Chorografia do Maranhão: João Pedro Borges

[O Imparcial, 14 de abril de 2013; aos poucos mas fieis leitores do blogue um bonus track: a versão abaixo traz algumas perguntas e respostas que ficaram de fora da edição do jornal, embora isso ainda esteja longe de ser a íntegra da deliciosa conversa que Ricarte Almeida Santos e este que vos perturba tivemos, fotografados por Rivânio Almeida Santos, com o mestre João Pedro Borges, um papo longo em uma noite de segunda-feira; o violonista fala como professor que é, fazendo questão de deixar tudo bastante explicado para que não restem dúvidas aos alunos; orgulho de ter aprendido essa lição.

Este post é dedicado a Maria Pepê, cunhada de Sinhô]

Quarto entrevistado da série, João Pedro Borges é um dos mais importantes nomes do violão, do choro e da música brasileiros. Seu talento é reconhecido internacionalmente

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

João Pedro da Silva Borges nasceu em uma vacaria, espécie de pequena fazenda, onde hoje fica o edifício Clara Nunes, “olha que grata coincidência”, no Apicum, região central da capital maranhense, em 23 de junho de 1947. O apelido Sinhô ganhou da avó: “Minha avó, mãe do meu pai, eu nascendo numa fazendinha, nasceu o Sinhozinho, nossa herança coronelesca. Era o Sinhô, Sinhozinho. Aí pronto, pra distinguir dos outros irmãos, que eram muitos [onze], era Sinhô e acabou-se”.

Filho de Raimundo Felipe Borges e Marina Silva Borges; a mãe, professora normalista, o pai, técnico em eletrônica, especialista em rádio e televisão, um empreendedor que chegou a ter gráfica, trabalhava com o avô na Livraria Borges, de propriedade da família, a maior da São Luís da época, quando o menino João Pedro nasceu.

Ele é um dos maiores violonistas brasileiros em todos os tempos e participou de um capítulo fundamental para a renovação do choro no Brasil: a Camerata Carioca do gaúcho Radamés Gnattali, com que o maranhense chegou a gravar discos e fazer diversas apresentações Brasil afora. Seu talento é hoje reconhecido internacionalmente e o disco mais recente, Clássicos Latino-Americanos, foi gravado em 2005, em uma igreja na França.

Wilson Marques concluiu recentemente um perfil seu para uma coleção que pretende publicar em breve. Para a construção do livro, entrevistou o próprio João Pedro Borges além de figuras próximas, como Chico Saldanha, Arlete Nogueira da Cruz e Sérgio Habibe, entre outros. “É ele contando a história dele, não é uma minuciosa biografia, mas sobretudo um registro de sua trajetória e da importância do trabalho dele para a música brasileira”, adiantou o jornalista.

João Pedro Borges conversou com O Imparcial/ Chorografia do Maranhão no Chico Discos, acompanhado, na decoração do ambiente, de diversas personalidades da música: algumas delas ele chegou a conhecer pessoalmente e são citadas por ele ao longo da conversa.

Quando foi que tu percebeste que teu negócio era a música? Eu sempre tive certos indícios de sensibilidade. Por exemplo, eu ganhei, por ocasião de um natal, um violãozinho de plástico, e aquilo era o brinquedo que mais me encantava. Então eu simulava cantar com aquilo, com o passar do tempo eu buscava alguma forma de afinação. Lembro que na minha infância passava um deficiente visual numa carroça puxada por um burro, conduzida por um ajudante que provavelmente era filho dele, e tinha a peculiaridade de que este senhor  tocava cavaquinho. Então, eu guardava dinheiro pra ter o que levar pra ele, por que quando a gente chegava, ele dizia “a pedido é mais caro”. Lembro que quando ganhei esse pequeno violão eu queria imitar um pouco o homem cego que passava lá na minha rua, quase que todos os dias. Mas só mais tarde [consegui], meu padrinho José Silva foi meu primeiro professor de violão. Ele fazia parte da velha guarda das pessoas que lidavam com o choro. Foi ele o meu vínculo com o choro, era violonista, compositor. Ele era irmão adotivo, por afinidade, do famoso professor Custodinho, Custódio Zaqueu Coelho, que eu considero o grande violonista do Maranhão, anterior a[o violonista] Turíbio [Santos], por exemplo, como geração. Era um violonista extraordinário. Cheguei a ter aulas com ele.

A tua escolha por ser músico contou com o apoio da família? De uma parte da família, que me incentivou. Tinham muitos saraus na minha casa. Sistematicamente tinham reuniões de violonistas, de músicos na minha casa, onde o repertório era basicamente choro de violão. Esse meu padrinho era um pintor de paredes, mas era um homem autodidata, de uma intelectualidade muito grande, tinha um conhecimento extraordinário. Ele foi a primeira pessoa que me falou da cultura musical brasileira. Os personagens que ele citava para mim eram Pixinguinha, Ernesto Nazareth, falou de Agustín Barrios quando passou aqui, ele era amigo do pai de Turíbio, que era seresteiro, e frequentava um pouco esse grupo, que a gente chamava os velhos, na época. Nessas reuniões meu padrinho notou meu interesse em ficar ouvindo aquilo. Aí ele perguntou se eu não queria tocar violão e eu disse “quero!” Ele disse “então eu vou te ensinar”, e me ensinou um choro. Eu não comecei por acordes, fazendo assim, ele botou a minha mão e me ensinou um choro chamado Mariazinha [toca trechos ao violão, não sabe dizer a autoria]. Esse choro tem uma peculiaridade formal [fala enquanto continua tocando]: é que ele tem três partes, todas no mesmo tema, ele é uma síntese da forma do choro.

O choro, durante muito tempo, os músicos tocavam por diletantismo. Tinham geralmente outra profissão e tocavam choro nas horas vagas para se divertir e às vezes, como desenvolviam muita capacidade, habilidades, acabam se tornando músicos conhecidos, consagrados, mas não eram profissionais da música. Você é um profissional da música, vive de música, sempre viveu de música?Isso faz diferença? Sim. Faz diferença. Quer dizer, em termos. Se a gente levar em consideração que Jacob do Bandolim era escrivão, César Faria trabalhava numa repartição, há que se levar em consideração aí que há um impulso por detrás desse aparente amadorismo. Quer dizer, eles tinham profissões que lhes davam sustentação, mas grande parte da atividade deles era exercida em torno do choro. A diferença é a seguinte: uma carreira de concertos não é uma carreira convencional, é algo que vive de oportunidades que se inventam, que são criadas. Por exemplo, os concursos de violão são uma forma de atrair a atenção para jovens, têm limite de idade. Eu fui por outro caminho alternativo, me beneficiei da companhia dos meus professores. Depois de um ano que eu estudava com Jodacil Damasceno, ele me tornou assistente dele, eu tive como alunos Dori Caymmi, Guinga, Marlui Miranda, Durval Ferreira, Miltinho do MPB-4. Depois Turíbio me convidou para montar um curso no Rio de Janeiro.

Eu queria que tu contasse um pouco de tua participação em uma banda cover dos Beatles. Tinha a vizinhança próxima com os Saldanha, na Rua de São Pantaleão, Ubiratan Sousa, que gostava muito de choro, foi quem me falou pela primeira vez da bossa nova, me mostrou uns acordes e aprendia comigo a linguagem do choro, aquelas baixarias, que eu era especializado por conta de meu padrinho, que era craque na área. Nessa época surge a televisão por aqui e os irmãos Saldanha, principalmente o mais novo, Nena, falavam bem inglês. E surgiu essa coisa da televisão e todo mundo encantado com a música dos Beatles. Então eles fizeram um conjunto em que eu era apenas o acompanhador. Eu não aparecia no vídeo, e ficava com um violão de cordas de aço poderoso que eu tinha, que parecia uma guitarra, e acompanhava só com esse violão todo mundo. Era Francisco Saldanha, Nena, o Antonio Saldanha, Benedito, que eu não lembro o sobrenome, estudava também no Liceu, Chico Linhares, o Francisco Linhares, que também morava na Rua de São Pantaleão, Edson, também não me lembro o sobrenome e eu acompanhando. Mudou essa formação. Entra Ubiratan nesse conjunto, que muda de nome, de The Five Gems para Os Rebeldes, e ficamos vinculados à televisão, inicialmente através dos programas de Reinaldo Faray. Tava começando a Difusora.

Depois tu ajudaste a fundar a Escola de Música do Estado, que surge no momento em que uma nova geração de artistas começava a produzir com base nas linguagens da cultura popular. E eles tinham a esperança de que a Escola de Música pudesse ser a continuidade de um processo de absorção dessas linguagens, numa escola de identidade mais maranhense? Tinha esse desejo? Como é que era isso na época? A responsável intelectual por todo esse movimento é [a poeta e ex-secretária de Estado da Cultura] Arlete Machado. Foi ela quem concebeu e encomendou o plano da Escola de Música. O que aconteceu foi o seguinte: os primeiros professores, quer dizer, eu vim em 1974, da África, diretamente para cá para São Luís do Maranhão. Criou-se essa escola de música, a primeira diretora é nossa melhor pianista de todos os tempos, Maria José Cassas Gomes, e o resto eram professores que vieram de fora. Era Clemens Hilbert, um alemão que dava cursos de extensão nos seminários de música da ProArte, lá por Teresópolis. Tinha outro professor chamado João Solano, que era um pianista que também estudava relações internacionais, queria ser diplomata. Veio daqui do Ceará um pianista chamado Flávio, não me lembro agora também do sobrenome dele, mas um excelente músico, pianista, e Gilles Lacroix, que chegou a dar aula de música, de teoria musical, tempo em que ele estava se decidindo a largar a batina. Nesse contexto a Escola de Música foi organizada, ali no Apeadouro, e os primeiros candidatos que surgiram, por exemplo, [o compositor] Sérgio Habibe, que trabalhou também um tempo como funcionário lá da escola. Então surgiu [o compositor Giordano] Mochel, Zé Martins, Josias [Sobrinho] e [o compositor] Cesar Teixeira, sempre a gente tendo aquele cuidado de que eu não queria descaracterizar o trabalho deles, mas eles estavam em busca de formação. Eu tinha um discurso de fundamentação. Dizia “até para você fazer bem essas coisas nossas, você precisa de recursos, de técnica”. Sérgio Habibe é um caso flagrante de ter mudado o nível de composição a partir do estudo, ele próprio reconhece isso. Josias Sobrinho foi o meu melhor aluno de harmonia, eu dei um curso pra ele de harmonia aplicada ao violão. Eram alunos dedicados. Eu forneci uma espécie de subsídio pra eles, mas sempre com a recomendação, dizendo “olha, vocês não têm que estudar pra serem músicos eruditos, nem nada, é pra melhorar o que vocês estão querendo fazer”. Naturalmente da parte deles devia haver certas expectativas políticas, por que o movimento pra eles não era só artístico. Pra mim era um movimento artístico, pra eles era político.

Lá no Rio você teve uma convivência com uma nova geração de chorões, com gente da antiga, e você vivenciou o momento de renovação do choro, ali da virada dos anos 70 para os anos 80, convivendo ali com nomes como Paulinho da Viola, com a Luciana [Rabello], com a turma dOs Carioquinhas, Radamés [Gnattali]. Conte um pouco dessa história. Eu passei a ser habitué de todos os saraus que o Jodacil participava. Tinha um amigo nosso chamado Tonzinho, que na realidade é Milton Borges, eu chamava até ele de parente, morava em Niterói, tinha sido amigo pessoal de Jacob, de Six e de Jonas, e através das idas de Six ao Rio de Janeiro nós fomos parar um dia na casa desse Tonzinho e lá ele reunia Abel Ferreira, Copinha, Arthur Moreira Lima passou por ali, Paulinho da Viola, tudo o que era do choro, Ronaldo do Bandolim com os irmãos. O Raphael Rabello, que eu conheci tocando junto com Turíbio, tinha 12 anos, travou logo amizade comigo, tocava, tinha uma formação bem consolidada de música e ele tinha o que eu gostava, tudo em quanto dizia respeito ao choro tava consolidado na cabeça dele, não tinha que aprender nada. Ele era herdeiro de toda a tradição do Dino [Sete Cordas] e do Meira [Jaime Florence], que foi o grande professor dele, professor do Baden [Powell]. O Raphael, um dia assim, disse “olhe, aniversário da Nara Leão, nós vamos lá na casa dela, e eu queria te levar por que eu tenho uma pessoa que eu quero te apresentar”. Aí me apresentou pro Joel [Nascimento], estávamos tocando, quando ele me viu tocar, disse “olha, nós estamos iniciando um trabalho”, não existia esse nome, Camerata [Carioca], isso veio depois, “de tocar uma suíte que o Radamés tá transcrevendo”, acho que nem todos os movimentos ainda estavam transcritos, só tavam os primeiros, “você não gostaria de participar?”, e eu “gostaria”. Marquei um ensaio com eles, acho que na minha casa, e me encantei com o trabalho, aí começamos a montar a Suíte Retratos. A partir dessa nova abordagem com o choro, os saraus começaram a mudar de feição, num determinado momento eles abriam espaço, “vamos ouvir a rapaziada”, e ficavam encantados com aquilo. E aí esse trabalho começou a chamar a atenção, por que a gente começou a montar um espetáculo chamado Tributo a Jacob do Bandolim, foi considerado o melhor espetáculo de 79 no Rio de Janeiro.

Tu tens uma vasta discografia, tocando, integrando a Camerata Carioca, fazendo Valsas e Choros [1979] e Choros do Brasil [1977]… [interrompendo] Com Turíbio eu tenho três discos. Choros do Brasil foi o primeiro, Valsas e Choros, depois tem o Violão Brasil [1980], que a gente fez para um projeto, por que nessa época, disco instrumental dependia também muito desses projetos que eram feitos pra dar brindes de empresas. Por exemplo, eu gravei a obra de Paulinho da Viola [A obra para violão de Paulinho da Viola, 1985], não quisemos nem eu nem Paulinho editar comercialmente, por que sabíamos que os acordos não iam ser bons, apesar de que eu tinha muita consideração com a [gravadora] Kuarup, Mário de Aratanha [idealizador e proprietário da gravadora] praticamente me lançou como produtor, eu ganhei cinco prêmios Sharp como produtor de discos, e editor, fazia aqueles acabamentos todos, tem discos nossos inclusive que ganharam também prêmio na Europa, foram lançados lá pelo Chant du Monde, gravadora que substituiu a Erato francesa. Eu fiz o meu primeiro disco de forma independente em 1977. Logo depois daquela ideia lançada pelo Antonio Adolfo, do disco independente, alguns músicos eruditos descobriram que podiam fazer aquilo. E Jodacil me disse “por quê que tu não faz um disco?” Aí eu decidi fazer também um disco, isso em 1977, concomitante com a ideia do Choros do Brasil, com Turíbio, eu fiz esse disco, sozinho, gravei no estúdio do Museu da Imagem e do Som. O segundo disco [João Pedro Borges Interpreta, 1983] já foi proposta da Kuarup, como eu fiz muitos trabalhos com a Kuarup, Mário disse “olha, a gente tava querendo fazer um disco teu”. Foi um disco dedicado a violonistas espanhóis e clássicos. Depois deste, A obra para violão de Paulinho da Viola, o quarto que eu fiz já foi na França [Clássicos Latino-americanos, 2005]. Eu também nunca me entusiasmei muito com a indústria do disco especificamente, por que eu era muito criterioso, a gente tinha aquele medo de ser explorado, mesmo tendo a compreensão de que um disco não era uma forma de ganhar dinheiro, era uma forma de divulgar o trabalho.

Era o que eu ia perguntar: tem disco com a Camerata, com Paulinho da Viola, com Turíbio, tem disco em que tocas só em uma faixa, casos de Mistura e Manda [de Paulo Moura, 1983] e Shopping Brazil [de Cesar Teixeira, 2004], para citar apenas alguns. O que tu consideraria, ou por razões afetivas ou por razões de importância pra música do Brasil, uma discografia básica de João Pedro Borges? Pro pessoal ir atrás, baixar na internet. Tributo a Jacob do Bandolim [da Camerata Carioca, 1979], sem a menor sombra de dúvida. Por que na realidade eu era um mero componente, eu digo que fui testemunha privilegiada. O Hermínio Bello de Carvalho tinha a seguinte definição: “olha, essa Camerata vai dar certo por que tem o grande arranjador e compositor, tem o grande intérprete e tem o grande ensaiador”, por que eu tinha uma técnica de ensaio que nem Turíbio tem essa técnica, era tudo muito bem organizado, até Radamés eu enquadrava. O [jornalista] Aramis Millarch uma vez, num ensaio, eu discutindo com Radamés, mas discutindo assim numa boa, a gente tinha uma amizade muito grande, mas eu sabia o limite dele, já pela idade, ia até certo ponto, por que ele já queria sair para tomar chopp, comer alguma coisa, ele não tinha muita paciência de ficar ensaiando, como Turíbio também nunca teve, mas o resto do pessoal precisava de ensaio. Aí Radamés dizia “não, agora já tá bom”, e eu dizia, “não senhor, ainda não está bom, ainda tem uma partezinha que nós vamos limpar aqui”. Aí terminava o ensaio e eu dizia, “e aí, Radamés?”, “é, é, ficou melhor”, aí ele dava o braço a torcer.

Soubemos que você anda compondo. Eu fiz arranjos na época, na própria época do Valsas e Choros os arranjos eram assim coletivos, mas sempre prevalecia uma base. Como Turíbio tinha muita confiança em mim, sabia que eu tinha formação, lia música melhor do que todos os outros, eu dava muita colaboração nesse sentido dos nossos discos, assim a parte mais erudita. Agora a parte mais tradicional, mais dentro da linguagem do choro, imagine, com Jonas e Raphael, não dá nem… pelo contrário! Foi uma escola, foram meus mestres, o que aprendi com eles não tá no gibi. Aqui, depois que eu voltei à São Luís do Maranhão, minha amizade com [os poetas José] Chagas e Nauro [Machado], e as reuniões periódicas pra ouvir música, com Arlete [Nogueira da Cruz Machado, poeta, esposa de Nauro], o Chagas começou a me passar umas poesias dele não editadas. Me deu vários cadernos. E olhei aquilo, eu digo “rapaz, isso dá música!”.

Isso é recente? Mais recente, eu sempre tive minha ideia de compor, compor choro, compor valsa, sempre toquei valsas e choros que eu mesmo compus. Tem coisas que eu nem escrevi, que foi embora, Turíbio até brigava comigo por conta disso. Aí comecei a escrever essas canções de Chagas, musiquei dez poesias de Chagas, uma de Nauro e descobri mais recentemente, desse povo novo, que existe por aí, fora dessa geração, pra mim, na minha opinião, a melhor poeta que a gente tem chama-se Aurora da Graça Almeida. Ela me deu um livro, eu preciso dar esse livro pra vocês lerem. Ela me deu um livro e eu descobri coisas assim maravilhosas. Deixa ver se me lembro, sem compromisso [começa a dedilhar o violão]. Chama-se Mágoa. Um homem prevenido vale mais do que dois desprevenidos [abre o case e tira uma folha de papel em que o poema está anotado]. Olha a letra, diz assim [recitando]: “meu coração sem cor e sangue/ maldiz a mágoa renascida do tempo estilhaçado que vivi/ meu coração sem cor e sangue/ esconde a selva oculta do perdão/ esconde as palavras mais belas e fugazes que não disse/ no meu coração de veias seculares/ padece a solidão de antigamente/ maltrata-me a vida retalhada/ maltrata-me não ser o que eu queria/ maltrata-me deixar sem poesia/ os que previram minha dor, minha agonia/ meu coração sem cor e sangue/ repleto de veios de fervor/ resgata a duras penas o sentido/ de ser ao menos navegante nessa vida” [canta, acompanhando-se ao violão; ao final recebe aplausos dos chororrepórteres].

Ficou clara tua percepção sobre o cenário no Brasil, tanto no Rio como em Brasília, que são os dois focos. No Maranhão como é que tu observa a cena choro? Quais os fatos mais importantes, recentes? O choro tá presente desde o século XIX, a própria pesquisa que Maurício [Carrilho] e Luciana fizeram no acervo João Mohana, se identifica, desde quando nasceu no Rio, já existia choro aqui. Mas hoje, o cenário, pra onde aponta? O quê que tá faltando? Olha, o que acontece é o seguinte: eu digo que tem coisas que as brasas podem passar muito tempo só fumegando de leve mas não apaga completamente. Aqui sempre houve esse potencial, que fez surgir os primeiros conjuntos, tipo [o Regional] Tira-Teima, Rabo de Vaca, já com o advento da Escola de Música já surge a ideia do [Instrumental] Pixinguinha, todo mundo sempre com uma estética voltada inicialmente para a inovação. Aqui no Maranhão surgiu a ideia do Clube do Choro, todo mundo aqui foi testemunha do grande impacto que isso causou na sociedade. Eu vejo esse cenário que o choro se diversificou, atraiu o povo da nova geração, a gente vê agora o movimento Madre Deus, o movimento do Clube do Choro. Pra mim o grande impulso foi lá o Chico Canhoto, com o Clube do Choro Recebe, por causa da concepção inteligente, de compreender que o choro é mais do que ele aparenta ser, ele está presente nas coisas todas, está presente na música de Tom Jobim, Caetano Veloso fez choro, Chico Buarque faz choro, Cesar Teixeira. Então essa junção, primeiro da música instrumental com a música cantada, pra quebrar os preconceitos, e segundo, com o componente da música maranhense, foi a boa fórmula. Nós estamos vivendo ainda dos dividendos desse investimento, na minha opinião. Eu acho que está faltando o aspecto didático, ou melhor dizendo, pedagógico da coisa. O choro tem uma vertente de entretenimento, que ele agrada todo mundo, todo mundo vai, tem público sempre, quando a coisa é bem organizada, tem espaço; segundo, isso só não garante a subsistência do choro, os movimentos vão e vêm, as casas comerciais, os estabelecimentos, tem época que é moda aqui, tem época que é moda ali, tem muita oferta na cidade. Por isso que até hoje eu lamento que a ideia da casa lá [uma sede própria] do Clube do Choro não tenha dado certo, por que tinha um projeto social relevante envolvido.

Dessa nova geração tem alguém dos instrumentistas do choro que te enche os olhos, que tu vê como uma boa promessa? Tem. Robertinho [Chinês] eu acho que é um grande talento. Aliás, antes dele se projetar no choro, o pai dele me procurou na época da formação da Escola de Música do Município, quando a gente ainda tava dando aula lá naqueles camarins da [praça] Maria Aragão e o pai dele me procurou, são dois filhos, nem sei o que é feito do irmão. O que eu passei pra ele, na época, foi o seguinte: “olha, você tem que investir em formação. Teus filhos têm talento, mas eles têm que investir na formação, por que o que garante o desenvolvimento do talento, a formação é o adubo do talento, sem formação, sem você correr atrás do fundamento, se fundamentar, desenvolver”. Essa juventude, por exemplo, eles têm uma facilidade técnica pra tocar, mas isso só não garante. Eu vi muito menino prodígio que abandonou a profissão. Por que tem toda uma estruturação que é psicológica, por que na realidade você tá lidando com a própria vida. Às vezes ele pode se desenvolver no instrumento, absorver bem a coisa do choro e ser mais um chorão na cidade, muito bom. Mas é só isso?

Na tua entrevista diversas vezes tu citaste Turíbio. Na tua opinião, quem é Turíbio Santos? Turíbio Santos é o mais importante violonista brasileiro. Pra mim ele é uma espécie também de matriz fundadora. E é facílimo de explicar. Foi o primeiro violonista brasileiro que se destacou internacionalmente, o primeiro que ganhou um concurso que chamou a atenção pra profissão. Se Ronaldinho Gaúcho botou uma porção de meninos pra jogar futebol e querer ser Ronaldinho, Turíbio fez isso com o violão. A importância dele foi pelo seguinte: ele deu o exemplo, ganhou o concurso e projetou uma carreira internacional de respeito; segundo, foi o violonista brasileiro dessa geração mais generoso, montou curso de violão, criou movimentos sociais como ele fez lá com os Villa-Lobinhos, atraindo banqueiros para bancar a carreira de gente, tem gente que tirou a mãe do tráfico, da marginalidade, alugou apartamento, tá vivendo da profissão, toca na noite, estudaram lá graças a ele. O que pode se acrescentar à dimensão de um bom instrumentista é a dimensão social, o que ele faz em benefício dos semelhantes dele. Turíbio criou os dois cursos superiores, tanto na UFRJ como na UniRio. Foi o primeiro camarada que tirou o violonista de seu isolamento, por conta de criar a ideia de Orquestra de Violão, foi o primeiro violonista que pegou João Pernambuco e disse “isso aqui é música de qualidade”. Quer dizer, quem é o camarada que tá por trás de todos esses movimentos? São as ideias que ele gerou.

E a preocupação dele com a memória de Villa-Lobos, também, não é? Com a memória de Villa-Lobos. Que é um reconhecimento, por que Villa-Lobos projetou a carreira dele. A Mindinha Villa-Lobos [viúva de Heitor Villa-Lobos] quando encomendou dele os 12 estudos para violão talvez nem imaginasse a projeção que ia dar, foi o que facilitou a carreira dele lá fora, foi o primeiro violonista a gravar os 12 estudos de violão de Heitor Villa-Lobos.

Você ajudou fundar a Escola de Música, mas ajudou a fundar outras escolas, mostrando uma preocupação sua sempre com o processo de formação pedagógica. Ceuma, depois foi diretor da Escola de Música, fundou a Escola de Música do Município. Fale um pouco dessa tua preocupação com o processo da formação do músico. Eu acho que é uma questão de humanidade. Essa preocupação eu sempre tive. Eu raciocinei a seguinte coisa: se eu não tivesse tido certa ajuda, que me projetasse, que me ajudasse nos momentos em que eu precisei, numa família de 11 filhos, quais seriam as perspectivas que a gente teria aqui? É uma preocupação social, humana, de ver que a música pode ajudar uma pessoa a plantar ideias que podem mudar sua vida. Ela é uma porta de entrada, ela não é a solução pra tudo, mas ela é a porta de entrada. É como se você entrasse num ônibus e esse ônibus começasse a passar por paisagens que você não conhece e você pode nem saltar, mas você diz “olha, se eu quiser ir eu tomo esse ônibus e vou pra ali pra aquele lugar”, eu sempre tive essa preocupação. Quando eu digo que eu vim da África pra ser o primeiro professor, talvez as pessoas não dimensionem o que representou em termos de sacrifício pra mim. O caminho natural era ir pra França, e eu vim pro Maranhão. Uma coisa que eu fiquei consciente ao longo desse tempo: não dá pra fazer agora sacrifícios maiores esperando que as coisas que você constrói sejam mantidas se elas estiverem vinculadas ao processo político. A política é a coisa mais traiçoeira que pode existir na vida, por que uma hora tá, outra hora não tá, outra hora volta, outra hora não volta mais, não tem continuidade, esse é que é o grande problema.

Queria que tu deixasse registrada aquela história gostosa do carrinho de picolé. As lembranças que eu tenho da minha infância, eu vivia muito dentro de casa, por que minha família não me deixava sair muito. Nem pra praça, tinha a Praça da Misericórdia ali, minha mãe dizia que eu tinha que evitar “adjunto”. Antes mesmo de começar a estudar mais seriamente o violão, eu já tava começando, tinha um ouvido assim que apurava, eu gostava de ouvir rádio, meu pai consertava rádios, a gente dormia com aquele barulhinho de rádio, ele ouvia a BBC de Londres, A Voz da América, aquelas coisas, e eu gostava, tinha um rádio em casa, e de tarde, chegava da escola, almoçava, tirava uma sonequinha, e aquele calor danado, ficava esperando a hora do sorvete passar, picolé e sorvete, e tal. Antes era num tipo de carrocinha, que o sujeito abria, aquela coisa toda. E nesse dia, rapaz, um dia quente, eu ligo o rádio e tá tocando essa valsa de Nazareth [Coração que sente], na Rádio Ribamar, que coisa linda, e o cara do sorvete gritou, “sorvete!”, aí eu aumentei o volume pra não perder, e fui correndo, naquele calor, esbaforido, e disse “eu quero um sorvete de baunilha”, e ele disse “você mesmo escolhe, abre aí pra escolher”. Agora, você imagina a sensação de você sair de um calor danado, faz aquele esforço, eu nunca tinha olhado pro lado de dentro [do carrinho de sorvete], que eu abro, vem aquela brisa gelada, com todos os sabores que estavam ali dentro. Ai, que sensação maravilhosa. Peguei o sorvete, volto, continuei ouvindo a música. Passa-se o tempo, cada vez que eu ouço essa música, Coração que sente, Arthur tocando, o quê que vem no meu nariz?, no meu olfato? O cheiro de todos aqueles aromas e pode estar o calor que tiver que vem aquela brisa maravilhosa.

Chorografia do Maranhão: Biné do Banjo

[O Imparcial, 31 de março de 2013]

Terceiro entrevistado da série Chorografia do Maranhão é mais um de nossos talentos a estrear tardiamente em disco. Visitação, primeiro disco a registrar a obra de Biné do Banjo, foi lançado ano passado.

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Biné do Banjo mora uma residência pequena em uma rua apertada, onde o carro, uma vez lá tem que sair de ré, por falta de espaço para a manobra. Quando a chororreportagem chegou já o encontrou vestido de calça comprida, sapatos cuidadosamente engraxados, ainda sem camisa, como quem havia saído de um banho em meio ao calor abafado que caía sobre São Luís, coberta de nuvens a anunciar chuva para ainda aquele sábado. Ele penteava os cabelos como quem se arrumava para um compromisso mais sério, como se fosse encarar não uma entrevista, mas como se fosse subir a um palco, ou fosse reger a orquestra da igreja evangélica onde congrega-se atualmente.

Ao “boa tarde” respondeu em tom sério, com cara de poucos amigos. Imaginando-o de mau humor, Ricarte emendou: “Biné, é Ricarte, do Chorinhos e Chorões, vim te buscar pra nossa entrevista, lembra?”. Rasgou um sorriso que nem parecia o mesmo senhor sisudo de há tão pouco tempo. “Fala, Ricarte. Rapaz, é que meus olhos estão doendo demais, só vou pra essa entrevista porque já tinha marcado contigo”, disse o velho banjoísta, baixando os óculos escuros, deixando à mostra sua lacrimejante cegueira. 

Só então entendemos o justificado mau humor aparente, logo dissipado. À proposta de a equipe retornar outro dia, quando lhe fosse mais confortável, Biné recusou: insistiu em cumprir com a agenda. Tateou por sobre a mesa e por gavetas, procurando entre os objetos os medicamentos que precisava tomar. Rapidamente os localizou, provavelmente pelo formato das embalagens. Pingou colírio, tomou comprimidos, pôs a camisa vistosa e disse: “já podemos ir. Só quero te pedir uma coisa: que a gente não fosse para um bar. Eu agora sou protestante, não fica bem fazer essa entrevista nesses ambientes, as pessoas não vão entender”. Foi lembrado que já havíamos combinado de fazer nossa entrevista na praça. E assim, entramos no carro e saímos em marcha ré até o começo da rua, de onde rumamos à Praça da Saudade.

Seu problema na visão surgiu depois das “congestões”, como ele mesmo explica, quatro ao todo. “Na primeira, os olhos incharam e eu não liguei. Os caroços dos olhos incharam e eu tive que fazer cirurgias”. 

Benedito Etevaldo do Rosário, seu nome de pia, nasceu na Camboa, em 2 de agosto de 1939. Filho de Tolentino Nicolau do Rosário, barbeiro da penitenciária, “onde hoje é o Hospital Dutra”, e Marcolina Evangelista Costa, doméstica. Evangélico há 12 anos, se congrega no Fumacê. Uma manhã chegou bêbado à igreja, como conta, depois de tocar numa festa e amanhecer na farra. Foi convidado a entrar. Aceitou, depois de perguntar se não haveria de causar problemas a quem o convidava. “Se você não fizer escândalo, sem problemas. Promete ficar quietinho?, ele me perguntou. Prometo, respondi e entrei”. Perguntado se ainda enxergava quando compôs as músicas de Visitação, informa que as mesmas foram compostas entre 60 anos atrás – quando o músico tinha apenas 14 anos – até 1972. “Eu era bonzinho da vista”.

Conduzido pelos braços, Biné senta-se num banco sob um toldo desocupado àquela hora, depois de irritar-se rapidamente com o mau jeito da equipe. “Eu mesmo tenho que tatear o banco pra poder sentar”, explica. Ele mesmo começa a conversa, falando mais uma vez da igreja que frequenta.

Biné do Banjo – [dedilhando seu instrumento] Eu sou regente da orquestra da igreja. Toco banjo, toco até violão às vezes. Mas eu sou o que dirige, quem dá a direção das coisas lá. Teclado, tudo quem dirige sou eu. Me tornei solista por opção de um grande amigo meu, Manoel Madeira.

Quando o senhor fala que seu pai o abandonou, podia contar melhor essa história? Olha, quando ele me abandonou, eu tinha três anos de idade. Passei muita fome. Minha família é que ia tirar sururu e sarnambi e um ceguinho vendia e trazia o dinheiro pra gente. Aí a gente tomava merenda de sururu, sopa de sururu, café de sururu, doce de sururu com sarnambi… sábado e domingo saia um dinheirinho pra comprar um peixe, outra comida melhorzinha. E foi assim que eu fui criado. Agora, quem me botou instrumento na mão foi seu Manoel Madeira, o pai de Carlito, que era o dono do Boizinho Barrica. Ele ia tocar numa festa e o cara tava bêbado, só faltava 30 minutos. “Poxa, rapaz, agora que esse cara adoeceu”. Aí eu disse “rapaz, não terminou nada não, por que eu sei tocar isso daí”. Aí eu cheguei e fiz [imita o som da bateria com a boca]. Aí começaram a perguntar como se toca baião [imita o som da bateria com a boca no ritmo], como é que se toca bolero, samba [idem]. “Rapaz, esse menino vai terminar essa festa com a gente”. Toquei os 30 minutos e ganhei o dinheiro e ganhei seu Manduca. Foi assim que eu não fui embora daqui do Maranhão, que vieram me buscar várias vezes.

Além de músico, qual a tua outra profissão? Eu fui pedreiro, fui especialista em sapatos, aqueles sapatos MAC, do Mercado Central, aqueles sapatos de bico canoa, bico fino, aquilo era eu, Coló e Leonardo e Coioí da Madre Deus quem fazíamos, assim que era.

Na tua infância tu teve pouco contato com teu pai, mas na adolescência o convívio foi maior. Ele também te influenciou pra música? Foi. Por que ele era violonista e eu guardei na mente. Quando Manoel Madeira me fez músico e me preparou como compositor e solista, aí eu já passei a frequentar meu pai para ouvi-lo. Ele cantava uma, eu cantava outra, ele cantava uma, eu cantava outra, até que tem uma música que eu fiz assim pra ele [recitando]: “toda vez que eu pego o meu cavaquinho/ nasce logo em mim uma inspiração/ me faz recordar o meu saudoso paizinho/ quando estávamos a tocar e a cantar / ao som do seu violão/ este violão que por ele foi desprezado [“por que ele morreu”, interrompe-se para explicar]/ está aqui hoje ao meu lado/ sentindo a falta do seu tocador”, entendeu? Aí o resto eu já esqueci.

Como é o nome dessa música, lembra? Ah, eu não lembro. Eu não me lembro o nome da música, não. Pode botar um nome aí, “Saudação ao meu pai”, pode ser, né? “Saudação a Tolentino Nicolau do Rosário”.

O Madeira foi teu professor de música. Mas o que é que tu ouvia, na infância, na adolescência, em casa, na rua? O quê que a gente ouve na Madre Deus, me diz?

Samba. É só samba, marcha, boi, quadrilha, entendeu? E coco… tu tá sabendo quem foi sócio fundador do Boizinho Barrica? Fui eu. Que nesse [naquele] tempo era lelê. Eu saía daqui com [o compositor Zé Pereira] Godão pra São Simão [povoado de Rosário/MA], buscar lelê lá de São Simão, com Godão, [o compositor] Bulcão, esse pessoal todinho, [o poeta] Jeovah França, [o compositor] Wellington Reis, pra pegar esse pessoal. Aí nós sentamos numa praça e começaram a dizer, “temos que botar aqui e tal, vamos botar Boi Tonel. Pra botar aqui pelo carnaval”. Aí eu disse “Boi Tonel não, vocês já tão roubando o título alheio, que Boi Tonel foi quando eu comecei a fazer música na casa do velho Bertoldo, na Rua 1, que lá era cruzeiro, e o cruzeiro, a representação dele era um boizinho, numa vara, no feitio de um tonel. Como é que vocês querem botar Boi Tonel, querem roubar o nome dos outros? Então por que vocês não botam uma coisa parecida com o Boi Tonel? Eu viajo muito aqui pra contrabando com finado Ciríaco, com Aruanda, levar café e de lá eu trago tudo quanto é produto, perfume, todas as coisas de lá, inclusive nós trazíamos muito vinho engarrafado naqueles toneizinhos de vidro, que se dá o nome barrica, barrica de vinho. Por que tu não bota então o nome Barrica? É igualzinho um tonel”, aí ficou a sugestão Barrica.

Tu ouvia muito rádio? Escutava muito rádio.

Que tipo de música? Se ouvia muito marchinha, aquelas que vinham de São Paulo, que no Rio não tinha marcha carnavalesca. Era muito difícil. Era mais arretirado [sic] do Rio, já pro lado dos morros, Vila Isabel.

Que rádios tu escutava? Era sempre a rádio Globo. A rádio Globo, que se tornou Jovem Pan há muitos anos e até hoje continua como a melhor rádio do mundo, eu acho. Tu pode fazer uma pesquisa que não tem outra igual.

E o tipo de música? Boleros, sambas… Boleros, sambas, rock, pop, dava tudo.

Por que tu escolheu tocar o banjo como um instrumento associado a teu nome? Por que nesse banjo eu aprendi todo estilo de música.

Mas tu já tocava bateria, já tocava um monte de coisa. Sim, eu tocava bateria. Meu instrumento era bateria. Mas eu não te falei que Manoel botou o instrumento na minha mão e me fez banjista [banjoísta] dele? E aí ele me ensinou a tocar banjo e aí eu fui o quê? Banjista dele pra tocar com ele. Por que aí eu me tornei tocador de pastoral, de reisado, de comédia, procissão, ladainhas. Se eu pegasse qualquer outro instrumento, entendeu? [sola algo no banjo]. Eu tenho aqui [aponta para a própria cabeça] a escala na mente. Quando eu falho é pouca coisa.

Tu perdeu o tato, né?, nas mãos? Perdi. Essa mão aqui [mostra a mão direita] agora que tá começando a voltar, pegar a palheta. Eu comia com a mão dos outros, é muito triste. Com a congestão aí, quatro crises de congestionado. Foi por aí que foi feito meu cd. Veio [o compositor] Veloso, lá defronte e disse “rapaz, tu tá muito mal!”. Hoje eu ainda tou falando errado, eu falava assim, ó [mete um dedo na boca, de modo a dificultar a própria fala, emitindo sons difíceis de entender]. Veloso olhou e saiu correndo e foi lá onde Bulcão, Godão, Jeovah e Ubiratan Souza e Wellington Reis, aí vieram tudinho lá em casa. Aí chegaram lá em casa, eles se despediram, foram embora, e Ubiratan ficou comigo. Passou o dia comigo e no outro dia ele veio e disse: “olha, tu vai te lembrar de algumas outras músicas que tu fez e vai fazendo aí. Quando tu sentir que tu errou, tu para”. Aí eu comecei. E disse assim: mas qual é o chorinho que tu mais gostas aí que eu ainda não toquei aqui? Aí eu toquei esse aqui [dedilha no banjo uma melodia de sua autoria]. Essa é só a última parte. A primeira é assim [volta a dedilhar, após elogios dos chororrepórteres].

Tu lembra o nome desse choro? Ah… eu não me lembro mais.

Tu viveu de música? Música pra mim foi só pra beber umas cachaças. Eu vivia era de vender contrabando. Eu não tou te dizendo que eu fiz Aruanda, Carlos Mesquita, Titio, Ciríaco, Pedro Cara Cortada, esse pessoal todo ficou rico às minhas custas.

Tu vendendo contrabando pra eles? Por que eu que tinha a cabeça pensante. Eu chegava, olhava assim, eu ficava no porco, e dizia: dois quilos de pá, três quilos de não sei o quê, cinco quilos disso, dois quilos disso, separava logo a cabeça, cabeça não se metia, tripa, fussura, não se metia, e tantos quilos de banha. Aí os caras chegavam e diziam “mas isso é só porco”. E eu dizia: mas é porco carnudo, é porco de se vender. Hoje mesmo a gente começa a trabalhar, eu mato dez porcos desses, daqui pro amanhecer, e mando deixar pelos mercados, pelas partes, e o que ficar em casa a gente vende depressa. Os couros a gente salga pra dar pra comprador do sítio Piancó, do Justino. Eu nasci pra ajudar os outros, e nasci pra ficar rico disso, mas eu nunca fiquei rico. O que eu ganhava com uma mão eu enfiava tudinho num rabo de saia no outro dia. Eu não tinha pai nem mãe, minha mãe me deixou com 12 anos. Eu com 12 anos sustentei foi seis sobrinhos e duas irmãs, uma com três filhos e outra com três filhas.

Tu tocou em vários grupos de jazz. Lembra o nome deles. Eu toquei no Jazz Céu Azul, que era de seu Manduca. Toquei no Jazz Irakitan, que era do tenente Pedrão, da Polícia. Toquei no Vianense, os músicos eram todos contratados pelo tenente Gregório, da banda da Polícia, eram uns três grupos, todos de gente da polícia.

Quando tu tocava tu recebia algum pagamento? Eu era contratado pelo mestre da banda. Deixa eu te dizer. Nesse tempo um soldado ganhava, parece que três mil e pouco, quatro mil, cinco mil. Cinco mil que eu tou dizendo assim por que eu não lembro mais qual era o dinheiro daquele tempo, se era cinco mil réis, cruzeiros, cruzados, era um dinheiro assim dessas coisas. Eles ganhavam esse dinheiro pra tocar o mês todinho com a banda. E eu ganhava no mínimo de 18 e no máximo de 21 pra tocar contratado com a banda. Como é que eu ia largar de ganhar esse dinheiro contratado? Tu sabe quantas pessoas morreram tuberculosas naquele tempo, que não tinha cura? Muitos músicos, tudo de Viana. Só teve um cara que não era de Viana, era aqui do interior, eu não me lembro de onde era, se era de São Vicente, chamava ele Zé Leôncio. Grande saxofonista! Se inscreveu no exército e passou no primeiro lugar no exército como clarinete, entendeu? Aí ele foi pra banda de Brasília tocar clarinete lá. Quando fui um dia ele tava lá tocando aquelas coisas tudinho no pistom, tirando aqueles agudos, com brincadeira, baixinho. Aí o mestre da banda chegou e disse: “ah, é tu, não?” Tu hoje vai ser a minha segunda pessoa, de hoje em diante. Eu vou reunir todo mundo, chamar o presidente, o governador, que o presidente chamava-se João Goulart, esse pessoal aí do governo, ministro, essas coisas tudinho, chamou e decretou: “esse aqui é que vai reger a banda no meu lugar”, é maranhense, daqui do interior.

Tu, além de instrumentista de banjo, de bateria, que outras funções tu também tem na música? Compositor, arranjador, que tipo de outras habilidades tu desenvolve ou já desenvolveu? De música eu nunca desenvolvi nenhuma, a não ser só as que eu já te falei. Compositor e dom divino, graça divina de Deus, baterista, solista de banjo. De pau e corda eu já toquei todos os instrumentos. De pau e corda, que seja, baixo, violino, rabecão. Rabecão eu aprendi a tocar com Vital, que era o dono da melhor orquestra do Maranhão. Sabe onde foi que eu comecei a tocar? Na Rua Grande, num cinema que tinha lá chamado Éden. Pelo carnaval tinham os assaltos, começavam nove horas da manhã e terminavam uma da tarde. Quando terminava tava cheinho pras pessoas assistirem o filme.

Tu sempre morou aqui na Madre Deus? Eu morei pouco tempo lá onde eu tou te falando, na Camboa. Me mudei de lá com seis anos, vim pra cá, aqui foi que eu cresci.

Tu conseguiria fazer um comparativo, tipo, a Madre Deus já foi um celeiro de samba, de música popular, tu acha que hoje é melhor, pior? Deixa eu te dizer uma coisa: não tá nem melhor nem pior. As coisas foi que se desenvolveram tecnologicamente, pelo facebook, internet, essas coisas, que qualquer criança de cinco anos, sabe internet melhor do que tu e eu. Isso foi que cresceu e se desenvolveu de uma maneira tão grande. Por que Deus disse: “crescei-vos e multiplicai-vos”, e que o homem ia crescer e multiplicar em todos os sentidos.

Deixa ver se melhoramos a pergunta: a gente sabe, pela história, que se chegássemos aqui na Madre Deus, na década de 1970, iríamos encontrar uma roda, várias rodas, uma turma fazendo samba, criando. Hoje tu vais encontrar um porta-malas aberto, tocando um forró da pior qualidade. Nem só forró: funk, pop, rock, reggae. É conforme o local. Tem gente que adora chegar, principalmente onde tem local que se compra gasolina. O cara chega pertinho, compra tudo quanto é dinheiro de gasolina e bota o som dele que ele quer lá em alto volume. Aí chega outro, daqui a pouco tem dez, cada qual com um reggae diferente. Aí tem hora que tem reggae, tem pagode, tem forró, essas coisas todas. Mas aqui na Madre Deus também tem gente nova que gosta de um sambinha, de forró, pagode, chorinho, meninos novos. Tem criatividade pra tudo aqui na Madre Deus. Se tu vier de qualquer outro lugar e não vier na Madre Deus, tu não veio em São Luís, não veio no Maranhão [passa um veículo com o som em alto volume]. Olha aí, ó: eu tou te falando, eu tou mentindo? [risos] Eu conheço tudo aqui.

Quantos discos tu já gravou? Só aquele teu? Foi só esse que eu gravei, naquelas circunstâncias que te falei. Se não fosse a minha dificuldade, tu sabe quem era o responsável de eu ser lembrado? Foi que meu primo, Agostinho Santos, que tocava pandeiro com Mascote. Ele tocava com Hidelbrando, Agnaldo [Sete Cordas, segundo entrevistado da série Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 17.03.2013].

Visitação é teu primeiro disco solo, com tua obra, mas na condição de músico, tu não chegou a participar da gravação de outros discos, como por exemplo, o Barrica, no começo? Gravei com esse banjo aqui onde teve um Festival Viva, aqui na Praça Deodoro.

Qual era a música? Música de Godão, que fala na praia [cantarola:] “lá ri rá rá, na Beira da Praia, da maré vazante, lá rá, aquele amor”, esse foi o único cd que eu gravei foi esse cd.

Biné, que artistas tu admira? Instrumentistas? Instrumentista que eu admiro, que sempre admirei aqui na Madre Deus, foi Nazino, que eu tocava uma peça, ele tocava outra, eu uma, ele outra, daqui a pouco ele me beijava na cabeça e dizia: “Biné, eu não sou ninguém perto de ti. Tu és um monstro sagrado, o único tarado do banjo da Madre Deus”. Ele tocava banjo também. A munheca de ouro, tinha a munheca muito mais do que a minha, mas o meu repertório era maior que o dele, eu passava a noite todinha sem repetir. O outro músico chamava-se Amilar Costa Ferreira, que levou mais de 60 músicas minhas para Manaus, mandou a mulher dele vir me buscar, mandou a passagem para eu ir embora e eu não fui. E ele ficou mestre de banda lá, gravou, e a mulher dele é quem toma conta de tudo, que ele já morreu.

Em Visitação, quase todas as músicas são choros. É a música que tu mais gosta de compor? É, cresci foi aqui na Madre Deus, então chorinhos foi o dom que deus me deu para fazer. Por que eu era fã dos ritmos de nossa terra. Essa é a originalidade da minha vida. Então, cada música minha eu colocava um tipo de solo. Esse solo aqui dá pra tal ritmo, esse aqui dá pra [o bumba meu boi de] costa de mão de Cururupu, esse aqui dá pro boi de Iguaíba, boi da Maioba, esse aqui dá pro boi de Pindaré, esse aqui dá pro boi de Viana, cacuriá, com os ritmos da cultura do Maranhão.

Na tua opinião, qual a importância do choro como música? É a única coisa que é nato, que é nossa, criação nossa. Brasileira, não: maranhense. Samba é criação do Maranhão. Depois é que esse pessoal veio buscar aqui e pegar e inventar a nossa batucada, como Zeca Pagodinho e outros mais. Pega uma música de Zeca Pagodinho? [imita o som do batuque com a boca] Essa batucada é daqui da Madre Deus, da Turma do Quinto, do Príncipe da Folia, no Caldeirão, no comando de Zé Garapé, de Marciano. Isso é ritmo nosso, é coisa nossa!

Tu acha que no Rio de Janeiro, naquele universo todo, morros, favelas, eles não criaram também? Eles criaram, sim, mas com outro estilo. Cada terra com seu buraco, com cada um. Martinho da Vila só passou a ganhar depois que começou a entrar no samba total, entendeu? Que é daqui do Maranhão, sambinha nosso estilo [torna a imitar a batucada com a boca. Em seguida cantarola:] “minha caixinha de fósforo/ também é pandeiro/ eu não troco por qualquer pandeiro nosso/ nela acompanhando passo o dia inteiro/ quando eu encontro um bom violão/ aproveito logo a minha vocação/ se formo logo um sambinha ligeiro/ a minha caixinha de fósforo aqui é pandeiro/ os sambas cariocas são patenteados/ é inegável, é sem comparação/ os seus ritmos são bem organizados/ e a minha caixinha de fósforos é quem faz a imitação”. Eu sou bairrista, meu cumpade!

Quem é o chorão que tu mais gosta, dos grandes solistas brasileiros? Quem são os instrumentistas que tu mais gosta? Olha, dos grandes solistas brasileiros, quem eu gosto é Sivuca, da sanfona, Jacob do Bandolim, e o meu amigo que foi daqui do Maranhão, antes de Sinhozinho [o violonista João Pedro Borges] foi um outro.

Turíbio? [O violonista] Turíbio Santos. Esses são os monstros sagrados.

Tu gosta do Sinhozinho? Rapaz! Toquei muito com ele. Eu, Sinhozinho e Ubiratan. Esse negócio de [o compositor] Josias [Sobrinho], que canta, que veio de lá da Ponta d’Areia [a música De Cajari pra Capital], ele tocava pra gente, era eu quem fazia o solo. [O compositor] Cesar Teixeira também me acompanhou muito e Josias aprendeu muito com a gente. Outro que eu gosto muito é Dilermando Reis, esse é o monstro sagrado do violão.

Tu está tocando na igreja? Toco. Quer ouvir uma música minha? Vou tocar uma pra ti ver. Essa aqui foi a primeira que eu fiz lá [canta, se acompanhando ao banjo]: “sozinho eu sei que não vou conseguir/ sozinho eu não vou a nenhum lugar/ sem ler a Bíblia triste será meu fim/ mas como ler a Bíblia se eu não posso enxergar?/ meu Deus, o que será de mim?/ como subir sem ter alguém pra me guiar?/ por isso faça alguma coisa por mim/ oh, meu Jesus, antes da porta da graça fechar/ para que eu possa ter direito à salvação/ e receber das tuas mãos/ a chave do meu eterno lar/ ó doce lar/ estes lares que por ti foram preparados/ para os remidos, sem pecado/ entre eles eu quero estar”.

Chorografia do Maranhão: Agnaldo Sete Cordas

Lenda viva do instrumento que lhe deu sobrenome artístico, o ludovicense Agnaldo Sete Cordas, 85, é o segundo entrevistado da série Chorografia do Maranhão.

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

A entrevista com Agnaldo Sete Cordas começou de maneira descontraída – e assim se manteve até o final. Ele já contava causos antes mesmo de ligarmos o gravador e acionarmos o botão da máquina fotográfica. Nós quatro – ele, o fotógrafo e os dois chororrepórteres – em pé, aguardando Chiquinho [o proprietário do bar] com as chaves do Chico Discos (Rua 13 de Maio, 389-A, altos, esquina com Afogados, Centro), onde a entrevista aconteceu num sábado à tarde, horário em que o bar normalmente não abre e o foi exclusivamente para a ocasião.

Agnaldo Sete Cordas é uma lenda viva do instrumento que acabou por lhe emprestar o sobrenome artístico, tendo tocado com diversos artistas de sucesso nacional, quando de suas passagens pela ilha. Não por acaso, poucos dias antes de receber a ligação convidando-o a dar um depoimento à série Chorografia do Maranhão, ele havia começado a rabiscar em um caderno suas memórias. Uma espécie de “fique por dentro” particular, em que, a caneta, em papel pautado, lembra “histórias, curiosidades, manias de antigos e novos chorões”. Gente com quem tocou, formação de bandas, orquestras e regionais, rodas, farras, datas e causos em geral engraçados – que em parte ele repesca na entrevista, às vezes recorrendo ao caderninho de anotações.

Entre estas últimas lembra quando Cardoso [lenda entre os seresteiros do Maranhão] ia batizar uma filha sua e Six [o cavaquinhista Francisco de Assis Carvalho da Silva, lenda entre os chorões] – ambos já falecidos – chegou e mandou dispensar o padrinho. Foram todos para a igreja, aberta mediante o pagamento do último ao padre. O batizado aconteceu em meio a uma roda de choro. “Meu compadre era um bom companheiro”, disse, referindo-se a Six.

Agnaldo de Jesus Sousa, seu nome de pia, nasceu no Desterro, em São Luís, em 1º. de janeiro de 1928, filho do clarinetista Benedito Sousa, professor de música, e Sabina Martins Sousa. Tem 13 filhos, 13 netos e um bisneto. “O choro é uma música que não se acaba”, vaticina, pouco antes de atender ao celular: era [o bandolinista] Raimundo Luiz, diretor da Escola de Música do Estado Lilah Lisboa, convidando-o para uma roda. No toque do celular do jovem senhor, Odeon, de Ernesto Nazareth.

Agnaldo, o Sete Cordas e o caderno de memórias

Além de músico, qual tua outra profissão? Eu nunca tive profissão assim. Era empregado numa firma, a Francisco Aguiar e Cia. Entrei lá em junho de 1942. Era office-boy, como se diz hoje em dia, levava os telegramas para os Correios. Entrei lá de calça curta [risos]. Passei 17 anos lá. Depois saí, passei uns anos fora e depois, em julho de 1961, eu me empreguei na Companhia de Água e Esgotos. Naquela época era água e luz junto. O governador da época, Newton Belo, foi quem separou água para um lado e luz para outro, eu fiquei na parte da água. Me aposentei em 17 de fevereiro de 1993.

Com quem tu aprendeste a tocar? Eu aprendi a tocar esse instrumento, sem ser esse aqui, foi um violão de seis cordas. O namorado da minha irmã tinha um e deixou o violão lá em casa, aí eu fui pegando quando ele saía e aquilo foi me dando vontade de tocar, de aprender. E de repente mudou-se lá pra casa um vizinho, que era de Caxias e eu soube que ele tocava violão. E a gente ficava até tarde da noite, ele passando as notas. Depois apareceu outro moço que tocava muito bem violão, o nome dele era Ricarte, morava no Monte Castelo [os entrevistadores espantam-se com a coincidência]. Ele ia lá pra casa, levava o violão e eu ficava manjando aquelas notas. Quando ele saía eu ia fazer e não acertava. Pensei em largar de mão. Mas o tempo foi passando e eu fui pegando gosto pelo instrumento.

E depois substituiu pelo sete [o violão de sete cordas]? O sete foi o seguinte: depois de passar muito tempo nesse violão de seis, eu passei pela guitarra, por que pra tocar nos grupos que tinha em São Luís, eu fui fundador do Nonato e Seu Conjunto, pra tocar em grupos assim eu passei pra violão elétrico, depois eu peguei guitarra, mas eu não sabia tocar guitarra, por que eu tocava com dedeira. Para este violão foi da seguinte forma: muitos anos, eu tocava no Lira, e ia para casa descansar, e dia de domingo eu ia para o barzinho lá defronte lá de casa, tomar aquela cerveja com os amigos. Num domingo eu tava sentado lá quando chegou Six, seu Dega, irmão dele, Carlinhos [Leite], Jonas [Pereira da Silva], aquele que tocou com Jacob [do Bandolim, no Conjunto Época de Ouro]. Seu Dega quando me olhou, disse “olá, meu compadre! Olha quem tá aqui! Esse aqui é o Carlinhos, o violonista que toca com Jacob do Bandolim”. Ele tava com o violão de sete cordas, eu com o de seis, ele me deu o instrumento, mas eu não acertei uma nota, entreguei o instrumento pra ele [risos]. Mas nessas alturas eu não estava com o grupinho. Estava eu, Careca no bandolim, sentou Carlinhos com o sete cordas, tinha um menino com um tamborim pra fazer ritmo, Six no cavaquinho e finado Marreta com um gravador Philips. Aí o samba começou. Essa música foi tocada lá, aquele dia, um choro de Waldir Azevedo por nome Contraste [parceria com Hamilton Costa]. Essa música eu tenho gravada numa fita, acompanhada pelo Carlinhos. Aí depois, nessas alturas, a farra começou. Cantou [Léo] Spirro, cantou Seu Dega.

Na tua juventude, de que modo vocês ouviam música? Nós ouvíamos rádio que nós mesmos fabricávamos. Esse mesmo rapaz que me ensinou violão, Mizael, ele enrolava motor de avião, de compressor, essas coisas, era inteligente. Ele enrolou umas bobinas e disse que íamos captar uns sons da PRJ-9, Rádio Difusora do Maranhão. Funcionava ali defronte o Mercado Central, no prédio do SIOGE [o Serviço de Imprensa e Obras Gráficas do Estado, hoje abandonado]. Ela entrava no ar e quem tinha rádio ouvia. Então nós fizemos um tal de rádio galena. Era feito com uma bobina de fio, um telefone antigo, pegava só o fone, fazia adaptação, pegava chumbo com enxofre, botava numa colher no fogo. Aquilo quando diluía, ficava aquela pedra brilhante. Através daquela pedra amarrava uma agulha na pontinha do fio, botava o fone no ouvido e sintonizava a estação. Só tinha essa aqui no Maranhão. Eu ouvia longe… Eu me lembro tão bem de uma música que Isaurinha Garcia cantava, [cantarola:] “aquele aperto de mão não foi um adeus” [Aperto de Mão, de Jaime Florence, Augusto Mesquita e Dino 7 Cordas], parece que era essa música. E eu ouvia aquele violão e “meu Deus, o meu não dá esse som”. Aí foi que aconteceu, quando Carlinhos chegou lá na Cohab com aquele violão, aí eu me envaideci pelo som do instrumento. Fiz uma carta pra minha mãe, que morava no Rio de Janeiro, pedindo pra ela me dar um violão, que tinha visto um violão aqui, e tinha vontade de tocar num de sete cordas. Fiz sem esperança. Um dia de sábado eu tava em casa com a mulher, quando parou o carro do Correio lá na porta. “Olha, Marilene”, minha mulher, que tava lá, “é bem roupinha de menino que mamãe tá mandando pros netos”. Quando eu abri, era um violão sete cordas, Del Vecchio, já afinado. Quando eu peguei esse violão, a notícia correu rápido. Fui inaugurar esse violão e a aporrinhação dos colegas, “tu nãos sabe tocar nem de seis, quanto mais de sete”. Eu pensava em tirar a sétima corda, não tava acertando. Foram quatro anos, me dediquei, fui acertando. Uma vez aquele Biné, irmão de Bastico, disse “Agnaldo, esse violão tem que falar grosso”, e ele me gozava com isso. Fui lutando, Deus foi me ajudando, fui entrando nos grupos. Aí apareceram uns seguidores, que se envaideceram pelo instrumento também. Mascote, Bastico, Chiquinho, eu tenho o nome deles aqui [aponta o caderno], se metiam e largavam por que não acertavam. Entre o grupo que se interessou ficou [Francisco] Solano, Elinaldo, o mais competente, foi quem pegou com mais facilidade, Domingos [Santos]. O resto desistiu. Toquei muito nas noitadas por aí.

Teu pai dava aulas de música e tocava no exército. Ele de alguma forma influenciou o senhor a ser músico ou havia um desencorajamento, que músico naquele tempo era vagabundo, mal visto. Como era essa relação? Naquela época violonista era vagabundo, era mal visto. Ele não sabia, eu pegava esse violão escondido. Ele queria que eu estudasse telegrafia, o código Morse, ele me passava para estudar. Ele não queria negócio de violão, nem bola, o caso era estudar, e era o que eu não gostava.

Você chegou a jogar bola? Eu jogava bola. Até quebraram minha clavícula, aí eu larguei logo.

O senhor fundou o Nonato e Seu Conjunto. No ano de 1962, num daqueles bancos, defronte o Lítero, na praça João Lisboa. Eu tava trabalhando no DAES [Departamento de Água e Esgotos], chegou um colega que tocava comigo na rádio, Rafinha, e Osmaro contrabaixista. Ele disse que não tinha mais nenhum grupo tocando, o que Nonato tava tinha acabado, por causa de molecagem dos músicos. Aí eu disse “vamos convidar Nonato”. Eu peguei folga no serviço e fomos os três. Nonato tava lá em cima tocando piano. Quando desceu a gente disse: “Nonato, nós estamos formando um grupo pra tocar, tu não queres tomar parte?”. De cara ele disse que não. Aí a gente conversou, ele disse que dava a resposta amanhã. Voltamos no mesmo horário e eu combinei com a turma: “se Nonato aceitar, o nome vai ser Nonato e Seu Conjunto, a gente bota uns papeizinhos em um copo, Nonato e Seu Conjunto, o que ele tirar vai dar Nonato e Seu Conjunto” [risos]. No outro dia ele tava ensaiando uma música. Quando ele desceu, “como é, Nonato, resolveu?”, e ele “é, eu vou aceitar”. A gente, êêê, aquela comemoração. Vambora escolher logo o nome do grupo, já tava combinado. Ele meteu a mão no copo, deu Nonato e Seu Conjunto. Daí ficamos. Eu já tinha meu instrumento, eu tinha meu violão elétrico, o baterista tinha a bateria dele, o contrabaixista tinha o baixo, o pistonista tinha o pistom, o saxofonista, que é Nero, já tinha o sax, o cantor era Murilo Oliveira. Depois passou a ser Cardoso. Aí fizemos o grupo, começamos a ensaiar. De repente pegamos o contrato para tocar as tertúlias do Lítero, que começava às oito da manhã. Começava oito, terminava dez. Durou bastante tempo. Aquilo era uma brincadeira, a gente tocava na base da brincadeira, pegava um cachezinho pra levar pra casa. Aí passamos a pegar contrato pra festas de casamento, colação de grau, tocávamos lá no Casino [Maranhense], que era na [avenida] Beira Mar. E o grupo foi tomando frente e só tínhamos nós na praça. Depois foi que surgiu o CurtiSom, Os Colegiais, Os Fantoches. Mas de início éramos só nós, tanto aqui na cidade quanto no interior. Essa baixada toda nós tocamos, e também do outro lado, a gente pegava Vargem Grande, Itapecuru, Chapadinha.

Quem foi o músico que mais te influenciou no começo da carreira? Era o Careca, que tocava bandolim e cavaquinho. Tinha os olhos gateados. Era exímio músico. Tocava violão também. Ele pegava o violão dele, lá no João Paulo, ele vendia pastel numa cesta desse tamanho [gesticula com as mãos]. Quando ele chegava com o violão dele lá no João Paulo, aí faziam a roda, ele cantava até um samba assim [cantarola:] “violão amigo/ venha ouvir meus ais”. Ele cantava essa música, toca violão, aí a canalha fazia a roda e ele vendia o pastel todinho. Quando passava pro cavaquinho, foi quando surgiu aquele choro que o Jacob fez por nome Flamengo [de Bonfiglio de Oliveira], esse era o começo [toca a introdução]. E o Careca tocava isso e chamava a atenção. Aí eu fiz amizade com ele. Eu estudava no Teixeira Mendes, onde é a Caixa Econômica hoje, e eu saía do colégio e passava pra brincadeira. Mamãe falava, “meu filho, vai pra casa”, e eu tava atrás do instrumento.

Você já viveu só de música, a música já te sustentou? Já vivi. Sustentei a família muito tempo na música. Eu tinha um patrão muito agressivo, uma vez ele me passou um carão na frente de Mascote, lá no balcão. Eu já tinha mais de 10 anos da empresa e ele perguntou se eu tinha vontade de sair da firma. “Então faça o seguinte: o que você vai levar de indenização, dá para abrir um negócio para você”, ele disse. E me orientou a, quando me perguntassem o porquê de eu deixar a firma, eu devia responder que era de livre e espontânea vontade. Assim fiz, era 1958 ou 59. Não recebi nada. Passei dois anos vivendo apenas com o ordenado que eu ganhava na rádio Timbira, como violonista do regional. E tocava por fora pra levar pra casa.

Você chegou a gravar discos com Nonato? Ele gravou, mas eu não tava mais no grupo. Quando ele gravou, tava [Arlindo] Pipiu, Zé Américo, Chico do Zuca, saxofonista, Garrincha. Nonato adquiriu um empréstimo no Lítero e foi à São Paulo comprar um instrumental novo. Nosso baixo não tinha trastes, era gavetão. Quando Nonato veio de São Paulo trouxe um contrabaixo elétrico, mas sem trastes, trouxe bateria nova. No dia da inauguração desses instrumentos, foi uma coisa gozada. Nós fomos tocar no Clube Alvorada, ali no Tirirical, um clube da Força Aérea Brasileira. Garrincha antes de chegar já tinha enchido a cara. Na hora que começou a festa, só dava Nonato, o clube cheio de gente, Garrincha cheio do pau, a gente foi tocar uma música [faz o ritmo com a boca], na hora em que ele foi fazer uma frase, estourou os dois tambores, rasgou de meio a meio. Nonato com aquela calma terminou a música e o show na bateria. Garrincha continuou no grupo, mas aprontou muito das suas.

O senhor teve algum estudo formal de violão? Não. Aprendi na raça. O pouquinho que aprendi foi só pra me divertir.

Além de Nonato e Seu Conjunto, de que outros grupos musicais você participou? Primeiro nós tínhamos o Grupo Difusora. Nós tocávamos em aniversário, éramos eu e Zé Cantanhede, dois violões de seis cordas, Careca no bandolim e violão tenor, que ele tocava que era uma beleza, Racinha na maraca e no pandeiro, ele era canhoto, Maneco baterista, Osmaro contrabaixo, Antonio Rodrigues sax tenor e Toinho acordeom. Aconteceu que até uma vez a Dalva de Oliveira se apresentando no Teatro Arthur Azevedo, aquela música [cantarola:] “Ave Maria, lá rá ri” [Ave Maria no morro, de Herivelto Martins], rapaz, nós ensaiamos a música e Rodrigues antes de começar a função era uma dor de cabeça e não teve jeito de ele descer para tocar e quem fazia o solo era ele. Quando chegou na hora dessa música, ele veio de lá, mesmo com a dor de cabeça, ninguém esperava isso dele. Na hora do solo, o saxofone saiu de detrás da cortina, a coisa mais linda, todo mundo aplaudiu. Depois eu passei seis anos com Nonato, tocando no Lítero, festa de carnaval, aquelas músicas que até hoje em dia se toca. Nonato depois que criou asas começou a dar ordens dentro do grupo. Aí ele dizia: “só fica no grupo quem ensaiar”. Eu era empregado, não podia ensaiar, Cardoso, do Banco do Brasil, também não podia ensaiar. Ninguém podia deixar o trabalho para ensaiar. Aí ele já queria botar Oberdan e Pitomba no grupo, eu fui me aborrecendo e larguei. Quando eu saí do grupo, uma noite eu tava em casa, quando recebi um convite para uma seresta na Rua Oswaldo Cruz. Foi a última vez que eu toquei com Nonato, foi na inauguração dessa boate. Depois eu entrei nos Fantoches, em 1968, na vaga de Sinhô, [o violonista] João Pedro Borges. Passei oito anos nos Fantoches. Raimundo Sebastião Coelho, sargento do exército, era o chefe. Tínhamos três pistons, três saxofones, botijão de gás tocado com dois vergalhões, aquilo fazia uma zoada, “taca-taca, taca-taca, taca-taca” [imita o som percussivo do botijão com a boca].

E regional de choro, em quais tu tocou? Regional de choro, não teve assim um seguro. Eu me unia com [o flautista] Serra [de Almeida, primeiro entrevistado da série Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 3/3/2013], a gente tocava umas pisadas em ritmo de choro, o repertório todo de Altamiro Carrilho.

Só vocês dois ou tinha mais gente? Às vezes tinha um pandeirista, às vezes não.

Tinha nome essa formação de vocês? Não, não tinha.

Vocês tocavam em vários lugares, no Hibiscos [bar da época, o entrevistado localizou-o nas proximidades do Detran, Castelão]? No Hibiscos nós tínhamos grupo. Era eu, Serra, Spirro, Zé Branco e Juca [do Cavaco]. Não tinha nome o grupo. Depois do Hibiscos foi que nós fomos para a Caixa Econômica [a Serenata Caixa Alta, na Associação do Pessoal da Caixa – APCEF].

Você compõe, faz arranjos? Não. Às vezes eu crio uma ou outra coisinha diferente [improviso na execução de uma música], pra não ficar bitolado.

Já participou da gravação de discos? Não.

Mas acompanhou grandes nomes nacionais. Dalva de Oliveira, no Casino Maranhense. Quem mais me deu trabalho foi a Maysa Matarazzo.

Deu trabalho por quê? Ela botava um pó na bebida. Pelo menos, no dia em que nós fomos ensaiar, fomos eu, o rapaz do ritmo e o acordeonista, ela tava no Hotel Central. Quando nós chegamos lá, ela tava no banho. Ficamos esperando. Ela saiu do banho toda de roupão, bonita, nos cumprimentou, os olhos bonitos. Ela cantou uma música, passou uns 10 minutos, disse que não queria mais ensaiar. “Eu não quero mais ensaiar, tá tudo bom”. Lá no [Teatro] Arthur Azevedo, estavam tocando artistas locais, a atração era ela, e o teatro cheio de gente. A caminhonete chegou com ela e nos chamaram, estava na hora. Quando subiu ao palco ela disse que não queria cantar com o regional, começou a cantar só. Tinha outro contrato pra mesma noite, no Casino. Ela também se recusou a tocar acompanhada pelo regional e mandou chamar Mascote, um violonista muito bom de que ela tinha ouvido falar. Depois ela se negou a cantar também com ele, o povo já ensaiando uma vaia, quando ela começou a cantar Meu mundo caiu. No outro dia, nos jornais, foi um escândalo.

E outros nomes? Dóris Monteiro, Linda e Dircinha Batista, Ademilde Fonseca, Ângela Maria, Núbia Lafayette, Nora Ney, Dalva de Andrade, Alcides Gerardi, Orlando Dias, Blecaute, Genival Lacerda, Cauby Peixoto, Silvio Silva, Altemar Dutra, Carlos Gonzaga, Nelson Gonçalves, Anísio Silva, Sivuca, Jackson do Pandeiro, Conceição de Oliveira, Orlandira Matos, Suely, Maria Diniz, Célia Maria, Naná Ramires, Ivone Mendes, Elza Lopes, Lourdinha Costa, Sérgio Miranda, Bico Doce, Roberto Müller, Cardoso, Moacir Neves, Escurinho do Samba, Álvaro Duarte, Joaquim Fernandes, Nilton Vieira, José Penha.

O que significa o choro pra ti? Eu considero uma das melhores músicas. É o gênero que eu abraço, é o que eu gosto. E o choro, eu vou te dizer uma coisa: só toca o choro quem sabe. É uma música difícil. Não pode ter erro, de jeito nenhum.

Quem é o artista que você mais admira dentro do universo do choro? Aqui em São Luís eu gosto bastante do Serra. Gosto do Juca. Fomos companheiros de muito tempo. Quando ele começou a tocar cavaquinho, eu disse: “esse menino vai dar um bom cavaco”, e não me enganei. Nacionalmente, um nome que eu admiro é Jacob, o estilo de Jacob.

Tu falaste em vários espaços em que havia música ao vivo. Como tu vê São Luís hoje, em termos de espaço para a apreciação de boa música, choro? Tens saído para ver isso? Se eu passar e escutar um ritmo de choro ou sambas canções, eu paro para ouvir. Mas se eu passar e escutar uma pagodada doida, mal tocada, com três cavaquinhos, um banjo fazendo aquele centro doido, dando umas notas que não tem na música, eu não paro pra ouvir isso aí.

Tu estás escrevendo tuas memórias, né? Umas coisas que fui lembrando de minha juventude e fui anotando. O tempo em que militei na Zona do Baixo Meretrício, eu tocava por lá, apreciava as noitadas, toquei com muita gente. A zona era conhecida, tinha as [pensões] de luxo e tinha as vagabundas.

Quando foi que o senhor teve a ideia de registrar as memórias? Foi semana retrasada, eu não tou fazendo nada, vou me lembrar das coisas aqui que eu passei e comecei a escrever.

O senhor pretende publicar esse material? Publicar isso aqui? [risos]. Eu não sei, comecei a fazer para mostrar pros colegas. Parafuso [o sonoplasta Elvas Ribeiro] se lembra dessas pessoas todas. Onde eu botei aqui o regional [que tocava na ZBM na época]? [Lendo um trecho das anotações] Eu ainda recordo, apesar do tempo, as casas que tinham música ao vivo: Casa Branca, Maroca, Lili, Zilda Preta. O grupo que tocava era assim: Vital, baterista, Jorge Cego, trombone, Haroldo, banjo, Santinho, pistom, Seu Riba, pistom, Amilar, bandolim, Roque, rabecão, Zé Hemetério, violino. Outros músicos davam canja: Osvaldo, baixo, Apolinário, banjo, Mr. Jones, bateria, Padilha, violino. Nome das pessoas que animavam o salão do Bar Hotel Central, do senhor Maia: Vital, baterista, Lauro Leite, violino, Pajebinha, sax alto, Haroldo, banjo, Zé Hemetério, violino, Chaminé, acordeom, Cunha, pianista, Roque, rabecão, Santinho, pistom, Seu Riba, pistom [continua lembrando outras formações, que tocavam em outros espaços]. Olha como eu botei aqui [continua a leitura]: a casa de Lili era frequentada por pessoas mais escolhidas. Não tinha bagunça. Quando acabava o movimento das outras casas, nós, digo, Zequinha de Jagunço, Amilar, Agnaldo, Zé Penha, Xereta, irmão de China, que era amigo de Cleres… Zequinha de Jagunço se dava com a dona da pensão, a Lili, por isso ele nos levava para tocar até de manhã, e eu ia por que sempre eu ficava com uma puta [gargalhadas gerais]. Ora se eu ia pra lá pra ficar de graça? Amanhecia lá.

[O Imparcial, 17 de março de 2013]

Cesar Teixeira, 60 anos

Um de nossos maiores compositores completa hoje 60 anos. Em 2003, por conta de seu meio século, fui (também) o único a dizer algo: o texto saiu no Jornal Pequeno.

A Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), de que Cesar Teixeira é sócio e ex-assessor de comunicação, homenageou-o (no fundo foi por ele homenageada) em sua Agenda 2013, em que o artista comparece com sete ilustrações (incluindo a da capa), seis poemas e em uma foto (de Aniceto Neto, a mesma que ilustra este post).

Abaixo, o texto que escrevi para a terceira capa da agenda. A Cesar uma saraivada de vivas, votos de vida longa e muita arte!

Carlos Cesar Teixeira Sousa completa 60 anos em 2013: nasceu em 15 de abril de 1953. Esta agenda é uma homenagem da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) a um de seus mais ilustres sócios. Nascido no Beco das Minas, na Madre Deus, bairro boêmio encravado no coração de São Luís, o artista plural é filho do compositor Bibi Silva e desde criança habituou-se a ouvir o som dos tambores do mais antigo terreiro afro da Ilha e das rodas de samba que ocupavam a área. Dedicou-se, ainda na adolescência, às artes plásticas, tendo vencido alguns salões em fins da década de 1960.

Na mesma época iniciou sua trajetória musical, participando de festivais de música no Liceu Maranhense, onde estudou. Datam deste período músicas como Salmo 70, em parceria com o poeta Viriato Gaspar, e Sentinela, com Zé Pereira Godão.

Em 1972 integrou a trupe que fundaria o Laboratório de Expressões Artísticas do Maranhão (Laborarte). Em 1978, Papete, no antológico Bandeira de Aço, pelas mãos do produtor Marcus Pereira, registraria três músicas suas: Boi da Lua, Flor do Mal e a faixa-título.

Cesar Teixeira viria a ser um dos mais gravados compositores maranhenses, tendo sua obra registrada nas vozes de nomes como Alcione, Célia Maria, Chico Maranhão, Chico Saldanha, Cláudio Lima, Cláudio Pinheiro, Cláudio Valente, Dércio Marques, Fátima Passarinho, Flávia Bittencourt, Gabriel Melônio, Lena Machado, Papete e Rita Ribeiro, entre outros, além da Escola de Samba Turma do Quinto, cuja ala de compositores integrou durante algum tempo.

Sua Oração Latina, originalmente composta para a trilha sonora de uma peça teatral, em 1982, venceu o Festival Viva de Música Popular Maranhense, em 1985. A música é até hoje cantada em atos, greves, manifestos e mobilizações populares, não só no Maranhão. Seu único disco até aqui, Shopping Brazil foi lançado em 2004, e apresenta pequena parte de sua significativa obra musical. No carnaval de 2010, o artista foi homenageado pela Favela do Samba.

Sua atuação jornalística também merece destaque: formou-se pela UFMA em 1984, foi editor de cultura do jornal O Imparcial (1986-88), assessor de comunicação da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) (1989-2002), entidade da qual é sócio até os dias atuais, fundador do Suplemento Cultural e Literário JP Guesa Errante (2002), onde escrevia sobre música, cultura popular, teatro e artes plásticas, e fundador do jornal Vias de Fato (2009).

Homenageado com a medalha Simão Estácio da Silveira, da Câmara Municipal de São Luís, Cesar Teixeira não chegou a receber a comenda. Em 2011 foi agraciado com o troféu José Augusto Mochel, do PCdoB, por sua destacada atuação na luta em prol dos Direitos Humanos no Maranhão.

Nada de novo em Pedrinhas

A barbárie se repete no sistema penitenciário. Discurso de autoridades e meios de comunicação idem. Extermínio de detentos não pode ser simplesmente aceito e naturalizado.

Li a cobertura dos três diários ilhéus de maior circulação acerca do assassinato de cinco detentos em Pedrinhas, na madrugada de ontem (10). Manchete de capa em O Estado do Maranhão, jornal de oposição à atual gestão municipal, a chacina perdeu para o balanço de 100 dias do governo Holandinha nos jornais Pequeno e O Imparcial.

Nenhuma das matérias sobre o assunto – tanto faz se em matutino de oposição ou situação, na esfera municipal ou estadual – critica o Estado do Maranhão (o ente federado, não o jornal), seu governo, a governadora Roseana Sarney, a Secretaria de Segurança Pública, a de Justiça e Administração Penitenciária (responsável direta pela questão carcerária) e/ou seus secretários Aluízio Mendes e Sebastião Uchôa, respectivamente. Sintomático.

Há muito por ser esclarecido. As cinco vítimas haviam sido presas na última sexta-feira, isto é, completaram sequer uma semana sob a custódia do Estado. “Segundo agentes que estavam na entrada da detenção, nenhum barulho foi ouvido, apesar do fato ter ocorrido na madrugada”, afirma a matéria de O Imparcial. Este “sono de pedra” dos agentes é, no mínimo, conivente com os assassinatos.

O jornal O Estado do Maranhão, afirma logo no sutiã que “a chacina vitimou três irmãos e dois cúmplices, suspeitos de participação em assaltos, homicídios e tráfico de drogas”, como se o parentesco entre três das cinco vítimas lhes tornassem mais criminosos que as demais. Cabe perguntar: se eram suspeitos, o que faziam presos?

Sobre o ocorrido a “palavra do especialista” – box inventado por O Imparcial em sua última reforma visual – ouviu Bruno Mondego Polary, psicólogo, especialista em Desenvolvimento e Gestão com Pessoas. Faltou dizer que ele é chefe da Assessoria de Planejamento e Ações Estratégicas da SEJAP. Um trecho inacreditável de sua fala ao jornal: “A Psicologia assume uma postura delirante, sonhadora e otimista, da qual compartilho no sentido de que a única maneira de o poder público evitar as mortes nos Estabelecimentos Penais é acreditando no ser humano”.

Acreditar no ser humano é delírio? Delírio parece ser a vontade do sistema de justiça e segurança do Estado de simplesmente lavar as mãos quanto ao ocorrido. Diz o Jornal Pequeno: “Ainda segundo a Sejap, os assassinatos podem ter sido motivados por vingança, uma vez que as cinco vítimas haviam assassinado, semanas atrás, um integrante do grupo rival ao deles”. De suspeitas as vítimas passam instantaneamente à condição de acusados, mesmo que a(s) investigação(ões) não tenha(m) sido concluída(s) – ou sequer iniciada(s).

Não é a primeira vez que Pedrinhas é palco destas cenas brutais. Infeliz e provavelmente não será a última. Logo o assunto cairá no esquecimento, afinal de contas, para os embrutecidos sistema de justiça e segurança, os meios de comunicação e a “opinião pública” – (in)formada pelos anteriores – eram apenas “bandidos”, “marginais” que “tiveram o que mereceram” – ainda que sequer existam provas de suas culpas.

Fugir da questão – e de outras, mais amplas – apenas nos levará a vez por outra nos depararmos com o horror e a tragédia, além de alguns cínicos fingindo deparar-se com o banho de sangue pela primeira vez. O assunto é bem mais complexo e está para além dos muros de nossos presídios.

Chorografia do Maranhão: Serra de Almeida

[Primeira entrevista da série Chorografia do Maranhão, publicada em O Imparcial, 3/3/2013]

 

 

O flautista Serrinha inaugura série de entrevistas com grandes instrumentistas do Choro maranhense. Chorografia do Maranhão será publicada quinzenalmente aos domingos em O Imparcial.

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Mais conhecido pela alcunha de Serrinha, Serra de Almeida é um senhor tranquilo e elegante. Naquela tarde quente, típica de São Luís, estava mais à vontade, de bermuda, camisa e boné. E flauta em punho, tocada em alguns momentos do bate-papo, a ilustrar musicalmente a conversa, acontecida no bar e restaurante Cumidinha de Buteko (Cohajap, São Luís/MA). Sua imagem, uma espécie de Copinha timbira, contrastava o senhor de camisa e calça sociais, sempre muito bem alinhadas, quando de apresentações em espaços como a Serenata Caixa Alta, o Clube do Choro Recebe e as mais recentes rodas com o Regional Tira-Teima que têm ocupado as sextas-feiras do Hotel Brisa Mar.

Aos 76 anos, diz ser um velho sem muito tempo dedicado ao choro – para ele a música maior. Isso apenas para explicar que passou a maior parte da vida trabalhando com petróleo. Mas só no Tira-Teima já está há quase um quarto de século.

José Serra de Almeida nasceu em São Bernardo/MA, em 13 de novembro de 1936, filho de Francisco Coutinho de Almeida, comerciante que chegou a prefeito do município, flautista diletante, e da dona de casa Maria Magnólia Serra de Almeida. Ainda na infância o menino se apaixonou pela música. A seguir, os melhores momentos da entrevista.

Fale um pouco de suas experiências profissionais, além da música, com o petróleo e hoje trabalhando em cartório. Nesses 70 e poucos anos que eu tenho, já fiz muita coisa. Mas o trabalho que eu perdurei mais na vida foi quando eu fui petroleiro, petrolista, não sei como é que chama. Eu era auxiliar técnico de petróleo. A empresa investiu muito em mim, fiz vários cursos de petróleo: refinaria, terminal. Houve uma época em que eu passava muito tempo naqueles navios.

Você trabalhava no Maranhão? Não. Eu trabalhei na Bahia, todo esse tempo. 21 anos. De fevereiro de 1960 até 1980. Voltei novamente ao Maranhão, aí saí da empresa. Eu digo 21 anos, mas incompletos.

E quando o senhor saiu do ramo do petróleo, foi fazer o quê? Vim pra cá, fui ser comerciante, comércio de madeira, exploração de madeira, aqui em São Luís. A maior burrice que já fiz. Peguei um ramo errado na minha vida. Foi onde eu gastei quase tudo o que eu ganhei na minha vida, lá na Bahia. Terminei indo à falência. Aquela recessão de 1983, 84, eu comprei uma serraria ali no Anil. A maior serraria de São Luís era a minha, mas eu não tinha experiência. Passei a vida toda trabalhando na Petrobrás, cheguei aqui, fui me meter nisso, arranjei um sócio quebrado, meu irmão, o mais novo, que me induziu a esse tipo de coisa. Sempre muito humilde, eu aceitava tudo aquilo. Nunca tive a impressão que aquilo estivesse errado, sempre tocava pra frente, pagava tudo à vista, pagava os impostos rigorosamente como manda a lei, tinha empregados além do que precisava. Se eu precisava de oito, eu tinha 16. Tinha um caminhão trucado que eu puxava tora do interior pra cá, pra serrar.

E hoje, está aposentado? Eu tive que me aposentar. Foi aí que eu comecei minha vida de novo. Essa flauta aqui [está com o instrumento nas mãos], que eu tocava muito fraco [tinha pouco conhecimento] nesse tempo, ainda, que me ajudou a manter inclusive meus filhos no colégio.

Você se tornou um flautista respeitado em São Luís. Teu pai era flautista. Além do teu pai, qual era o universo musical de tua cidade? Tu conviveste com bandas? Como era o universo musical na tua infância e adolescência? Isso aí sempre teve muita influência por que eu era apaixonado por música. O padre de lá, Padre Nestor, que mataram lá em São Bernardo, não sei se você soube dessa história, ele era formado em música e conseguia tudo pra lá, instrumentos, tudo. A banda tocava em festas, em cidades vizinhas. Lá, só tinha mais do que em São Bernardo, só em Brejo. Brejo sempre foi uma cidade muito musical, histórica. Teve uma época que teve o Pedro Ambrósio, um grande músico, nascido em São Luís, que era muito amigo desse padre.

Havia algum músico, além desse padre, do Pedro Ambrósio, que tu observava em São Bernardo e tinha admiração por ele? Tinha. Não só um, mas vários. Tinha Chico Vaz, que tocava clarinete, o Assis, que tocava trompete e trombone, o Elpídio tocava cavaquinho, o Péricles tocava violão. Essa turma toda, eu menino ainda, convivia com eles. Eles gostavam muito de mim, eu só andava pelo meio.

O fato de tu ter um pai flautista foi o que te levou pra flauta? Nunca teve vontade de aprender outro instrumento? Em parte foi. Em parte foi essa herança de meu pai. A flautinha dele era uma flautinha de ébano, de sete chaves.

E ele foi quem te deu as primeiras aulas? Não, pelo contrário. Eu depois que comprei uma flauta na Bahia, que eu trouxe uma flauta dessas, ainda dei umas aulas para ele [risos].

Tu tinha que idade? Eu já era coroa, já tinha mais de 40 anos.

Teus pais, então, nunca apoiaram, essa iniciativa de tocar? Meu pai nunca desapoiou. Pelo contrário, ele gostava demais disso. Agora, ele não tinha bagagem assim, pra me ensinar. Ele foi aluno desse padre, do maestro Pedro Ambrósio, e lia música. Melhor do que eu. Eu leio muito mal.

O rádio teve alguma influência? Muita! Eu gostava daqueles programas americanos, jazz, aquele Benny Goodman, eu era louco por aquele cara. Eu tenho um dvd em casa que a maior parte é com ele. É um tributo a Louis Armstrong que parece muito com aquela época. A Orquestra Tabajara. Severino Araújo saiu aqui da Paraíba muito novo, mas já formado.

Fora esses, quem são os músicos que te influenciaram, flautistas ou não, brasileiros ou não? Depois que eu comecei a tocar flauta, Altamiro Carrilho. Minha maior referência sempre foi Altamiro Carrilho. Onde eu via qualquer coisa dele eu comprava. Até hoje é assim. Tudo o que passa [na tevê] dele eu gravo. O bom humor dele. Eu tenho um programa que eu gravei já perto de ele morrer, em que ele começava a tocar [imita o som da flauta com a boca] Mozart, um arranjo que ele fez [toca o trecho de abertura na flauta]. Isso ele começou a tocar e no meio da música parece que faltou alguma coisa na memória. Aí ele botou a flauta assim [põe a flauta no colo] e “quiá, quiá, quiá” [imita], caiu na gargalhada [risos]. Aí ele voltou e começou a explicar que a paixão dele era Mozart.

E hoje tu estando aposentado e tendo mais tempo para te dedicar à música, dá para dizer que tu vive ou já viveu de música. Ou é só prazer? Como aposentado eu não tenho muito tempo para música. Já tive. Mas aí eu saturei e tive que arrumar algo para fazer, se não ia ficar estressado, ia adoecer. Há muito tempo vinham me oferecendo uma vaga no cartório, e eu resolvi pegar, já tinha trabalhado com isso. Ele [o proprietário] morreu e eu assumi um compromisso com a filha dele. Sobre a questão de me sustentar com música, isso só nessa época que te falei, que a flauta me ajudou. Eu tava quebrado mesmo. Mas eu, pela ajuda de Deus, eu tive muita sorte, e na Caixa Econômica [Associação do Pessoal da Caixa] tinha uma seresta [Serenata Caixa Alta], e quem fazia, não deu certo. Paulo Trabulsi, Sadi, esse pessoal, não deu certo. Aí eu entrei. Entrei e como eu sempre respeitei muito tudo aquilo que eu pego pra fazer, eu não gosto de falhar, eles não ligavam para nada e eu comecei a mostrar que eu tinha interesse pela coisa. Aí os diretores me chamaram. “Serra, você é que vai ser o chefe do grupo”. E eu digo, “mas rapaz, Paulo é meu amigo”. “Não senhor, é você quem é o chefe do grupo, ou então nada feito”. Me encostou na parede, né?

Como era o nome do grupo? Era Chão de Estrelas. Anos 80. Durante três anos aquilo ali foi dinheiro. Era organizado. Sempre vinham grupos de fora. Eu conheci muita gente boa. Dominguinhos, por exemplo. Sempre que chegava gente, me diziam: “toma conta desse cara”. Aí eu ia andar com Dominguinhos, com outros.

De que grupos musicais você já fez parte? Você disse ainda há pouco que já tocou com Agnaldo [Sete Cordas, lenda vida do instrumento em São Luís]. Agnaldo era do grupo lá da Caixa. Paulo, cavaquinho, Agnaldo, violão [não consegue lembrar de outros nomes]. Ivone cantava, muito boa, Paulo deve ter alguma coisa dela gravada…

Esse era o Chão de Estrelas. Antes, tu já tinha tocado em outro regional? Antes disso aí eu tocava com Paulo mesmo. Era eu, Paulo e Zé Carlos [percussão]. Era esse trio.

Tinha nome esse trio? Não. Era o Tira-Teima mesmo. Por que ele [o regional Tira-Teima] varia muito a formação. O único original que ainda está no grupo é Paulo.

De que grupo você participou por mais tempo? O Tira-Teima mesmo. Do Chão de Estrelas foram quatro anos. No Tira-Teima eu estou desde 89.

Qual a sua opinião sobre o Tira-Teima? O que você acha desse grupo? É muito cheio de caracol, é muito enrolado [risos]. Mas pra mim, não é por que eu participo do grupo não, mas pra mim ainda é um dos grupos que toca tudo. Tudo o que você pensar o Tira-Teima toca. É um grupo genuinamente de choro, o nosso forte é choro, mas se você quiser valsa, baião, música clássica, se toca. Esse que eu toquei agora é um clássico. De Mozart. Minueto do divertimento, o nome dele.

Além de instrumentista, você desenvolve outros tipos de habilidades na música? Compositor, arranjador… Eu me meto a tudo, a compor, a arranjar, a ler música, que eu não sei. Mas quando eu quero eu faço. Faço e escrevo. Paulo fica admirado: “rapaz, como é que tu escreveu isso?” Quando eu tinha tempo, né? Agora…

Tu tens quantos choros, quantas composições? Três. Dom Chiquinho, um choro amaxixado. Eu fiz um choro, e eles [os músicos do Regional Tira-Teima] mudaram. Zé Carlos, com a batida dele, terminou ficando um maxixe. Tem o Choro nobre, que é o segundo. E tem Chorinho embolado, um choro muito bonito [toca um trecho na flauta]. Por aí você já vê que é um choro bonito. Mas mais bonita é a terceira parte [toca novamente; e a pedido de Ricarte, um trecho de Dom Chiquinho]. Eu comecei a cismar com ele [o choro Dom Chiquinho] por que quando eu fiz esse choro eu não conhecia um choro chamado Cheguei [de Pixinguinha], e a segunda parte dele tem muito disso aqui [toca um trecho de Cheguei]. Tem alguma coisa diferente, mas é quase todo igual. Parece demais! Mas eu nem conhecia esse choro. Depois que eu conheci, eu comecei a querer aleijar o Dom Chiquinho, mas já tinha pegado.

Serra, tu já participou da gravação de algum disco? Já. Tem um disco aí, Na palma da mão [verso de Uns e alguns, de Jorge Aragão, que dá título ao primeiro disco do grupo Serrinha & Companhia], que eu participei, no Tributo a Zé Hemetério [outra faixa do disco, de Gordo Elinaldo, executada pelo Regional Tira-Teima, em participação especial] e em Das cinzas à paixão [de Cesar Teixeira, cantada no disco por Zeca do Cavaco, membro do Tira-Teima; Serra de Almeida toca um trecho na flauta]. No cd de Anna Cláudia, num do Festival da Caixa na Paraíba, tem até uma música de Paulo [Trabulsi].

Quem são os compositores do Maranhão que tu mais admira? Da música em geral. Aqui do Maranhão Cesar Teixeira para mim é o melhor. Gosto muito de Ubiratan [Souza], também é um cara muito inteligente.

Na tua opinião, qual a importância do choro para a música brasileira? O choro é a única música brasileira, genuinamente brasileira. Se não fosse tão boa não era tão admirada lá fora. Não era invejada. Causa inveja em algumas partes do planeta. Alemanha, França, Espanha. E difícil! O choro é isso: ninguém consegue dominar com facilidade.

Tu acha que o choro, enquanto linguagem, influencia a música popular brasileira? Não deixa de influenciar. O samba, por exemplo.

Você tem acompanhado o desenvolvimento do choro no Brasil? Tem desenvolvido demais. Pelos contatos que tenho, alguns amigos, televisão, a gente vê. O [clarinetista brasiliense] Fernando Machado me conta muita coisa sobre a evolução do choro lá em Brasília, as novas gerações, todo mundo, os jovens entusiasmados tocando choro. Esse Dom Chiquinho ele levou a partitura. Depois esteve aqui e disse: “Serra, teu choro tá sendo tocado lá pelos garotos”.

Isso te alegra? Não deixa de me alegrar, né? Eu já tou mais pra lá do que pra cá e vou levar uma coisa que eu sei que agradou alguém.

Tu participou daquele show de Zé da Velha e Silvério Pontes [lançamento do cd Só Pixinguinha, da dupla, no Circo da Cidade, em 2006, produzido por Ricarte Almeida Santos, com participação de diversos nomes da cena local]. O que foi pra você dividir o palco com aquelas figuras nacionalmente reconhecidas? Foi um verdadeiro banho de orgulho, por estar tocando ali. Aquilo foi um orgulho pra mim. Esse orgulho que tenho não me diminui, não faz mal. Acho que sou capaz de fazer algo semelhante ao que eles fazem.

Eles disseram isso. Compararam com Copinha, que é um dos maiores. Isso também Turíbio Santos já me disse. “Rapaz, você até parece com o Copinha!” Apesar de eu não zelar como devia, pela desenvoltura ao instrumento. Se eu pegasse todo dia no instrumento, como músico tem que fazer.

Tu acha que o choro hoje é diferente de antigamente? Houve algumas modificações, mas em se tratando de choro, na essência, é a mesma coisa. Isso aí ninguém pode mudar.

Qual a tua avaliação do choro praticado no Maranhão hoje? Eu vejo muito pouca coisa. No Maranhão nós somos poucos. Destaque tem você [Ricarte], que é um homem que se dedica, tem que respeitar. Depois tem grupos como o nosso [o Regional Tira-Teima], o [Instrumental] Pixinguinha. Tem muita gente aí que toca choro, mas não é com a alma. Não é como nós, que tocamos e admiramos outras músicas, mas o choro é a principal.

Tu acha que falta, no Maranhão, um espaço de valorização da cultura do choro? Fora o programa de Ricarte [Chorinhos e Chorões, aos domingos, às 9h, na Rádio Universidade FM, 106,9MHz], o [projeto] Clube do Choro Recebe, que aconteceu no bar do Chico Canhoto. Eu acho. O negócio vai mudando muito devagar. Não é como em Brasília que a gente vê o entusiasmo. O Chico Canhoto foi importante, mas o vento levou. Aquilo deixou um resultado. A gente [o Regional Tira-Teima] tá tocando no Hotel Brisa Mar [Ponta d’Areia], toda sexta-feira, de sete e meia às 10 e meia da noite. O rádio tá divulgando, de vez em quando chega gente que era de lá [frequentadores do Chico Canhoto].

Quem são os maiores instrumentistas de choro no Maranhão hoje? Essa pergunta é um pouco difícil. Flauta, eu e João Neto. João Neto é um músico que toca choro. Eu sou chorão. Eu toco choro por prazer, não troco por nada, não desisto. João Neto não é um entusiasta do choro. A pessoa que eu admiro tocando choro aqui é Paulo Trabulsi. Ele é um entusiasta do choro. E não é por que seja meu colega, não.

O Tira-Teima é o mais antigo grupamento de choro em atividade no Maranhão. O grupo não já devia ter um disco gravado? O que falta para isso? Sim. Isso é um descaso. Uma falta de responsabilidade nossa, até. Falta unificar o pensamento e o interesse do grupo. Eu nunca perdi o ânimo, continuo na esperança de a gente gravar um disco. Quando o negócio tá pra se encaminhar, todo mundo esquece. Não é falta de condição financeira, é falta de responsabilidade mesmo.

Tu arriscaria dar um chute sobre como estará a cena daqui a alguns anos? Eu faço votos de que a gente esteja muito melhor. Nomes novos estão surgindo, mas não é a essência do choro. Eles mudam as coisas. Outro dia eu ouvi o Luizinho [Sete Cordas, músico paulista] dizendo: “gente, vamos respeitar o choro! Vocês estão querendo colocar o carro adiante dos bois”. É isso mesmo!

“Chorografia do Maranhão” estreia amanhã (3) em O Imparcial

Ideia acalentada há um tempinho, a série Chorografia do Maranhão chega amanhã ao papel. Mais precisamente às páginas do jornal O Imparcial, onde será publicada quinzenalmente aos domingos.

Este blogueiro e Ricarte Almeida Santos entrevistam chorões maranhenses, fotografados por Rivânio Almeida Santos. O objetivo principal é registrar as histórias e memórias destes grandes mestres. Depois de publicadas no jornal, Chorografia deve virar um livro, talvez algo mais.

A jornalistamiga Patrícia Cunha fez uma bela matéria nO Imparcial de hoje (2), divulgando a iniciativa. Continue Lendo ““Chorografia do Maranhão” estreia amanhã (3) em O Imparcial”

Das falácias dos 400 anos

Domingo, 1º. de maio do ano passado. 85 anos do jornal O Imparcial, que então estreava novo projeto gráfico. A capa do Impar, seu caderno de cultura, trazia uma entrevista que fiz com Sofiane Labidi, coordenador do programa São Luís 400 anos.

O tipo de entrevista de que saímos não botando fé. À época eu pensava, sobre os tais 400 anos: “falta pouco mais de um ano, a turma ainda tá perdida”. Na entrevista, o tunisiano radicado na Ilha declarava: o comitê estratégico organizador da grande festa de aniversário da “única capital brasileira fundada pelos franceses” (cf. Zé Raimundo) ainda não havia se reunido, ao mesmo tempo em que dizia (mentia?) que havia diálogo com o Governo do Estado do Maranhão.

Durante um tempo, já fora dO Imparcial, passei um tempo pensando na possibilidade de entrevistar novamente Sofiane Labidi. Para o Vias de Fato, para o mesmO Imparcial, para outro diário da capital ou simplesmente para o blogue. A entrevista eu faria por conta própria, sozinho, bloco, caneta, gravador, máquina fotográfica, gasolina. Entregaria o material pronto a quem quisesse publicar ou simplesmente postaria aqui. Nunca comentei a ideia com ninguém, o tempo acabou passando, São Luís está às vésperas dos controversos 400 anos, enfim, não rolou a reentrevista, cuja ideia básica seria simplesmente repetir-lhe as mesmas perguntas da entrevista publicada em 1º. de maio e checar se as respostas batiam ou divergiam, se algo havia evoluído ou dado passos de caranguejo.

Domingo, 5 de agosto de 2012. O mesmo Impar, do mesmO Imparcial, traz em sua capa matéria assinada por Samartony Martins: Prioridades do quarto centenário. Já cato o jornal com desconfiança: “ué, não deveria ser o quarto centenário a prioridade?” O sutiã do texto anuncia ajustes no programa São Luís 400 anos por conta da falta de recursos. Não é de se estranhar: seu próprio coordenador, em maio do ano passado, ainda não fazia ideia de quanto se gastaria na festança.

O repórter se empolga e chega a anunciar a contagem regressiva pelo relógio instalado na cabeceira da Ponte do São Francisco, no Centro da cidade, ridículo, diga-se, para “a maior festa dos últimos tempos realizada na cidade”. Eu seria mais cauteloso: uma coisa é o que os ludovicenses esperam; outra será o que terão, oferecido por Prefeitura Municipal ou Governo do Estado. Nunca “e”.

Anuncia-se “um grande show com um artista nacional”, mas não dão nome aos bois. Certamente ainda não sabem quem virá. Em cima da hora, qualquer grande artista nacional teria problemas com a agenda. E qualquer mudança é paga a peso de ouro, dinheiro público voando em asas de beija-flor. Boatos já ouvidos falam em Gilberto Gil, Maria Bethânia, Roberto Carlos. Talvez os três, concorrendo entre si, já que parte da programação seria da Prefeitura e outra do Governo do Estado.

“Mas nem tudo será somente festa. Sofiane Labidi informou que uma das conquistas mais importantes para atual gestão será apresentada como parte das comemorações. Na semana do aniversário da cidade, será lançado o Programa de Erradicação ao Analfabetismo em São Luís. A ilha será a terceira capital brasileira livre do analfabetismo”, novamente empolga-se o repórter em parágrafo que tomo a liberdade de copiar inteiro: são coisas bem diferentes lançar um programa e ele efetivamente vir a apresentar resultados. E mais: se João Castelo (PSDB), candidato à reeleição municipal quisesse, de fato, acabar com o analfabetismo, podia bem começar respeitando o calendário escolar: em São Luís há unidades de ensino básico em que, em pleno agosto, às vésperas da Ilha se tornar quatrocentona, o ano letivo de 2012 ainda não teve início.

Outro parágrafo na íntegra: “Com quase 100% das ações concluídas, Sofiane Labidi explicou que o fato do aniversário da cidade em pleno ano eleitoral não contribuiu para a execução do Plano de Ações Estratégicas do jeito que a coordenação imaginou, mas, nem por isso, deixará de ser grandiosa. A saída foi o fechamento de parcerias com o governo federal e iniciativa privada, uma vez que o governo do estado está também com uma programação de comemorações paralela à realizada pelo município.”

100% das ações concluídas? Que 100%? Que ações? Aniversário em ano eleitoral? Só perceberam agora? Em que mãos a Ilha está, hein? Roseana Sarney e cia. [barrica?] estão com uma programação paralela? Não me digam! Sinal de que o diálogo antes anunciado por Labidi nunca aconteceu.

Metendo o bedelho…

… onde não sou chamado.

Matéria de Annyere Pereira publicada em O Imparcial de 10 de março (sábado), reproduzida aqui com pequeníssimas correções. Passei uns contatos, respondi umas questões sobre o Papoético e seu I Festival de Poesia, cujo regulamento e ficha de inscrição estão abrigados neste humilde blogue. Acabei na matéria, leiam abaixo, boxes inclusos.

PROCURAM-SE POETAS

O I Festival de Poesia do Papoético abre inscrições até 30 de abril. Serão selecionadas duas categorias: Melhores Poesias e Melhores Intérpretes

POR ANNYERE PEREIRA

Para estimular e socializar a produção poética inédita estão abertas as inscrições para o I Festival de Poesia do Papoético, que tem como patrono o poeta maranhense Maranhão Sobrinho. As inscrições podem ser feitas até o dia 30 de abril, Os melhores poemas serão selecionados pela Comissão Julgadora de Mérito Literário.

Autores de poesias em lígua portuguesa e inéditas poderão participar do evento. Dia 7 de maio serão divulgados os nomes dos escolhidos que irão para a grande fi nal. De acordo com o regulamento, participarão da sessão os autores que tiverem seus textos selecionados pela Comissão Julgadora de Mérito Literário. A audição dos poemas acontecerá no dia 31 de maio de 2012 e será acompanhada por duas comissões julgadoras (Comissão de Mérito Literário e Comissão Julgadora de Interpretação) que indicarão os autores e intérpretes premiados após a apresentação dos textos. Os vencedores serão revelados nesse mesmo dia e em seguida irão à premiação.

A Comissão Julgadora de Mérito Literário deverá ser formada por poetas atuantes no meio literário, onde escolherão os três melhores poemas concorrentes. A Comissão Julgadora de Interpretação será formada por três atores atuantes no meio teatral que escolherão as três melhores interpretações dos poemas finalistas. Cada concorrente poderá inscrever um poema inédito, com tema livre, até o limite de duas laudas.

Regulamento e ficha de inscrição podem ser baixados no blogue do jornalista Zema Ribeiro. A segunda, preenchida, deve ser enviada para o endereço papoetico@gmail.com até 30 de abril. Os candidatos deverão preencher a ficha de inscrição, o poema tem que estar digitado na fonte Times New Roman com o tamanho 12, possuindo os dados biográficos do autor em no máximo sete linhas. É solicitado ainda que o candidato apresente dados pessoais como, nome do autor, endereço, RG, CPF, telefone e também o nome do poema.

Papo sério – O Projeto Papoético surgiu em novembro de 2010 e foi idealizado pelo jornalista Paulo Melo Sousa. É um evento aberto, com debates sobre arte em geral e, qualquer pessoa poderá participar, sugerir temas e discutir. “A arte é pensada de modo amplo, seja música, literatura, cinema, teatro, mas a cultura pensada enquanto política pública, enquanto direito, dialogando com outras áreas do conhecimento humano”, ressalta Zema Ribeiro, um de seus simpatizantes, presente sempre que pode.

O Papoético acontece semanalmente às quintas-feiras no bar Chico Discos, na Rua de São João, 389A, no Centro Histórico, em um sebo, no qual comercializa livros antigos e usados, revistas, jornais, CDs e discos de vinil. No Papoético facilmente se encontra recitais de poesia, lançamentos de livros, cantorias musicais, exibição de filmes, discussões filosóficas, exposição de ideias, entre outras atividades culturais do próprio estado e do Brasil. A ideia é que para este ano seja realizado um concurso de fotografia e outro de contos, ampliando dessa forma a ação cultural do Projeto Papoético. Assim o Papoético lançará o I Festival de Poesia.

“A importância do festival é grande, pois deve preencher a ausência de espaços deixados pelo poder público. O festival da UFMA já não acontece e os governos estadual e municipal não preenchem a lacuna. Paulo faz as coisas apaixonadamente, busca suprir essa lacuna, tem se esforçado para conseguir recursos e garantir uma premiação decente e remuneração às comissões julgadoras que serão formadas por ocasião do prêmio Maranhão Sobrinho”, explica Zema sobre a importância da realização do festival.

TRÊS PERGUNTAS// ZEMA RIBEIRO

O Festival de Poesia do Papoético pode passar a ser realizado anualmente? “Acho que é cedo para falar. Vamos ver os resultados deste festival, o volume de inscrições, a reação do público, a repercussão no cenário cultural da cidade. Paulo tem ralado muito e um tanto sozinho, na busca de recursos para que o festival aconteça. Se for anual, que seja, ótimo para a cidade, se não, com certeza será realizado num espaço de tempo que der para que as coisas possam se recompor novamente”.

Por qual motivo escolheram Maranhão Sobrinho como patrono? “O poeta Maranhão Sobrinho é de grande importância nacional, é um nome que não se restringe ao Maranhão, e Paulo é seu fã, além de carregar o Maranhão no nome, achei a escolha justa”.

Como você avalia os resultados iniciais das inscrições? “Desde que criei a página do Papoético no meu blogue, lugar em que está disponível o regulamento e a ficha de inscrição, é a página mais acessada”.

O homenageado – José Américo Augusto Olímpio Cavalcanti dos Albuquerques Maranhão Sobrinho nasceu em Barra do Corda, interior do Estado. Foi um grande escritor e jornalista brasileiro, além de fundador da Academia Maranhense de Letras. É considerado por críticos e estudiosos da literatura como um dos três melhores poetas simbolistas brasileiros, ao lado de Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimarães.

Inscrição – Qualquer pessoa sem livro publicado poderá participar do I Festival de Poesia do Papoético – Prêmio Maranhão Sobrinho. Basta preencher a ficha de inscrição com os dados pessoais: nome do autor, endereço, RG, CPF, telefone, e-mail e com o nome do poema.

PREMIAÇÃO

Melhor Poema
1º. Lugar: R$ 1 mil
2º. Lugar: Livros, revistas literárias, CDs e filmes, no valor de R$ 500
3º. Lugar: Livros, revistas literárias, CDs e filmes, no valor de R$ 300

Melhor Intérprete
1º. Lugar: R$ 500
2º. Lugar: Livros, revistas literárias, CDs e filmes, no valor de R$ 300
3º. Lugar: Livros, revistas literárias, CDs e filmes, no valor de R$ 200

José Sarney e sua síndrome biográfica

José Sarney continua obcecado com a ideia de fraudar a história e reinventar sua biografia. A ladainha do mitômano já é conhecida. O livro de Regina Echeverria, por exemplo, lançado há um ano, foi uma evidente compilação de patranhas.

O último ato decorrente desta síndrome, veio à tona no último dia 27 de março. Nesta data, foi anunciado na TV Guará (repetidora da Record News, no Maranhão), a estreia do programa Avesso, trazendo “uma entrevista com José Sarney”, cuidadosamente divulgada (e depois repercutida) no sempre governista O Imparcial. O entrevistador, propagado com relativo estardalhaço, foi o escritor, cronista e teatrólogo Américo Azevedo Neto, confrade do entrevistado na Academia Maranhense de Letras (AML).

No discurso de Sarney, no lugar do ex-presidente da ARENA, aparece de súbito “um democrata”; em vez do afilhado e ex-correligionário de Vitorino Freire, surge um “oposicionista firme e corajoso”; o notório corrupto torna-se o intelectual de “prestígio internacional”; um inescrupuloso e burlesco Odorico Paraguaçu posa de “estadista”; o aliciador odiento e vingativo se disfarça numa figura “generosa” e “sem ressentimentos”; o aliado visceral de torturadores é “quase um comunista” e o protetor de latifundiários assassinos, quer se passar por um “cristão radical”, a “nossa” Madre Teresa de Curupu…

Quanto à tertúlia na TV Guará, a emissora do opulento Roberto Albuquerque (agora, bem cevado pelo governo Roseana e por “generosas” empresas), ninguém falou da famosa “universidade da fraude”, nas urnas de “Zé meu filho”, nas diabruras do desembargador Sarney Costa, nas velhas chicanas jurídicas, no golpe de 64, no AI-5, na construtora Mendes Junior, nos ilícitos junto ao Diário Oficial, no processo contra Ribamar Bogéa e Freitas Diniz, na Lei de Terras, nas baixarias do Jornal de Bolso, na brutal grilagem ocorrida no Maranhão, nos inúmeros assassinatos no campo, na Fazenda Maguari, na tortura, no atentado contra Manoel da Conceição, na inflação de quase 100% ao mês, no desastre da Nova República, na CPI da Corrupção, na distribuição de concessões de TV, no Caso Reis Pacheco, do Convento das Mercês, etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc.

A entrevista foi apenas uma sequência das velhas e surradas mentiras do entrevistado, que a TV Guará “esqueceu” ser hoje uma das figuras mais desmoralizadas do Brasil (uma chacota, de cabo a rabo do país). Ao final, não podia ser diferente, ficou tudo muito ruim… Num programa batizado como Avesso (o oposto, o outro lado), o que se viu nesta edição de estreia foi mais do mesmo: a velha propaganda sarneyista que não convence rigorosamente a ninguém.  Como disse o ex-senador Artur da Távola, sobre o discurso de Sarney no “Caso Lunus”: “A montanha pariu um rato…” E acreditem!: hoje, é bem possível que até Dona Marly tenha vergonha deste tipo de presepada do filho do desembargador…

E roda mundo, roda gigante, roda moinho, roda peão…

[Editorial publicado no site do Vias de Fato. Detalhe curioso pra quem não tiver se ligado: Américo Azevedo Neto é pai de Emílio Azevedo, um dos editores do jornal, cuja edição de março já está nas melhores bancas da Ilha. Honra em colaborar com um jornal em que o departamento comercial não se sobrepõe à redação, em que laços políticos e/ou familiares não interferem na informação e na verdade; a charge de Nani eu já havia publicado aqui]

Implosão das certezas

Como você poderia descrever essa obra? É uma junção de textos de combate, fruto de debates em que me meti na última década, principalmente crítica de autores nossos ou da realidade local, mas como é uma reunião ampla comporta também cinema marginal e até psicanálise. Gosto de pensar nesse livro como pequena caixa de bombons venenosos.

E o que o leitor poderá encontrar em seu livro? Raiva, indignação, avacalhação, mas também beleza e uma pitada de humor. Penso que só misturando esses elementos conseguiremos olhar para além dos lugares comuns da história do Maranhão. Aqui, acima de tudo, as pessoas se levam muito a sério, mesmo os mais bobos e ignorantes pensam sempre que estão dizendo a coisa mais importante do mundo, uma mostra do faz de conta em que vivemos mergulhados.

São artigos incisivos, questionadores e, acima de tudo, críticos. Na sua percepção está em falta essa visão questionadora dos fatos? A crítica está devendo em todo lugar, o pensamento há muito vem a reboque dos acontecimentos, mas aqui no Maranhão acho ainda mais grave, pois no fundo atravessamos o século XX como que anestesiados, cultuando um passado fantasmagórico. Hoje, apesar da manutenção deste padrão repetitivo e vazio, comandado principalmente pelos principais veículos de comunicação, é possível ver alguma disposição e condição de crítica numa outra geração que não reza pela cartilha dos velhos atenienses da Academia de Letras, nem se submete aos cânones estéreis do pensamento universitário. É fugindo desses dois horrores que tento respirar, atacando a linguagem publicitária que hoje dá a forma e o tom de todos os discursos.

Os seus textos falam de música, literatura, cidades, política. O que mais fervilha nessa sua mente criativa? Odeio a especialização e o pensamento “de especialista”, que é uma coisa catalogada. Aprendi cedo que o impulso criativo e a provocação mais interessante são fruto da mistura e da transgressão, nunca do respeito a cânones. Para fugir da camisa de força entrei numa aventura de implosão das certezas, que foi a implosão do campo de conhecimento. O blábláblá mais comum da universidade não me interessa mais há muito tempo.

*

Flávio Reis em entrevista a Patrícia Cunha nO Imparcial de hoje [Impar, p. 1], quando, às 19h30min, ele lança Guerrilhas no Papoético (Chico Discos, também conhecido como Sebo do Chiquinho, Rua Treze de Maio, 389-A, esquina com Afogados, sobre o Banco Bonsucesso). Entrada franca, o livro custa apenas R$ 20,00.

Baleiro, ímpar, íntegro

“Adoraria fazer algo aí, especialmente pra essa ocasião [os 400 anos de São Luís], mas diante do contexto político da cidade e do estado, não posso tomar parte. Confesso que às vezes sinto uma certa vergonha da situação social e politica do Maranhão. Temos vocação para a riqueza e somos miseráveis. Temos uma cultura exuberante e nossos artistas morrem à míngua. Temos um patrimônio arquitetônico único e a cidade de São Luís é só ruínas. Triste!”

&

Afiado e certeiro, Zeca Baleiro em entrevista a Samartony Martins nO Imparcial de hoje (28) [Impar, p. 1]. Com participações especiais de Nosly e Criolina (Alê Muniz e Luciana Simões) o cantor e compositor faz show acústico no Teatro Arthur Azevedo na próxima terça-feira (31), às 20h30min. O espetáculo, beneficente, se dá em prol da finalização da construção da Casa da Acolhida Nossa Senhora da Graça (Rua Touro, nº. 10, Recanto dos Signos, Cidade Operária), em São Luís.

Quilombolas decidem acabar greve de fome

Garantia da vinda da ministras (sic) de Direitos Humanos e da Igualdade Racial a (sic) São Luís, além do encaminhamento de alguns itens da pauta de reindivicações (sic), levou ao fim do acampamento e do protesto realizados na sede do Incra, situado no bairro do Anil

Da Redação

O anúncio da visita das ministras de Direitos Humanos e da Secretaria de Promoção de Políticas de Igualdade Racial, além de representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário, à São Luís suspendeu, ao menos até o próximo dia 22 de junho o Acampamento Negro Flaviano e a greve de fome a que se submeteram 18 lideranças e simpatizantes.

Na data acontecerá uma audiência na sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, na capital maranhense, para tratar da pauta de reivindicações dos manifestantes. O anúncio da visita foi feito pela própria ministra de Direitos Humanos Maria do Rosário, por telefone – colocado em modo viva voz e ao microfone o compromisso foi assumido perante a plenária que lotava o auditório do Incra. Ela estava no vizinho Pará tratando de questões relativas ao assassinato de lideranças camponesas naquele estado.

Maria do Rosário também se prontificou a negociar com o Governo do Maranhão para que fossem assegurados o retorno dos quilombolas às suas comunidades, bem como a garantia de vida e segurança dos mesmos. Lideranças entenderam que a suspensão do acampamento não é uma derrota. “A ministra coloca o Maranhão na pauta e nos pede um prazo. Veremos que providências serão tomadas até e na audiência do dia 22. Não é o que queremos, mas dependendo dos resultados, o acampamento e as greves de fome serão retomadas”, afirmaram.

No último sábado dia 11, em reunião coordenada pelo vice-governador, Washington Luiz Oliveira, e com presença de secretários estaduais e de lideranças das comunidades do quilombo do Charco, de São Vicente Férrer, foram apresentados e discutidos os próximos pontos da pauta acertada e que ajudou a pôr fim à greve de fome dos quilombolas. Estiveram presentes as secretárias de estado de Direitos Humanos, Luiza Oliveira; de Desenvolvimento Agrário, Conceição Andrade; de Igualdade Racial, Claudett Ribeiro; e o delegado-geral de Polícia Civil, Nordman Ribeiro, representando o secretário de Segurança, Aluisio Mendes. Também participaram, a convite do vice-governador, os representantes da Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão (Aconeruq), Reinaldo Sales Avelar, e Maria José Palhano.

Chupa! – O Imparcial, Urbano, p. 2, hoje. O trecho em itálico é o texto que este blogueiro publicou no site da SMDH e no blogue do Tribunal Popular do Judiciário, sábado (11): um “com informações da assessoria” não cairia mal. Apenas o título  e o sutiã foram modificados, além de acrescido um quarto parágrafo, fazendo com que o jornal entre em contradição: uma coisa é acabar, outra coisa é ser suspenso (temporariamente). Torço para que o acampamento tenha, de fato, acabado; mas disso só se saberá dia 22: jornalismo deve informar, não torcer, nem distorcer.

O vinil vive

DJs ainda usam os bolachões para embalar os que se aventuram nas pistas de dança. Brasil tem a única fábrica da América Latina

ZEMA RIBEIRO
ESPECIAL PARA O IMPARCIAL

Falecido no último dia 27 de março, o multiartista pernambucano Lula Côrtes deixou em seu legado o mais raro e mais caro vinil do Brasil: Paêbirú, disco duplo com duplo acento que dividiu com o paraibano Zé Ramalho em 1975. A gravadora Rozenblit, de Recife, responsável pelo lançamento da obra-prima que inauguraria a psicodelia brasileira, ficava às margens do Capibaribe e naquele ano uma enchente levou a maioria das cópias: sobraram apenas cerca de 300, hoje disputadas a tapas e a preço de ouro em sebos Brasil e mundo afora – chega a custar 5 mil reais.

Uma edição em cd chegou a ser lançada por um obscuro selo alemão, sem o mesmo charme. O disco duplo tem seus lados representados por elementos da natureza: terra, água, fogo, ar. É facilmente encontrado para download na internet. Mas o bom e velho vinil ainda exerce fascínio – e isso não é privilégio de Paêbirú.

Vinis de valor – Há vários discos bem valorizados, em lojas físicas ou virtuais, além de colecionadores que comercializam os velhos bolachões. “Entre os brasileiros eu citaria o Racional, de Tim Maia, e os discos de Dom Salvador. Os mais caros que comprei foram de Willie Lindo e de um baixista jamaicano chamado Loyd Parks. Custaram cerca de 300 reais, cada”, afrma o DJ Joaquim Ferreira, da Rádio Zion.

Joaquim, 47, coleciona vinis desde os 16 anos, um hobby que virou “profissão”: ele discoteca há 18 anos.

“A minha opção pelo vinil é a paixão pela música antiga produzida no Brasil e no mundo. De velhos nomes da música popular brasileira temos dificuldade em conseguir bons discos em CD. Em geral as gravadoras não têm mais interesse em lançar este material”, continua.

As agulhas são, para ele, um material de trabalho precioso: Joaquim não usa CDs em suas discotecagens – nem ninguém da Rádio Zion, coletivo de DJs integrado por ele, Marcus Vinicius e outros.

Franklin Santos usa CDs. Mas só quando não encontra vinis. “É uma dificuldade encontrar tudo que se quer em vinil, às vezes é preciso recorrer ao CD. Mas quando tenho o material em vinil, ele é a prioridade. Vinil sempre!”, entusiasma-se. Sua paixão é tanta que carrega tatuado em si um toca-discos.

Jornalista, professor universitário e DJ, Pedro Sobrinho usa CDs mais comumente: “Mas usar os vinis de vez em quando é trabalhar com um artigo de luxo”.

Ele e Franklin concordam em relação às vantagens do CD: a portabilidade, o peso reduzido e a possibilidade de gravação de compilações específicas, para serem usadas em determinadas ocasiões. “Por outro lado, o som do vinil, quando tocado em um equipamento decente é infinitamente melhor que o CD. Além das capas e encartes, maiores e mais bem trabalhados”, comenta Franklin.

Coleções – “A última vez que eu contei, tinha cerca de 4 mil vinis, entre LPs, EPs e compactos. Mas só tenho coisas que me interessam, nenhum disco está ali só para ocupar espaço”, Joaquim Ferreira contabiliza sua coleção. A de Franklin é menor, mas nada desprezível: cerca de 1.500 vinis. Da coleção de Pedro Sobrinho o mais raro é o disco do Bumba meu boi de Pindaré, com a toada Urrou do boi, de Coxinho, que depois seria alçada à condição de “Hino do Folclore do Maranhão” por lei estadual. “Existe obra prima mais rara na música popular brasileira?”, indaga-se, acerca da controversa faixa – Bartolomeu dos Santos, o Coxinho, falecido há 20 anos, nunca recebeu um centavo de direitos autorais.

Onde comprar – Eles dão o caminho das pedras para outros colecionadores: compram tanto em sebos em São Luís quanto fora, em viagens ou pela internet. “Hoje ligo para meus fornecedores, que se tornaram amigos”, conta Franklin. Joaquim recomenda sites como o nacional Mercado Livre e os estrangeiros ebreggae, vpreggae e reggae record. “Apesar do reggae dos nomes dos sites, é possível encontrar discos de funk, soul, jazz, rock e até mesmo música brasileira”, afirma.

Em São Luís os pontos de “pescaria de pérolas” são comuns: a banca do Adriano (João Paulo), a de Seu Domingos (Praça Deodoro) e os sebos Poeme-se (Praia Grande), Chico Discos (Afogados, Centro) e Papiros do Egito (Sete de Setembro, Centro).

Francisco de Assis, o Chiquinho, proprietário do Chico Discos, não consegue contabilizar a quantidade de vinis vendidos: “Não há uma média. Há dias em que não se vende nada, mas tem dias que um colecionador chega aqui e sai com 20, 30 vinis debaixo do braço. Varia muito”.

“Não chega a 80 por semana”, Moema Alvim faz a mesma conta. A professora universitária aposentada abriu o Papiros do Egito como um hobby há mais de 20 anos. Por lá os vinis mais caros são os de reggae e merengue, com preços semelhantes aos de uma raridade como um vinil de Violeta Parra, autora de Gracias a la vida, que pode ser levado por 30 reais.

A fábrica – Sediada em Belford Roxo, no Rio de Janeiro, a Polysom é a única fábrica de vinil da América Latina. A empresa iniciou suas atividades em maio de 1999. Depois fechou as portas, por conta de uma série de dificuldades – pouca demanda, cancelamentos de pedidos, dívidas – sendo reaberta em 2008, após ser adquirida e reformulada por sócios da Deckdisc, seus atuais proprietários.

“Quando topamos entrar nessa verdadeira cruzada que foi a reativação da Polysom, não tínhamos muita ideia do quanto o vinil ainda era cultuado. Agora, a sensação é que o formato acordou de repente. Todo mundo fala em vinil e, ao que tudo indica, todo mundo quer vinil”, arrisca João Augusto, um de seus fundadores.

A Polysom pode ser conhecida em seu site e interessados podem ficar por dentro de suas novidades nas atualizações do twitter. Os vinis fabricados por ela podem ser adquiridos na loja virtual Sete Polegadas, alusão a uma das medidas dos discos (LPs têm 12 polegadas). Lá são encontrados nomes como Secos & Molhados, Chico Science & Nação Zumbi, Tom Zé, Ultraje a Rigor, Titãs, Rita Lee, Jorge Ben, Fernanda Takai, Pitty e Cachorro Grande. Mesmo com o frete grátis, o preço é, ainda, salgado: os compactos custam, em média, 30 reais; LPs podem chegar a 85.

O leque deverá ser ampliado: algumas gravadoras têm demonstrado interesse em relançar em vinil títulos de seus catálogos. “Estamos falando de um catálogo infindável de discos inesquecíveis”, afirma João Augusto. E arremata: “Vou me emocionar muito no dia em que a Polysom produzir os discos do Rei, Roberto Carlos”.

Fora do Brasil nomes como White Stripes, Arctic Monkeys, Radiohead, Foo Fighters e Beach Boys recentemente lançaram trabalhos em vinil.

Pérolas e esmeraldas – Alguns vinis têm a sorte de ganhar reedição em cd. Tornam-se conhecidos da meninada mais nova, antenada. Mas logo voltam ao ostracismo, as tiragens, em geral, pequenas. No começo dos anos 2000 o então baterista dos Titãs Charles Gavin deu início a um árduo trabalho de pesquisa que recolocou diversos títulos brasileiros de primeira importância nas prateleiras das lojas de discos país afora. Raridades como Todos os olhos e Se o caso é chorar, de Tom Zé, Revólver e Ou não, de Walter Franco, Novos Baianos F. C., dos Novos Baianos, além de títulos de Carlos Daffé, Belchior, Guilherme Arantes e muitos outros. Dois vinis em um cd, com reproduções dos encartes e textos de críticos, contextualizando os trabalhos.

Outros discos não têm a mesma sorte, caso da passagem do compositor Chico Maranhão pela gravadora Marcus Pereira, que lançou, entre outros, nomes como Cartola, Papete, Diana Pequeno e Canhoto da Paraíba. De Maranhão, discos como Gabriela (1974), Lances de agora (1978) e Fonte nova (1980), além da estreia dividida com Renato Teixeira, em 1969, ainda anseiam chegar à era digital.

Jorge Benjor irá refazer, ao vivo, o disco Tábua de esmeraldas (1974). Tido por muitos como o melhor disco de sua carreira, é o último em que Benjor – à época apenas Ben – se acompanha tocando violão, instrumento que trocaria pela guitarra. A ideia de regravá-lo em show partiu de um fã, que criou um perfil no site de relacionamentos Facebook pedindo por isso. Ganhou em pouco tempo mais de cinco mil seguidores e convenceu o autor de Os alquimistas estão chegando os alquimistas à empreitada. Não se sabe ainda se o registro ao vivo será lançado em vinil, CD ou em ambos.

Mais

Em busca do vinil
Onde encontrar vinis em São Luís

Banca do Adriano (João Paulo).
Banca do Seu Domingos (Praça Deodoro, ao lado da Biblioteca Pública Benedito Leite).
Poeme-se (Rua João Gualberto, 52, Praia Grande – (98) 3232-4068)
Papiros do Egito (Rua Sete de Setembro, Centro – (98) 3231-0910).
Chico Discos (Rua dos Afogados, 384-A, altos, Centro – (98) 8812-3433).
 
Raros
Um pouco mais sobre alguns discos raros citados ao longo da matéria

Paêbirú (1975) – Zé Ramalho e Lula Côrtes: Experiência psicodélica nordestina em disco duplo. Tornou-se raridade após uma enchente em Recife levar quase toda a tiragem embora. Sobraram apenas cerca de 300 exemplares – nascia o mito.

Racional (1975; um segundo volume foi laçado no ano seguinte) – Tim Maia: Disco renegado em vida por seu autor, Racional fez a cabeça de muito músico brasileiro. Tim descobriu-se alvo de picaretagem (pelo líder da seita Racional Superior) e até falecer, em 1998, não autorizou reedições do disco. Relançado pela Trama, trouxe CD extra que imitava os chiados do vinil. Atualmente 15 discos do “síndico” são vendidos em coleção que chegará semanalmente às bancas de revistas. O brinde é um inédito Racional Volume 3 para quem comprar a coleção completa.

Lances de agora (1978) – Chico Maranhão: Gravado em quatro dias na sacristia da Igreja do Desterro, no Centro Histórico de São Luís. Como os outros títulos do compositor maranhense na gravadora Marcus Pereira, Lances de agora amarga o ineditismo em formato digital.

[O Imparcial, 5/5/2011]

Paródia é coisa séria

Com um terceiro CD no forno, Alberto Trabulsi concedeu entrevista a O Imparcial. Falou de seus trabalhos e abordou assuntos espinhosos.

ZEMA RIBEIRO
ESPECIAL PARA O IMPARCIAL

À redação de O Imparcial chegou o boato: Alberto Trabulsi (foto) estava com o baú cheio de novas paródias. Era preciso conferir. Sinal dos tempos, via Facebook, pegamos o seu contato de Messenger, por onde ele concedeu entrevista ao jornal. O boato não se confirmava, mas não íamos interromper a entrevista.

Cantor e compositor formado em Educação Física – e atualmente também acadêmico do 5º. período de Direito – Trabulsi completa 40 anos neste maio. Por cerca de uma hora e meia ele conversou com O Imparcial sobre arte, políticas públicas, gestão cultural e… paródias.

Paródias – “Eu faço todo ano, duas ou três, em média, para o bloco [Herdeiros do Aldemir] desfilar no carnaval. Mas só nesse momento. Tudo ficou mais conhecido depois do sucesso nacional de Wilson Vai [versão dele para I Will survive]. O público em geral não conhece. Só os integrantes do bloco. Tem pelo menos umas 20 que são desconhecidas de todos. São paródias de músicas conhecidas. Só troco a letra e às vezes dou um toque mais animado pra gente poder desfilar e dançar no carnaval, mas conservo o mais original possível.

Por exemplo: Você tinha…, em cima de Burguesinha, e Biba do cunovíneo, em cima de Mina do condomínio, de Seu Jorge fizeram sucesso, pois estavam em voga ano passado. São sempre músicas que estão fazendo sucesso, principalmente na TV, ou clássicos da música brasileira. Mas é preciso perceber uma coisa: todas têm duplo sentido porque a gente sai travestido sempre de mulheres. Outra que fez sucesso esse ano foi Eu quero é mostrar meu bofe na rua, em cima do clássico Eu quero é botar meu bloco na rua [do capixaba Sérgio Sampaio]”.

Trabalho sério – “As paródias são meu lado folião irreverente… que só funciona quando o carnaval se aproxima. O resto do ano faço minhas canções. São dois discos lançados [Antes que a poesia acabe, de 1998, e O silêncio, de 2002] e um no forno, precisando ser lançado”.

Maranhão: carnaval e São João – “Esses eventos [os períodos carnavalesco e junino] se transformaram numa corrida ao ouro. Há pessoas que se alimentam exclusivamente desses períodos e passam o ano inteiro reclusas, sem produzir nada de interessante em benefício da música e das pessoas que ainda querem a música como um alento prazeroso da vida.

Eu ando triste em pensar no destino dos artistas autorais do Maranhão, que se resumem apenas ao Maranhão, pois essa nem de longe é a mais viável via para o tão almejado sucesso”.

Os artistas e os poderes públicos – “O que acontece é que se vive na expectativa de o poder público fazer tudo pelo artista, mas o poder público deve estar em beneficio da população como um todo e apenas inserir a música, a arte, em um projeto maior. Não ficar apadrinhando uns e outros, porque isso exclui tanto o artista que está por vir, como o público que anseia por diversidades. Penso, utopicamente, num momento em que depois de tantas reviravoltas, a gente vai poder voltar às rádios, às praças, aos teatros”.

Uma paródia aos gestores, pelos 400 anos da Ilha – “Eu teria que fazer uma paródia de Geni e o zepelim [de Chico Buarque]ou mesmo de Faroeste Caboclo [da Legião Urbana, cita referindo-se ao tamanho das letras das músicas] para citar tudo que quero. Mas estou num projeto maior e mais audacioso, participando de um livro de fotografias de Meireles Jr., que irá retratar a cidade sobre todos os ângulos merecidos através de fotos e textos”.

Os 8 milhões da Beija-Flor – “Essa grana poderia ser aplicada em vários projetos, separadamente, com muito mais resultado social, que um dia de desfile. Mas o que acontece, e assim até concordo, é que se quisermos ser homenageados, temos que pagar. O carnaval é a festa mais popular do Brasil, logo é o maior outdoor também. Nós merecemos várias outras homenagens. Se parar por essa aí, vai ser um fiasco”.

[O Imparcial, 6/5/2011]