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O herói e a lenda. Capa. Reprodução
O herói e a lenda. Capa. Reprodução

Fui alfabetizado por Tex Willer. Explico: tendo aprendido a ler um pouco antes, aos sete anos descobri as coleções de revistas do ranger de meus tios. Devorei um a um os volumes de minha primeira paixão literária. E logo passei a montar a minha própria coleção. Lembro particularmente de um sebista reclamar do “dois por um” normalmente praticado nas operações de escambo: ele achava que duas Turma da Mônica eram muito finas, referindo-se ao número de páginas, para valer um Tex.

Até o início da adolescência cheguei a ter uma razoável coleção com mais de 400 exemplares. Lamentei quando cupins deram cabo em boa parte dela. O que se salvou teve algum sebo como destino: seria muito difícil, numa era pré-internet, conseguir novamente os volumes destruídos. Passei anos sem voltar a ler Tex e fui devolvido ao vício pelo Breganejo Blues, de Bruno Azevêdo: o mito bonelliano era leitura de cabeceira – ou de porta-luvas – do taxista, detetive “de corno” nas horas vagas.

Está nas bancas o belo volume de Tex, O herói e a lenda, de Paolo Eleuteri Serpieri [Mythos Editora, maio/2016, 50 p., R$ 29,90]. “No Oeste, se a lenda se encontra com a realidade, vence a lenda” é o mote – de John Ford, no clássico O homem que matou o facínora – que ancora a história, que o autor dedica a Sergio Bonelli.

Mote que me faz lembrar a ocasião em que Ricardo Calil entrevistou João Gilberto pelo facebook – ou quem quer que assinasse seu perfil na rede social. Realidade ou lenda? Pouco importava: a revista Trip [março/2011] publicou a entrevista –na ocasião já citava o faroeste.

Em 1913, em Nova York, Kit Carson está internado num hospital psiquiátrico, também um asilo para idosos. Recebe a visita de um jovem historiador e, a princípio aparentemente cansado, chega a tratar mal uma enfermeira que ousa despachar a visita, julgando que o velho quisesse ou precisasse dormir. Logo Carson começa uma narrativa lembrando um feito cruel de Tex.

Na aventura colorida, o longevo personagem – publicado em diversos formatos há mais de 70 anos – já veste camisa amarela e calça azul, mas está como eu particularmente nunca o tinha visto antes: cabeludo. Como, em parte, o Carson que narra os feitos a seu interlocutor (guardo o inesperado desfecho para não estragar a surpresa dos leitores), lembrando a bravura e o heroísmo do companheiro de tantas aventuras, que se conheceram durante o episódio que conta, em que Tex vence sozinho uma legião de índios e brancos, liberta uma moça e chega a discutir com autoridades – bem ao estilo que o consagrou.

Ao jovem que ouve Carson e ao diretor do lugar em que ele está internado pode ficar a dúvida sobre Tex ter existido ou não passar de lenda. “Você percebeu que esse homem tem muita fantasia? Ele conta coisas que não aconteceram”, o segundo adverte o primeiro. Lenda ou realidade, importa mais estarmos diante de uma verdadeira obra de arte.

Lúcida, lúdica e necessária: uma Aula sobre a ditadura

Ah, como era boa a ditadura... Capa. Reprodução
Ah, como era boa a ditadura… Capa. Reprodução

 

Ah, como era boa a ditadura… [Companhia das Letras, 2015, 287 p.; leia um trecho]: só podia mesmo ser o título de um livro de Luiz Gê o único lugar onde essa frase soa bem. Pura e fina ironia, obviamente. “A história dos últimos anos da ditadura militar nas charges da Folha de S. Paulo”, como anuncia o subtítulo explicita melhor: a obra não é mera coletânea, é uma Aula, com A maiúsculo, de História, com H idem.

O livro cobre o trabalho de Luiz Gê no jornal paulista entre 1981 e 1984, o que, por um lado, pode parecer facilitar seu trabalho à época, afinal de contas, eram os anos da chamada abertura, da redemocratização do país. Acompanham os desenhos textos explicando o contexto, (re)apresentando personagens – dando nomes aos bois –, tornando-o leitura obrigatória para estudiosos e interessados em humor, história, quadrinhos e até mesmo àqueles que hoje em dia frequentam passeatas pedindo a volta da ditadura – estou certo de que alguns poderiam mudar de opinião após “reviver” com atenção o período.

“Quer que eu desenhe?” é irônica pergunta comumente usada para iniciar uma contraposição a argumentos. Luiz Gê desenha e escreve com propriedade de quem (sobre)viveu (a)o regime, ousando contestá-lo. E defende algumas teses interessantes: primeiro, é falacioso falar em ditadura militar, pois o golpe de 1964, em sua urdidura, contou com civis e graças a este apoio é que foi possível; segundo, a ditadura não durou apenas 21 anos, já que José Sarney, que governou o país entre 1985 e 1990, não foi eleito, mas chegou à cadeira do poder central após mudar de partido (olha o fisiologismo aí, gente!) e a morte do titular Tancredo Neves, de quem o maranhense era vice.

Gê aborda ainda heranças malditas da ditadura, para além das mais óbvias: os métodos das polícias militares, a permanência da prática de tortura, apesar de diversos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e da lei que a proíbe, e a anistia que perdoou torturadores: até hoje, no país, ninguém foi punido pelos crimes de lesa-humanidade cometidos durante o regime, ao contrário de outros países latino-americanos que também sofreram com ditaduras.

“Mas a pior de todas as heranças, a que até hoje não foi superada, foi a destruição da altamente bem-sucedida experiência educacional e do ensino público anterior a 1964. Escolas públicas tinham o mesmo nível ou maior que muitas escolas ditas de elite. Essa experiência, que poderia ter sido aperfeiçoada e ampliada para alcançar um maior número de pessoas, foi sumariamente eliminada sem jamais ter se recuperado, algo crucial que vem afetando profundamente o desenvolvimento de nossa sociedade e de nosso país”, escreve Luiz Gê à página 278. E na seguinte: “o Brasil de hoje, foi criado naquela ruptura no ano de 1964. Quem não puder enxergar o que foi exatamente que ocorreu durante os 21 anos que se seguiram não pode entender aquilo que vive hoje. Havia outra possibilidade para o Brasil e para o nosso presente […]. Tudo “mudou” para permanecer fundamentalmente igual. As relações de poder político e econômico se reajustaram. Qual dos dois manda mais em nosso sistema?”, indaga-se/nos.

Lúcido e lúdico, Ah, como era boa a ditadura… é vasto painel com muito material ainda bastante atual, infelizmente, sobretudo no que diz respeito à nossa fauna política – o folclore, a burrice, o oportunismo – e ao pensamento único da grande mídia – algumas concessões são benesses dos ditadores a apoiadores do regime.

O autor – Personagem menos conhecido e cultuado, mas tão ou mais talentoso que muitos de seus pares, o paulista Luiz Gê é arquiteto e professor universitário, entre inúmeras outras atribuições, com contribuições fundamentais à cultura brasileira ao menos nos últimos 45 anos: fundou as revistas Balão – que revelou talentos como Angeli, Laerte e os irmãos Paulo e Chico Caruso – e Circo, é autor da cultuada graphic novel Av. Paulista [1991, reedição da Companhia das Letras, 2012, 88 p.], em que conta, à sua maneira, parte da história de São Paulo, fez os projetos gráficos de Clara Crocodilo [1980] e Tubarões voadores [1984], de Arrigo Barnabé – este segundo disco são quadrinhos de Luiz Gê musicados por Arrigo –, e roteirista do matutino global TV Colosso. Como quadrinhista venceu os prêmios Casa de Las Américas, em Cuba [1981], o troféu HQ Mix, no Brasil [1991] e o prêmio Angelo Agostini de Mestre do Quadrinho Nacional, concedido pelo Senac [2005]. Ano passado presidiu o júri do Salão de Humor de Piracicaba, um dos mais importantes do país, que também o premiou, ainda na década de 1970. Na ocasião, realizou sua primeira exposição, Luiz Gê quadro a quadro, com cerca de 600 obras.

Linguagem: vírus e vício/s de Burroughs

Burroughs. Capa. Reprodução
Burroughs. Capa. Reprodução

 

Burroughs [Veneta, 2015, 128 p.], de João Pinheiro, outro brasileiro de reconhecimento internacional, é um mergulho profundo na atormentada mente do escritor beat – o quadrinista já havia hqbiografado outro da geração, em Kerouac [Devir, 2011]. A impressão arroxeada do miolo da graphic novel lembra as provas mimeografadas da escola da infância.

“A linguagem é um vírus vindo do espaço”, determina um dos primeiros quadros da história. O big bang de William Burroughs (1914-1997) foi o assassinato de sua esposa Joan, numa brincadeira de de seu xará Tell.

A HQ retrata um Burroughs perseguido por fantasmas, escrevendo para fugir deles, seu processo criativo, o método cut up utilizado por ele, Mugwumps, drogas, alucinações, o famoso inseto de Kafka, sua bissexualidade, a interzona e o Almoço nu – levado ao cinema por David Cronenberg. Também estão lá a violência – sobretudo contra homossexuais – e a sociedade que a aplaude, aos gritos de “bandido bom é bandido morto”.

“Morfina, heroína, dilaudid, eucodal, pantopom, diocodid, diosane, ópio, demerol, dolofina, paufium… comi, cheirei, injetei, enfiei no reto… o método não importa, o resultado é sempre o mesmo: dependência”, revela a certa altura. “Foram 15 anos no vício. Aos quarenta e cinco anos de idade, me livrei da doença da dependência. (…) Registrei minhas alucinações em centenas de páginas que mais tarde seriam publicadas sob o título Almoço nu”, continua. E arremata: “A única coisa real sobre um escritor é o que ele escreve, e não a sua vida. (…) Sinto-me forçado à conclusão apavorante de que nunca teria me tornado um escritor… sem a morte de Joan”.

Burroughs é, em suma, a história da busca de seu protagonista, um artista que viria a influenciar gerações, por salvação através da literatura, sua única crença possível.

Dinheiro não traz felicidade

O quadrinista Marcello Quintanilha é um especialista em retratar dramas humanos, de gente comum. Poderia ser a vida deste resenhista, ou a do leitor, tão reais são suas personagens.

Ele foi premiado recentemente num dos maiores festivais de quadrinhos do mundo, em Angoulême, na França, por sua trama policial Tungstênio [Veneta, 2014, 184 p.], seu álbum anterior.

Talco de vidro. Capa. Reprodução
Talco de vidro. Capa. Reprodução

Artista completo, Quintanilha assina roteiro e desenhos, tanto naquele quanto no drama psicológico Talco de vidro [Veneta, 2015, 160 p.], em que aborda a inveja e a mesquinhez, sentimentos sórdidos que levam à tragédia.

A HQ conta a história de Rosângela, dentista niteroiense sempre acostumada a ter tudo: seu primeiro consultório montado foi presente do pai e, bem casada, recebeu do marido – com quem tem dois filhos –, de presente (surpresa!), em sua casa de praia, um carro zero quilômetro.

Mas a protagonista de Talco de vidro não está satisfeita e, infeliz, sente inveja do sorriso da prima pobre. Não lhe inveja morar no subúrbio ou ir às festas espremida num Fiat 147 a serviço da família inteira – obviamente maior que a lotação do veículo.

A história mergulha na mente doentia de Rosângela, cuja vida entra em franca decadência, entre o fim do casamento, a vida desregrada que passa a ter, sob olhares moralistas, e a depressão, até o trágico desfecho.

Entre as belas paisagens do Rio de Janeiro, seja de bairros de classe média alta ou da periferia, o fosso que separa as parentes que protagonizam a graphic novel, o que o traço de Quintanilha faz é representar sentimentos bastante comuns, quase sempre escondidos, por vergonha ou por conta das regras do jogo chamado vida. Quem tem dinheiro para comprar tudo tem inveja daquilo que o dinheiro não pode comprar.

Mas engana-se quem fizer julgamentos antecipados atribuindo qualidade apenas ao traço do autor: seus diálogos e narrativa são tão bem construídos que, arrisco dizer, sobreviveriam como obra literária, sem o suporte das imagens. Certamente é justo neste casamento, que se fortalece a cada lançamento de Quintanilha, que reside a força que lhe garantiu sucesso internacional: é dos poucos quadrinistas brasileiros com projeção fora do país desenhando gente comum – mesmo quando “diferenciada”.

Mercado de quadrinhos em debate

30 de janeiro é o Dia do Quadrinho Nacional. A data alude à publicação da primeira HQ brasileira, As aventuras de Nhô Quim ou Impressões de uma viagem à corte, de Angelo Agostini, em 1869.

Em São Luís, a comemoração da data será antecipada e acontece hoje, na Galeria Trapiche Santo Ângelo (Praia Grande, em frente ao Terminal de Integração), com uma Roda de quadrinhos, formada por gente que entende do riscado: Iramir Araújo e Beto Nicácio (da Dupla Criação, que organiza o evento), Ronilson Freire, Rom Freire, Zilson Costa e Bruno Azevêdo debaterão o “Mercado de quadrinhos: expectativas e perspectivas”.

O encontro é, também, uma oportunidade de comprar, direto da mão de autores e editores, quadrinhos autorais, além de conhecer um pouco melhor o trabalho de uma turma que rala bastante e nem sempre tem o devido reconhecimento.

Divulgação
Divulgação

Personagem de si mesmo, Mutarelli volta aos quadrinhos em novo romance

Quadrinista tornado escritor, Lourenço Mutarelli entrou para a história: foi o primeiro escritor brasileiro a protagonizar a adaptação de um livro seu para o cinema, O natimorto [DBA, 2004; Companhia das Letras, 2009], após uma ponta em O cheiro do ralo, também adaptação de um sucesso literário seu.

O Grifo de Abdera. Capa. Reprodução
O Grifo de Abdera. Capa. Reprodução

Em O Grifo de Abdera [Companhia das Letras, 2015, 264 p.; leia um trecho], Mutarelli realiza um interessante exercício literário ao brincar com várias faces de si mesmo. É um jogo de trocadilhos, desde a composição dos nomes dos personagens, anagramas que ganham vidas e histórias, de dar à vida aspectos de ficção, e de revelar segredos por trás dos bastidores do ofício de escritor – ou do quadrinista, muito mais trabalhoso e menos reconhecido, embora ambos, de algum modo, glamurizados.

Mutarelli tira onda até mesmo com sua fórmula de escrever romances: os protagonistas são sempre homens mais ou menos em sua faixa etária, levando vidas mais ou menos comuns, até um acontecimento surpreendente e uma guinada, confessa.

Suas obras, entre as realmente lançadas e fictícias, estão lá citadas. Amigos escritores, de verdade e inventados, tornam-se personagens: Paulo Lins, Marcelino Freire, Marçal Aquino, Ferréz, além de Raimundo Maria Silva, Oliver Mulato e Mauro Tule Cornelli, que “assinam” O Grifo de Abdera com Mutarelli, este último seu anagrama. Um deles é quem figura nas fotos de orelha e viagens do autor a eventos literários, dentro e fora do Brasil.

O livro é a história de um duplo, fabricado a partir da chegada, às mãos de um dos protagonistas, da moeda que dá título à obra. As obsessões continuam perseguindo o autor, entre citações – entre outros, William S. Burroughs e Kurt Vonnegut, que já tiveram os nomes inscritos noutras obras de Mutarelli –, diálogos ligeiros e certeiros, exigindo e prendendo a atenção do leitor, a vasta pesquisa – um personagem acometido de síndrome de Tourette repete frases grosseiras e, portanto, inoportunas em espanhol digitadas pelo duplo no tradutor do Google – e o entrecruzar de diversos enredos paralelos, a vidinha nada besta de professores, escritores e biscateiros.

É recorrente também a ideia de Mutarelli, personagem, retomar os quadrinhos. Dividido em três partes – O livro do fantasma, O livro do duplo e O livro do livroO Grifo de Abdera é um presente aos fãs que o acompanham desde Transubstanciação [1991] e/ou aos recém-chegados. Após cinco anos do último romance – Nada me faltará [2010] – quatro do último álbum – Quando meu pai se encontrou com o ET fazia um dia quente [2011] – e três do volume único que reuniu a trilogia do detetive Diomedes [2012], o múltiplo Mutarelli mescla romance e quadrinhos (as 80 páginas centrais do livro) em uma obra que, além de agradar a leitores antigos e mais novos, certamente aumentará seu fã-clube. A pergunta, talvez óbvia, que não lhes calará é: quando O Grifo de Abdera será adaptado ao cinema?

Jornalismo, música e quadrinhos

Malcolm. Capa. Reprodução
Malcolm. Capa. Reprodução

Em 1995 Malcolm McLaren (1946-2010) visitou os estúdios da MTV Brasil. Pego de surpresa, o escalado para entrevistá-lo foi Fábio Massari, o Reverendo, profundo conhecedor de cultura pop. Apenas cerca de 15 minutos da entrevista de quase uma hora foi ao ar e o material bruto (em VHS) continuava apenas no acervo pessoal do radialista – e no da emissora, ele descobriria depois, contrariando a expectativa de destruição na qual ele próprio acreditava.

Mesmo no susto, Massari cumpriu bem seu papel e certamente seria um dos poucos brasileiros a fazê-lo, como atesta André Barcinski no posfácio. Por anos, guardou também uma cópia da transcrição da conversa, recheada, e não poderia ser diferente, de citações – sobretudo de música, moda e política – do universo ao redor dos Sex Pistols, a maior invenção do entrevistado.

Quase duas décadas depois, após um desejo acalentado por anos, Massari e o quadrinista Luciano Thomé, cujo traço encarna a alma punk do protagonista, transpõem a entrevista televisiva – na íntegra – à HQ Malcolm [Edições Ideal, Coleção Mondo Massari, 2014, 64 p.; leia um trecho]. O resultado é tão bom que parece que a conversa foi originalmente pensada para o formato.

O papo orbita em grande parte em torno do grupo de John Lydon e companhia, mas é um passeio pela indústria cultural, em companhia de quem sempre tirou um sarro por dentro. McLaren afirma, por exemplo, que os Sex Pistols nasceram como manequins: mais importava vestirem o que era conveniente ao empresário que que soubessem tocar (bem) algum instrumento. “Em 1977 criamos um movimento em que tudo era possível e não era necessário saber tocar guitarra”, diz. Quer atitude mais punk que isso?

A intimidade de Massari com o universo também aponta para as influências de MC5, Iggy & The Stooges e New York Dolls, e o legado deixado pelo grupo, que influenciou grupos como The Damned, Buzzcocks “e muitas outras bandas”. Sobram críticas à cultura americana – minimizada a “rock’n’roll, Levi’s, Coca-Cola e Marylin Monroe” –, à própria MTV – “se você ouve música, você é menos controlado por ela. Se você assiste na TV, você está mais propenso a ser controlado por ela e ela se torna uma… uma droga que o transforma num zumbi” – e a artistas que McLaren não aprecia – “o importante é ter algo a dizer em vez de botar todo mundo para dormir com música insossa, do tipo Mariah Carey”.

Para o inglês Malcolm McLaren não havia lugar para gênios nos Estados Unidos: “os gênios transformam a vida e os EUA não querem mudanças. Vivem um momento conservador”.

Malcolm, a HQ, é um belo tributo ao legado de seu protagonista, em geral amado e odiado ao mesmo tempo e na mesma intensidade, um dos personagens mais interessantes e controversos da música em todos os tempos.

Dácio Melo, 60 anos

Foto: ZR (30/5/2015)
Foto: ZR (30/5/2015)

 

Conheço-o há quase 30 anos. Quando criança, aproveitava as viagens de Rosário – onde morei até os sete – à capital para adquirir gibis da turma da Monica e Disney. Já era conhecido da família e aproveitava o gosto precoce do moleque por leitura para empurrar os últimos lançamentos ao adulto que o acompanhasse. Nunca saía de mãos vazias.

Depois, ele e uma tia, dona Maria (in memoriam), mudaram-se da rodoviária velha, na Alemanha, onde hoje há um posto de gasolina e uma escola, em frente ao Hospital da Criança, para a rodoviária “nova”, na Avenida dos Franceses, Santo Antonio. Dos personagens de Maurício de Sousa e Walt Disney, saltei para Tex Willer e Zagor, influência de tios que há muito já liam faroestes em preto e branco. Morávamos de aluguel, e dependendo da temporada, era mais prático descer do ônibus no retorno do Tirirical. Mas para ir à banca eu preferia esticar a viagem até a parada final, a rodoviária. Agora, a rota era ao contrário: tendo vindo estudar no Sesi, morava em São Luís e passava os finais de semana em Rosário.

Com o falecimento de dona Maria, Dácio mudou-se para o estacionamento da Praia Grande, onde está atualmente. Continuo seguindo-o, mesmo sem ele ter contas em redes sociais. O jornaleiro tem as características fundamentais para se destacar em seu ofício: prazer no que faz, conhece o que vende, bom humor, além de poder conversar sobre assuntos relacionados e estar sempre por dentro da agenda cultural da cidade. Hoje mesmo, quando o visitei, comentou brevemente o show Encanto, de Rita Benneditto, que assistiu ontem no Teatro Arthur Azevedo – eu não fui. Em sua banca comprei Som e Fúria, novo dela, com Jussara Silveira.

Durante muito tempo, mestre Antonio Vieira foi habitué de sua banca. O compositor era figura fácil por ali todo fim de tarde, quando ia jogar conversa fora e, não raro, a conversa esticava até a porta do Terminal de Integração da Praia Grande, onde tomava o mesmo ônibus do jornaleiro para voltar para casa. Algumas vezes juntava-me a eles.

Embora ainda teime em resguardar algo daqueles tempos, o moleque tornou-se o homem de vícios antigos e aos gibis juntou-se a leitura do noticiário e outras. “Quem lê tanta notícia?”, perguntaria o compositor. Mesmo frequentando outras bancas e becos, sempre torno a passar por ali para catar as novidades e apertar a mão do amigo. Dácio Melo completa hoje 60 anos.

Pitomba vai botar a banca no Sebo no Chão

A banca da Pitomba

Depois do sucesso do lançamento coletivo de ontem (11) no Chico Discos, a editora Pitomba vai botar a banca no Sebo no Chão: domingo (15), a partir das 19h, na praça da Igreja do Cohatrac, Bruno Azevêdo, Celso Borges, Jorgeana Braga e Reuben da Cunha Rocha autografam seus novos livros, respectivamente Baratão 66, O futuro tem o coração antigo, A casa do sentido vermelho e As aventuras de Cavalodada em + realidades q canais de tv.

Na ocasião haverá ainda o tradicional comércio de livros organizado por Diego Pires, exibição do filme Luises – Solrealismo maranhense, do coletivo Éguas, além de apresentações musicais de Acsa Serafim, Sfanio Mesquita e Tammys Loyola.

No Guesa Errante (Jornal Pequeno) de sábado passado (7) escrevi sobre As aventuras de Cavalodada em + realidades q canais de tv. Continue Lendo “Pitomba vai botar a banca no Sebo no Chão”

Pitomba neles!

POR FLÁVIO REIS

A primeira vez que ouvi falar em Pitomba como nome de uma editora foi mais ou menos há cinco anos. Era uma reunião entre amigos, inclusive livreiros, sobre a organização de uma editora e Bruno Azevêdo, que tinha ideia semelhante, foi contatado, aparecendo já com a sugestão do nome Pitomba, que causou estranheza geral. Achei até bom para os textos que ele fazia, bastante influenciados pela linguagem dos quadrinhos, mas ruim para os livros que tínhamos em mente publicar de imediato, sobre São Luís e o Maranhão. O projeto da editora “séria”, entretanto, gorou muito cedo. A obsessão de Bruno com a Pitomba, felizmente, não.

Conseguiu, então, um logotipo canalha para o selo, uma pitomba que é também uma bomba, expressando de forma bem inteligente a dupla face da coisa, e começou a publicar livros e outros materiais. Os livros sempre trazem seis tópicos colocados como manifesto, programa ou algo similar, ou talvez apenas uma grande tiração com isso tudo, afirmando que a palavra “não é palavra, antes de ser ouvida” e, se há de ser dito, “que seja dito com cacófatos e microfonias, pra que, assim, quem ouça também diga” (…) “porque a informação não se pertence e a posse de ter é a posse de dar e é essa posse que reivindicamos”. No resumo, “porque para além do caroço, que é quase tudo, existe a casca, que se quebra, e existe a polpa, que se quer: pitomba!” Sacou?

Pois é, muita gente sempre torceu o nariz pra esse “manifesto” da Pitomba, mas ele continuou lá. Nesse tempo ainda inicial, Celso Borges voltava de São Paulo, após vinte anos, enquanto Reuben da Cunha Rocha fazia o caminho inverso, não sem antes eles se cruzarem, resultando na invenção de uma revista sem periodicidade ou critério de classificação. Decidiram embarcar no nome e na tirada do logotipo e batizaram a nova cria com o mesmo nome da editora.

Nascia a Pitomba, uma revista fora do sério, pra provocar e avacalhar, na trilha da literatura, das artes, mas num clima underground, de liberdade e doideira, que aqui sempre é difícil. Nada muito sofisticado, apesar da elaborada e agressiva diagramação, nem de bairrismos, nordestinismos e outras baboseiras, tão comuns em publicações regionais, apesar de trazer em seu cerne um princípio corrosivo que se volta diretamente contra a antiga cultura ateniense e contra a exaltação publicitária da cultura popular.

Material cru, pra saborear com sangue: poesia variada (da boa e da ruim, quem sou eu, hein), traduções, frases-bomba, desenhos malucos, fotografias, quadrinhos, novelas, fotonovelas, pornografia variada, sátira política, crítica cultural e o que mais pintar. Em quase três anos e apenas cinco números lançados, acredito que este seja um caso muito estranho em que nem os editores nem os (poucos) leitores parecem saber ao certo do que trata mesmo a revista e até o que esperar dela. Justamente aí, no entanto, reside o melhor da coisa. Existe uma diferença entre a editora e a revista, a primeira saiu da cabeça de Bruno e é dirigida por ele, a segunda, não. Mas uma é a cara da outra na disposição anárquica, no traço de caravana.

Pitomba não chegou a se configurar como “movimento” ou “coletivo”, é bem menos complicada, nem tem objetivo claro ou programa é, antes, fruto de uma f(r)icção de individualismos, que se estimulam e energizam no coletivo. Talvez se resuma mesmo apenas a um “estado de espírito”, uma caravana aberta aos acasos, onde ressoa a necessidade urgente de acelerar a destruição de determinadas ideias canonizadas sobre cultura e literatura, num lugar onde estes termos tornaram-se sinônimos de tombamento,  de exaltação vazia. Para isto, apostaram decisivamente na estratégia do atrito. Como disse Celso em entrevista: “eu acho que tem que manter o atrito, é uma característica da revista. Isso a gente não tem que abrir mão, nem é essa coisa do atrito, é a coisa da irritação mesmo”.

Na cultura da afirmação e do elogio em que vivemos, mergulhados na sedação da mediocridade, a estranheza e o incômodo que a revista pode causar se traduziu apenas no silêncio, no desconhecimento puro e simples. Nada de espantar, Narciso só repara nos seus próprios movimentos e na situação atual da cidade, quatrocentona em estado terminal, não consegue esboçar mais nenhuma reação senão aos clichês do próprio espetáculo.

Entretanto, tal reação (ou ausência de) nunca mudou nada na determinação dos editores, na lógica radical explicitada por Reuben: “nós não temos apoio, portanto faremos”. É um caso de combinação, de articulação entre o individual e o coletivo, de pulsações que se encontram na mesma pegada. Sem a diagramação, a anarquia e a putaria de Bruno, a revista perderia sua linguagem mais atual e desconcertante; sem Celso, a cara da poesia, sua capacidade de misturar códigos e, principalmente, a disposição de juntar, a revista sequer existiria; e sem Reuben, perderia na crítica cultural, feita diretamente ou através de traduções que são também finas transposições de situações, reflexões, e na experimentação, ou seja, perderia em densidade e aventura, risco.

No geral, um não gosta de poesia, enquanto outro não vive sem ela, nem se sente à vontade com os quadrinhos e outro transita mais facilmente entre estas linguagens; um gosta de brega, outro é roqueiro de raiz, mas aberto, ouve de tudo, enquanto outro anda garimpando todo tipo de experimentalismo e doidice sonora. No fundo, eles terminam se encontrando na eletricidade do rock e na firme disposição em embaralhar e ampliar o escopo do que seja literatura, sem nenhuma preocupação com convenções, prêmios, público, nada.

Pra fazer a revista, não é fácil, é uma briga. Segundo o depoimento dado em entrevista preciosa ao Vias de Fato, feita por Zema Ribeiro e Igor de Sousa, Celso precisa tocaiar Bruno e “hostilizá-lo” para a coisa começar a sair do papel e das ideias para o computador. Recolher o material nem é tanto o problema quanto traduzir isso tudo em forma gráfica, em diagramação. O processo costuma ser mais fácil quando está presente o ponto de união entre os extremos, Reuben. Mas ele mora longe, tornando o lance mais complicado. Foi o que vimos neste segundo semestre. Celso, envolvido com várias coisas, não obteve êxito na tocaia e Bruno conseguiu escapar, colocando todos os esforços no Isabel Comics! ano II, no Baratão 66 e outras iniciativas da editora Pitomba. Era muito difícil mesmo a missão de Celso, mas agora ele terá a ajuda de Reuben para tocaiar e prender Bruno, o passo decisivo para a elaboração da Pitomba.

Não tem a revista no final do ano (e que ano intenso!), mas tem uma festa de arromba da editora nesta quarta 11/12, no QG de quase todas as experiências de doideira que tem rolado nos últimos anos por aqui, o Chico Discos. É a Pitomba espocando pra valer, lançando de uma tacada mais quatro publicações de seu já variado catálogo, que até agora comporta quadrinhos, “novela trezoitão”, poesia, ensaios, “romance festifud”, e experiências para além de qualquer classificação.

É o caso do livro de Reuben, As Aventuras de Cavalodada em + Realidades Q Canais de TV, o mais louco dos novos lançamentos.  Manipulando principalmente o aforismo e outras formas fragmentárias, como o anúncio, a citação, a colagem, no ritmo da escrita sintética das redes, saturada de visualização e sonorização, o livro destila veneno pra todo lado, numa percepção ácida e virulenta da cultura do espetáculo e da brutalização do cotidiano. Respira e transpira todo o clima de insurreição cultural que já se insinua claramente em certos círculos da moçada mais criativa das cidades.

Em movimentos rápidos, toca em temas como circulação e apropriação dos espaços urbanos, através de figuras tão inesperadas como o mijador de rua e o skatista; a crise dos sistemas de signos, através do pixador (assim mesmo), “cavalo das ruas”, o anunciador do “estado da escrita na realidade onde vivemos”; ou as relações entre diamba e bruxaria, vale dizer, entre a maconha e experimento de sensações, a questão crucial da alteração da percepção num mundo de sobrecarga visual e atrofia de sensibilidades.

As Aventuras de Cavalodada estão carregadas da experiência urbana contemporânea, da redefinição da relação com o espaço, buscando discernir a “camuflagem superposta da comunicação das ruas”. Tenta mesmo fundir novamente cidade e literatura, na esteira dos modernistas mais radicais, e neste sentido é texto complexo, um grito contra o “pensamento pobre” e o “pensamento conveniente”. Pode até ser lido como pura curtição, mas, no fundo, é de leitura densa, na leveza enganosa da colagem de curiosidades ou reflexões ditas de maneira extemporânea.

Depois de alguns trabalhos publicados, entre eles o incrível O Monstro Souza, seguramente um dos retratos mais cruéis e cômicos já feitos da cidade de São Luís, realismo fantástico do século XXI, Bruno traz à luz o Baratão 66 (ou 69, depende da hora), uma novela em quadrinhos, misturando erotismo, sátira e crítica de costumes, ao seu estilo. Agora, no entanto, aparece mais afiado, com o controle maior do ritmo e do entrelaçamento das partes da narrativa, feita em camadas que se revelam aos poucos, como um saco infindável de surpresas.

 Este é um traço em que ele vem caprichando, principalmente com a experiência de A Intrusa, novela erótica em 12 capítulos, publicada originalmente como folhetim no jornal alternativo mensal Vias de Fato e também já disponível em forma de livro pela Pitomba. O enredo, desta vez, se desenrola numa casa que, durante o dia, funciona para depilação, cuja especialidade são os desenhos nos pelos pubianos, o Baratão 66; e, durante a noite, transforma-se num puteiro, o Baratão 69, onde se aceita tudo, menos “fazer cu fiado”.

Bruno fala da sacanagem e dos puteiros como traço identitário do maranhense e satiriza um futuro reconhecimento como patrimônio da cultura, através da instalação da Casa de Cultura Baratão 66. A trama é cheia de surpresas, envolvendo Francinete, a dona do bordel e seus ataques com as lembranças do marido, suas filhas e a ambição de deixarem a vida de puta, o porteiro apaixonado pelo padre, mas com obrigação de comer a velha matrona, o representante da Piu-Piu, franquia de desenho de boceta e o governador, sonho de dez entre dez putas do Baratão que almejam algum golpe na dureza da vida.

A edição é cuidadosa e os desenhos de Luciano Irrthum são um ponto alto, onde afinal se materializa todo o tom de excesso da trama. O livro saiu com duas capas diferentes, à escolha do freguês e é repleto de detalhes gráficos. Tem ainda um posfácio escrito por quem entende do riscado. Enfim, uma beleza, presentão de natal, “quadrinhos para toda a família!”.

O pacote traz também o livro de Celso Borges, O futuro tem o coração antigo, uma experiência com “poemas fotográficos” e imagens do centro antigo, em fotografias tiradas por alunos do Curso Técnico em Artes Visuais do IFMA, utilizando um dos métodos mais antigos, sem lentes, com câmeras feitas à mão, com latas ou caixas, um furo em um dos lados e um pedaço de filme no outro. É o método pin hole, criando imagens não muito nítidas e que podem sofrer deformações ou alterações variadas, dependendo do formato das caixas e do tempo de exposição do filme à luz.

O resultado é um encontro conflituoso do poeta consigo mesmo e com a cidade, numa superposição de suas metamorfoses, em que os tempos se embaralham e a poesia tornada palavra-imagem e palavra-som (o trabalho se completa com o vídeo, feito em colaboração com Beto Matuck) se volta sem melancolia ou saudosismo, mas não sem saudade, para uma cidade que, numa palavra, simplesmente morreu, não existe mais. A edição, como sempre nos trabalhos de Celso, é caprichada, o texto todo datilografado numa máquina Hermes, criando um detalhe estético forte associado à questão do tempo, papel de primeira, textura em preto e branco, formato retangular, capa dura. Um luxo.

Tem ainda um romance que é a estreia de Jorgeana Braga na prosa, A Casa do Sentido Vermelho, ela que tem um livro de poesia publicado na Pitomba. Este ainda não li, vou adquirir no lançamento, mas já comecei a gostar pela capa, sem contar o que ouvi falar acerca da beleza de sua escrita. A conferir.

Enfim, com site na rede, um cartel de cerca de dez publicações (já com material fora de catálogo), uma caixa de madeira novinha pra venda ambulante e, principalmente, muita irreverência e disposição para chutar o pau da barraca, a Pitomba está em festa e justa celebração, literalmente “cuspindo os caroços”. Editora, revista, espaço de criação, base de lançamento… É Pitomba neles!

De quatro é mais gostoso

A lua, a data e o catálogo da Pitomba são crescentes. 11/12/13. Noite. Chico Discos. Quatro autores, Bruno Azevêdo (Baratão 66, com Luciano Irrthum), Celso Borges (O futuro tem o coração antigo), Jorgeana Braga (A casa do sentido vermelho) e Reuben da Cunha Rocha (As aventuras de Cavalodada em + realidades q canais de tv), autografam seus novos livros, a estreia, no caso do último.

Se liguem: dia onze, mês doze, ano treze. Sacaram? “O gato preto cruzou a estrada/ passou por debaixo da escada”. Antes isso que ficar em casa nessa data. Pra quem não for, nunca a frase “azar o seu” fez tanto sentido.

Apareçam! Encontrem conhecidos e desconhecidos. Conversem. Bebam. Tirem gosto com queijo e azeitona. E principalmente: comprem e leiam os livros, que estão lindos por fora e por dentro.

Mais sobre cada um digo depois (sobre o de Celso eu e Flávio Reis, autor também publicado pela Pitomba, já dissemos). De aperitivo, deixo-lhes as capas.

Esse sai com duas capas. A outra vocês conhecerão no lançamento
Poesia de Celso Borges vem embalada em registro fotográfico da cidade fora do convencional
Segundo livro da poeta, que estreia no romance
Entre a poesia e o manifesto, a estreia de Reuben da Cunha Rocha

Isabel, cômica

Isabel faz pose enquanto autografa um exemplar do álbum de retratos inventado por seus pais

O escritor Bruno Azevêdo e a jornalista Karla Freire escolheram uma forma nada convencional – mais que isso, uma forma genial – de documentar os primeiros anos de sua filha, Isabel: fotografando-a e criando histórias.

Ontem, na Livraria Leitura (Shopping da Ilha), aconteceu o lançamento de Isabel Comics! – ano dois [Pitomba, 2013, 54 p., R$ 20,00], que reúne tiras do segundo ano de vida da criança mais famosa de São Luís.

Os pais, autores de, entre outros, O Monstro Souza – romance festifud [Pitomba, 2010, 244 p., esgotado] e Onde o reggae é a lei [Edufma/ Pitomba, 2012, 304 p., R$ 45,00], respectivamente, passaram boa parte de seu tempo, nos últimos dois anos – que Isabel completou em março passado –, fotografando, escrevendo e montando as histórias mui engraçadas de sua filha.

A capa já entrega a sapequice – existe essa palavra? – da guria, ao desafiar a ordem estabelecida, tentando subir em um escorregador justo no lugar em que se deveria descer. Não se pode ser herdeira de Bruno e Karla impunemente.

Bruno Azevêdo é um quadrinhista que não desenha. Em Isabel Comics!, ele e sua esposa também são atores na fotonovela cuja personagem principal é sua filha, com pontas do Gato Marreco – um agente secreto aposentado – e de alguns parentes e amigos. Fotografam-se uns aos outros e recheiam as histórias de referências a alta e baixa cultura, distinções que aqui nem fazem sentido (e fazem nalgum lugar?).

Estão lá A Galinha Pintadinha, as “tias” da creche, o mar cheio de merda da Ilha capital (uma das páginas preferidas deste blogueiro), o sorveteiro Quantos – sucesso absoluto (há “quantos” anos?) pelos corredores da UFMA, onde os pais de Isabel cursaram graduações e mestrados –, Tony, o Troninho, a nutricionista (recomendando em alto e bom som “Mocotó pra Missu!” – seu apelido), Bob Esponja, South Park, Star Wars e os Backyardigans – “Biardigans”, na pronúncia de Missu. Sobra até mesmo para o sociólogo Pierre Bourdieu e o diabo – sim, o capeta, imortalizado em uma parede do Desterro, bairro do Centro Histórico ludovicense, e agora em uma página de Isabel Comics!.

Algumas histórias do álbum podem ser vistas no perfil da publicação no Facebook e no blogue do pai. A quem ainda não sacou o sorriso de Bebel fazendo-nos sorrir, se liguem: este ano dois é o último da publicação deste álbum de fotografias, pois como advertem os pais numa espécie de bilhete de abertura, “não queremos que você cresça como um personagem de gibi”. Será mesmo que não rolaram umas sobras?

Dica: três quadrinhos charmosos

Compartilho com os poucos mas fiéis leitores três publicações que me chegaram recentemente às mãos. São quadrinhos charmosos, independentes, de bolso e a preços justos. Infelizmente não são encontrados em qualquer banca de revista – embora mereçam ser mais populares –, mas podem ser adquiridos pela internet, direto com os autores.

Onde meu gato senta, de Pedro Leite: ele tira onda de si mesmo, como todo bom humorista deveria saber fazer. Zoa dizendo que é considerado um dos maiores desenhistas do Brasil, pelo fato de ter mais de dois metros de altura. Mas ele é realmente bom. O livro [2012, 57 p.] é sobre a mania que gatos, donos de tudo, inclusive de seus donos, têm de encontrar o lugar mais inapropriado e se instalar. Em cima do jornal que leio sobre a mesa, dentro da mala que arrumo, sobre o teclado do computador justo quando estou digitando e tantas outras situações por que quem tem gato – ou gata, Pagu, no meu caso, veja-a curtindo meu exemplar – certamente já passou.

Quadrinhos ácidos, zine de Pedro Leite e Leandro Difini: uma série de tirinhas que faz piada com nosso cotidiano besta. Diz umas verdades e pisa nuns calos. É melhor não presentear aquele amigo que gosta de Big Brother com ele, por exemplo. Os quadrinhos fazem jus ao nome.

Tension de la passion, vol. 1 [Beleléu, 2013, 36 p.]: este livreto cor de rosa é obra coletiva. Diversos artistas do traço interpretam o seguinte mote erótico: “A noite me envolvia quando François apareceu, misterioso e sedutor/ nossos corpos trêmulos se tocaram/ no estupor do momento, perdi a razão/ nunca mais o vi, jamais o esqueci”. Comparecem às páginas Daniel Carvalho, Daniel Lafayette, Eduardo Arruda (ilustrador de A intrusa, de Bruno Azevêdo), Eduardo Belga, Elcerdo, Koostella, LTG, Mateus Acioli, Pablo Carranza, Rafael Campos Rocha, Rafael Sica e Stêvz (autor do texto mote).

Desejos de pai

Para Bruno e Reginho, grávidos, pais um pouco diferentes dos retratados nas tiras acima. Do Allan Sieber, que estará na 7ª. Feira do Livro de São Luís, debatendo “quadrinhos e transgressão”. Autor de quadrinhos, cartunista e diretor de animação, como se define no currículo, publica tiras na Folha de S. Paulo.

Proscritos no Dia do Quadrinho Nacional

Certamente intencional a escolha da data de hoje para Beto Nicácio lançar seu mais novo álbum. Proscritos chega ao mercado logo mais às 19h, na Galeria do SESC Deodoro, quando o autor distribuirá sorrisos e autógrafos e discutirá O quadrinho no Brasil: produção e mercado, tema da mesa que precede o lançamento em si, que ele dividirá com Bruno Azevêdo, Iramir Araújo, Rôm Freire e Zilson “Zeck”, nomes sempre lembrados em se tratando de uma cena local de HQs.

No lançamento o livro será vendido por 30 reais e haverá ainda coquetel e sorteio da promoção realizada no blogue de Proscritos.

Abaixo, a homenagem de André Dahmer à classe.