de março de 2013], conheci mestre Sampaio [violonista sete cordas], mestre Serra da Flauta [Serra de Almeida, flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 3 de março de 2013], e outros que tocavam, que já morreram, que tocavam choro. Dos que estão vivos aí, mestre Pitoco, tocava sax, com esses todos eu toquei choro, participei de rodas. Grupos mesmo foi quando fui convidado para compor o Regional Tira-Teima.

Então você chegou a compor o Tira-Teima durante uma época? Sim. Lembro muito bem que era bandolim, Adelino Valente [bandolinista e pianista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 20 de julho de 2014], violão era mestre, o mestre dos mestres, que eu considero, Ubiratan Sousa [multi-instrumentista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 12 de maio de 2013], Fernando Cafeteira [violonista], Vieira [Antonio Vieira, compositor e percussionista], na percussão, Hamilton Rayol [cantor], que fazia voz, o cavaquinho base era Paulo Trabulsi. Aí depois eu saí. Até hoje o Tira-Teima se mantém, com outra formação. Depois disso eu já conheci Jansen [o bandolinista César Jansen, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 21 de setembro de 2014] e outros mais novos do choro, Juca do Cavaco [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 13 de abril de 2014], a gente tinha um grupo, a gente sempre saía. Aqui na Rua do Ribeirão existia um barzinho, onde é a secretaria [pensativo, tenta lembrar], como é o nome dessa secretaria aqui? [os repórteres respondem: Fundação Municipal de Cultura]. Embaixo dessa secretaria tinha um bar chamado Cafofo, lá nós nos reuníamos, eu, Juca, Vadeco [percussionista], Natan, todas essas pessoas tocavam choro. Tocam choro! Nós com nossas namoradas, éramos um grupo grande, mais de 10 pessoas. Todo fim de semana ou estávamos no aniversário de alguém, ou no Cabeça Branca, um bar que tinha na Ponta d’Areia. Depois veio o grupo Alma Brasileira, que teve vida curta, muito curta mesmo, depois fui para o Regional Pixinguinha [o grupo Instrumental Pixinguinha]. Na época que a Escola de Música [do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo] era na Rua Antonio Lobo, esse grupo ensaiou a Suíte Retratos [do maestro gaúcho Radamés Gnattali], era a peça principal, e outros choros, para compor o repertório do espetáculo, que apresentamos no teatro [Arthur Azevedo]. Acho que foi o show de choro, em São Luís, que eu participei, e o melhor que eu já vi, acabamento, arranjos, detalhes. Tanto é que ensaiamos quase oito meses.

Então você é um dos fundadores do Pixinguinha? Sim, fundador do Pixinguinha. Eu, Jansen, Biné, Paulinho [Santos, flautista], Solano [o violonista sete cordas Francisco Solano, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 26 de maio de 2013], Domingos [Santos, violonista sete cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 16 de março de 2014] e Marcelo [Moreira, violonista]. Esse era o Regional Pixinguinha.

Quando você aprendeu a tocar já estava praticamente adulto. Ainda estava morando com teus pais? Eles não criaram nenhum problema nessa tua opção pelo batuque? É, eu tinha por volta de 17 anos. Não criaram, até me incentivaram.

Você conciliou os estudos? Estudos, trabalho. Eu já trabalhava na época, era carteiro. Fiz o concurso dos Correios com 18 anos, foi logo meu emprego.

Se você tivesse que definir quem foi o seu principal mestre, quem você apontaria? Percussão? [pensativo] Deixa eu pensar. Que me ensinou percussão, assim, eu não tive um professor específico. Eu ia pela coisa da intuição e do interesse de aprender, de ouvir, colocar o ouvido naquilo ali e depois fazer e executar. Logicamente que eu rendo graças a essa pessoa chamada de Biriba, que me ensinou e daí eu fui desenvolvendo. Com essa percussão eu toquei durante muito tempo, com [os cantores] Lula Bossa, com J. Nogueira. Nos bares da vida, na noite de São Luís, praticamente com todo mundo, com Betto Pereira [cantor, compositor e artista plástico], principalmente com ele. O primeiro local em que tocamos foi um bar chamado Cabeça de Peixe, na Camboa, começamos lá, eu e Betto, violão e timba. Depois fomos incorporando outras pessoas ao grupo, Zezé da Flauta [Zezé Alves, flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013], Jeca de percussão e Mauro Travincas de contrabaixo. Eu lembro muito bem que a gente fez até uma bandinha chamada Amor de Canela. Nós ensaiávamos essa banda lá na casa de Betto, a gente passava o repertório para tocar no Cabeça de Peixe. Depois fomos tocar no Bar Ruínas, na avenida Beira Mar, subindo a Rua do Egito. Era Ruínas por que lá eram só pedras, sem reboco. Tocamos em outros locais. A noite de São Luís acontecia ali na [avenida] Castelo Branco. Eu, Betto Pereira e Zezé fomos tocar na inauguração de um bar, chegou um cidadão e ele simplesmente pegou o extintor de incêndio, bêbado, abriu, aquele pó químico e sujou todo mundo. Era o bar Trem das Onze. Depois esse barzinho acabou, mas não em função deste episódio, mas aconteceu isso [Carbrasa batuca o pandeiro posando para fotos].

Você já viveu de música? Ou a música sempre foi uma atividade complementar? A música para mim sempre foi uma atividade complementar, nunca sobrevivi de música. Já recebi cachês, que complementam a minha renda familiar. Eu continuo tocando, não com a mesma intensidade que era na época. Hoje eu participo de um grupo de choro chamado Três no Choro, eu, João Eudes e Neto, a gente toca todo sábado na Caves du Vin. São três Joões. Como Neto viajou, acho que foi defender a dissertação dele lá em Minas, aí nesse mês agora, quem vai tocar lá é Robertinho Chinês [bandolinista e cavaquinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013].

Além de grupos como o Tira-Teima, Instrumental Pixinguinha, Alma Brasileira e Três no Choro você também já participou de grupos de samba. Quais foram? De grupo profissional eu participei do Arco Samba. Por que Arco Samba? Arco era nossa associação dos Correios, uma associação recreativa. A associação na época comprou os instrumentos pra gente, éramos eu, Jansen, Raimundo Luiz [bandolinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 15 de setembro de 2013], Josebel, que saiu dos Correios, Bento, que era funcionário dos Correios, mas morreu, Djalma, que tocava ganzá. Foi feito pra gente fazer uma coisa informal na associação, a gente se reunia para tomar cerveja, as pessoas foram conhecendo e chamando a gente para tocar, nas casas de São Luís. E teve também o Espinha de Bacalhau, eu, Vadeco, Chico Chinês [percussionista], Benivaldo [percussionista], o violão sempre quem tocava era Costa Neto, era considerado no violão. Às vezes ele não ia, chamavam João Eudes, Luiz Jr. [violonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 4 de agosto de 2013] Se bem que Luiz Jr. quando foi, eu já tinha saído. Dos novos eu já tive contatos, amizades com todo mundo, Robertinho, Wendell [Cosme, bandolinista e cavaquinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 24 de novembro de 2013], mais recentemente Rafael Guterres [cavaquinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 18 de maio de 2014], ele organiza grupos para tocar em eventos, me chama para tocar.

Hoje você está só no Três no Choro? O Espinha de Bacalhau acabou? É. Do Espinha de Bacalhau eu saí. Atualmente eu só integro o Três no Choro.

Além de percussionista você desenvolve outras habilidades na música? Não. Só toco percussão. Qualquer dos instrumentos populares brasileiros, os instrumentos de samba todos.

Você já participou de gravações de discos? Lembra alguns? Já. [pensativo]. Não sei se esse disco já está pronto, mas do grupo Café com Leite e Pão, um grupo de samba que é Neto, Quirino [percussionista]. Gravei no primeiro disco de Rosa Reis, com o Pixinguinha, ela gravou Estrela, de Joãozinho Ribeiro, o grupo participou. Disco de carnaval, eu fiz um ano toda a parte de percussão.

E shows? Que artistas você acompanhou além de Roberto Rafa? Betto, Lula Bossa, passei seis anos tocando com ele. Desses que hoje são famosos praticamente todos. Com Lula Bossa foi aí que me apurou mais o ouvido para a questão da bossa nova. Nós fomos também colegas de colégio. De figuras nacionais participei de shows de Dona Ivone Lara e Diogo Nogueira. Fiz participação tocando também com J. Nogueira, hoje ele mora em Londrina, grande voz. Eu participei também de um grupo que não tinha nome, era eu, Paulo Trabulsi, Serra e Sadi [Ericeira, violonista], irmão de Paulo.

Para você o que significa o choro, qual a importância dessa música para você? Em termos de música brasileira, instrumental, é a principal música para mim. É a música que eu mais gosto de tocar. Ela exige muito.

Você se considera um chorão? Eu me considero. Pela experiência que eu tenho, pelo tempo vivido tocando choro, a coisa formal, a informalidade, as rodas de choro. Só por isso aí eu já me considero um chorão.

Júlia Emília lança livro com vivências do Teatrodança como parte das comemorações dos 30 anos do Grupo

Vivendo Teatrodança - Investigações de uma artista maranhense para crianças de qualquer idade. Capa. Reprodução
Vivendo Teatrodança – Investigações de uma artista maranhense para crianças de qualquer idade. Capa. Reprodução

 

A história do Grupo Teatrodança se confunde com a própria vida da artista – difícil enquadrá-la em apenas um ramo das artes – Júlia Emília, que o fundou em 1985 e o dirige desde então. Mas seu envolvimento com as artes começa bem antes.

Hoje (26), às 19h, no Centro de Pesquisa de História Natural e Arqueologia do Maranhão (Rua do Giz, 59, Praia Grande, próximo à Praça da Faustina), ela lança Vivendo Teatrodança – Investigações de uma artista maranhense para crianças de qualquer idade [2015, R$ 20,00 no lançamento], publicado através da seleção no edital de literatura de 2014 da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Fapema), em que (re)conta parte dessa história. No lançamento Eline Cunha, Luciana Santos, Sandra Oka e Victor Vieira apresentarão intervenções originais sobre suas relações afetivas com o Grupo Teatrodança e temáticas da nova investigação em processo.

A própria Júlia Emília se apresenta, na orelha da obra: “Filha de família intelectualizada tive um pé na sapatilha clássica e outro nos terreiros das culturas populares maranhenses, sem populismo postiço”. Bem lhe traduz também um poema, não por acaso citado no livro, do dramaturgo alemão Bertolt Brecht: “Eu era filho de pessoas que tinham posses./ Meus pais puseram um colarinho engomado ao redor de meu pescoço/ E me educaram no hábito de ser servido/ E me ensinaram a arte de dar ordens./ Mas, mais tarde, quando/ Olhei ao redor de mim,/ Não gostei das pessoas de minha classe/ Nem de dar ordens, muito menos de ser servido./ E abandonei as pessoas de minha classe/ Para viver ao lado dos humildes”.

Sobre ela, assim se refere o poeta Ferreira Gullar: “Júlia é uma artista muito autêntica, trabalhando no resgate de um tipo de aproximação da cultura popular de maneira muito sensível”. O cantor e compositor Zeca Baleiro endossa: “É uma artista muito intensa, muito verdadeira”. O segundo musicou os versos de cordel do primeiro e ambos assinaram a trilha de Bicho solto buriti bravo, uma das investigações abordadas em Vivendo Teatrodança – longe de soar pedante, é realmente difícil classificar o trabalho de Júlia Emília como espetáculo de dança ou espetáculo de teatro. Simplesmente os rótulos não lhes comportam.

No livro, a autora remonta brevemente os 30 anos de história do Grupo Teatrodança, antes passeando por sua trajetória artística, confessando influências – Angel e Klauss Viana, Teresa D’Aquino, Stanislavski e Grotowski, entre outros – e vivências – o Teatro Ventoforte, o Centro de Criatividade do Méier, além do Laboratório de Expressões Artísticas do Maranhão (Laborarte) e do Estúdio Pró-Dança, entre outros. A obra se completa com os textos das investigações O baile das lavandeiras e Meninos em terras impuras e aborda desde a fundamentação das peças, elencos, apresentações, dramaturgias e partituras. Na música se misturam nomes como Apolônio Melônio – do bumba meu boi da Floresta, atualmente internado em estado grave –, Carlinhos Veloz, Chico Maranhão, autos do pastor maranhense e do pastoril pernambucano e, entre muitas outras referências, as bandas de pop rock R.E.M. e Coldplay. Também soam pelas páginas de Júlia Emília e palcos frequentados pelo Teatrodança, também devidamente listados na obra, os tambores de mina e crioula, o lelê de São Simão, a dança de São Gonçalo, a poesia da escritora Maria Firmina dos Reis e a lenda da serpente (ou a serpente da lenda), para citar algumas de nossas melhores tradições.

Mas não é – ou ao menos não deveria ser – só ao “povo” do teatro e da dança que interessa a obra de Júlia Emília (e do Grupo Teatrodança): ao longo destes 30 anos e, especificamente nas vivências abordadas em Vivendo Teatrodança, estão colocadas, de forma mais ou menos sutil, preocupações políticas e ambientais – a terceira investigação, “Meninos em terras impuras, dentro da noção de corpo ambiental foi escrito em 2011, para denunciar a degradação a que a área metropolitana da Grande Ilha está submetida”.

Retornamos ao texto da orelha, em que Júlia Emília admite não ter “vergonha de nascer em terra espoliada, de expor meus exercícios de aculturação, de registrar dramaturgias que nem sei se serão publicadas exatamente por acreditar que o texto eterniza a cena”. O lançamento de Vivendo Teatrodança é parte das comemorações de 30 anos do Grupo homônimo, que continuam ao longo de todo 2015 (e sobre as quais este blogue voltará, em momentos oportunos). Os que conhecem os trabalhos e batalhas do Teatrodança e de sua fundadora-diretora lhes desejarão vidas longas. Aos que não, terão hoje mais uma oportunidade. Cabe a pergunta: estão esperando o quê?