“Onde o Rio é mais baiano”

O mar de gente para ver Gilsons, ontem, na Maria Aragão. Fotosca: Zema Ribeiro

José, Francisco e João têm em comum um dos sobrenomes mais musicais do Brasil: Gil. Filho e netos de Gilberto Gil formam o trio Gilsons, rico trocadilho, tradução possível do inglês, literalmente os filhos de Gil.

Ontem (11) o grupo esteve pela primeira vez em São Luís, na Praça Maria Aragão, na programação gratuita do Festival de Natal Equatorial, que ocupou a arquitetura de Oscar Niemeyer – sem usar o palco do logradouro, montando outro, de frente para a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios. Este repórter viu o show inteiro da parte de cima da escada que liga a citada praça à Gonçalves Dias, onde ficam a citada igreja e a estátua do poeta.

O grupo tem causado um merecido frisson, com ótimas plateias dentro e fora do Brasil, independentemente do DNA – e digo isso porque há quem ache que, tendo sido formado em 2018, o trio só caiu nas graças do público tão rapidamente por conta do parentesco ilustre.

Até aqui, o trio lançou o ep “Várias queixas” (2019) e o álbum “Pra gente acordar” (2022); esta discografia certamente seria maior, não estivéssemos ainda vivendo sob uma pandemia. Do repertório autoral o grupo desfilou vários sucessos, com os indiscutíveis hits que emprestam títulos a seus lançamentos fonográficos, cantados a plenos pulmões pelo mar de gente que se fez presente, ontem, ao tempo em que videoclipes eram projetados em um telão, ao fundo do palco, fazendo as vezes de cenário.

Entre os covers que apresentaram, versões inspiradas de “Meu erro” (Herbert Vianna), hit dOs Paralamas do Sucesso, “Swing de Campo Grande” (Moraes Moreira/ Luiz Galvão), dos Novos Baianos, com os dois grupos apontados entre suas influências, e “Banho de folhas” (Luedji Lula), de cuja autora exaltaram o talento e o ser “nordestina, mulher e preta”.

Ao roadie Sérgio Batata, que se recupera de uma cirurgia e não pode viajar com o grupo, a que chamaram carinhosamente de Batatinha (fazendo este repórter lembrar imediatamente do sambista baiano Oscar da Penha, que assinava suas composições com o apelido artístico), dedicaram “Palco”, do pai/avô Gilberto Gil, com a adesão de Pedro Baby, guitarrista e produtor, filho dos Novos Baianos Baby Consuelo (do Brasil) e Pepeu Gomes, que subiu ao palco com o filho Dom Pedro, também empunhando uma guitarra. “Estamos literalmente em família”, disse Pedro Baby, afilhado de Gilberto Gil, que ali recebia o que merece: lembrança e reverência. O exato oposto do que o oitentão foi alvo a caminho de ir ver a estreia da seleção brasileira na Copa do Mundo no Qatar. O altivo compositor não reagiu aos xingamentos proferidos por um pseudopatriota defensor de golpe de Estado.

Gilsons é a mais perfeita tradução do que cantou Caetano Veloso em “Onde o Rio é mais baiano”: entre afoxés, ijexás e sambas, eles soam como uma espécie de Tincoãs em roupagem pop, certamente colaborando para atrair as atenções das gerações mais jovens para a sonoridade do recôncavo baiano e dos terreiros brasileiros. Coisas de quem encara a música como uma profissão de fé.

Arnaldo Antunes não faz mais do mesmo

[sobre Acústico, show que Arnaldo Antunes apresentou sábado passado (9), no Mandamentos Hall, Lagoa, São Luís. Desaviso: isto não é jornalismo!]

Acústico MTV (2012) é o terceiro disco ao vivo de Arnaldo Antunes em cinco anos, mas isso não o coloca no rol daqueles compositores brasileiros que todos os anos lançam o mesmo disco. O ex (ou eterno?) titã está em outro grupo: o dos mais instigantes e interessantes compositores brasileiros na ativa.

O repertório de seu novo disco passeia por várias fases da carreira: solo, com os Titãs, Tribalistas, além do registro em sua própria voz para músicas que fizeram sucesso na voz de outros intérpretes, casos de Alma (parceria com Pepeu Gomes, sucesso na voz de Zélia Duncan), Sem você (parceria com Carlinhos Brown gravada como Busy man pelo baiano com participação especial de Marisa Monte) e De mais ninguém (parceria com Marisa Monte gravada por ela e regravada por Nelson Gonçalves). E ainda há espaço para inéditas.

Arnaldo Antunes não é de se repetir: se em Ao vivo no estúdio (2007), os convidados eram os tribalistas Carlinhos Brown e Marisa Monte e os titãs Branco Melo e Nando Reis, em Ao vivo lá em casa (2011) eram Erasmo Carlos e Jorge Benjor; agora, neste Acústico MTV (2012) são Nina Becker e Moreno Veloso, o que dá ideia das possibilidades da obra de sua obra, tão diversa.

Foi basicamente o repertório de Acústico MTV que Arnaldo Antunes apresentou em São Luís sábado passado (9), no Mandamentos Hall (Lagoa). Um show irretocável. Nem mesmo as quase duas horas e meia de atraso para o início conseguiram diminuir seu brilho, a demora certamente uma estratégia da casa para vender sua bebida cara em seu ambiente climatizado, um som mecânico anos-80-remix criando o clima para quando a banda subisse ao palco.

Quem pagou pelos ingressos – salgados para os padrões ilhéus, pista a 70 reais, no dia – certamente achou bem pago, que valeu cada centavo, caso deste que vos perturba, que assistiu ao show às próprias custas, cantando quase todo o repertório e relevando até mesmo o comportamento da turma que assiste a shows não pelos próprios olhos, mas pelas lentes de máquinas fotográficas e/ou telefones celulares que servem de.

Mesmo a pouco mais de metro e meio do palco, por vezes tive que ver mãos e braços não batendo palmas ou se agitando alegremente ao som de Arnaldo Antunes e banda, mas empunhando o que há de mais moderno em se tratando de tecnologia. O palco da casa, a propósito, deveria ser mais alto, já que o público não-VIP assiste ao show de pé – ou seja, quem está mais distante do palco verá ainda menos artista e mais braços, mãos, máquinas, celulares, flashes.

Vestido de branco, qual um chef, a camisa com aqueles botões não ao centro, Arnaldo Antunes demonstra alegria o tempo inteiro sobre o palco, talvez feliz com sua ótima banda – ou melhor, constelação: Betão Aguiar (contrabaixo), Chico Salém (violão), Edgard Scandurra (violão), Marcelo Aguiar (bateria) e Marcelo Jeneci (sanfona e teclado) –, talvez feliz com a receptividade do público, com o novo disco, ou certamente com tudo isso ao mesmo tempo. É sincero o seu “espero que vocês estejam se divertindo aí tanto quanto nós aqui” dirigido ao público. Nem mesmo algumas falhas no som o irritaram. Ou ao menos ele não demonstrou. Nem mesmo a graça sem graça do despropositado grito de “toca Raul!”, se é que ele ouviu.

Hora e meia de show depois, bis incluso, hora de tentar comprar o disco novo e catar autógrafo. Não consegui. Um simpático Jeneci me informou que a caixa com os discos de Arnaldo Antunes já haviam sido guardadas, pois o músico pegaria em instantes uma van rumo ao aeroporto. Ele não havia trazido seu Feito pra acabar (2010), de que tenho somente cópia, como lhe disse. E Curumin, de quem também esperava comprar os discos solo, acabou não vindo. Já fui uns bons pares de vezes onde ainda se vendem discos em São Luís, em busca do Acústico MTV, hoje inclusive, sem sucesso. Tê-lo e ouvi-lo vez em quando certamente tornará ainda mais viva a lembrança da agradável passagem deste artista multifacetado e sua banda idem pela capital maranhense.

p.s.: agradecimentos do blogue a Bruna Castelo Branco e Polyana Amorim, pelo diálogo, e Samir Aranha Serra, pela fotografia que roubei de seu facebook.