Festival Gestores em Movimento une música popular e de concerto neste fim de semana em São Luís

Apresentação do violonista Augusto Nassa no programa Pátio Aberto, do Centro Cultural Vale Maranhão, em 2020

Todo mundo já ouviu falar ou já pode testemunhar a riqueza, a força e a diversidade da cultura popular do Maranhão. Estamos em junho, mês em que isto pode ser demonstrado ainda mais intensamente na prática: grupos de bumba meu boi, tambor de crioula e cacuriá, entre muitas outras manifestações, ocupam os arraiais da capital e interior.

O diálogo entre estes e outros ritmos e a música de concerto é a matéria-prima do Festival Gestores em Movimento, marcando o encerramento do programa homônimo, que capacitou 35 gestores e produtores culturais ao longo de seis dias de imersão ao longo da etapa ludovicense do citado programa.

Os cursistas aprofundaram temas como a visão geral do funcionamento de orquestras e salas de concerto, a formatação de projetos para leis de incentivo, elaboração de orçamentos públicos e privados, contratos e legislações sobre estes, além de planejamento e execução das etapas de produção, noções básicas de economia da cultura e rotinas de palco, como iluminação e sonorização, entre outros.

Simbolicamente chamado de Sala Guarnicê, o evento acontece de hoje (7) a domingo (9), no Teatro da Cidade de São Luís (antigo Cine Roxy, Rua do Egito, Centro), com entrada franca, sempre às 19h, com patrocínio do Instituto Cultural Vale através da Lei Federal de Incentivo à Cultura.

“Clássicos do Maranhão” é o título do concerto de abertura do evento, hoje (7), apresentado pelo violonista Augusto Nassa. Amanhã (8) é a vez do Instrumental Pixinguinha, o primeiro grupo de choro do Maranhão a registrar seu trabalho autoral em disco – o cd Choros Maranhenses, estreia do grupo, foi lançado em 2005. O choro foi recentemente declarado patrimônio cultural imaterial brasileiro. Domingo (9), no encerramento da programação, se apresentam a soprano Rose Nogueira e a pianista Ângela Marques.

Música de brincante

Fotos: Guta Amabile

“Todo brasileiro deveria ter um pandeiro”.

A manchete nunca me saiu da cabeça, uma fala de Antonio Nóbrega quando capa da revista Caros amigos, uma entrevista há quase 20 anos. Foi a frase de que me lembrei quando fui avisar minha esposa e enteada do concerto que ele e a Orquestra Ouro Preto deram ontem (3), no Teatro Arthur Azevedo.

“Tirando a casaca” é um desses espetáculos que não se deve perder por nada.

De certa forma, o encontro de Nóbrega, ex-Quinteto Armorial (que Ariano Suassuna inventou há mais de 50 anos), com a orquestra regida pelo maestro Rodrigo Toffolo, é uma conexão (nunca de todo perdida) com as ideias do dramaturgo, defensor de uma arte genuinamente nacional, que deram origem ao Movimento Armorial, de que o quinteto foi um dos maiores expoentes: a realização de uma música de concerto com raízes profundas nas tradições e na cultura popular brasileira, particularmente do Nordeste.

Não faltam fôlego e disposição ao quase setentão Nóbrega – ele completa 70 anos no próximo dia 2 de maio: canta, toca violino, dança e se diverte enquanto diverte e deleita a plateia. Sentada a meu lado, minha esposa puxou-me a mão para sentir-lhe o arrepio quando ele cantou sua “Excelência”, título que bem poderia referir-se à qualidade do repertório levado ao palco, quase completamente autoral.

São Luís foi a segunda cidade a receber o espetáculo. A temporada 2022 da formação foi aberta na capital mineira, após dois anos de eventos sem plateia, em decorrência da prolongada pandemia de covid-19. Os ingressos a preços populares (R$ 30,00 para qualquer setor do teatro) certamente colaboraram para que o público lotasse a casa – antes do espetáculo, parte dos presentes se deparou com uma espécie de “overbooking”, com alguns lugares tendo sido vendidos em duplicata pelo sistema digital que operava a venda de ingressos, mas logo o problema foi resolvido; este repórter, com ingressos para uma frisa, acabou na plateia. A turnê tem patrocínio do Instituto Cultural Vale, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura.

O que se viu foi uma verdadeira comunhão entre público e plateia: a alegria estampada nos rostos, duas violinistas cantarolando o repertório enquanto cumpriam suas funções, o público cantando os refrões quando provocado por Nóbrega, que chegou a se deitar no palco, tão à vontade estava, e mesmo a descer dele para cantar à altura do público. Quando solou uma peça acompanhado apenas de pandeiro e zabumba, chegou a desamarrar o cadarço do tênis do pandeirista e atirá-lo à plateia.

Tudo era literalmente brinquedo.

Nóbrega dedicou a apresentação a Mestre Zumbi Bahia, capoeirista, e ao antropólogo gaúcho Norton Correa, ambos adotados por São Luís. Foi comovente também ouvi-lo cantar “O trenzinho do caipira”, tema de Heitor Villa-Lobos que ganhou letra no “Poema sujo” do maranhense Ferreira Gullar.

O artista esbanjou versatilidade e aqui e acolá arriscou uns passos de frevo e maracatu, ritmos que dominam o repertório do concerto, passeando por várias fases de sua carreira, desde o Quinteto Armorial até temas quase inéditos, executados também na apresentação inaugural da turnê.

Todo brasileiro deveria ter um pandeiro. E poder ir, ao menos uma vez, a uma apresentação de Antonio Nóbrega.