Parabólica nos paralelepípedos

Nação Zumbi na Nauro Machado, ontem (24). Foto: divulgação/ BR 135
Nação Zumbi na Nauro Machado, ontem (24). Foto: divulgação/ BR 135

 

Se a alguém restavam dúvidas sobre a consolidação do Festival BR 135 (veja a programação completa) no calendário cultural do Maranhão, a noite de ontem (24) tratou de dirimir. Em sua segunda passagem por São Luís, a primeira em um show gratuito, os pernambucanos da Nação Zumbi refizeram ao vivo o repertório de Afrociberdelia, um dos discos fundamentais do movimento manguebit, que completa 20 anos neste 2016.

Maior banda do Brasil em atividade, a Nação Zumbi demonstra um vigor ainda maior no palco – e qualquer um que conheça qualquer disco, com ou sem Chico Science à frente, sabe o peso da banda. Por falar em Chico Science, cujo falecimento também completa 20 anos no próximo fevereiro, sorte a nossa Jorge Du Peixe ter assumido os vocais e a banda ter continuado de ali em diante, sempre surpreendente.

Em geral elegantes, artistas costumam dizer que tanto faz tocar para 10 ou para milhares de pessoas. Mas sabemos que, geralmente, quanto mais público melhor. E o público de São Luís fez bonito: lotou a Praça Nauro Machado, na Praia Grande, para ver/ouvir os malungos. Arrisco dizer: estávamos diante de uma quebra de recorde, ao menos em se tratando do BR 135 – não ouso estimar a quantidade de público por pura inabilidade.

Em cerca de hora e meia de show, a Nação Zumbi mostrou o peso e a atualidade do repertório de sua mistura de africanidade, cibernética e psicodelia – a justaposição que dá título ao disco de 1996, considerado o 18º. melhor disco da música brasileira pela revista Rolling Stone Brasil.

Não faltaram clássicos para botar o público para cantar junto e dançar: Macô (Jorge Du Peixe/ Bid/ Chico Science), Samba do lado (Nação Zumbi/ Chico Science), Manguetown (Lúcio Maia/ Dengue/ Chico Science), Criança de domingo (Cadão Volpato/ Ricardo Salvagni) e Maracatu atômico (Jorge Mautner/ Nelson Jacobina). O bis extrapolou Afrociberdelia, lembrando Blunt of Judah Meu maracatu pesa uma tonelada, de Nação Zumbi [2002], e Quando a maré encher (Fábio Trummer/ Roger Man/ Bernardo Chopinho), de Rádio S.Amb.A. [2000]

Um satélite na cabeça, título de uma das faixas de Afrociberdelia, também lembrada ontem, se traduziu em um satélite por cabeça: todo mundo sintonizado. A antena parabólica na lama, um dos símbolos do manguebit, hoje parece fácil de ter sido fincada. Nos paralelepípedos do centro histórico de São Luís é mais difícil, mas a Nação Zumbi conseguiu.

Em tempos de golpe e dos sucessivos ataques à cultura brasileira, convém reafirmar a importância e a resistência do BR 135. Na noite de ontem, a primeira das três da programação, Venga Venga, a ótima DuSouto e a Nação Zumbi foram unânimes (e acompanhados pelo público) nas palavras de ordem (a hashtag) do momento: fora, Temer!

Choro em dose dupla para celebrar aniversário de Pixinguinha

Celebração do Dia Nacional do Choro acontece na véspera, no Centro de Criatividade Odylo Costa, filho (Praia Grande). Divulgação
Celebração do Dia Nacional do Choro acontece na véspera, no Centro de Criatividade Odylo Costa, filho (Praia Grande). Divulgação
"Jornada Chorística do Maranhão" acontece em dois tempos no São Luís Shopping. Divulgação
“Jornada Chorística do Maranhão” acontece em dois tempos no São Luís Shopping. Divulgação

Como já é tradição nos calendários musical e cultural de São Luís, será comemorado o Dia Nacional do Choro, homenagem ao nascimento de Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha (23/4/1897-17/2/1973), um dos mais importantes nomes do gênero e da música brasileira.

A data é celebrada a cada 23 de abril. A novidade em 2016 é que haverá duas festas: uma, a oficial, promovida pela Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo (Emem), cujos corredores, tendo professores e alunos em várias formações, foram berço de diversos grupamentos. A segunda festa acontecerá na nova praça de alimentação do São Luís Shopping. Nesta, os músicos abriram mão de seus cachês, em favor do livro Chorografia do Maranhão, a ser lançado em breve. Ambos os acontecimentos são gratuitos e abertos ao público.

“Parte dos recursos para fazer o livro estão garantidos por edital da Fapema [a Fundação de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Científico do Maranhão], outra parte foi arrecadada através de campanha de financiamento coletivo na internet, mais um pedaço está vindo da solidariedade dos músicos que se apresentarão no São Luís Shopping e há, ainda, promessas de empresas privadas. Ficamos muito felizes com a iniciativa do shopping e o gesto dos músicos. De pedacinho em pedacinho, a gente vai conseguindo contar estes importantes capítulos da história do choro e da música do Maranhão”, comenta Ricarte Almeida Santos, autor do livro, com este que vos perturba e o fotógrafo Rivanio Almeida Santos.

A programação da Emem acontece dia 22 (sexta-feira), às 18h, no Centro de Criatividade Odylo Costa, filho (Praia Grande). Como em anos anteriores, a iniciativa homenageará um chorão local. Este ano será o bandolinista e cavaquinhista Roquinho, que curiosamente não está entre os 52 entrevistados pela Chorografia do Maranhão: o músico simplesmente negou-se a atender todos os insistentes pedidos de entrevista dos chororrepórteres – o que não lhe diminui o brilho, o talento e a importância para a cena choro local. O convite anuncia a “participação de instrumentistas, grupos de choro da cidade e artistas convidados”, destacando os grupos Instrumental Pixinguinha, Regional Tira-Teima, Chorando Callado e Os Cinco Companheiros.

No São Luís Shopping a comemoração acontece sábado (23), em dois turnos. A “Jornada Chorística do Maranhão”, como foi batizado o evento, terá o primeiro tempo ao meio dia, com Trio Feitiço da Ilha e Chico Nô, Suellen Almeida (flauta), Regional Deu Branco, Urubu Malandro e Instrumental Pixinguinha. O segundo tempo, que começa às 18h, contará com Os Cinco Companheiros, Quinteto Bom Tom e Anna Cláudia, Regional Camisa de Bolso, Trítono Trio, Danuzio Lima (flauta) e Regional Tira-Teima.

Do quintal ao municipal, como no título do livro de Henrique Cazes, e agora à praça de alimentação, o choro se renova e conquista novos espaços e público. Vida longa, com as bênçãos de São Pixinguinha.

Confira o encontro do Instrumental Pixinguinha com o Regional Tira-Teima em Cochichando [Pixinguinha/ João de Barro/ Alberto Ribeiro], durante a 8ª. Aldeia Sesc Guajajara de Artes em 2013.

Para analfabetos políticos e cinéfilos em geral

Num clássico poema de sua lavra, o alemão Bertolt Brecht cravava: “o pior analfabeto é o analfabeto político”. Arrisco dizer, décadas depois: o pior analfabeto político é o que pede a volta da ditadura militar, tendo ou não passado pelo regime de trevas que subjugou o Brasil entre 1964 e 85.

A este tipo de analfabeto, literalmente jogando luz sobre o período, o Cine Praia Grande oferece, a partir deste domingo (27), a mostra Golpe nunca mais, fruto de parceria do cinema com a Cantaria Filmes, Petrini Filmes e Cineclub Amarcord. A partir de domingo, sempre às 18h, com entrada franca, quatro filmes sobre o citado período.

De resto, segue a programação normal da sala de cinema do Centro de Criatividade Odylo Costa, filho (Praia Grande), com Malala [EUA, documentário, classificação indicativa: 10 anos, 88 minutos, direção: David Guggenheim], sessões às 15h e 16h30, e Chico – artista brasileiro [Brasil, documentário, classificação indicativa: 10 anos, 115 minutos, direção: Miguel Faria Jr.], sessões às 20h (exceto terça-feira). Os ingressos custam R$ 14,00 (meia para casos previstos em lei). Às segundas-feiras, meia para todos. Alunos de cursos do CCOCf pagam R$ 5,00.

Útil para analfabetos políticos, Golpe nunca mais é aberta a qualquer apreciador/a de cinema nacional de qualidade que queira ver ou rever os títulos da mostra, de graça.

Mostra Golpe nunca mais – Programação

Domingo, 27

Batismo de sangue [de Helvécio Ratton. Brasil, drama, 2006, 110 minutos] São Paulo, fim dos anos 60. O convento dos frades dominicanos torna-se uma trincheira de resistência à ditadura militar que governa o Brasil. Movidos por ideais cristãos, os freis Tito (Caio Blat), Betto (Daniel de Oliveira), Oswaldo (Ângelo Antônio), Fernando (Léo Quintão) e Ivo (Odilon Esteves) passam a apoiar o grupo guerrilheiro Ação Libertadora Nacional (ALN), comandado por Carlos Marighella (Marku Ribas). Eles logo passam a ser vigiados pela polícia e posteriormente são presos, passando por terríveis torturas.

Segunda, 28

Cabra marcado para morrer. Cartaz. Reprodução
Cabra marcado para morrer. Cartaz. Reprodução

Cabra marcado para morrer [de Eduardo Coutinho. Brasil, documentário, 1984, 119 minutos. Narração: Ferreira Gullar] Início da década de 1960. Um líder camponês, João Pedro Teixeira, é assassinado por ordem dos latifundiários do Nordeste. As filmagens de sua vida, interpretada pelos próprios camponeses, foram interrompidas pelo golpe militar de 1964. 17 anos depois, o diretor retoma o projeto e procura a viúva Elizabeth Teixeira e seus 10 filhos, espalhados pela onda de repressão que seguiu ao episódio do assassinato. O tema principal do filme passa a ser a trajetória de cada um dos personagens que, por meio de lembranças e imagens do passado, evocam o drama de uma família de camponeses durante os longos anos do regime militar.

Terça, 29

O que é isso, companheiro? Cartaz. Reprodução
O que é isso, companheiro? Capa. Reprodução

O que é isso, companheiro? [de Bruno Barreto. Brasil/EUA, drama, 1997, 110 minutos] O jornalista Fernando (Pedro Cardoso) e seu amigo César (Selton Mello) abraçam a luta armada contra a ditadura militar no final da década de 1960. Os dois se alistam num grupo guerrilheiro de esquerda. Em uma das ações do grupo militante, César é ferido e capturado pelos militares. Fernando então planeja o sequestro do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Burke Elbrick (Alan Arkin), para negociar a liberdade de César e de outros companheiros presos.

Quarta, 30

Retratos de identificação [de Anita Leandro. Brasil, documentário, 2014, 71 minutos] Na época da ditadura militar, os presos políticos eram fotografados em diferentes situações: desde investigações e prisões até em torturas, exames de corpo de delito e necropsias. Hoje, dois sobreviventes à tortura veem, pela primeira vez, as fotografias relativas às suas prisões. Antônio Roberto Espinosa, o então comandante da organização VAR-Palmares, testemunha sobre o assassinato de Chael Schreier, com quem conviveu na prisão. Já Reinaldo Guarany, do grupo tático armado ALN, relembra sua saída do país em 1971, em troca da vida do embaixador suíço Giovanni Bucher. Ele conta como foi sua vida no exílio e fala sobre o suicídio de Maria Auxiliadora Lara Barcellos, com quem vivia em Berlim. Com essas revelações e testemunhos, segredos de um passado obscuro do país voltam à tona.

Roberto Farias e Murilo Santos serão homenageados no 8º. Maranhão na Tela

Festival acontece de 21 a 26 de março no Centro de Criatividade Odylo Costa, filho e Teatro João do Vale, com programação gratuita

A oitava edição do Maranhão na Tela acontece entre os próximos 21 a 26 de março, no Centro de Criatividade Odylo Costa, filho e Teatro João do Vale, na Praia Grande. Já consolidado nos calendários cinematográfico e cultural da capital maranhense, o festival homenageia os diretores Murilo Santos e Roberto Farias, este às vésperas dos 83 anos que ele completa dia 27 de março.

Cena de Roberto Carlos em ritmo de aventura. Frame. Reprodução
Cena de Roberto Carlos em ritmo de aventura. Frame. Reprodução

Meia dúzia de filmes de Farias serão exibidos em cópias digitalizadas durante o festival, incluindo a “trilogia do Rei”: Roberto Carlos em ritmo de aventura [1968], Roberto Carlos e o diamante cor de rosa [1970] e Roberto Carlos a 300 quilômetros por hora [1971]. O clássico Pra frente, Brasil [1982] será exibido na sessão de abertura do festival. Os outros títulos de Farias que serão exibidos na mostra que o homenageia são Assalto ao trem pagador [1962] e o documentário O fabuloso Fittipaldi [1974].

A idealizadora e produtora do Maranhão na Tela em cerimônia de edição anterior do festival. Foto: divulgação
A idealizadora e produtora do Maranhão na Tela em cerimônia de edição anterior do festival. Foto: divulgação

Novidade nesta edição, o que faz o festival se aproximar ainda mais do nome Maranhão na Tela, é a homenagem a cineastas maranhenses, começando, este ano, por Murilo Santos. “O nome do Murilo foi, desde sempre, o único que cogitamos para ser o primeiro homenageado maranhense. Ano que vem teremos uma lista, chegaremos a um consenso, mas esse ano é só dele”, declarou a idealizadora e produtora do Maranhão na Tela Mavi Simão, revelando ter sido consenso o nome do homenageado. “O Murilo tem uma importância histórica pro cinema maranhense que não tem similar. A forma como ele atuou e atua é única!”, continuou.

Desenho de Joaquim Santos para Quem matou Elias Zi? Frame. Reprodução
Desenho de Joaquim Santos para Quem matou Elias Zi? Frame. Reprodução

Murilo também terá seis títulos exibidos no oitavo Maranhão na Tela: Um boêmio no céu [1974], Tambor de crioula [1979], Quem matou Elias Zi? [1982], com trilha sonora e desenhos do irmão Joaquim Santos, Na terra de Caboré [1986], Marisa vai ao cinema [1995] e Fronteira de imagens [2009].

Mavi Simão avalia a evolução do festival ao longo das edições e o investimento constante em formação, uma característica do evento anual. “O Maranhão na Tela sempre teve um foco, um objetivo claro, que é o de contribuir para fomentar a produção local, e esse direcionamento acredito que dê uma solidez pro festival. Outro compromisso que me move é o de sempre tentar superar a edição anterior e assim vamos caminhando. O compromisso do festival sempre foi com o fomento e, dentro do meu parco raio de alcance, a melhor forma de fazer isso é investindo em formação. O conhecimento inquieta as pessoas”, afirmou.

Sobre o atual momento vivido pelo cinema no Maranhão, particularmente no que tange a notícias recentes como os anúncios do governo estadual de uma escola de cinema e um edital para o audiovisual maranhense, ela comemora: “Estamos vivendo um momento ímpar, um antes e depois da produção audiovisual maranhense. Agora sim, vislumbro mais concretamente a inserção da produção local na cena nacional. E a escola vai ter um impacto enorme nesse processo! Finalmente temos um governo que reconhece a importância estratégica do audiovisual”.

Cartaz de Quase memória. Reprodução
Cartaz de Quase memória. Reprodução

Além das homenagens, o Maranhão na Tela terá uma vasta programação com aproximadamente 350 títulos, entre pré-estreias, estreias, retrospectivas e animações. Na primeira categoria estão Quase memória, de Ruy Guerra, baseado no livro de Carlos Heitor Cony, Um filme de cinema, de Walter Carvalho, Para minha amada morta, de Aly Muritiba, e Prova de coragem, de Roberto Gervitz, com atuação de Áurea Maranhão.

A mostra Maranhão de Cinema, uma das que compõem a programação do Maranhão na Tela, tem 36 filmes, divididos em duas categorias: uma competitiva, com títulos inéditos, e uma retrospectiva, com obras que marcaram a produção audiovisual no estado nos últimos 40 anos – destaque para a filmografia de Murilo Santos. A curadoria é assinada por Mavi Simão com o diretor Josh Baconi e Raffaele Petrini, diretor do Cine Praia Grande, que abrigará a maior parte da programação desta oitava edição do festival, realização da Mil Ciclos Filmes, com patrocínio da Oi e da Rede de Óticas Diniz, por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, e apoio cultural da Oi Futuro.

Sobre destaques da programação, Mavi preferiu não se comprometer, tamanho o envolvimento e o cuidado com cada detalhe da produção. “Cada filme, cada curso, cada convidado, cada espectador faz o festival ser como é. Tô aqui pensando e não consigo destacar algo ou alguém em especial. Tenho uma relação passional com o Maranhão na Tela, tudo o que acontece a cada edição é especial pra mim”, finalizou.

Olhar poético sobre a degradação

Algumas imagens da exposição Tombamento, de Vicente Jr.

 

Em Tombamento o fotógrafo Vicente Jr. volta ao cenário-objeto de sua primeira exposição: Desterro: a cara da comunidade, que integrou a programação da 8ª. Feira do Livro de São Luís (FeliS), em 2014, no Convento das Mercês.

Se na primeira, gente e pedra dialogavam em imagens que já evidenciavam o ambiente decrépito, nesta o olhar se volta às construções, “aqui tudo parece construção e já é ruína”: Tombamento trocadilha o tombo do patrimônio arquitetônico com o tombo iminente dos mal conservados casarões da Praia Grande, Desterro e Portinho, os três bairros que compõem o Centro Histórico ludovicense, que podem desabar a qualquer momento.

A exposição fotográfica individual de Vicente Jr. é também um diálogo de técnicas, entre o digital e o analógico, em que antagoniza a instantaneidade destes tempos virtuais, ele mesmo usuário contumaz de redes sociais como o Instagram – cuja conta (@vicentefjunior) dá pistas do tipo de imagem que veremos na Galeria de Arte do Sesc Deodoro, onde a vernissage de Tombamento acontece nesta quinta-feira (18), às 18h30. A exposição pode ser visitada até 29 de março, em dias úteis, das 9 às 17h, com entrada franca.

Vicente Jr. conversou com o Homem de vícios antigos sobre a exposição.

O fotógrafo Vicente Jr. em ação. Foto: divulgação
O fotógrafo Vicente Jr. em ação. Foto: divulgação

Sua primeira exposição teve o Desterro como cenário-objeto. Agora você volta ao Centro Histórico da ilha. O que te instiga nestes ambientes degradados?
Enquanto produzia as imagens para a minha primeira exposição foi inevitável pensar a respeito do lamentável estado de abandono dessa área dita tombada. Foi quando surgiu a ideia de utilizar as possibilidades poéticas da ambiguidade do verbo tombar. Vi nessa ambiguidade do tombo uma possibilidade poética, uma caminho para desenvolver esse trabalho. Meu olhar é atraído por essas camadas sobrepostas de tempo, que cria uma textura nas imagens. Essa decadência possui um charme e é impregnada de história. Gosto também de partir de alguns clichês inerentes ao Centro Histórico, como por exemplo, o de cidade turística, cidade dos azulejos e dos casarões, e desconstruí-los. Às vezes fico extasiado diante de algumas imagens que mais parecem paisagens de algum filme cyberpunk.

Quantas fotos compõem a exposição?
A exposição consiste em oito fotografias analógicas e 11 digitais, totalizando 19 fotografias. Também deixei exposta a câmera analógica de plástico simples e precária com que fiz essas imagens.

Por que a opção em fotografar em analógico?
A princípio o projeto era para ser exclusivamente analógico, mas achei melhor utilizar as duas tecnologias. Proponho um diálogo entre elas. É evidente a hegemonia do digital em nossos dias hipermodernos e sua velocidade tanto de produção, quanto de divulgação das imagens. A opção pela tecnologia analógica foi de ir contra a corrente. Resgatar esse outro tempo, mais lento e os processos químicos da revelação que têm mais a ver com a natureza das imagens que mostro. Assim uma tecnologia não exclui a outra, mesmo com toda a dificuldade de trabalhar com o analógico. Eu mesmo não possuía mais uma câmera dessas. Perguntei aos amigos se alguém ainda tinha e um deles me presenteou com uma. O próprio filme quase não se consegue encontrar aqui em São Luís e existe apenas um laboratório que ainda resiste e faz a revelação dos negativos. É realmente remar contra a maré.

Sua relação com a fotografia é profissional, hobby ou ambas as coisas?
Cara, começou como um hobby e não deixará nunca de ser. Mas as coisas estão acontecendo e adquirindo outros contornos. E tenho me dedicado somente à fotografia ultimamente.

Em Desterro: a cara da comunidade, sua exposição inaugural, o elemento humano era presença constante no conjunto de fotografias, convivendo com o elemento pedra. Nesta, Tombamento, os humanos desaparecem. Você acredita fazer um jogo de futurologia, denúncia social ou ambas as coisas através de sua arte?
Então, na minha exposição anterior eu quis mostrar que apesar de todo descaso e por que não dizer, “desterro” daquele bairro que apesar dos estigmas, como por exemplo, a violência, a prostituição e o tráfico de drogas, possui um sentimento de comunidade muito forte e foi inevitável o enfoque nas pessoas inseridas ali. Em Tombamento, as pessoas somem! Surgem os animais de rua vagando sem destino, carros e motos que não deveriam circular ou estacionar por ali. Como falei antes, algumas imagens lembram filmes cyberpunk, desabitadas, devastadas. Assim, futurologia. Não tem como fugir da denúncia social! Acaba fazendo as pessoas pensarem um pouco acerca do tema e reflitam. Será que esse patrimônio está realmente tombado? Será que as gerações futuras terão acesso a ele?! Acredito no poder das imagens de instigar o pensamento, a reflexão. Esse poder não é uma exclusividade da palavra escrita ou oral.

A herança musical de Alice Passos

Com o Maranhão e a música no DNA, a cantora e flautista Alice Passos é a convidada da última edição do projeto RicoChoro ComVida em 2015. O sarau musical acontece hoje (19), a partir das 18h, no Bar e Restaurante Barulhinho Bom (Rua da Palma, 217, Praia Grande). A noite contará ainda com as apresentações do dj Marcelo Guzmán e do Regional Chorando Callado, que acompanhará a artista carioca.

O grupo se formou por ocasião do projeto Clube do Choro Recebe, produzido por Ricarte Almeida Santos entre 2007 e 2010, no Bar e Restaurante Chico Canhoto. João Eudes (violão sete cordas), João Neto (flauta), Wanderson Silva (percussão) e Wendell Cosme (bandolim e cavaquinho) – a formação para hoje –, à época eram jovens estudantes de música; hoje são dos mais requisitados e frequentes nomes em fichas técnicas de discos e shows de artistas locais e nacionais.

Alice é filha da cavaquinhista maranhense Ignez Perdigão, irmã da cantora e cavaquinhista Mariana Bernardes e afilhada do multi-instrumentista Egberto Gimonti. Apesar da pouca idade – 25 anos recém-completados – já é vasto seu currículo: aos oito anos entrou para os Flautistas da Pro Arte, passando em seguida a se apresentar com a Orquestra de Sopros da Pro Arte. Integrou por quatro anos a Orquestra Corações Futuristas, fundada e regida por Gismonti.

Em 2006 ela participou do disco Mario Lago – O homem do século XX. Atualmente prepara seu disco solo de estreia. A artista conversou com O homem de vícios antigos.

Alice Passos: vasto currículo, apesar da pouca idade. Foto: divulgação
Alice Passos: vasto currículo, apesar da pouca idade. Foto: divulgação

Homem de vícios antigos – Você é filha de maranhense e já se apresentou em São Luís diversas vezes. Qual sua relação com a cidade?
Alice Passos
– São Luís é minha segunda casa. Tenho diversos tios e primos aqui na ilha e desde que vim a primeira vez que venho pelo menos uma vez por ano. Excepcionalmente nos últimos três anos não pude vir, por isso estou muito alegre de estar voltando pra cá, onde me sinto em casa, onde danço o bumba meu boi, o tambor de crioula… Me identifico muito com a música e a culinária da cidade.

Com que sentimento você recebeu o convite para encerrar a temporada de RicoChoro ComVida em 2015?
Fiquei muito contente, pois já não vinha à ilha há três anos e estava morrendo de saudade da família, das praias, do vento, da comida…

Qual a base do repertório de sua apresentação amanhã?
Mesclei músicas que eu imagino que sejam conhecidas do público daqui e que gosto muito com músicas do repertório que venho pesquisando ao longo dos meus 10 anos de atividade como cantora

Você já conhecia os músicos do Chorando Callado? Qual o clima dos ensaios?
Conhecia o João Eudes do violão e o João [Neto] da flauta. É como se tocássemos juntos há 10 anos.

Seu disco solo de estreia, prometido para ano que vem, terá, entre compositores e participações especiais, nomes como Guinga, Paulo César Pinheiro, Francis Hime, Maurício Carrilho, Egberto Gismonti e Yamandu Costa. O que significa para você o endosso de tantos nomes tão importantes para a música brasileira?
Conheço o Egberto desde criança. É meu padrinho. Engraçado que a nossa relação é muito mais pessoal do que musical, apesar d’eu ter participado da Orquestra Corações Futuristas, regida por ele, durante quatro anos. Fora o Francis, com quem encontrei poucas vezes, tenho uma forte relação de amizade e afeto com todos os outros compositores e músicos citados. Seja encontrando para tomar um chope, seja ensaiando juntos, gravando… Engraçado que, por ter uma amizade com eles há tanto tempo, acho que não tenho muita dimensão do que significa o nome deles no meu projeto. Claro que tenho consciência da importância deles pra a música brasileira, mas pra mim é muito natural tê-los no meu primeiro disco. No caso, acaba que o Yamandu e o Egberto infelizmente não puderam participar. Mas estão no disco Dori Caymmi, Guinga, Sérgio Santos e Théo de Barros. Me sinto muito honrada e agradecida pela generosidade de todos que participaram do meu disco.

Você chegou a tentar outra profissão fora da música?
Nunca! Canto desde os nove anos, tanto em show quanto em gravação.

O fato de ter nascido numa família de músicos ajudou ou atrapalhou em sua decisão de seguir a carreira musical?
Os dois. Atrapalhou no sentido que eu, por rebeldia adolescente, tentei querer outra coisa, só pra ser do contra. Mas não foi pra frente. Ajudou em todos os outros sentidos. Tive muita ajuda.

Você é cantora e flautista. O público de São Luís também terá a oportunidade de ouvir você tocando flauta?
Desta vez não. Toquei flauta praticamente só em orquestras. Faz dois anos que não trabalho mais como flautista, só dou aulas.

Você é reconhecida como um dos nomes que colaborou para a revitalização e o reconhecimento da Lapa enquanto centro sambista do Rio de Janeiro. Você conhece ou acompanha o cenário do samba ou da música popular de modo geral no Maranhão? Se sim, que nomes destacaria?
Muito menos do que eu gostaria. Conheço o grupo Espinha de Bacalhau, Feijoada Completa, torço desde sempre pelo Roberto Chinês que é um baita instrumentista… Sempre que venho tenho pouco tempo pra fazer essa garimpada da música que não conheço. Acabo vendo os mesmo amigos, fico muito tempo com a família. Mas espero voltar a vir anualmente e me inteirar do que tá rolando.

Siba e o exemplo de resistência dos maracatus de Pernambuco

Siba comandou baile de encerramento do BR135. Foto: ZR (12/12/2015)
Siba comandou baile de encerramento do BR135. Foto: ZR (12/12/2015)

 

Escalado para fechar a programação do BR135, o pernambucano Siba brindou o público ludovicense quase que exclusivamente com o repertório de De baile solto, seu novo e ótimo disco, passeando aqui e acolá, por outros títulos de sua carreira (todos disponíveis para download legal e gratuito em seu site).

O ex-Mestre Ambrósio abriu o show com a faixa-título do novo trabalho. Aliás, Mestre Nico (percussão) anunciou o tema instrumental, a demonstrar o peso da formação de sua banda. Com atitude roqueira ao empunhar sua guitarra, Siba canta acompanhado de bateria, percussão e tuba, com repertório calcado em gêneros da cultura popular de Pernambuco: o maracatu de baque solto com que trocadilha o nome do disco novo, a ciranda, o frevo e a marcha, entre outros. Seguiu-se Trincheira da Fuloresta, lembrando a Fuloresta do Samba, outro grupo integrado por Siba, formado por músicos populares de Nazaré da Mata, pequeno município da Zona da Mata pernambucana.

Depois veio Marcha macia, uma resposta de Siba à tentativa da burocracia estatal, em Pernambuco, de acabar com a tradição de os maracatus amanhecerem tocando: “Vossa excelência, nossas felicitações/ É muito avanço, viva as instituições!/ Melhor ainda com retorno de milhões/ Meu Deus do céu, quem é que não queria?/ Só um detalhe quase insignificante/ Embora o plano seja muito edificante/ Tem sempre a chance de alguma estrela irritante/ Amanhecer irradiando o dia”, diz a letra. O tema voltaria à baila, como veremos adiante.

Duetando com Mestre Nico, Siba mandou a real sobre as desigualdades sociais que ainda assolam o país em Quem e ninguém: “Quem tem dinheiro controla/ Radar, satélite e antena/ Palco, palanque e arena/ Onde quem não tem rebola/ Quem tem fornece a bitola/ Onde quem não tem se mede”, um direto na cara de qualquer hipocrisia.

Música dos tempos de Mestre Ambrósio, Gavião ganhou novo arranjo em De baile solto. Três desenhos e Mel tamarindo precederam a pergunta “topam entrar num carnaval?”, com que Siba anunciou A jarra e a aranha, com seu refrão trava-língua, e A bagaceira (de Avante). O público pulava e circulava pela Nauro Machado num grande trenzinho. A multidão presente à praça, tornada um grande baile (solto) de carnaval a céu aberto, fez valer os versos: “pode acabar-se o mundo/ vou brincar meu carnaval”.

A velha da capa preta tornou a passear pela Fuloresta, antes de Siba mandar Meu balão vai voar, faixa que encerra De baile solto que, por pouco, não encerra também o show. Depois dela seguiu-se Toda vez que eu dou um passo o mundo sai do lugar, do disco homônimo. Siba já sabia que não haveria bis e anunciou isso para a plateia. Não por falta de vontade sua: uma determinação ridícula – desconhecida por este blogue – impede que shows musicais passem de 1h da manhã na Praia Grande (ou em São Luís?). A produção já estava com as barbas de molho depois que a polícia tentou não deixar Curumin terminar seu show na noite anterior.

Faltava pouco para o limite e Siba tornou a entregar o comando do palco a Mestre Nico, que conduziu uma aula de balé popular para a multidão. Pouco depois, citou o exemplo de Recife e as tentativas de proibição de os maracatus amanhecerem tocando, como é tradição. Faltando sete minutos para 1h, emendou um repente que duraria até o fim do show, encerrando-o em grande estilo: “pessoal, muito obrigado/ o show já vai terminar/ outro dia eu volto aqui/ sem ter hora pra acabar”, improvisou. E entre muitos outros versos não guardados pela memória deste cronista, anunciou: “vou ficar em São Luís/ visitar Maracanã/ meu prato de juçara/ vai ser café da manhã”.

Chequei o relógio, que marcava 1h01. É preciso respeitar as regras, mas nem tanto. O exemplo dos maracatus de Recife e os versos de Marcha macia tornaram a me martelar o juízo: “não custa nada se ajustar às condições/ estes senhores devem ter suas razões/ além do mais eles comandam multidões/ quem para o passo de uma maioria?”

Bumba meu dub

Vibração poética. Foto: ZR (12/12/2015)
Vibrações poéticas. Foto: ZR (12/12/2015)

 

Jornalistas de profissão, o poeta Celso Borges e o DJ Otávio Rodrigues inventaram Poesia Dub em 2004, quando ambos viviam em São Paulo. O nome do espetáculo de poesia no palco, para muito além da leitura de poemas com trilha sonora, remete a uma das especialidades de Otávio, um dos maiores especialistas em Jamaica no Brasil, mas sem se prender a ele.

Embora com apresentações bissextas – Celso Borges voltou a morar em São Luís em 2009 – Poesia Dub já passou por várias formações. Ontem (12), na Praça Nauro Machado, na programação do Festival BR135, foi apresentado por Celso Borges (voz e poemas), Otávio Rodrigues (trilhas, efeitos e percussão adicional), Luiz Cláudio (percussão) e Gerson da Conceição (contrabaixo).

Linguagem abriu a apresentação. É um poema em que o autor convida os espectadores a ouvir, falar, lamber, chupar, morder a sua língua, a linguagem enquanto vírus, não à toa Celso Borges ser chamado de “homem poesia” por alguns, dada sua dedicação à causa. Quase um “vai vir o dia quando tudo que eu diga seja poesia”, de Paulo Leminski, homenageado em Morto vivo: “aos quarenta e quatro” – idade com que o curitibano faleceu – “ainda dói o óbvio”, falacanta CB. “Estou vivo na idade do morto, Leminski”, diz noutro trecho, como a dizer que apesar do mundo estamos aí, “que nem assino embaixo/ que nem moscoviteio/ que nem capricho/ que nem relaxo”, citando alguns de seus poemas mais conhecidos e o clássico Caprichos e relaxos.

Paulicéia é uma ode a São Paulo e São Luís, os dois santos de sua vida, “um em cada um dos meus ombros, trocando sempre de lugar. Ora protetores, ora algozes”, como me declarou CB em uma entrevista em 2007. Rima Fiesp com Masp, símbolos paulistas, e Pompeia com Coreia e Divineia, bairros de lá e cá, com o “venta loló/ pra esse barco andar”, de Chico Maranhão, de refrão. No final, uma homenagem a Torquato Neto: “leve o homem e o boi ao matadouro; quem gritar primeiro é o homem mesmo que seja o boi”.

Otávio Rodrigues programa dub e reggae, mas também ladainhas, tambor de crioula, bumba meu boi e Cordel do Fogo Encantado. Em Ode a Rico Rodriguez, o trombone do mestre jamaicano nascido em Cuba, falecido em setembro passado. “Um dos mais importantes nomes do reggae, integrante dos Skatalites ainda nos anos 1960”, frisou Gerson da Conceição. “Me apaixonei por Rico Rodriguez ao ser apresentado à sua música, no começo dos anos 2000, por Otávio Rodrigues”, agradeceu Celso Borges. “O pobre Rodrigues”, brincou Otávio.

“Eu quero ver quem ainda vai ter medo da Praia Grande!”, bradou Celso, festejando o público do BR135, que ocupou duas praças do bairro nas três noites da programação do festival que ajudou a formatar.

Poesia Dub merece urgentemente registro em disco. Relevante serviço prestado à música e à poesia, é injusto que seus apreciadores fiquem à mercê dos encontros de Celso Borges e Otávio Rodrigues no palco, infelizmente mais raros que um 29 de fevereiro.

A incansável máquina humana de fazer música

Foto: ZR (11 12 2015)
Curumin e Os Aipins. Foto: ZR (11/12/2015)

 

Que Curumin é um músico que sabe o que fazer no estúdio já estamos cansados de saber e seus três discos são a prova disso. Em Achados e perdidos (2003), JapanPopShow (2008) e Arrocha (2012), ele compõe, canta, toca, sampleia e reinventa a música pop(ular) produzida no Brasil.

Que Curumin sabe o que fazer no palco, o show dele ontem (11), na programação do Festival BR135, sua primeira vez em São Luís, não deixou a menor dúvida. Pilotando bateria e samples, trajando calça vermelha, chapéu e uma camisa quase nas cores do Sampaio Corrêa (o laranja predominava, em vez do vermelho), o artista estava escoltado pelos Aipins José Nigro (contrabaixo e samples) e Lucas Martins (guitarra e samples), “uma banda que tá há muito tempo tocando junta”, como revelou em entrevista ao Homem de vícios antigos.

Curumin canta, toca, programa, protesta, improvisa, não se dá descanso ao longo de toda a apresentação, em que emenda uma música na outra, como se fosse uma máquina de fazer música – embora não o faça mecanicamente e o prazer em tocar, e particularmente em tocar em São Luís, era perceptível. Não há vazios em sua música – ou nas poucas alheias que interpreta. É de um vigor impressionante.

Começou por Vestido de prata (Jorge Alfredo Guimarães), sucesso do novo-baiano Paulinho Boca de Cantor, regravada por ele no disco mais recente. Com quase uma década, Mal estar card atualiza o momento político cretino que o Brasil atravessa. Samba Japa traduzia o sentimento dos que lotaram a praça: na música, a menina sonhou e sambou ali, “no meio da rua na Avenida Central ela não podia parar”; os que estávamos na Praça Nauro Machado também não.

O refrão de Compacto foi cantado pela plateia, em resposta aos “Eu só quero ouvir” de Curumin. Seguiram-se Passarinho, de Russo Passapusso, Selvage e Afoxoque, com o trio esbanjando versatilidade, habilidade e alegria, esta última entrecortada pela caixa de música que abre Salto no vácuo com joelhada (que ele não cantou), preenchida por rimas improvisadas contra “a polícia que trata todo estudante como maconheiro” e a corrupção na política – não disse, mas certamente se referia à São Paulo e a guerra travada pelo governo Alckmin contra estudantes ocupando escolas para mantê-las abertas, contra projeto de “reorganização” do governador.

Mistério Stereo foi dedicada às pessoas que ainda amam, “são poucas”, disse. Vem, menina foi a única música de Achados e perdidos que compareceu ao repertório. Ao vivo, o bloco final ganhou em peso. Em Kyoto o protesto voltou à baila, contra as elites que querem decidir o destino dos menos favorecidos; em Caixa preta Zé Nigro enfiou de incidental trechos de Kátia Flávia, a godiva do Irajá, de Fausto Fawcett; Magrela fever tornou a praça uma grande festa em clube de carnaval, com direito a trenzinho e tudo.

Sabe-se lá se a polícia local tomou para si os protestos de Curumin, mas, diante das ameaças de tomarem o palco e acabar com o show na marra, após negociações com a produção, não coube bis. Policiais alegavam ter o show extrapolado o horário – o que se fosse o caso, mereceria uma honrosa exceção.

Incansável, Curumin fez quase duas horas de um show impecável, um apanhado do melhor de sua carreira. Certamente teria pique para mais, ao menos o bis, mas nem isso tirou o brilho da noite e, particularmente de sua apresentação, que ficará por muito tempo na memória dos que presenciaram esse momento grandioso e raro.

Comunhão

Idealizadores e produtores do BR135, Alê Muniz e Luciana Simões confraternizaram com a plateia. Foto: Projeto BR135
Idealizadores e produtores do BR135, Alê Muniz e Luciana Simões confraternizaram com a plateia. Foto: Marco Aurélio/ Projeto BR135

 

Alê Muniz e Luciana Simões fizeram, há algum tempo, uma opção a que alguns não hesitariam em taxar de suicida: morar no Maranhão e produzir a partir daqui. O casal Criolina, após dois discos e uma temporada em São Paulo, onde se conheceram, fixaram residência na Ilha e daqui tem realizado conexões importantes para o fomento da música pop(ular) produzida atualmente em seu lugar de origem. Tem dado certo.

Este ano, Alê e Lu lançaram Latino-americano, EP-ritivo enquanto o terceiro disco não chega, com quatro faixas: covers de Reginaldo Rossi (Garçom) e Osvaldo Farrés (Quizás, quizás, quizás), e parcerias inéditas com Bruno Batista. Também foi ao ar um videoclipe, da faixa-título, financiado por crowdfunding.

Deles ninguém nunca saberá ao certo a resposta à eventual pergunta “e o próximo disco?”, costumeiramente ouvida por artistas. É que eles, além de sua carreira enquanto duo, resolveram colaborar com a formação e consolidação de uma cena local. Tanto é que o Festival BR135, grife consolidada com a cara dos dois, é muito mais que um festival de música.

Aos shows em dois palcos na Praia Grande – reocupada com música de qualidade durante três dias de programação – se somam todas as mesas-redondas, debates, palestras, rodadas de negócios, painéis e workshops do Conecta Música, programação de formação e negócios paralelo ao evento musical.

Ontem o duo se apresentou para o ótimo público que bisou lotar a praça Nauro Machado. Não eram a cereja do bolo, tampouco realizam o evento para criar palco para si próprios, seria tolo e injusto alguém o dizer. Era, talvez, um momento de afirmar, com o que sabem fazer tão bem quanto produzir e coordenar eventos dessas dimensões, algo como “ei, o que nós fazemos é música!”, parafraseando um disco de Jards Macalé, ou “música serve para isso”, de Maurício Pereira: para agregar pessoas, colocar o Maranhão na rota dos grandes palcos do Brasil e para, a partir destes encontros, entre artistas e público, mas também entre os artistas entre si e entre pessoas do público, surgir outra/s coisa/s. É do atrito que nasce o novo.

Sua apresentação, no Festival que idealizaram e produzem, era uma espécie de confraternização, comunhão entre artistas e plateia e agradecimento mútuo: “obrigado a vocês por estarem aqui”, disseram Alê e Lu ao público, razão maior do festival; a plateia retribuiu os agradecimentos com aplausos e cantando junto músicas como O santo [Alê Muniz/ Luciana Simões], Eu vi maré encher [Alê Muniz/ Luciana Simões], A serpente (Outra lenda) [Zeca Baleiro/ Celso Borges/ Ramiro Musotto], Semba [Zeca Baleiro], Latino-americano [Alê Muniz/ Luciana Simões/ Bruno Batista] e Quizás, quizás, quizás [Osvaldo Farrés], entre outras.

Joãozinho Ribeiro encerra temporada na Feira da Tralha

[release]

Apresentação do compositor marca encerramento da temporada Milhões de Uns, de lançamento do cd homônimo

Joãozinho Ribeiro durante apresentação da temporada Milhões de Uns. Foto: Ton Bezerra
Joãozinho Ribeiro durante apresentação da temporada Milhões de Uns. Foto: Ton Bezerra

 

O compositor Joãozinho Ribeiro encerra a temporada Milhões de Uns, de lançamento de seu disco de estreia, homônimo, com show amanhã (27), às 19h30min, na Praça dos Catraieiros (Praia Grande). A apresentação integra a programação cultural da Feira da Tralha, evento organizado pelos Sebos Nas Canelas e Educare. A entrada é franca.

A ocupação cultural da praça ao lado da Casa do Maranhão tem como objetivos, segundo seus organizadores, contribuir para a revitalização da Praia Grande, prolongar a vida útil de uma série de objetos, gerar trabalho e renda para trabalhadores do segmento da economia criativa, além do comércio em si, de cds, dvds, vinis, livros usados, objetos de antiquário, artesanato, artigos de coleções, instrumentos musicais e equipamentos eletrônicos, entre outros.

A Feira da Tralha acontece todas as quintas e sextas, das 16h às 21h. As sextas, conta com a apresentação do Regional Deu Branco, um dos mais jovens grupamentos de choro de São Luís, formado por Bernardino Júnior (bandolim), Cleiton Canhoto (violão sete cordas), Dudu Lima (cavaquinho solo), Erivan Nery (flauta), Jamil Cartágenes (cavaquinho centro) e Valderson de Abreu (percussão).

Nesta sexta (27), o grupo abrirá o show Milhões de Uns, de Joãozinho Ribeiro, com a participação especial do duo Criolina (Alê Muniz e Luciana Simões). Ele e os convidados serão acompanhados por Arlindo Carvalho (percussão), Arlindo Pipiu (contrabaixo), Danilo Santos (saxofone e flauta), Hugo Carafunim (trompete e flugel), Luiz Jr. (violão sete cordas), Robertinho Chinês (bandolim e cavaquinho) e Wanderson (percussão).

“É um prazer e um luxo poder contar com a participação do Criolina. Alê Muniz é um parceiro de longa data, e ao lado da Luciana forma um dos maiores acontecimentos da música produzida no Maranhão recentemente. Interessante também é poder contar com a presença da rapaziada do Deu Branco, valorosos garotos levando adiante o estandarte do choro”, afirmou o compositor.

Ele antecipa um balanço de 2015 e alguns projetos para 2016. “Este ano busquei conciliar a agenda de trabalho profissional com a profissão de fé da criação artística, dedicando-o a diversas apresentações, em vários palcos da cidade, ao lançamento do cd, registro que já era bastante cobrado por amigos e admiradores de nosso trabalho. Para ano que vem pretendo trabalhar no lançamento do segundo volume, além de lançar um segundo livro”, afirmou Joãozinho, que é funcionário público federal e professor universitário.

Autor de mais de 100 músicas, Joãozinho Ribeiro é um dos compositores mais gravados do Maranhão, tendo o nome em discos de artistas como Alê Muniz, Anna Cláudia, Célia Maria, Glad, Josias Sobrinho, Lena Machado e Rosa Reis. Em 2006 publicou Paisagem feita de tempo, livro-poema escrito em 1985. Milhões de Uns – vol. 1 é seu primeiro disco. Gravado ao vivo em duas noites no Teatro Arthur Azevedo, conta com as participações especiais de Alê Muniz, Célia Maria, Chico César, Chico Saldanha, Lena Machado, Milla Camões e Zeca Baleiro. Para o volume, Elba Ramalho gravou Asas da paixão em estúdio.

Bem-vind@s ao século XXY!

Começa hoje no Cine Praia Grande a II Mostra de Cinema Trans; veja programação completa e leia entrevista exclusiva com a ativista transfeminista Hailey Kaas

XXY. Capa. Reprodução

 

A literatura e o cinema argentinos não poupam suas personagens. Tudo é cru, quase cruel – mas antes de tudo, verdadeiro. Em XXY [2007, Argentina/França/Espanha, drama, 90 min., direção: Lucia Puenzo], Alex enfrenta o drama de ter nascido com características de ambos os sexos e a consequente – pois naturalizada, infelizmente – vontade de parte da sociedade e de sua própria família mudá-la/o – e grafo ambos os gêneros para falar da escolha que ela/e (não necessariamente) terá que fazer, sem querer soar spoiler.

O cinema argentino não poupa sequer a própria Argentina: os pais de Alex (Inês Efron), de 15 anos, mudam-se para o Uruguai tentando fugir da arrogância de gente que acha que sabe de tudo – como dizem as personagens –, para os quais a/o menina/o seria uma aberração que deve ser corrigida a qualquer custo. Caso do cirurgião Ramiro (Germán Palacios), durante cuja visita à família se desenrola este comovente drama.

Durante a visita, Alex e Alvaro (Martín Piroyansky), 16, este, filho do cirurgião, sentem-se ambiguamente atraídos. São momentos de descobertas e revelações cruas e, talvez por isso mesmo, poéticas. O pai de Alex, o biólogo Kraken, interpretado por Ricardo Darin, merecidamente um dos melhores e mais conhecidos atores argentinos em todos os tempos, até então desconhecia as reais intenções de seus visitantes, chegados a convite de sua esposa (Suli, interpretada por Valeria Bertuccelli), o que tornará mais forte a ligação entre pai e filha/o, na altura em que a vida lhes dá novas lentes para enxergar o que é “normal”.

O filme é baseado em um conto de Sergio Bizzio, que assina o roteiro com a diretora, filha de Luis Puenzo, cujo A história oficial, de 1985, foi o primeiro filme latino-americano a ganhar o Oscar de melhor filme estrangeiro – curiosamente, o segundo (e são os únicos até aqui) seria o também argentino O segredo de seus olhos (2010), de Juan José Campanella.

XXY integra a programação da II Mostra de Cinema Trans, organizada pelo Fórum de Mulheres Maranhenses, que será aberta hoje (22), às 19h, no Cine Praia Grande (Centro de Criatividade Odylo Costa, filho, Praia Grande). Os ingressos, a preços promocionais, custam R$ 5,00, à venda no local, e a atividade integra o mês da Campanha Internacional pela Despatologização das Pessoas Trans. A programação acontece até sábado (24, veja completa ao final do post).

O blogue conversou com exclusividade com a ativista transfeminista Hailey Kaas. Após a sessão inaugural da mostra, ela participa de debate com a ativista trans Andressa Sheron. Além da exibição do filme Teste da vida real, a noite contará ainda com performance de Andrezza Maranhão.

Hailey Kaas, que também é tradutora, está em São Luís desde a tarde de ontem (22), quando participou de reunião do Fórum Maranhense de Mulheres. Indaguei-lhe o porquê de ela sempre grafar um asterisco após usar a palavra trans e tive este link recomendado. Leia a conversa.

A ativista trans Hailey Kaas, em foto de seu perfil no facebook
A ativista trans Hailey Kaas, em foto de seu perfil no facebook

 

ENTREVISTA: HAYLEY KAAS

O que é transfeminismo?
Resumidamente, transfeminismo é uma corrente feminista orientada para as questões das pessoas trans*. Ele nasce da necessidade das pessoas trans* para se organizar em torno de pautas feministas, assim como para demandar inclusão e participação e no feminismo mainstream que historicamente só representou e representa um único tipo de mulher considerado universal, a mulher branca, heterossexual, magro, de classe média, cisgênera. Percebemos que havia necessidade de nos organizarmos em uma corrente separada que desse conta de discutir nossas questões específicas ao mesmo tempo que seríamos aliadas das pautas hegemônicas do feminismo, que, inclusive, ressoam muito com as nossas próprias, como direito ao próprio corpo, igualdade de gênero, combate ao machismo e ao binarismo de gênero etc.

O conceito é recente e você uma das primeiras teóricas do assunto. Isso torna tudo mais difícil?
É difícil na medida em que você se vê sozinha lutando contra uma grande resistência dentro e fora da academia e dos espaços militantes que acreditam que o transfeminismo é desnecessário ou separatista. Além disso, é sempre mais difícil falar de algo que ninguém nunca ouviu falar e que consequentemente não consegue perceber ou entender como necessário.

O que é mais difícil: lutar contra o machismo generalizado ou contra a transfobia partindo de feministas?
Eu poderia dizer que é igualmente difícil lutar contra o machismo dentro da esquerda, por exemplo. Temos uma tendência a pensar os movimentos sociais e a esquerda como isentas de homofobia, bifobia, lesbofobia, transfobia, machismo, racismo etc., quando na realidade, como parte da sociedade, também somos influenciados ideologicamente para todos esses comportamentos e pensamentos preconceituosos. Parte da esquerda se acha eticamente infalível e impassível de reproduzir preconceitos. O mesmo vale para certos setores do feminismo que são não somente transfóbicos, mas também racistas, homofóbicos, bifóbicos, lesbofóbicos etc. O problema está em não discutirmos isso achando que o “inimigo” está só “lá fora”, na bancada evangélica, por exemplo. Na realidade, quando discutimos e problematizamos esse tipo de coisa na esquerda só temos a ganhar e a aperfeiçoar a forma como militamos e como compreendemos os outros. Por outro lado, estar em espaços teoricamente seguros e da militância onde eu sei que serei hostilizada simplesmente por ser trans* por algumas feministas é de fato bastante desempoderador.

Em que medida o “cross-dressing” da cartunista Laerte contribui com a luta trans no Brasil? O que você acha da postura dela?
Acho que Laerte não pode ser regra e nem exemplo, afinal ela parte de uma posição que de longe não é o padrão da população trans*: branca e classe média. Por outro lado, sempre ganhamos quando temos representações de pessoas trans* que são mais críticas em relação às questões de gênero na mídia. Laerte tem mais bagagem feminista e de gênero porque também tem fortalecimento e estrutura econômica para tal. Isso não é errado ou uma crítica, apenas uma constatação de que a situação corrente das pessoas trans* é bem diferente da de Laerte.

O escritor João Paulo Cuenca em artigo na Folha de S. Paulo defende o “outing” de usuários de drogas e compara: “Ativistas costumam justificar a evasão da privacidade alheia por combater a hipocrisia num mundo onde gays são alvo de preconceito e violência”. Na sua opinião, pessoas famosas, sobretudo artistas e políticos, declarando publicamente sua orientação sexual ajudaria a combater o preconceito? Você concorda com o escritor neste aspecto?
Acho representatividade importante. Para as minorias marginalizadas é muito fortalecedor ver que existem pessoas como você lá fora, ganhando a vida sem estar nos empregos precarizados que a sociedade nos reserva. Por outro lado, representatividade não deve e nem pode ser o objetivo da militância, afinal temos uma presidenta e pouco se avançou nas questões feministas nesses últimos anos; ao contrário, há enormes retrocessos com a anuência do governo, inclusive.

A Lei Maria da Penha é um avanço na proteção à mulher, mas muitas vezes, mulheres sequer conseguem registrar queixas em delegacias, por conta do péssimo atendimento e da revitimização – em casos de estupro, por exemplo, é comum, infelizmente, a culpabilização da vítima. Em que medida essa legislação específica é importante no combate à transfobia e ao feminicídio?
As legislações são importantes, a meu ver, mais ou menos como a questão da representatividade: são importantes como marcos, como elemento de fortalecimento, de reconhecimento, mas são inócuas sem uma estrutura por trás e sem trabalho de base nas escolas e nos espaços de formação dos sujeitos. O machismo não é uma doença que acomete o sujeito, mas sim um projeto social ensinado às pessoas em todos os espaços de convivência e de formação.

Qual a sua opinião sobre a recente fusão dos ministérios de Direitos Humanos, Igualdade Racial e Mulheres em uma única pasta no âmbito do governo federal?
Sem dúvida alguma um retrocesso, fruto de um governo traidor de classe que governa com o capital. Os bancos continuam lucrando com recordes trimestrais e, no entanto, as medidas que atacam os trabalhadores e a austeridade vieram com força no primeiro ano do governo que havia prometido exatamente o contrário. Acredito que isso só vem provar que, de fato, não se pode ter um governo conciliador de classes porque no fim somente a classe dominante rica é privilegiada. Sou socialista e bastante crítica ao atual governo Dilma e aos movimentos que a defendem. Não podemos continuar a defender uma militância LGBT, feminista, antirracista ou o que quer que seja, senão por uma perspectiva socialista, uma vez que, dentro do capitalismo, estaramos sempre sujeitos a sermos “rifados” em prol do “bem maior”: o capital e seus mantenedores.

Outubro é o mês da Campanha Internacional pela Despatologização das Pessoas Trans. Em que consiste a campanha? Poderia falar um pouco sobre ela?
A campanha existe faz alguns anos e veio para divulgar o assunto e combater a patologização das identidades trans* materializada principalmente pela revisão do DSM que estava prevista para 2012. O DSM é um documento da Associação de Psiquiatria Americana (APA), que classifica e patologiza os comportamentos, incluindo a transexualidade. Esse documento tem uma força regulatória quase sempre soberana sobre as políticas de atendimento à saúde de pessoas trans*.

Você participa da Mostra de Cinema Trans em São Luís. Após a sessão de abertura, com a exibição de Teste da Vida Real, você debate o filme. Poderia falar um pouco sobre ele?
O filme é muito importante para ilustrar o impacto da patologização sobre nossas vidas. Ele traz uma abordagem bastante empírica de como os estereótipos trans* e o estigma que recaem sobre nós atrapalham nossas vidas, nos desumanizam e previnem nosso acesso aos espaços e principalmente ao sistema de saúde. Também mostra como os profissionais psi desconhecem completamente a questão da transexualidade e se guiam por estereótipos pré-estabelecidos sobre o que é ser homem ou mulher socialmente.

Programação

Hoje (22)
19h: Exibição do documentário Teste da vida real, de Florencia P. Marano | Performance de Andrezza Maranhão | Debate com Hailey Kaas (ativista e teórica transfeminista) e Andressa Sheron (ativista trans)

Sexta (23)

9h: Minha vida em cor de rosa (exibição para alunos de escolas públicas), de Alain Berliner
14h: Minha vida em cor de rosa

18h30: XXY, de Lucia Puenzo

20h: Hedwig – rock, amor e traição, de John Cameron Mitchell

Sábado (24)

18h30: Meninos não choram, de Kimberly Peirce

20h: Para Wong Foo, obrigada por tudo! Julie Newmar, de Beeban Kidron

Carmen Mirandivando

Já descalça, Alexandra Nicolas presta reverência aos grandes que lhes escoltam. Foto: Rivanio Almeida Santos
Já descalça, Alexandra Nicolas reverencia aos grandes que lhe escoltam. Foto: Rivanio Almeida Santos

 

O sucesso das duas edições anteriores de RicoChoro ComVida já haviam consolidado em definitivo o espetáculo mensal no calendário cultural da capital maranhense. Sábado passado (3), o grupo Urubu Malandro, com os reforços de Rui Mário (sanfona) e Fleming (bateria), e, antes, o DJ Joaquim Zion, já haviam aquecido o público, quando a cantora Alexandra Nicolas subiu ao palco, em tons de rosa e azul dos pés à cabeça, para homenagear Carmen Miranda, que confessou ser sua maior influência musical.

As várias preocupações da artista – figurino, pesquisa e seleção de repertório etc. – fizeram merecer, à sua apresentação – e ao projeto como um todo –, o epíteto de espetáculo, literalmente. O público, sempre acostumado a vê-la cantar descalça, deve ter estranhado o salto alto decorado que calçava para ser estrela ao lado de astros nada distraídos, para contrariar uma canção que não cantou.

Subiu ao palco dançando, provocante, Diz que tem [Vicente Paiva e Aníbal Cruz], dando pistas do que seria a noite dali por diante. Seguiram-se Disseram que eu voltei americanizada [Luiz Peixoto e Vicente Paiva] e O samba e o tango [Amado Regis], quando ela confessou: “meu repertório é à base de alegria e amor, por isso eu estou aqui, são a base de tudo o que faço”. Então tá explicado!

Vieram Tico-tico no fubá [Zequinha de Abreu], Teleco-teco [Marino Pinto e Murillo Caldas], Bambo de bambu [Almirante e Valdo Abreu], em que botou a plateia para cantar e bater palmas, e E o mundo não se acabou [Assis Valente]. Até que ela tirou os sapatos, botou-os em cima do tamborete, e confessou: “é uma honra calçar esse sapato, mas eu já cantei muito calçada”, riu e fez a plateia sorrir. “Esse sapato é quase uma pessoa, então vai ficar aqui à disposição de quem quiser tirar foto”, continuou. Já estavam todos entregues aos encantos de Alexandra e de sua homenageada.

Quando cantou Quem é [Custódio Mesquita e Joracy Camargo] lamentou a ausência de um par para duetar – na gravação original da música, Carmen Miranda dialoga com Grande Otelo –, prometendo-o para uma próxima ocasião. Arlindo Carvalho (percussão), Osmar do Trombone, Juca do Cavaco e Domingos Santos (violão sete cordas) vez por outra interagiam fazendo-lhe um divertido coro.

Após Camisa listada [Assis Valente], Alexandra louvou a existência de outras Carmens na música brasileira, destacando os nomes das Ritas Lee e Benneditto, Ná Ozzetti e Ney Matogrosso, todos de sua admiração.

A Meu rádio e meu mulato [Herivelto Martins], seguiu-se Na cabecinha da Dora [Antonio Vieira], externa ao repertório da “pequena notável”. “Carmen Miranda me contou em sonho que só não gravou essa música por que não conheceu Seu Vieira. Eu acredito nisso. Eu não podia deixar também de prestar essa homenagem, pois ele [o compositor] está aqui”, disse, apontando para o afoxé – usado por Fleming durante o show – pousado num banco, o que seria do artista – um dos fundadores do Urubu Malandro –, não fosse seu falecimento em abril de 2009.

Com o choro que dá nome ao grupo [Urubu malandro, de Pixinguinha, João de Barro e Louro], aliás, Alexandra Nicolas encerrou, apoteoticamente, sua primeira incursão no palco do Barulhinho Bom, que abriga o projeto RicoChoro ComVida. Aos aplausos e gritos de “mais um” em uníssono, respondeu com mais uma dose de O samba e o tango, fazendo jus à letra: “eu canto e danço sempre que possa”.

A festa continuou, com canjas de Anna Cláudia – que anunciou lançamento de disco novo para breve –, Tássia Campos – que dividirá com Cesar Teixeira e Marcos Magah o palco do Baile da Tarja Preta, de aniversário de seis anos do jornal Vias de Fato, dia 14 de novembro, no Porto da Gabi – e Joãozinho Ribeiro – que lembrou o centenário de Orlando Silva e se apresenta dia 10 de outubro (sábado), na programação de aniversário do Laborarte (em sua sede, na Rua Jansen Müller, 42, Centro). Joaquim Zion garantiu a necessária prorrogação, quando os insistentes, qual este cronista e(m) boas companhias, já em pé, dividiam-se entre o som, os últimos goles e doses, o papo e arriscar um ou outro passo.

Carmen Miranda será homenageada no RicoChoro ComVida

[release]

Repertório chorístico imortalizado pela cantora será lembrado por Alexandra Nicolas, acompanhada do grupo Urubu Malandro. O DJ Joaquim Zion também é convidado da terceira edição do projeto

Foto: divulgação
Foto: divulgação

 

“Carmen Miranda é minha maior inspiração como cantora. Eu escuto Carmen Miranda desde menina, mamãe era muito apaixonada por ela, e sempre me dizia que ela era alegria pura, que cantava com os olhos, além das mãos, além da voz. Quando eu pensei nessa alegria de retomar um trabalho com Ricarte, eu pensei nela, em associá-la a essa vida, desse RicoChoro ComVida”.

A cantora Alexandra Nicolas [leia entrevista] emociona-se ao referir-se a Carmen Miranda, a quem homenageia no palco do projeto RicoChoro ComVida, e ao convite para participar de sua próxima edição, que acontecerá dia 3 de outubro (sábado), às 18h, no Barulhinho Bom (Rua da Palma, 217, Praia Grande).

Alexandra Nicolas será acompanhada pelo grupo Urubu Malandro, formado pelos músicos Arlindo Carvalho (percussão), Juca do Cavaco, Osmar do Trombone e Domingos Santos (violão sete cordas). À formação do grupo somam-se, em participações especiais, Fleming (bateria) e Rui Mário (sanfona).

O Urubu Malandro se notabilizou à época do projeto Clube do Choro Recebe, também produzido por Ricarte Almeida Santos, entre 2007 e 2010. Até seu falecimento, o grupo foi integrado por Antonio Vieira (voz e percussão, 1920-2009), também fundador, na década de 1970, do Regional Tira-Teima, mais antigo grupamento de choro em atividade no Maranhão.

“A minha relação com os integrantes do Urubu Malandro vem através de Arlindo Carvalho, que é um percussionista que eu costumo dizer que é meu mestre. É alguém que escuta as batidas de meu coração desde a escolha de meu repertório, até a hora em que eu canto a última frase em um show meu. É o músico que mais me acompanhou em shows até hoje”, revela Alexandra Nicolas. O percussionista é o único maranhense em seu disco de estreia, Festejos [2013], gravado com grandes nomes do choro brasileiro, a exemplo de Luciana Rabello (cavaquinho), Maurício Carrilho (violão) e João Lyra (violão e viola), entre outros.

Sem perder a alegria típica da homenageada, numa das características fundamentais que mantêm vivo seu legado até os dias atuais, Alexandra Nicolas centrará o repertório de seu tributo em músicas mais voltadas ao choro, principal gênero – mas não o único – do cardápio musical oferecido por RicoChoro ComVida. “Urubu malandro [Pixinguinha, João de Barro e Louro] eu não poderia deixar de fora. Ah, tem tanta coisa. Tem uma música chamada Diz que tem [Vicente Paiva e Aníbal Cruz], que é fantástica! É isso aí, a mulher brasileira, quando ela se propõe, ela tem tudo isso, “tem cheiro de mato, tem gosto de coco, tem samba nas veias, e ela tem balangandãs” [recitando trecho da letra]”, adianta.

“Eu me identifico muito com tudo o que ela fez. Tem Camisa listada [Assis Valente], Disseram que eu voltei americanizada [Vicente Paiva e Luiz Peixoto] não pode faltar. Na verdade eu estou montando uma história sobre as épocas de Carmen como cantora. Ela não é uma cantora só que canta, ela conta uma história muito boa, e por isso me identifico tanto com ela. Ela conta tanto, que ela modificou a maneira de cantar. Quando você olha para os olhos dela, ela está te contando alguma coisa e você tem que prestar atenção”, continua.

Foto: Claudia Marreiros
Foto: Claudia Marreiros

 

Quem também recebeu com alegria o convite da produção foi o DJ Joaquim Zion [leia entrevista]. Ele junta-se ao coro de Alexandra em elogios ao produtor e idealizador do projeto. “Pra mim é uma honra. Tenho imensa admiração pelo Ricarte e o projeto RicoChoro ComVida é de fundamental importância para o desenvolvimento da boa musica em nosso país”, declarou.

Clementina de Jesus, João Nogueira, Dona Ivone Lara, Gilberto Gil, Dominguinhos, Di Melo, Paulo Moura, Jorge Ben, Caetano Veloso, Djavan, Pixinguinha e Donga, além de surpresas que ele só revelará na hora, estão no set list preparado por Joaquim Zion para abrir e encerrar a festa.

O DJ também destacou a importância da homenageada da noite. “Carmen Miranda foi a primeira cantora brasileira a ter reconhecimento nos Estados Unidos, o que de alguma maneira abriu portas para a nossa música lá fora. O pioneirismo dela fez com que o mundo abrisse os olhos para o Brasil e para a nossa música”, afirmou.

Produção de RicoMar Produções Artísticas, RicoChoro ComVida tem patrocínio da Fundação Municipal de Cultura (Func), Gabinete do Deputado Bira do Pindaré, TVN e Galeteria Ilha Super, e apoio do Restaurante Barulhinho Bom, Calado e Corrêa Advogados Associados, Sonora Studio, Clube do Choro do Maranhão, Gráfica Dunas, Sociedade Artística e Cultural Beto Bittencourt e Musika S.A. Produções Artísticas.

Serviço

O quê: RicoChoro ComVida – 3ª. edição
Quem: DJ Joaquim Zion, grupo Urubu Malandro e Alexandra Nicolas
Onde: Restaurante Barulhinho Bom (Rua da Palma, 217, Praia Grande)
Quando: 3 de outubro (sábado), às 18h
Quanto: R$ 30,00. Vendas antecipadas de mesas (R$ 120,00 para quatro pessoas) pelo telefone (98) 988265617