Sindicato Chapa Branca e Golpismo no DCE

FLÁVIO REIS*

A marca de centralismo e autoritarismo que caracteriza a administração do reitor Natalino Salgado ganha mais um capítulo tenebroso. Preocupado em submeter tudo e todos à sua vontade, sem conseguir sequer conviver com críticas e posicionamentos contrários, volta suas baterias novamente em duas frentes.  A primeira é a tentativa de controlar o Diretório Central dos Estudantes. Através de uma manobra, a comissão eleitoral impugnou a chapa da diretoria Ninguém Pode nos Calar, que resgatou o DCE da posição vergonhosa de ter se tornado uma representação chapa branca no período 2010/2011, alheio às lutas históricas por uma universidade plural e participativa, servindo de mero apêndice da reitoria e agência de festas. Circulou largamente através do YouTube o áudio de uma conversa em que o presidente da comissão eleitoral se colocava abertamente como interessado em articular uma chapa com um canal com a reitoria (veja o vídeo que abre-ilustra este post). Apesar da eleição não contar com o quórum mínimo necessário, mostrando o repúdio dos estudantes à manobra, a direção da universidade quer reconhecer o resultado, um escândalo que  deve parar na justiça. A segunda é a tentativa de criar outro sindicato de professores, um sindicato chapa branca, vinculado ao PROIFES, depois de ter perdido eleições para a diretoria da Apruma em duas oportunidades e não ter conseguido sequer organizar uma chapa para concorrer às eleições realizadas em dezembro do ano passado.

Na democracia professada pelo reitor Natalino Salgado, manifestações contrárias são sempre tratadas com intolerância, problemas de funcionamento não devem vir à luz do dia, reivindicações são apenas fruto de descontentes que “não vestem a camisa da UFMA” (leia-se, não dizem amém a todas as resoluções monocráticas vindas da reitoria), pois a instituição vive simplesmente dias gloriosos. Os que estão no cotidiano das salas de aula sabem que as coisas não são bem assim. Apesar do grande aumento no número de matriculados, numa operação cujos resultados desastrosos começam a aparecer nos inúmeros gargalos criados pela falta de professores, o que percebemos no dia a dia é um contínuo esvaziamento do campus, uma irritação e um desestímulo crescentes.

Não se trata apenas de um período de transição, no qual o próprio ensino ainda patina para encontrar novos rumos. O chão do processo é a defasagem da estrutura administrativa da universidade, pesadona e controladora, quando os tempos pressupõem exatamente o contrário. A própria forma como são propostas modificações em atividades fundamentais, como as recentes normas sobre o ensino de graduação, são pensadas de cima para baixo, com apenas um arremedo de discussão proposto em cima de um texto base que, no caso, uma observação feita pela comissão organizada pela Apruma mostrou ser cópia quase literal de uma resolução da UFPI. Mais do que crescer, a UFMA vive um processo de inchaço de uma estrutura arcaica e as iniciativas de modificação sempre insistem em afirmar a centralização de decisões nas Pró-Reitorias. No fundo, quase não há vida nas unidades, apesar da propaganda feita nas placas espalhadas pelo campus e no site da instituição insistir em mostrar um mundo dourado “como nunca se viu antes”, para lembrar um bordão que fez escola. Tanto aqui quanto nos campi do interior do estado, entretanto, existem muitos problemas, mas, segundo a ótica reinante, eles não devem ser debatidos e sequer publicizados. Todas as vezes que aparecem, geram logo profundo mal-estar entre o Magnífico e seus áulicos, como se fossem deturpações rasteiras de elevadas intenções.

Chegando ao ano final de seus dois mandatos à frente da reitoria, antecedidos de dez anos no comando do Hospital Universitário, Natalino Salgado tenta fechar o seu ciclo calando os únicos espaços institucionais que não controla, com o golpe perpetrado no DCE e a tentativa de organizar um sindicato paralelo de professores. Neste último caso, uma articulação puxada pelos áulicos de sempre, pró-reitores e assessores, para a formação do chamado Sind-UFMA, um sindicato atrelado ao PROIFES.

Por princípio, acho que a organização de interesses deve ser livre e ampla. O problema é quando esta se dá a partir de cima, quebrando na origem qualquer possibilidade de real independência. Se organizar chapas a partir da reitoria já era algo escandaloso, tentar organizar outro sindicato utilizando-se desses meios chega ser uma excrescência, sem mais nem menos. Talvez o problema mais importante e decisivo nesta universidade seja o fosso que historicamente foi estabelecido entre a administração superior e a comunidade acadêmica. Essa questão chegou ao ápice na atual gestão, onde a aproximação só se efetua através da cooptação. No momento em que entidades importantes, como a ADUFC, se desvinculam do PROIFES, frisando entre os motivos a “notória subordinação ao governo federal”, o “alheamento em relação ao movimento docente nacional, promovendo o isolamento e a desmobilização dos professores das universidades federais cearenses” e a “participação ativa na implementação de medidas e normas que precarizam o trabalho docente”, é exatamente este o modelo que o círculo próximo à reitoria quer criar aqui e ficar ainda mais à vontade para impor procedimentos, como é do seu estilo, contornando a resistência que a Apruma desempenhou, principalmente nos dois últimos anos.

A universidade brasileira, de modo geral, guarda esse traço centralizador que manteve dos tempos da ditadura, mas tem seus contornos acentuados quando tratamos de sociedades em vários aspectos ainda largamente oligarquizadas, como é o nosso caso. A luta de professores, alunos e técnicos administrativos deve buscar a ampliação e a efetividade dos espaços de participação na universidade, abrir as decisões, garantir maior autonomia para as unidades num quadro de efetiva colaboração interdisciplinar. O processo em curso tem seguido o caminho contrário, sempre falando em futuro, democracia, inclusão, diversidade, mas agindo efetivamente para garantir a continuidade do passado, com os velhos procedimentos de tomada de decisões em circuito fechado e as mesmas figuras de sempre, pessoas que atravessam décadas nos círculos da administração superior da universidade. A articulação do Sind-UFMA é uma associação pensada para atrelar a representação sindical à reitoria, nada a ver com as lutas dos docentes e a necessidade de democratização da universidade.

Todos se lembram do papel importante que o DCE e a Apruma exerceram no apoio aos estudantes em luta pela moradia no Campus diante da intransigência de Natalino Salgado, vergada apenas após uma greve de fome levada a efeito por discentes que dependem da moradia, prolongando-se por uma semana, com mobilização que envolveu outros setores da sociedade em solidariedade. São justamente estes espaços de resistência que a sanha autoritária da reitoria tenta a todo custo anular.

*FLÁVIO REIS é professor do Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMA

Ao propor ‘ruptura’, Lobinho expõe contradições

Lobinho em pele (ou bigode) de Sarney. Foto: Geraldo Magela/ Agência Senado (com intervenção de Zema Ribeiro)
Lobinho em pele (ou bigode) de Sarney. Foto: Geraldo Magela/ Agência Senado (com intervenção de Zema Ribeiro)

Exemplos existem aos montes de filhos rebeldes, com ou sem causa, que por discordâncias radicais na maneira de os pais conduzirem as coisas em casa – ou por motivos outros – deixam o conforto do lar dos genitores para arriscarem-se em aventuras longe dali.

De dentro não há ruptura possível, no máximo divergências pontuais, passíveis de solução via diálogo – ou não. Candidato da oligarquia Sarney nas eleições que se avizinham, o senador Edison Lobão Filho, vulgo Lobinho, fala em ruptura com o grupo político a que pertence, em matéria veiculada hoje pelo jornal Valor Econômico (Candidato dos Sarney propõe ‘ruptura’, link para assinantes com senha e/ou leitores cadastrados).

O dono do Sistema Difusora parece já ensaiado por marqueteiros e desfila diversos jargões na tentativa de antecipar-se ao período de angariar votos, a campanha propriamente dita, oficialmente ainda não iniciada, mas já tendo atingido o baixo nível típico do que os maranhenses costumam ver no período, some-se aí a propaganda eleitoral gratuita em rádio e tevê, além do “jornalismo” cometido nos meios de comunicação tradicionais – sobretudo de sua propriedade e de aliados – e nos blogues (regiamente pagos).

Herdeiro político do pai, o ministro das Minas e Energia Edison Lobão, Lobinho ocupa uma cadeira no Senado sem ter movido um músculo sequer para tanto. Não precisou nem sorrir. Como romper com o grupo que lhe deu tudo o que Lobinho tem?

Como ele não tem “críticas profundas à forma de gestão de Roseana” e, caso eleito, governaria de forma “completamente diferente”? Afinal de contas, Lobinho é “o novo”, “a ruptura”, ou não?

O postulante ao Palácio dos Leões fala em governar o Maranhão como se gerencia uma empresa. Disso ele pode até entender, mas devagar com o andor: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Uma empresa visa lucro e pouco importa a realidade do entorno ou as condições de quem nela trabalha, desde que seus donos possam dormir tranquilos depois de analisar as planilhas de mais um dia e confraternizar-se em restaurantes finos, com drinques cujas doses valem, cada, bem mais que um mês de trabalho de seus operários.

Mas isto já acontece, talvez me digam os poucos mas fiéis leitores. Logo, não haveria ruptura. Não me parece ser este o destino desejado por quem vive por aqui.

O testamento de Judas – 2014

A "santa" ceia de Nuna Neto. O Imparcial, 18/4/2014
A “santa” ceia de Nuna Neto. O Imparcial, 18/4/2014

CESAR TEIXEIRA

Estou de volta do Exílio
pra onde fui despachado,
na sucursal do Inferno
até doido é torturado.
Roseana, a Sinhazinha,
me botou lá em Pedrinhas.
Saí de lá degolado.

Um crânio vazio eu deixo
para a Justiça falida,
depois que for exumado
e abrir novas feridas.
Mas como ser enforcado,
se o pescoço foi cortado
a cabeça não tem vida?

Não posso colar no corpo
esta memória com grude,
mas o sangue derramado
deixo ao Plano de Saúde
que roubou o meu dinheiro.
UNIMED é o Coveiro
que aprontou meu ataúde.

Na fila do SUS deixei
uma vela de despacho
para Ricardo Murad
que jurou erguer, por baixo,
setenta e dois hospitais,
não era menos nem mais
– procuro um e não acho.

Deixarei também a ele
o número sorteado,
que não é da Maracap
mas do Cofre do Estado
Na Saúde é um alvoroço,
e já está roendo o osso
da Segurança, o danado.

Ó cidade miserável,
de tanta dor e tormento.
Só de anos de mentira
já tem mais de quatrocentos.
Neste conto do Vigário,
o Palácio é um Calvário,
e a Zona é um Convento.

Por causa da Oligarquia,
que vive fora da lei,
jornalista já não dorme.
No Testamento eu botei
o jornal Vias de Fato
feito um grande carrapato
no cangote de Sarney.

A governadora disse
que o Maranhão é rico.
Tem manga, petróleo e gás,
rombo fiscal e penico.
Essa crise carcerária
é doença hereditária,
e o povo é quem paga o Mico.

Deixarei um funil velho
para a Refinaria
representar seu papel
no Reino da Fantasia.
Coitada de Bacabeira,
vai refinar a sujeira
e a merda da Oligarquia.

No carro da Petrobrás
tá faltando óleo de freio,
com tanta superfatura
o negócio ficou feio.
Divisas nem se discute,
se fraude é Cláusula Put,
tem putaria no meio.

Vou deixar um Lava-Jato
pra ver quem ganha a aposta.
Será Nélson Cerveró,
ou Paulo Roberto Costa?
Na quitanda, a Globo filma,
com todo o aval da Dilma,
qual dos dois lava mais bosta.

Um Jatinho da PF
no Congresso vou deixar
pro golpista André Vargas
com Youssef voar.
Lavagem com Mensalão,
Labogen, corrupção:
que remédio isso vai dar?

Antes que acabe a tinta
deixo armas e brasões
para o Edinho Trinta
(candidato dos vilões)
e o forno da Titia,
pra inaugurar padaria
no Palácio dos Leões.

Também deixo pro Lobinho
os túneis da madrugada
que cavei lá em Pedrinhas.
Vai fugir em disparada
num cavalo puro sangue,
depois de cruzar o mangue,
rumo à Serra Pelada.

Entrego pro Flávio Dino,
que é amigo do peito,
uma estrela sem destino
para quando for eleito.
O PC do B tem grife,
filiou até xerife
para garantir o Pleito.

A Foundation São Luís
em inglês não é à toa,
é pra carregar turista
pro Arraial de canoa.
O Bureau do Eleotério
para o pobre é um cemitério,
para o rico é uma Lagoa.

E para os bobos da Corte
que alugam sua voz
eu vou deixar puxa-puxas,
quebra-queixos, derressóis.
Nessa corrida de saco,
coça menos quem é fraco,
puxa mais quem é Veloz.

Já repassei ao Prefeito
um invento de fariseu
chamado VLT,
que Castelo prometeu,
mas nasceu morto, sem laudo,
e entregou pro Edivaldo:
– Toma, que o filho é teu!

Espero que não se zanguem
com as heranças sovinas,
que botei no Testamento
retirado da latrina.
Mas, se não for do agrado,
Deus é quem é o culpado,
pois sou invenção Divina.

Pra escapar da sua língua
no Beco do Gavião,
deixo um bar para Rosana
e um quilo de camarão.
Capiroto, que é bandido,
já botou o apelido:
Bar do Afeganistão.

Patativa anda sorrindo,
já botou água de cheiro
no sovaco e na chorina
dizendo pro mundo inteiro
que vai tirar o atraso,
pois agora virou caso
do cantor Zeca Baleiro.

Corinthiano é o culpado
por tudo o que aconteceu,
inventou essa cachaça
que Patativa bebeu.
Depois da tal “Fogozada”
ela não muda a toada,
e só canta Xiri Meu.

Se a múmia do Executivo,
não fosse tão paralítica,
mereceria uma Faixa
de Gaza na Zona Crítica.
Se fosse como Faustina
haveria disciplina,
sem corrupção política.

Um caminhão de lagosta,
camarão e caviar
ainda não decidi
para quem eu vou deixar.
Eu peço então à plateia
que me dê uma ideia:
que nome devo botar?

Para Wellington Reis
a receita vou deixar
pra fazer outro CD
na Arte de Cozinhar.
É uma língua alugada
ao molho de marmelada,
eu não sei se vai gostar.

Para tomar mais cuidado
na calçada em que trafega,
vou deixar Desinfetante
e uma vassoura brega
para a Secretária Olga,
que, quanto mais se empolga,
mais na Cultura escorrega.

Judas também é cultura,
mesmo subfaturada.
Por isso peço aos herdeiros:
não gastem toda a mesada
da minha miséria cômica,
que está na Caixa Econômica
com a fome embalsamada.

Para a História do Brasil
ficam marcas de tortura,
corpos desaparecidos
nos quintais da Ditadura.
Desde o Golpe Militar
já cansei de procurar
minha própria sepultura.

De almas sem Anistia
cinquenta anos se vão.
Para Herzog, Marighella,
Lamarca e Ruy Frazão
deixo as lágrimas do rosto
e o coração exposto,
por falta de vinho e pão.

(Lavrado ontem, 19, Sábado de Aleluia, na Praça da Faustina, Praia Grande)

Grande atraso em pagamento de cachê revolta violonista

Turíbio Santos tocou em São Luís em setembro do ano passado, por ocasião das comemorações de aniversário da cidade

Durante as comemorações de 401 anos de São Luís vi dois belíssimos concertos na Praça Maria Aragão: o da pianista Eudóxia de Barros e o dos violonistas João Pedro Borges e Turíbio Santos, maranhenses que se configuram em dois dos maiores nomes do instrumento não apenas no Brasil.

As apresentações aconteceram 7 de setembro de 2013, ocasião em que cometi a fotosca que ilustra este post. O prefeito Edvaldo Holanda Jr. esteve na plateia. Seis meses depois o internacionalmente reconhecido Turíbio Santos ainda não recebeu o cachê devido. O músico afirma ter trocado outros compromissos por uma visita à Ilha, para rever os amigos e outra vez tocar na cidade em que tudo começou. A equipe da Chorografia do Maranhão, os irmãos Almeida Santos, Ricarte e Rivanio, e este que vos perturba, aproveitou a ocasião e entrevistou-o para a série, na casa de João Pedro Borges, em que ele se hospedou.

O atraso no pagamento é “a maior falta de respeito que já fizeram comigo em 50 anos de profissão”, afirma Turíbio Santos em e-mail enviado ao blogue. “No aniversário de São Luís e no ano em que comemoro 70 anos o desgosto só faz se multiplicar”, continua.

Também por e-mail, João Pedro Borges, o Sinhô, que dividiu discos importantes com Turíbio Santos, declarou-se “completamente indignado diante desta negligência inaceitável com este artista maranhense, dos principais do Brasil e do mundo, de quem tenho a sorte de ser discípulo e amigo”.

Procurada pelo blogue a Fundação Municipal de Cultura (Func) informou que o pagamento será autorizado hoje (16) para a Fundação Sousândrade, e que a dívida com Turíbio Santos será quitada na próxima semana.

*

Update (às 12h24min de 17/4/2014):

Fundação Municipal de Cultura – Comunicado
 
A Fundação Municipal de Cultura (Func), órgão vinculado à Prefeitura de São Luís, comunica a todos que, até o dia 23 de abril, todos os artistas que prestaram serviços para o evento Aniversário da Cidade, em setembro de 2013, terão o pagamento efetuado por meio da Fundação Sousândrade.

Avisamos ainda que o repasse do pagamento foi autorizado no dia 15 de abril, após a sinalização da Secretaria Municipal da Fazenda (SEMFAZ), e que cada artista será notificado pessoalmente sobre a confirmação do pagamento.

São Luís, 17 de abril de 2014.

Em um Maranhão doente Ricardo Murad acumula secretarias de Saúde e Segurança Pública

Pitomba! Fotomontagem: Celso Borges e Luiza De Carli
Pitomba! Fotomontagem: Celso Borges e Luiza De Carli

A imagem acima é poster central de uma edição passada da revista Pitomba, editada pelos irmãos Bruno Azevêdo, Celso Borges e Reuben da Cunha Rocha. A fotomontagem é de CB e Luiza De Carli e une o dito popular ao exibicionismo barato do então secretário de Estado de Saúde Ricardo Murad expondo as netas aos altos índices de coliformes fecais das águas das praias de São Luís, querendo por força convencer a população de que a situação não era assim tão ruim.

Não era mesmo. Como reza Murphy, nada está tão ruim que não possa piorar. Sua lei, aliás, parece mesmo ter sido inventada no Maranhão. Não bastasse o cunhado da governadora fazer péssima gestão à frente da pasta da saúde e ser credor das falsas promessas da mulher do irmão (a entrega dos 72 hospitais prometidos na campanha de 2010 até hoje não se concluiu e vai ser requentada este ano), agora a filha de José Sarney resolveu nomear o mesmo Ricardo Murad para, pasmem os poucos mas fiéis leitores, a secretaria de Estado de Segurança Pública.

Ficou ruim? É pior: ele não renuncia à uma pasta para ser titular de outra. Toma ambas para si, isto é, terá em suas mãos dois orçamentos. Dois gigantescos orçamentos. Tudo isso em meio à crise na segurança pública (a Polícia Militar continua em greve) e no sistema penitenciário (ok, há uma pasta específica para a questão, a Secretaria de Estado de Justiça e Administração Penitenciária, com quem a Segurança Pública deve dialogar frequente e proximamente).

Este blogue repudia veementemente a nomeação de Ricardo Murad para o cargo de secretário de Estado de Segurança Pública, bem como o acúmulo, por ele, de duas pastas no governo Roseana Sarney por conta da reforma administrativa que a governadora apresenta, tendo em vista as eleições de outubro que vem.

A guerra dO Imparcial contra Jean Wyllys

Deputado psolista volta a ser atacado por O Imparcial. Foto: portalmidia.net. Reprodução

O jornal maranhense O Imparcial voltou à carga hoje (30) contra o deputado federal Jean Wyllys (PSol/RJ), que protocolou projeto de lei que prevê a regulação da produção, industrialização e comercialização de maconha no Brasil, o que é bem diferente de propor o uso da erva, como estampou o jornal na manchete Deputado propõe uso da maconha (de 19 de março).

Em A guerra de Jean pela legalização, o periódico afirma que a matéria citada era de autoria da Agência Brasil, onde a mesma traz a seguinte manchete: Deputado propõe descriminalização do uso e produção da maconha. Percebem a diferença?

A colagem de releases, textos de assessorias e agências de notícias é prática cotidiana no jornalismo cometido no Maranhão desde sempre. Muda-se o título (às vezes) para engabelar o leitor mais desatento, mantém-se o texto, sem tirar nem por vírgula, e tem-se “outra” notícia, mesmo que seu conteúdo não condiga com a manchete.

Hoje o jornal “defende-se” dA fúria de Jean Wyllys contra a imprensa (outra manchete hodierna) alegando que o texto é da Agência Brasil – por que, na ocasião, não manteve o título da agência e/ou não lhe deu o devido crédito quando de sua publicação?

A página inteira [Política, 2] dedicada a “combater” Jean Wyllys e a maconha fecha-se com um perfil em que o deputado é tachado como alguém que “se diz defensor das minorias”. Lembremos que o psolista é o primeiro representante orgânico do segmento LGBT eleito para a Câmara Federal em tantos anos de história. Não é O Imparcial quem vai lhe dar, tirar ou atestar títulos. Cereja do bolo, ainda na página inteira: cinco políticos conservadores atacando o socialista e defendendo o jornal: Eliziane Gama (deputada estadual/ PPS), Pedro Lucas Fernandes (vereador/ PTB), Magno Bacelar (deputado estadual/ PV), Barbara Soeiro (vereadora/ PMN) e Afonso Manoel (deputado estadual/ PMDB).

O jornal afirma ainda que “O parlamentar foi procurado inúmeras [sic] ao longo da semana pela reportagem de O Imparcial para falar sobre o assunto, mas não quis se manifestar sobre o assunto [sic] em nenhum momento, sempre colocou a sua assessoria de imprensa para responder aos questionamentos [sic], os quais não foram respondidos em relação as [sic] críticas feitas a [sic] imprensa e ao imprenso [sic]”.

Só para lembrar: Jean Wyllys esteve em São Luís sexta-feira passada (28), ocasião em que participou de coletiva de imprensa na Quitanda Rede Mandioca e de Seminário Programático de Direitos Humanos de seu partido, no Sindicato dos Bancários.

Protesto por transparência ocupa Secma; secretária se esconde

No estado com o menor número de policiais por habitante, a governadora Roseana Sarney destacou cinco viaturas e duas motos para conter cerca de 20 manifestantes do Bloco da Lagosta, que ocuparam parte do térreo da Secretaria de Estado de Cultura do Maranhão (Secma), ontem (24), no finzinho da tarde.

A secretária Olga Simão, que responde pela pasta, mentiu: mandou algum moleque de recados seu informar aos manifestantes que não estava e fugiu não se sabe por onde. O superintendente de ação e difusão cultural Wellington Reis fez uma cara de “o que é que eu tou fazendo aqui?” e o secretário adjunto Israel Ferreira desceu e fez o que faria qualquer um que fala do que não entende: não disse coisa com coisa nem convenceu quem estava ali buscando apenas o que deveria ser condição sine qua non de qualquer jeito de governar, isto é, transparência no trato com a coisa pública.

Em resumo, os manifestantes querem saber que critérios foram adotados para selecionar uns artistas maranhenses outros não para compor a programação carnavalesca oficial do Governo do Maranhão, se houve licitação para a contratação do Marafolia para a organização da festa e quanto se está gastando na “palhaçada”, digo, “brincadeira” toda. Questões que deveriam ter respostas antes mesmo das perguntas, que há muito já deveriam ter sido feitas pela Assembleia Legislativa e por meios de comunicação.

No fim de semana Olga Simão deu entrevista ao jornal O Estado do Maranhão, de propriedade de seus patrões. Entre um monte de chavões e lugares comuns, destaco o trecho que segue, da última resposta da secretária ao repórter: “A grande meta deste ano é a inclusão do estado no Sistema Nacional de Cultura (modelo de gestão que visa ao fortalecimento institucional das políticas culturais no Brasil)” [O Estado do Maranhão, Geral, p. 8, domingo, 23/2/2014, link para assinantes com senha]. Uma pergunta lógica viria a seguir, mas todos sabemos por que não foi feita: como integrar um Sistema Nacional de Cultura sem respeitar princípios básicos de democracia e transparência como um simples edital público para a composição de uma programação oficial?

O Vias de Fato, “o jornal que não foge da raia”, como reza um de seus slogans, foi o único a se fazer presente ao protesto de ontem. O texto foi postado no perfil do veículo no facebook. Continue Lendo “Protesto por transparência ocupa Secma; secretária se esconde”

Samba de protesto

Os “excluídos” em ação em Diverdade, show de 14/12/2013

Não sou contra a vinda de artistas de outros estados para o que quer que seja no Maranhão. Ser contra seria bairrismo, embora a vinda de artistas de fora para eventos como o carnaval e os festejos juninos por aqui não cumpra o papel que deveria, de intercâmbio cultural. Tampouco artistas nossos são enviados a outros estados com essa intenção (Barrica e Bicho Terra pra gringo ver não contam).

Para o carnaval deste ano o Governo do Maranhão anunciou uma vasta programação com nomes pagos a peso de ouro. Gente do quilate de Daniela Mercury, Diogo Nogueira, Elba Ramalho, Monobloco e o onipresente (local) Bicho Terra, entre outros – confesso que senti falta da Alcione no Bloco dos Apaniguados.

O compositor Cesar Teixeira está fora da programação carnavalesca, sob responsabilidade da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma), pasta comandada por Olga Simão. Não é a primeira vez que o artista é excluído de programações do tipo, sem justificativas, num gesto de retaliação política – o autor de Oração Latina é reconhecidamente uma histórica voz de resistência à oligarquia Sarney.

Notem os poucos mas fiéis leitores: o problema não é ele estar fora da programação carnavalesca. É saber que critério o excluiu. “É inadmissível que um órgão cultural do governo, na ausência de editais, se aproprie do erário público para decidir quem deve ou não participar de programações culturais públicas, exercendo uma espécie de censura institucional àqueles artistas que não rezam na cartilha do governo Roseana Sarney”, declarou em uma rede social Irinete Chaves, esposa e produtora do compositor.

No Maranhão há muitos artistas frutas de estação, isto é, aqueles que se adequam aos períodos carnavalesco e junino – muitas vezes utilizando-se inclusive do vasto repertório de Cesar Teixeira, autor de clássicos tocados à exaustão em ambos os períodos, mas não só – e depois somem, para reaparecer na próxima… estação.

Não é o caso de Cesar Teixeira, cuja obra, reconhecida nacionalmente nas mais diversas vozes, tem importância, riqueza e variedade, e deveria ser valorizada pelos gestores de cultura de nosso estado, provavelmente o último da nação que ainda não adota o princípio republicano dos editais para a convocação de artistas para compor suas programações oficiais, na contramão do que indica, por exemplo, o Ministério da Cultura.

Festival – Sábado passado (15), em um festival de música carnavalesca organizado pelo Sistema Mirante de Comunicação – de propriedade da família da governadora Roseana Sarney –, uma música de Cesar Teixeira, Dias felizes, defendida pelo grupo Lamparina, sagrou-se vice-campeã, surpreendendo a muita gente, este blogueiro inclusive. Isto é, em terreno hostil, a marcha-rancho conseguiu comprovar o talento de seu autor.

Silêncio constrangedor – Através da assessoria de comunicação, este blogue indagou à secretária Olga Simão que critérios haviam norteado a exclusão de Cesar Teixeira da programação do carnaval maranhense. Até o fechamento da matéria, a Secma não se pronunciou – como o fez também quando o compositor foi deixado de fora da temporada junina do ano passado.

Maranhão, outro excluído – Pouco antes do fechamento deste texto, através do blogue da jornalista Vanessa Serra, ficamos sabendo que Chico Maranhão, outro importante artista maranhense de reconhecimento nacional, também foi excluído da programação carnavalesca oficial.

Jair Bolsonaro: ignorante ou ignorante?

Parece que o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) e seu partido desistiram da presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Uma boa notícia, ao menos. No vídeo, entre outras aberrações, ele diz que “Pedrinhas é a única coisa boa que tem no Maranhão”, um flagrante desrespeito com a população não apenas maranhense. Não, senhor deputado, não basta não cometer delitos para não ir parar em Pedrinhas. Ou o senhor desconhece a enorme quantidade de presos provisórios que cumprem pena maior que se tivessem tido condenação? Ou você não sabe que entre os últimos 65 mortos no sistema prisional maranhense havia inocentes? Que nesta estatística também estavam pessoas cujos delitos não chegam a ser tão hediondos quanto um assassinato, um estupro, um sequestro ou esse seu discurso típico de um general de pijamas, viúva da ditadura militar, até hoje lamentando-lhe o fim? Por que não defender o encarceramento em massa de políticos de colarinho branco que, através do desvio de recursos públicos, negam direitos e políticas públicas ao conjunto da população, contribuindo para o aumento assustador da criminalidade e da violência? Espero que depois de desistir da CDH o deputado seja obrigado a desistir, nas urnas, de sua vaga na Câmara dos Deputados.

Na minha infância eu costumava ouvir a palavra “ignorante” com dois significados: o dicionarizado, de quem ignora, não sabe, não conhece; e outro, usado para pessoas grosseiras. Quero saber em que categoria o deputado Jair Bolsonaro se enquadra. No fundo, na dos ignorantes que gostam de ser grotescos e repulsivos, folclóricos da pior maneira possível.

Mais justiça, mais segurança, mais direitos humanos, menos Felicianos, menos Bolsonaros!

[Com alguns acréscimos e revisão, outra nota que trago acá do facebook; a rede social não tem, por exemplo, um sistema de busca decente, e além do mais eu sou um homem de vícios antigos]

Nossa Senhora das Cabeças Cortadas

Mais um petardo certeiro de Carlos Latuff sobre a crise no sistema penitenciário maranhense. Acompanhe notícias sobre o assunto no site da SMDH.

O dilema da UFMA

FLÁVIO REIS*

Próxima de completar 50 anos de sua fundação, a Universidade Federal do Maranhão vive um momento emblemático. A greve de fome desencadeada há mais de uma semana pelos residentes das Casas de Estudantes traz em seu desenrolar toda a radiografia de um dilema antigo. Com uma estrutura administrativa arcaica, a universidade é dirigida de forma extremamente concentradora e, dependendo do ocupante do cargo de reitor, esta característica pode ser drasticamente intensificada.

Depois de uma década sem investimentos por parte do governo federal, os reitores de IFES da era REUNI, viram-se na situação de existência de recursos aliado a estruturas administrativas arcaicas que possibilitavam extrema liberdade pessoal na definição de prioridades. No Maranhão, estado ainda com marcas oligárquicas muitos fortes, o peso dessa cultura política concentradora de decisões encontrou sua tradução histórica no medo da dissenção, no elogio subserviente dos poderosos, na bajulação das chefias. A cultura oligárquica não suporta debates, pois se reproduz em circuito quase fechado, entre atores escolhidos a dedo, com roteiro devidamente marcado. Numa palavra, encontra-se em relação inversa ao ideal democrático e republicano de publicização ampla dos atos e dos processos decisórios. Na era do espetáculo, no entanto, preocupa-se enormemente com a encenação.

A gestão do reitor Natalino Salgado se desenvolveu exatamente apoiada no festival de recursos e na exacerbação da concentração de poderes. Sem uma discussão com a comunidade universitária, pondo e dispondo a bel prazer, com a anuência tácita dos conselhos da administração superior ou mesmo simplesmente desconhecendo-os, o reitor Natalino Salgado executou com maestria todos os traços do nosso velho oligarquismo. Movido pela política de expansão promovida pelo governo federal, ele criou o mito do grande administrador, através de uma construção obsessiva em torno do autoelogio.

No fundo, apenas seguia a cartilha do MEC, acatando tudo. Os planos de expansão foram tocados como diretrizes e obras da administração superior e nunca foram alvo de discussão democrática. O campus universitário foi remodelado e a UFMA inchando, talvez seja a palavra certa, sem que a comunidade fosse ouvida. Tudo se resumiu à vontade do reitor, que passou a viver numa verdadeira ilha da fantasia, cheia de números, percentuais e muita propaganda. Acompanhado sempre de um séquito, encarnou a figura do chefe, aquele que encena uma proximidade com a comunidade que dirige, mas na verdade mantém o controle das decisões com mão de ferro.

Como os estudantes já demonstraram largamente, a luta pela moradia no campus é antiga. A decisão do reitor de dar outra destinação ao prédio que em sua concepção original estava voltada para a moradia estudantil, depois de anos de protelações, ensejou a tomada de posição drástica dos estudantes, iniciada na terça-feira, 26 de novembro, quando o aluno Josemiro Oliveira se acorrentou ao portão de entrada e declarou-se em greve de fome. Em sua posição olímpica, o reitor de início pouco se importou e, em viagem, silenciou, enquanto a assessoria de comunicação limitava-se a registrar que a universidade se pronunciaria apenas após seu retorno, no melhor estilo “volte depois, o dono da casa não se encontra”. Tivemos a partir daí uma nota postada no site da UFMA que apenas reafirmava investimentos feitos na assistência estudantil; o não comparecimento do reitor para presidir a reunião do CONSEPE, na sexta-feira, onde o assunto foi debatido, apesar do espantoso voto contrário de alguns conselheiros; uma curta entrevista do próprio reitor, onde repetia a mesma lengalenga da nota.

No sábado, diante da falta de resposta da reitoria (a não ser a instalação de câmeras no local do protesto, no pátio em frente ao prédio), que simplesmente afirmava não ter sido solicitado nenhum “agendamento”, numa reunião do movimento pela moradia no campus, com a presença também de estudantes não residentes e alguns professores, além de deputados da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa e um membro da OAB/MA, que foram convidados a tomarem conhecimento do problema, ficou claro a necessidade de colocar o protesto na rua, pois a situação se agravava a cada momento.

Foi neste contexto, inconformados diante do silêncio irresponsável por parte da administração superior, que os estudantes e professores ali presentes resolveram levar seus gritos e cartazes à porta da casa do reitor. Sob os olhares da vigilância patrimonial da universidade, que monitorava de perto o que estava sendo discutido e saiu para fazer as vezes de segurança privada, todo o protesto foi pacífico e o objetivo foi alcançado. A situação extrapolava os muros da universidade e chegava às ruas. Poucas horas depois, Josemiro passou mal e precisou ser levado para o Hospital Universitário, assumindo seu lugar, igualmente acorrentado e em greve de fome, o estudante Daniel Fernandes.

Na segunda-feira, dia 2 de dezembro, após uma manifestação feita na Avenida dos Portugueses no início da manhã, com o bloqueio da passagem dos carros e o grande engarrafamento ocasionado, o reitor finalmente decidiu entrar em cena, mas não ainda para dialogar com os manifestantes e discutir sua reivindicação, e sim, para falar à imprensa. Na coletiva convocada ainda pela manhã, reafirmou ter feito os maiores investimentos da história da UFMA; disse que não havia desvio de função na aplicação da verba, pois o prédio não teria sido construído com esta finalidade e que a nova destinação (então existia outra, não?), voltada para assistência estudantil, serviria a um número muito maior de pessoas, portanto sua opção se enquadrava no projeto de inclusão social. Por fim, afirmou ter sido o “mais democrata” de todos os reitores, apto a ouvir todos os segmentos da universidade, apesar de dizer, de maneira totalmente extemporânea, que o protesto era fruto de uma radicalidade pela proximidade de eleições sindicais e estudantis, sem nenhuma explicação. Nas respostas foi taxativo ao dizer que não aceitava abrir mão do prédio. Antes de sentar com os estudantes tratou, portanto, de afirmar logo que não acataria a única pauta do movimento: a entrega da casa para a residência estudantil.

Apenas na terça-feira, uma semana depois do início do protesto, o Magnífico se encontrou com representantes das residências estudantis, com a presença de representantes da OAB/MA e da Defensoria Pública da União. Isto após ter realizado, ainda no dia anterior, uma esdrúxula reunião com diretores de alguns centros acadêmicos (?!), escolhidos entre os que lhe são próximos, pois a entrada de vários outros foi mesmo barrada no clima de fechamento e truculência que tomou conta do Palácio Cristo Rei; ter ido ao bispo em comitiva, incomodado com a nota expedida pela Comissão Arquidiocesana Justiça e Paz, ressaltando que os direitos são geralmente fruto de lutas; e de ter insistido na realização de uma reunião prévia com a Defensoria Pública. Enquanto buscava apoio sem sucesso, dezenas de declarações favoráveis à luta dos estudantes começaram a circular, vindas não só de diretórios acadêmicos, mas de núcleos de estudos, pesquisadores, professores, departamentos e outros, na esfera acadêmica, além de várias manifestações de solidariedade por entidades da sociedade civil.

O resultado da reunião com os estudantes das casas de moradia foi um fracasso, pois a decisão de não entregar o prédio já estava anunciada, uma posição típica de quem não sabe dialogar. Em troca do fim da mobilização, o reitor propôs, então, que outro prédio fosse construído no campus, com a promessa de apresentar um projeto em 60 dias e a partir daí buscar os recursos necessários. Ora, para quem vem sendo levado na conversa há tanto tempo e depois de ocupações de reitoria, termos de compromisso etc., viu tudo virar nada por determinação pura e simples do reitor, como aceitar tal proposta? Como trocar o sacrifício brutal a que vêm sendo expostos seus colegas em greve de fome e todos eles numa mobilização difícil e cansativa, por uma nova promessa de quem teve anos para efetivar uma decisão herdada da administração anterior e do conhecimento de todos, mas sempre criou desculpas e empecilhos para concretizá-la, simplesmente porque tem uma avaliação, exposta sem maiores considerações na coletiva, de que “não é conveniente” a presença permanente de alunos no campus?

O próximo passo do reitor, após o fracasso da reunião, foi convocar uma nova entrevista coletiva para anunciar a sua decisão de baixar uma resolução determinando que a casa para a moradia estudantil seja construída no campus. Ou seja, ele toma mais uma de suas decisões solitárias, impondo o que foi recusado na reunião como forma de “solução” do conflito e vai para a mídia apontar os estudantes como intransigentes. Tal decisão não soluciona nada, apenas agrava e acirra o impasse.

A intolerância às posições divergentes, tão arraigada nesta administração, teve um ponto alto de demonstração num manifesto assinado pela Pró-Reitora de Gestão e Finanças, onde o protesto dos estudantes é desqualificado como fruto de manipulações por entidades de classe e partidos políticos. O texto, postado no facebook no dia 3, pode ser classificado, sem nenhum exagero, de Manifesto da Truculência. Não demonstra nenhuma preocupação com a situação dos manifestantes, inclusive reclamando que um leito do Hospital Universitário estaria sendo ocupado para atender a um “capricho” (pasmem!) de um estudante. Fora isto, e em caixa alta, frisa que a folha de pagamentos pode ter problemas se continuarem os protestos na entrada do campus. A que se deve uma observação tão fora do objeto em discussão? Criar alguma antipatia dos professores, sempre apertados em seus rendimentos, ao movimento? E esta coleção de despautérios termina ainda falando em democracia e diálogo…

A questão que se coloca de forma cada vez mais urgente é se a comunidade universitária ficará refém da intransigência de um reitor acostumado a dar a palavra final sobre tudo ou se colocará firmemente ao lado dos estudantes, levando a administração a tratar o caso com mais realismo, reconhecendo as necessidades urgentes denunciadas e ampliando o acesso à moradia estudantil. É até ridículo afirmar que a UFMA possui mais de vinte mil alunos com matrícula presencial e apenas três casas velhas no centro da cidade como moradia estudantil, atendendo a menos de cem pessoas. Nos campi do interior do estado, os relatos indicam que a situação também é crítica.

Na ação desesperada de alguns estudantes, com todas as dificuldades que enfrentam para se manter na universidade, está a possibilidade de resgatar um mínimo da autonomia tão violentada nos últimos anos. Para isto, é preciso insistir que esta não é uma questão isolada, mas o fruto recorrente de uma maneira de administrar totalmente anacrônica. O impasse em torno da moradia estudantil diz respeito a todos, principalmente pela forma como foi gerado e tem sido encaminhado. Não é possível manter o cotidiano como se não estivesse acontecendo nada, enquanto alunos se acham acorrentados em greve de fome. Lavar as mãos diante disto é sancionar não só o autoritarismo sem freios da administração do reitor Natalino Salgado, mas aceitar passivamente a barbárie que se desenrola hoje dentro do campus da UFMA.

Enquanto a comunidade universitária ainda vacila, Daniel Fernandes foi recolhido ao ambulatório na entrada do campus e um terceiro aluno, Rômulo Santos, iniciou também a greve de fome. Será que vamos esperar o drama se transformar em tragédia?

*Flávio Reis é professor do Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMA

Outras estratégias no fazer política: o caso Black Bloc

IGOR DE SOUSA*
ESPECIAL PARA ESTE BLOGUE

As táticas Black Bloc são uma demonstração do poder que já existe nas mãos da população, e esse poder é normalmente desconsiderado pela simples existência das chamadas “vias institucionais”. Quando atuamos com ação direta, queremos também chamar atenção a isso, a essa multiplicidade de caminhos para atender as reivindicações sociais e à ineficiência de se utilizar apenas um, especialmente um que é viciado pelo próprio sistema onde está inserido. Queremos demonstrar que política também se faz com as próprias mãos. (Roberto, 26 anos, manifestante anarquista Black Bloc em entrevisa por e-mail à CartaCapital )

Manifestação com tática Black Bloc

Ondas de manifestações varreram o país de cabo a rabo, dando visibilidade ao que nenhum profeta da insatisfação seria capaz de prever. Manifestações a céu aberto que reuniram um contingente inegável de pessoas; o Planalto Central sitiado por manifestantes, câmaras de vereadores ocupadas pelo país, colocando na pauta do dia a inoperância e mediocridade desse setor, governadores andando com o cu na mão por medo de a qualquer momento estar apenas não dormindo, mas perdendo completamente o controle político. Jovens, adultos, trabalhadores, universitários e secundaristas resolveram ir às ruas e mostrar toda uma gama de insatisfações referentes a questões de cunho político, econômico e social. Nesse sentido, vieram à tona insatisfações referentes ao modelo socioeconômico, às formas de representação política e jogo eleitoral pactuado no cenário contemporâneo, o velho dilema da corrupção e a ausência de mecanismos eficazes de controle, bem como desvios de recursos públicos, entre outras.

Na multiplicidade de atos e estratégias, vem ganhando destaque e ataques furiosos na mídia corporativa, sob acusações de uso de táticas violentas que desviam o caráter ordeiro de manifestações pacíficas; destruição de patrimônio público e privado e desacato a autoridades; grupos políticos de viés anarquista que usam uma estratégia denominada Black Bloc, que consiste basicamente em criar um cordão de contenção frente a polícia e sua habitual brutalidade e o enfrentamento e destruição de símbolos do capitalismo e ufanismo através da quebra de agências bancárias, concessionárias e símbolos nacionais como estátuas e placas de sinalização. Coloquemos os pingos nos is e falemos do que realmente interessa.

Quando se deseja falar em violência ou mesmo de ações de caráter violento esquece-se de referir-se a quem ou que pessoa física se expõe a essa situação ou corre-se o risco de repetir-se um discurso que tende, a priori, a desqualificar ações de caráter direto, uma vez que uma instituição por si só é muito mais um símbolo, uma dada forma de expressão, de consecução, forma de raciocinar e produzir, instituição social, sendo os danos realizados por esses grupos, se realmente mensurados, irrisórios, não afetando de maneira significativa a capacidade econômica dessas instituições, mas abalando simbolicamente a força de representação das mesmas ao evidenciar a situação de insatisfação com o sistema econômico e mesmo a crise política que vivenciamos dia a dia. Essa crise se manifesta pela não aceitação da insanidade cotidiana, da felicidade expressa pelo puro consumo, da naturalização da pobreza, da aceitação do modelo falido de mobilidade que temos e escravidão frente ao tempo de produzir, tão habituais no sistema capitalista, onde a performance de destruição de cashs de bancos, vidraças de lojas e relógios públicos muito mais tendem a colocar no debate da vez o valor real das instituições que esses símbolos representam e o jogo a que estamos submetidos.

Outra acusação, fazendo uso de comparações grosseiras e mesmo estereótipos banais, são as de perigo ao sistema democrático ou coisa que o valha. Os anarquistas são apresentados como grupo homogêneo, geralmente irracional, sem qualquer organização, tendentes à violência gratuita e pouco afeitos ao diálogo. Faz-se necessário perguntar: o que representa, dentro do atual padrão de democracia adotada, mais perigo do que as práticas oligárquicas e mesmo descabidas dos políticos profissionais que temos?

Não faltam escândalos para povoarem a memória recente com o mal uso de dinheiro público, obras públicas sem finalidade alguma, escândalos envolvendo corrupção; financiamentos execráveis para campanhas eleitorais, pactos de mediocridade; colocando sob suspeita qualquer nível de controle de órgãos e instituições fiscalizadoras (Ministério Público, Juizados, Controladoria Geral da União, Supremo Tribunal Federal etc.); sem falar no já banalizado descaso com a educação, saúde, pautas fundiárias, transporte público e moradia.

Ganha força nesse cenário de descrença com as formas habituais de fazer política, outra forma de tratar a política, força essa que com radicalidade tem ido para cima e peitado figurões da política nacional como Sérgio Cabral no Rio de Janeiro e Geraldo Alckmin em São Paulo, esfacelando a estabilidade política de outrora e criando contraespetáculos, talvez por isso a ira da mídia conservadora, através de postagens de fotos, gravações de vídeos, contrainformações na rede que visam subverter e sabotar o espetáculo midiático que toda política democrática se tornou. Essa outra forma é caracterizada por um fazer política fluído, instável, criador de zonas de autonomia e ação, como no pensador Hakim Bey no livro TAZ (Zona Autônoma Temporária), se propondo a fazer com ações, no anonimato e rejeitando o conceito de liderança e mesmo de vanguarda, das receitas prontas e da representação política asfixiante preponderantes, atualizando a luta anarquista em busca de formas de democracia direta.

Nessa luta dos que dormem contra os que quase não comem, fica demonstrada a força que temos nas mãos, somos nós os agentes capazes de atos que impulsionam o futuro, não mais um líder iluminado ou uma fórmula pensada a luz de escritos de gabinete, todavia, o canal de diálogo deve ser usado quando necessário, não sendo a estratégia Black Bloc, enquanto tática, sua substituição, mas a canalização de força e energia combativa para outro viés de fazer política. Combatamos nossos verdadeiros inimigos com bombas, atentados, poesias ou mesmo votos, fiquemos firmes, não deixando alguns fingirem que não existimos com tanta tranquilidade.

*Igor de Sousa é estudante de Ciências Sociais na UEMA, um dos Perros Borrachos e integrante da ala jovem do jornal Vias de Fato

Brasil, bem-vindo ao século XXI!

FLÁVIO REIS* 

A onda de manifestações em curso no Brasil alinha finalmente o país com as formas de protesto que vêm se desenvolvendo em várias partes do mundo. “Ocupe Wall Street” e seus desdobramentos em outras cidades norte-americanas, os “indignados” nas praças espanholas e seus ecos em Portugal e na Grécia, a chamada “primavera árabe”, com a derrocada dos governos na Tunísia e no Egito, os protestos na Turquia, todos expressam tentativas de reinvenção das práticas de mobilização política, marcadas pela intensa utilização das redes sociais, instantaneidade e horizontalidade, ultrapassando na prática política toda a estrutura dos instrumentos de representação, caracterizados de maneira oposta pela organização de instituições, verticalização hierárquica, programa de ação.

1968 é um momento emblemático em que os movimentos sociais expõem a crise da política representativa moderna e do seu correlato, a sociedade disciplinar, vindas do final do século XVIII e que se arrastaram, não sem agudos problemas, no século XX. Das barricadas de 1968 não saiu, no entanto, a reinvenção da política para além dos partidos, como era protagonizado pelos círculos mais ativos. Após a repressão, os poderes instituídos incorporaram algumas pautas e a maior parte dos movimentos se institucionalizou, sendo reconhecidos como atores políticos. O impulso para fora da lógica da política representativa foi brecado, mas, a partir daí, partidos e sindicatos cada vez mais se tornaram meio zumbis, com existência espectral, simulacro de representação social.

Com a ascensão dos mercados e o discurso de minimalização da política, submeteram-se sem nenhum pudor às novas “regras do jogo”, a linguagem da publicidade substituiu as ideologias e os financiamentos espúrios passaram a integrar os códigos de ética, aumentando a defasagem entre sociedade e os setores políticos, cada vez mais voltados para si, oligarquizados. Os centros de decisão foram transportados, então, de vez para as feras do mercado. Os bancos centrais e organismos internacionais dominados pelos países desenvolvidos, em articulação com interesses de grandes grupos e investidores, passaram a ditar políticas econômicas em países os mais diversos.

No entanto, outra ponta dos movimentos se desenvolvia de maneira quase silenciosa, de maneira fragmentária e descontínua, irrompendo com força nos protestos antiglobalização em Seattle, 1999. Ali, a pluralidade de demandas, a horizontalidade da organização, a instantaneidade, o momento, eram a tônica dessa nova “urgência das ruas”, que é principalmente uma urgência de redefinição da política. Após conjuntura difícil depois do 11 de setembro, quando a paranoia do terrorismo foi habilmente manipulada, esses movimentos múltiplos estouraram na esteira da crise econômica deflagrada em 2008 e, com eles, a perplexidade de um mundo político submetido a velhas tradições. Em brilhante intervenção quando do início do movimento “Ocupe Wall Street”, Naomi Klein dizia: “Por que eles estão protestando?, indagam os sabichões embasbacados na televisão. Enquanto isso o resto do mundo pergunta: Por que demoraram tanto?”  A observação serve igualmente para as mobilizações no Brasil.

Os anos do governo Lula ocasionaram um atrelamento das energias de movimentos sociais aos tentáculos do governo federal, ao tempo que uma política social voltada para setores excluídos garantiu a emergência de expressivo contingente aos mercados e ao consumo. Gostando cada vez mais de posar de novo “pai dos pobres”, Lula não estimulou nenhuma modificação importante na esfera da política, ao contrário, compôs fartamente com antigas oligarquias e adotou ele próprio, cada vez mais, práticas oligárquicas, controlando o poder com a desenvoltura de um cacique e esvaziando mesmo antigas práticas participativas no interior daquele que um dia chegou a ser chamado de o último grande partido de esquerda do ocidente.  

Na esteira da crise, enquanto a situação social e econômica se deteriorava em vários países, no mundo islâmico assistíamos a uma ocupação das ruas contra os poderes estabelecidos e aqui mesmo na América Latina tensões e mobilizações eleitorais expressavam conflitos políticos, distributivos, étnicos e outros, no Brasil as lutas lentamente se acirravam, ao passo que era mantida de vento em popa a construção da imagem do país onde se processava uma verdadeira revolução. O mundo vivia o inferno, mas o Brasil parecia tangenciar essa situação.

De uma tacada as duas coisas vieram abaixo, na esteira de um confronto motivado pelo aumento de um serviço péssimo, o dos transportes urbanos, retrato de outros de igual ou maior importância e também em situação caótica, justo no momento em que se iniciava a programação dos grandes eventos que mostrariam este oásis ao mundo. Nas promessas, os governos afirmavam que os eventos trariam um legado às cidades em termos das melhorias urbanas requisitadas. Mas nada fizeram e os estádios belos e caros foram terminando em cima da hora. De qualquer forma, parecia que o resto era apenas apostar na festa e no futebol, requisitos em que a formação da identidade nacional sempre mostrou-nos como bambas.

Qual a surpresa dos nossos ilusionistas e igualmente dos seus opositores invejosos, uns e outros implicados diretamente no caso das passagens, ambos igualmente “monitorando de Paris”, na busca de mais um grande evento para São Paulo, quando as mobilizações iniciaram, puxadas pelo Movimento Passe Livre (MPL), a polícia em sequência fez seu show de violência indiscriminada e, a partir daí, assistimos a uma explosão de insatisfações represadas, expressões de múltiplas demandas, de identidades mutantes que escapam a qualquer visão unificadora dos conflitos e das demandas. E também explosões de violência de pequenos grupos, essa mesma violência que nos envolve a cada dia com maior intensidade e na qual as cidades estão completamente mergulhadas. Gritam contra tudo, mas é clara a conexão ampla entre serviços públicos péssimos e a percepção da corrupção, da eterna farra do dinheiro público, da impunidade, na qual se enredou o mundo da representação política.

Perplexos diante de um movimento de pessoas e não de organizações, os governantes, a mídia e mesmo muitos estudiosos passaram a inquerir sobre a “pauta de reivindicações”, as “lideranças”, o perfil de organização etc., enquanto no mundo real os participantes se comunicam através das redes, as decisões na maioria das vezes são tomadas na hora, as palavras de ordem mudam continuamente. Quem são eles? perguntam nos jornais, nas entrevistas. Afinal, o que querem? Será que ainda ousam sonhar com autonomia e participação efetiva?  

Quando se abriu a porteira, as ruas, que há muito se tornaram perigosas para o cidadão comum, voltaram a se tornar perigosas para os poderes instituídos, mais do que simplesmente para os governantes de plantão. A resistência aos partidos e organizações sindicais expressa a recusa das regras da representação e seus organismos, os zumbis que atravessaram o século XX. Não há nisso despolitização ou um traço simplesmente fascista como logo se apressaram a apregoar ou insinuar alguns, uma trama em processo para enfraquecer as “instituições democráticas”, quando a questão é justamente de seu estado de esclerosamento. Os primeiros a quererem rotular, geralmente são também os primeiros a quererem estigmatizar. Sem saber bem como responder aos acontecimentos, o primeiro ministro da Turquia, por exemplo, já fala mesmo numa “conspiração internacional” para desestabilizar o seu governo e o do Brasil. Prepara a repressão.

Assim como 1968, estes movimentos que têm motivações múltiplas e nasceram no chão da rede, um espaço que libera forças centrífugas e propicia continuamente novas formas de comunicação, podem não saber exatamente o que querem, mas parecem ter discernimento do que não querem. Ainda não geraram nada mais contínuo e efetivo, pois mesmo a transição de regime no Egito permanece indefinida, mas estão recolocando em cena a noção de que a vida pode ser diferente, algo sempre incômodo e perigoso aos grupos dominantes e aos governantes de todos os quadrantes e de todas as épocas, mas que estava quase neutralizado nos anos de auge do deus mercado. Neste sentido, os movimentos podem começar visando a luta contra o capital financeiro, a troca de regimes, a questão dos transportes, a defesa ecológica, mas seus desdobramentos permanecem em aberto, porque nesta lógica, coisas como tarifa urbana e luta contra a PEC 37, chamada de PEC da Impunidade, por exemplo, vão juntas, se apoiam.

Enquanto nossas duas outras grandes manifestações dos tempos recentes, a das diretas e a do impeachment, pressionavam o sistema político sem ultrapassagem dos mecanismos representativos, ao contrário, lutando nitidamente no sentido de seu fortalecimento, estas indicam uma fratura muito mais funda e abrem uma porta para as lutas tal como em parte já vêm se desenvolvendo e podem se aprofundar nos próximos anos, com maneiras de pressão e construção de canais que respondam à mudança da forma decisória e à aceleração do tempo propiciada pelas novas tecnologias.

Os conflitos se descentralizam, saem da tutela das instâncias formais de regulação e podem se conectar em curto-circuito, propiciando mudanças nas formas de processá-los. Uma pressão às vezes explosiva para religar o cidadão às decisões fundamentais que envolvem diretamente o cotidiano, a vida vivida e não a dos planos, discursos e propagandas, da marquetagem enganatória paga regiamente com o nosso próprio dinheiro e onde tudo sempre parece muito melhor do que realmente é. A ação simultânea, fragmentária e espontânea nas cidades, com um borbulhar de queixas, temperado por bombas e conflitos, além de uma posição crítica majoritária sobre o gasto com os jogos e contra a poderosa FIFA, são a verdadeira surpresa do Brasil ao mundo, expressando de fato, mas de forma contrária ao espetáculo programado, toda sua complexa contemporaneidade. Bem-vindo às lutas do século XXI!

*FLÁVIO REIS é professor do departamento de Sociologia e Antropologia da UFMA. Autor de Cenas marginais (2005), Grupos políticos e estrutura oligárquica no Maranhão (2007) e Guerrilhas (2012), todos pagos do próprio bolso, os dois primeiros recém-relançados.

Das redes sociais às portas dos palácios

No Ministério Público e Tribunal de Justiça o expediente foi uma quarta-feira de cinzas às avessas. Roseana Sarney desde cedo mandou fechar o acesso ao Palácio dos Leões

Boto na conta do PT a queima da bandeira do PSTU, ainda no início da manifestação, ontem (19), na Praça Deodoro, em São Luís. O PT, tido como um partido diferente, terminou com as esperanças de muita gente em nome da governabilidade e da aliança com Sarney. Não descobriu nem inventou a corrupção, como insistem alguns, em geral por má-fé, mas acabou com a esperança, depois que esta venceu o medo.

Por causa do PT grande parte da população já não acredita mais em partidos políticos. Mas convenhamos: queimar uma bandeira de uma agremiação partidária é um retrocesso (a ditadura militar também fez isso), seja lá de que partido for. Acreditar que não permitir bandeiras em um ato irá torná-lo apartidário – ou pior: apolítico – é ilusão (pra não dizer outra coisa): tiraram as bandeiras do PSTU, mas mantiveram os carros de som do PMDB.

Tal gesto autoritário serve tão somente à velha direita, tanto é que a principal coluna política do jornal O Estado do Maranhão, o Estado Maior (link para assinantes com senha), de hoje (20), tira onda com o episódio: “Luiz Noleto, um dos chefes do partido, não respeitou a proibição e foi para a Praça Deodoro fantasiado de PSTU, com camiseta e bandeira. Tomaram-lhe a bandeira e a queimaram, e por pouco não arrancaram-lhe a camiseta vermelha”, escreveu o colunista. Só neste trecho caberiam vários “sic” (nem vou perder tempo em comentar a blogosfera suja).

Não faltam motivos para protestar, o que, no Maranhão, justificaria um protesto por dia. O povo saiu do facebook e foi às ruas, como mais ou menos apregoava um cartaz, ontem. Foi um momento bonito de ver: o movimento provou ter corpo – as estatísticas falam de entre 10 e 20 mil pessoas nas ruas, cada propósito tem sua medida. Infelizmente faltou cabeça.

Nosso provincianismo esperou que São Paulo – e outras capitais Brasil afora, em seguida – se mexesse para que a copiássemos – nossos meios de comunicação não se fizeram de rogados e também copiaram os de lá, filtrando do protesto apenas aquilo que lhes interessava. Em um quesito foram além, mas isto já é costume pras bandas de cá: se valeram da “pressa” para justificar erros grosseiros, sobretudo na internet.

O #vempraruaslz é um movimento importante que mostra a força e utilidade que podem ter as redes sociais – embora houvesse gente ali apenas para garantir alguns registros justamente para alimentá-las. Não é um movimento de vândalos como quer fazer crer parte da mídia. Sou contra qualquer ato de vandalismo e não bato palmas para pichações no muro do La Ravardiere nem para vidraças quebradas no dos Leões, os palácios sedes dos executivos municipal e estadual, como também não acho bacana quebrar o carro do Sistema Mirante, mesmo o grupo representando e sendo o porta-voz de muitos dos motivos pelo quais se protestava ontem.

Sobram motivos para Sarney virar alvo de qualquer protesto no Maranhão

A mobilização popular é necessária. “Governo e feijão só vai na pressão”, diz o dito popular. Mas toda mobilização deve ter objetivos claros, mesmo que sejam muitos, no caso ludovicense. A de ontem, pautada principalmente na questão da mobilidade urbana na capital maranhense, incluía ainda temas como protestos contra a PEC 37 (que tira o poder de investigação do Ministério Público), o deputado racista e homofóbico Marco Feliciano, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, e seu medieval projeto de “cura gay”, e o eterno “fora Sarney”, entre muitos outros.

De acordo com informações de Márcio Jerry, secretário municipal de Comunicação, publicadas em seu perfil no tuiter, o prefeito Edivaldo Holanda Jr. dispôs-se a conversar ainda ontem com lideranças do movimento, que não foram identificadas (hoje começou a circular no facebook uma lista de reivindicações endereçadas aos governos municipal, estadual e federal).

Esta desorganização, em certa medida, demonstra que o movimento não tem dono. Ou mesmo que não há um movimento único. A grande maioria era de jovens estudantes, muitos pela primeira vez em uma manifestação do tipo, o que não a torna menos legítima, como também não o fato de serem, em geral, cidadãos bem nutridos, que “de carrão chegam mais rápido à revolução”, como bem cantou o compositor cearense. Ali cabia de tudo, de quem não sabia bem o porquê de estar participando do protesto à “apartidários” filiados a partidos políticos, além, é claro, de gente que dava algum sentido à data histórica. A porção que “precisa estar atenta e forte”, como cantaram os baianos, para que uns poucos não lhe reservem o velho papel de massa de manobra, de que supostamente tentaram escapar ao queimar a bandeira do PSTU.

É bastante difícil dizer qualquer coisa sobre o que aconteceu ontem em São Luís, seja pela pluralidade da manifestação (com tudo o que isso tem de bom e ruim), seja por tudo de novo que traz em si (protagonistas, forma de mobilização etc.). Este blogue esperará e acompanhará os próximos episódios, tentando garantir uma cobertura com alguma lucidez e equilíbrio, além do apoio ao que o movimento combinar com nossa postura de esquerda, já que aqui não vendemos pseudo-imparcialidade.

SOS Vila Apaco

Localizada na Cidade Operária, por detrás da UEMA, a Vila Apaco I vem sofrendo os impactos das chuvas do último dia 12 de fevereiro. 135 famílias perderam todos os seus pertences.

O Éguas Coletivo Audiovisual visitou o local e registrou o drama destas pessoas. No próprio vídeo há contatos e informações sobre como ajudar.