O Fabreu é um cara sábio, já ouvi não sei quantas vezes o mano Reuben dizer isso, com o que concordo.
Ele tem um jeito de monge, seja pelos óculos ou pelo pouco cabelo que conserva, num corte militar, à falta de outro adjetivo, que de militar o poeta tem nada e, nunca ouvi a opinião dele, mas aposto meu reino que ele é até contra o serviço militar obrigatório (como este blogueiro também é, e a favor da desmilitarização das polícias, mas isso é outro assunto). Além do quê, tirando o deslocamento cotidiano para o trabalho, Fabreu quase nunca sai de casa, a não ser que a coisa valha muito a pena (estou devendo ajudá-lo a devorar uma peixada em seu apartamento, dívida que, não duvidem, terei o maior prazer de pagar em breve).
Como é o caso de ele lançar em Brasília seu mais recente livro, aliado involuntário, como anuncia a imagem que ilustra este post.
Fabreu, aliás, é como nós, íntimos, chamamos o jornalista e poeta Fernando Abreu, figura querida, parceiro de Zeca Baleiro em hits como Alma nova, Cachorro doido e Guru da galera. Autor de três livros de poesia, o que ele lança quarta-feira em Brasília mais O umbigo do mudo e Relatos do escambau.
À colônia maranhense em Brasília e/ou aos que gostam de poesia em geral, fica o recado. E digo mais: Fabreu tem o que dizer, um dos argumentos com que lhe convenci a abrir o blogue. E mais: acredito que um dos segredos da sabedoria do bardo Fabreu está na capacidade de zo(mb)ar de si mesmo. O título deste post, roubado daqui, prova isso.
Ora, se a gente não tira uma auto-onda, alguém vai fazê-lo, né? Como perguntaria o Tom Zé, “por que então essa mania de parecer tão sério” que acomete a tantos poetas por aí?
Faça como eu que vou como estou porque só o que pode acontecer/ é os “pingo” da chuva me molhar (Os “pingo” da chuva, 1974)
Depois de um bem sucedido tributo ao capixaba Sérgio Sampaio, apresentado por duas vezes em São Luís, a cantora Tássia Campos volta aos palcos, desta vez para homenagear Os Novos Baianos. Tanto o primeiro quanto a trupe musical de Moraes Moreira, Luiz Galvão, Paulinho Boca de Cantor, Pepeu Gomes e Baby à época Consuelo são marcas fundamentais na formação musical de Tássia, cuja estreia em disco deve acontecer em breve.
Casada com o contrabaixista João Paulo, com quem tem um filho, Felipe, ela divide os amores entre eles e a música. O marido toca na banda que a acompanhará em Tássia Campos F. C. – Sorrir e cantar como Novos Baianos, longo título do show que pega emprestado os títulos do disco de 1973 dOs Novos Baianos [Novos Baianos F. C.] e de sua faixa de abertura [Sorrir e cantar como Bahia]. A formação se completa com Edinho Bastos (guitarra), Jesiel Bives (teclado), João Neto (flauta) e Joel Monteiro (bateria). No palco, a cantora contará ainda com as participações especiais de Alexander Carvalho (ex-Daphne), Djalma Lúcio (ex-Catarina Mina), Lena Machado e Yuri Brito. A abertura fica por conta da sempre competente, pesquisada e animada discotecagem do DJ Franklin, parceiro da cantora já de outras empreitadas.
Com um time desses não deve ser à toa que Tássia carrega o sobrenome Campos: predestinada, como em outros shows/partidas, deve receber muitos aplausos da plateia/torcida a cada música/drible. É gol!
Tássia Campos F. C. – Sorrir e cantar como Novos Baianos acontece nesta quinta-feira (20), às 23h, no Odeon Sabor e Arte (Rua da Palma, 217, Praia Grande). Os ingressos custam R$ 10,00 e podem ser adquiridos no local. Sobre o show e o futuro, a cantora conversou com este blogue.
ENTREVISTA: TÁSSIA CAMPOS A ZEMA RIBEIRO
ZEMA RIBEIRO – Para começar com um trocadilho futebolístico, que seleção a plateia pode esperar, em termos de repertório?
TÁSSIA CAMPOS – O repertório faz um passeio pelas minhas predileções na discografia dOs Novos Baianos. O show ‘tá todo feliz, cheio de boas mensagens. Rearranjamos algumas coisas, também tem momentos onde apenas alguns instrumentos tocam…
A banda que vai te acompanhar não tem violão ou cavaquinho na formação, instrumentos fundamentais na musicalidade dOs Novos Baianos. Não é um pouco “arriscoso” recriá-los sem os dois instrumentos ou faz parte do processo de, digamos, desconstrução que pretendes levar ao palco? Todos os meus shows têm um padrão fiel à proposta estética do meu trabalho. Confesso que se eu incorporasse cavaquinho, violão e pandeiro no show deixaria de ser eu. Quando tu me perguntou sobre o set list eu esqueci de dizer que a escolha, além de delicada, se tornava mais difícil, pois eu tinha que escolher algo que funcionasse com o formato que tenho. O show vai ser mais elétrico mesmo. E como te disse: os rearranjos fazem isso pela música. Recriá-las, dar uma cara nova, mas sem que ela perca a essência é o desafio do intérprete. Conto com João e Edinho pra pensarem junto comigo e definirmos os motes. Eles são sensíveis e como nossa linguagem é parecida eles incorporam e executam com maestria. O risco a gente sempre corre, mas também a gente se adapta e faz as coisas com os recursos que temos. Quem for ao show pode esperar um show feito com carinho e cuidado.
Os Novos Baianos significaram um sopro de frescor na música brasileira, sobretudo pela fusão de rock e choro que impregna seus principais discos, sobretudo Acabou Chorare (1972), que completa 40 anos. O que o show trará dessa fusão? E o que há de novidades em meio aos rearranjos? Sempre trouxe comigo o que tem de subjetivo no trabalho dOs Novos Baianos e embora não tenha vivido esse tempo, os discos foram importantes, pois reafirmavam meus ideais de liberdade, a minha queda pela contracultura e, claro, pelo Tropicalismo. No show, as tentativas em rearranjar as melodias “empenadas” de Moraes Moreira, resultaram em algo menos “empenado”. A gente deu uma limpada e sofisticada na sonoridade, por que os trabalhos dos caras, quando não são apenas arranjos de violão, as músicas contêm muita informação… Essa limpada serve pra imprimir minha identidade nas canções, o que é algo que busco sempre quando interpreto um trabalho. Tenho uma predileção pela simplicidade, mas sem perder a sofisticação musical. É uma encrenca, mas rolou naturalmente.
Teu disco de estreia, hoje em fase de gravação, trará uma música de Moraes Moreira, da fase pós-Novos Baianos, elogiada pelo próprio. O que significou pra ti gravá-la e receber este elogio empolgado do autor? Ela entra no show? A música se chama Nesse mar, nessa ilha [a sexta faixa de Moraes Moreira, de 1975, primeiro disco solo dele]. Conheci através de um amigo que disse que queria ouvir a canção na minha voz. Achei de uma delicadeza e poesia tão profunda que decidi gravar. Então conheci o Edu Krieger, um sambista da nova geração carioca. A gente cantou junto e ele se interessou pelo meu trabalho. Daí ele sugeriu uma parceria e eu fiquei de pensar em algo… Quando eu ouvi a gravação do Moraes Moreira, pensei logo no sete cordas do Edu e quando ele veio aqui em São Luis novamente, gravamos a música. Ensaiamos no hotel em que ele ‘tava hospedado e o Edu disse: ‘vamo’ gravar com o axé do compositor? Então ele ligou pro Moraes Moreira e conversamos ali por uns 15 minutos. Ele me perguntou sobre a música e disse: “canta pra eu lembrar?” [risos]. Ele nem se lembrava da música, mas ficou contente com minha escolha e disse que só deixava eu gravar com uma condição: que depois mostrasse pra ele, porque ele ficou curioso. Geralmente os cantores e cantoras que gravam Moraes Moreira gravam as mais conhecidas e essa é praticamente inédita. Depois de gravar, fizemos uma pré e eu mandei, sem mix nem nada. Receber o elogio dele foi emocionante, até por que não foi um elogio vazio. Ele me apontou critérios, prestou atenção em como me apropriei da canção, talvez seja a sensação que tenho sentido de ilha mesmo. Ela não entra no show de quinta, porque ainda quero deixá-la inédita.
Um show com o repertório inteiramente dedicado aOs Novos Baianos é o segundo tributo que tu presta em pouco tempo. Antes, o escolhido foi Sérgio Sampaio, dito “maldito”, pouco conhecido, embora fundamental na formação musical de muitos artistas contemporâneos importantes. Os Novos Baianos são mais festejados, conhecidos, populares, apesar de passados 40 anos do lançamento de seu mais festejado, conhecido e popular disco. O nome do show, aliás, é chupado do título de um disco deles, Novos Baianos F. C., e da primeira música desse disco, Sorrir e cantar como Bahia. Pela fuga da obviedade de que tu já falou, o que a plateia pode esperar, em termos de seleção de repertório? Foi fácil selecionar? Tu escolheste sozinha o set list? Como se deu esse processo? Eu decidi esse ano prestar homenagens a compositores que foram importantes pra feitura da minha fisionomia artística. Sérgio Sampaio é essencial, pois é o cara com que me identifico no que ele quer dizer, a poesia é rica e tem um efeito forte pr’aquilo que acredito na arte, que é a fusão de qualidade e sentimento. O Sérgio Sampaio, embora lado b, fazia melodias, arranjos bonitos, linhas melódicas que fugiam da obviedade e claro, as letras com muitas verdades. Sempre me preocupo com a mensagem das canções. Embora diferentes um do outro, Sérgio Sampaio e os Novos Baianos têm em comum essa fuga dos clichês, essa observação da vida por outros ângulos, um recorte da realidade otimista. Eu venho tentando ser otimista. É uma questão de saúde pra mim acreditar no que canto. Se até meus gritos em silêncio me deixam rouca, que eu grite em alto e bom som o que acredito através das canções, já que vou ficar rouca de qualquer jeito. O título Tássia Campos F. C. foi uma brincadeira, roubando a capa do disco mesmo… [risos] e o subtítulo Sorrir e cantar como Novos Baianos é alusão a Sorrir e cantar como Bahia, uma das minhas músicas preferidas daquele LP. Decidir a set list é sempre delicado, principalmente de compositores com obra vasta e atemporal, como é o caso dos outros compositores que já homenageei. Em meus shows sempre convido participações, colegas de profissão ou mesmo quem eu ache que executaria a canção a contento. Penso sempre em nomes inusitados que geralmente não estão associados ao estilo desenvolvido por mim e pra isso tenho que pensar em músicas que casem com a proposta do show e que eu imagino o artista que vai cantar comigo. É muito mais subjetivo do que prático. É intuitivo e sempre deu certo.
Uma aura mística perpassa toda a história dOs Novos Baianos, a vida em comunidade, o uso de drogas, o encontro com João Gilberto, que lhes apresentou o Brasil Pandeiro de Assis Valente… Você fala em subjetividade e intuição e alia isso ao domínio das técnicas musicais, unindo o saber cantar ao bom gosto. Se é que é possível calcular, quanto cada coisa é importante para você e, na sua opinião, para os artistas da música, em geral? Éguas!!! Os Novos Baianos viveram uma utopia que deu certo por um tempo determinado. Quando vi o [documentário Filhos de João – O] Admirável Mundo Novo Baiano [dirigido por Henrique Dantas], o Tom Zé, em seu depoimento disse que Os Novos Baianos realizaram uma tarefa nunca antes vista, não sei se exatamente nessas palavras, mas foi este o sentido, e eu concordo. Quando te falei em contracultura é exatamente isso da utopia. Deram um upgrade no estilo de vida underground, alternativo. Creio que “libertário” é a palavra. Fazer música libertária e é bem aí que fico fascinada. Pois eles viveram isso como verdade e deu certo. E quanto ao uso de drogas não sei avaliar bem, pois não acredito que as drogas tenham comprometido a qualidade musical deles. Pro meu trabalho e pro que busco pra ele tem sido superpossível aliar intuição e ainda assim manter uma qualidade técnica. No tempo em que artistas “moderninhos” lançam cds audíveis mas fazem um som ao vivo completamente comprometido, quanto à execução de seus trabalhos, seja por falta de experiência, cancha ou estudo mesmo, prefiro me manter à margem disso, procurando ser o melhor que posso ao vivo. Acredito muito que o palco é o solo sagrado do artista e lá ele tem que procurar ser profissional. Por isso, chamo músicos profissionais pra fazerem os shows comigo, a gente se encontrou e todos estamos comprometidos com o trabalho. A banda é como a roupa que me veste e, claro, se ‘tou com uma boa banda ‘tou bem vestida e as coisas acontecem com mais segurança. É meu compromisso com a canção. Não dá pra matar música alheia. Ou faço um show direito, ensaiado, bem tocado e redondo ou não saio de casa. E meu amor pela música é como o amor que sinto pelo meu filho, é imaculado. Mesmo com toda dedicação em fazer um trabalho tecnicamente aceitável, audível e que satisfaça minhas aspirações, o amor prevalece e creio que é isso que me faz buscar o fazer bem feito sempre. Ainda estou engatinhando, mas daqui a um tempo já vai dar pra caminhar.
O que o público pode esperar de Tássia Campos a curto, médio e longo prazo? Esse ano tem sido bom, produtivo. Fiz pelo menos um show por mês desde março. É gratificante poder construir um público e me sentir responsável por ele. As coisas têm acontecido de forma natural e todos os trabalhos que fiz este ano têm servido pra amadurecer e embora eu tenha convites pra fazer shows fora daqui ainda não sentia que o trabalho estava pronto. Mas agora está. Acredito ser importante as coisas acontecerem a seu tempo. Como já tenho interiormente bem definido o que quero, agora é a hora de olhar pra frente. Depois do show do dia 20, ainda tenho apresentações no projeto BR-135, capitaneado por Alê Muniz e Luciana Simões, no Ceprama. Esse show vai ter um formato estranho, pois não pude levar a banda completa. Fiz um novo show pra ocasião, um repertório bem bacana, pra funcionar só com guitarra semiacústica e baixo. E tenho também show na 7ª. Mostra Sesc Guajajara de Artes e é com essa apresentação que já inicio os trabalhos do disco que tá saindo, um show inédito e que pretendo trabalhar por todo 2013, aqui e em outras cidades. O que o público pode esperar de mim? Uma artista mais madura, com uma sonoridade mais firme e coesa. Embora tenha 26 anos apenas, não me considero uma moderninha, eu gosto das coisas bem feitas. Acho que isso é sinal do meu respeito pelo público e o comprometimento em estar levando às pessoas muito mais que diversão. Claro que me divirto estando no palco, mas a música é a minha vida e eu levo tudo isso muito a sério. O que o público pode esperar é alguém que não tá brincando de música. E a médio prazo é viajar mais, ir mostrar meu trabalho em outras cidades. Começaremos por Brasília, depois a gente vai descendo. Em dezembro começam as correrias pra uma turnê de bolso. Pretendo começar a escrever um blog pra falar de cada cidade. Lembrando que esses shows estão em negociação e são de caráter independente. Não tenho financiamento de editais, nem de bancos, nem de empresas. Claro que não fecho as portas pra isso, mas por enquanto vou na raça mesmo, a convite de casas de shows. As expectativas pra este ano e pro próximo são as melhores e conto com o apoio do público, dos blogueiros e dos amigos pra continuar a caminhada numa cadeia produtiva e fortalecer o tecido cultural, levando a música feita aqui pra troar nos ouvidos do país todo! Tenho muito receio de que a sensação insular de São Luis não me deixe sentir o sopro dos ventos do continente. Acho que todo artista tem que subir em outros palcos. Além de talento e coragem o artista, na minha opinião, tem que ser de qualquer lugar. Estou otimista com o futuro! Quero viver dignamente fazendo o que amo.
*o título é surrupiado da carta de Galvão (Joãozinho Trepidação) a Augusto e Aroldo (sic) de Campos, no disco de 1973. O P. S. diz assim: “Eu tinha vontade de mandar tudo isso pra João Gilberto por nada.
Terceira faixa de Com defeito de fabricação (1998), de Tom Zé.
Presentinho à nossa classe politicanalha pelos controversos 400 anos da Ilha. Engraçado que a justaposição “politicanalha” soa quase como “política na Ilha”.
Passem óleo de peroba em suas caras de pau e enfiem bem sabem onde suas falsas promessas.
“A carapuça assenta na cabeça de quem usa”, sempre ouvi minha sábia avó dizer.
Faleceu na manhã de hoje (31), em decorrência de um câncer (dado como curado há alguns anos), o músico Nelson Jacobina. Coadjuvante, mas não menos importante, Jacobina talvez estivesse para Jorge Mautner como Vadico para Noel Rosa, para dar apenas um exemplo. Atualmente era também integrante da Orquestra Imperial.
Topei com ele há alguns anos no camarim de um show que fez com o parceiro no Circo da Cidade, produção de Ópera Night. Entre nomes como Tom Zé, Elomar, Jards Macalé e tantas outros que só Ópera opera a vinda à Ilha, a plateia para Jorge Mautner (voz e violino) e Nelson Jacobina (violino) foi uma das menores em que já estive. O que não os impediu de fazer um grande show.
No encontro no camarim após o show, Mautner sem camisa no calor de São Luís exibia no peito uma profunda marca de anos de instrumento. Não tirei foto nem peguei autógrafo. Contei uma história ouvida dias antes, que lembrava uma passagem deles (ou só de Mautner?) por Imperatriz, ocasião em que Neném Bragança sentou em cima (e obviamente quebrou) os óculos de Mautner. Este lembrava do episódio e os dois riram um bocado.
Os vídeos abaixo dão uma ideia da importância de Nelson Jacobina para a música brasileira, quer como compositor quer como músico, embora seu nome quase nunca seja lembrado de imediato, de tão atrelado a Mautner. É a melhor forma de lembrá-lo e homenageá-lo.
Por exemplo, quando Mautner (violino) e Jacobina (violão) acompanham Jards Macalé nesta magistral execução ao vivo de Vapor Barato (Jards Macalé/ Wally Salomão):
Ou nessa versão dos autores para o clássico Maracatu Atômico (Jorge Mautner/ Nelson Jacobina), em que louvam Renato Russo, Cazuza, Raul Seixas e, claro, Chico Science, que com sua Nação Zumbi gravou a versão mais conhecida da música (também gravada por Gilberto Gil):
Agora a versão dos malungos:
Suas Lágrimas negras (Jorge Mautner/ Nelson Jacobina) por Nina Becker, sua companheira de Orquestra Imperial, a música também já gravada por Gal Costa, Olívia Byington, e em dueto por Otto e Julieta Venegas:
And last but not least sua Ela rebola (Jorge Mautner/ Nelson Jacobina), com sua Orquestra Imperial:
[antes, dois avisos: um: isso não é jornalismo; e outro: o blogueiro viajou às próprias expensas]
A plateia cantou junto o show inteiro. No repertório, várias fases da carreira
Há coisa de 10 anos, eu, menino recém-entrado na boemia, assisti a um maravilhoso show de Tom Zé no Circo da Cidade, em São Luís. A abertura ficou por conta de Cesar Teixeira e na plateia, lotada, estava o saudoso Mestre Antonio Vieira, cuja obra o baiano elogiaria durante o show.
Passei o espetáculo inteiro entre assisti-lo e conversar com dona Neusa Santana Martins, esposa e memória do gênio de Irará. Lembro que, ao saber de sua apresentação na Ilha, fiz contato com o escritório do tropicalista em São Paulo e consegui comprar alguns discos que me faltavam na coleção.
Eufórico, furei a fila dos autógrafos, levado por dona Neusa: apertei a mão da banda inteira, abracei Tom Zé, lembrei de Caetano Veloso, em seu Verdade Tropical, escrevendo algo sobre o brilho dos olhos daquele homem miúdo na estatura, gigante no que faz – pude comprová-lo pessoalmente. Peguei autógrafo em Jogos de armar – Faça você mesmo, então seu disco mais novo, cuja turnê chegava ali por 2002 ou 3 em São Luís. Algum fotógrafo, no camarim, fez um retrato nosso, eu, o fã, e Tom Zé, o ídolo – jornalismo era algo em que eu apenas engatinhava ainda e, como não ia resenhar o show, não primei pelo “distanciamento”. Na ocasião eu era tiete mesmo. O fotógrafo pegou meu telefone. Deveria me cobrar no trabalho, dias depois, e entregar a foto. Nunca cobrou. Nunca vi a foto (se ela existir e o fotógrafo por acaso estiver lendo isto aqui, ainda estou disposto a pagar).
10 anos depois ou quase isso, estou a passeio em Curitiba e, conhecendo a urbe num ônibus de turismo, próprio para tal, descemos, eu e minha esposa, no Museu Oscar Niemeyer, também conhecido como Museu do Olho, por causa de uma das formas extravagantes da arquitetura do gênio centenário e damos de cara com a programação do Fito, o Festival Internacional de Teatro de Objetos, invenção do Sesi.
O público era enorme em uma área montada ao lado do museu, com várias salas onde aconteciam os espetáculos, em que, pelos anúncios que vimos espalhados pela cidade, um saca-rolhas se transformava em uma bailarina, uma chaleira vermelha virava uma senhora irada e assim sucessivamente. Éramos turistas, minha esposa já havia concluído as obrigações de trabalho que a haviam levado à capital paranaense e agora curtíamos a cidade. Adentrando o recinto do Fito, Naná Vasconcelos encerrava um show e um locutor anunciava outras atrações. A última do dia (sábado, 26) seria Tom Zé. Em meio ao “teatro de objetos”, ele era anunciado como “música/contramúsica”, eu leria depois, no programa. “Vamos terminar o passeio e voltar para cá”, decidi sozinho pelo casal. A jardineira, um ônibus aberto que de meia em meia hora circula por nem lembro quantos pontos turísticos curitibanos, ainda nos levaria à Ópera de Arame e Pedreira Paulo Leminski – o poeta mereceria um capítulo à parte, que talvez eu escreva por aqui em breve – e em Santa Felicidade, onde degustamos lasanha e vinho artesanal deliciosos. Antes, já havíamos passado pelo Passeio Público.
Niemeyer sempre me interessa, mas, qual “os barzinhos do Largo da Ordem”, o Museu Oscar Niemeyer estava entre as dicas do amigo Ademir Assunção. “Grande Ademir!”, eu repetia enquanto passeávamos, por lá, na noite anterior, entre bonitos botecos como o Bar do Alemão e o Sal Grosso. Ali ainda voltaríamos no domingo, para comprar lembranças para as sobrinhas e uns poucos parentes, a grana era curta. “Só nós mesmo para fazermos turismo assim”, eu dizia. Felisos. Lisos, mas felizes.
Tom Zé apresentou um show bastante interessante, passeando por diversas fases da carreira: músicas compostas no período da ditadura militar, como Todos os olhos (primeiro verso: “de vez em quando todos os olhos se voltam pra mim”; último verso: “eu sou inocente”) e Augusta, Angélica e Consolação aos estudos de samba, Hein?, e pagode, O amor é um rock e ElaEu – esta, abriu o show e foi repetida no meio, a pedido de uma fã mais próxima ao palco. Em Menina, amanhã de manhã, ele lembrou, generoso mas não modesto, da gravação de Mônica Salmaso, talvez definitiva, para a canção. “Eu sou a Mônica, ele é o Salmaso”, disse apontando para Jarbas Mariz, com quem dividiu os vocais, “uma dupla caipira”, prosseguiu, “menina amanhã de manhã quando a gente acordar quero te dizer que a felicidade vai desabar sobre os homens”.
O baiano ri e faz rir, conta histórias, diverte-se divertindo. Tira sons percussivos de agogôs e esmeris – com as luzes apagadas, as faíscas-estilhaços iluminam aquela espécie de galpão, completamente lotado. Em O jingle do disco, faixa pouco conhecida de The hips of tradition, do período de sua redescoberta a partir do interesse de David Byrne por sua música na década de 1990, ele exibe réplicas de vinis, cujos cds eram vendidos por dona Neusa, além de esposa e memória, assistente, secretária, produtora, empresária e quantos ofícios ela puder dar conta, sempre simpática.
Cumprimentei-a, antes do show, comprei dois discos que ainda não tinha. Depois acompanhei, cantando, grande parte do show, gratuito. Em Xique-xique foi até possível arriscar uns passinhos de dança, ou balançar o corpo cansado, algo próximo de, o que o espaço permitia, talvez nem dois pra lá, dois pra cá, no galpão entupido de adultos e crianças, remanescentes da programação que teve início à tarde. No bis, 2001, “parceria com Rita Lee”, com a plateia cantando junto, Jimmy renda-se e Moeda falsa: Tom Zé, que já havia tirado onda com os curitibanos, mudou a letra, lembrando-se das colônias germânicas e europeias em geral que ajudaram a formar e ainda habitam a cidade. O show não terminaria com o “eles vão tomar no fiofó”, verso final de Moeda falsa. Educado, “Mister Tom Zí” – a pronúncia de seu nome pelos americanos que o (re)descobririam há algum tempo – agradeceria o carinho dos paranaenses que tão atentamente prestaram atenção em sua música e performance. Aliás, que fique o registro: não é qualquer um que faz aquilo aos quase 80. Muito pulo e jogo de perna que eu, aos 30, não arrisco.
Do Maranhão, estando ali por mera sorte, senti-me contemplado nos agradecimentos. Depois de mais ou menos hora e meia de show preferi não enfrentar a fila do camarim e arriscar finalmente ter minha foto com Tom Zé, embora tenha anunciado a vontade à dona Neusa, antes dele subir ao palco. Mas era preciso acordar cedo no domingo, data em que estava marcado nosso retorno à São Luís: no espaço de tempo que ainda sobrava, ainda havia turismo a fazer.
Guerrilhas, coletânea de artigos publicados por Flávio Reis na imprensa maranhense ao longo da última década, campo minado de fustigações sem centro, sobrevoa e permite ver, como numa fotografia aérea, um traço terminante da aventura de seu autor, figura de exceção entre nossos pensadores e professores – o cultivo radical da dissidência.
Permite ver, mas veja, não é que o torne visível, isso não passa batido aos leitores de suas outras obras (Cenas marginais e Grupos políticos e estrutura oligárquica no Maranhão), tampouco aos alunos do homem magro de fala digressiva segurando livros como facas, misturando dois ou três autores para ver se explode; ocorre que nessa recente investida os elementos sobem todos à mesa – temas, sim, e o território. Dança imprescindível a toda guerrilha, saber jogar com o espaço, pervertê-lo em arapuca, cemitério de engodos. No caso, é mesmo nossa imprensa que, invariável e totalmente comprometida, por mil golpes de astúcia deixou-se infiltrar pelos mordazes artigos desse livro, também o próprio território das ideias, no qual Flávio opera articulações vitais, nunca no interesse dalgum “campo” mas da erosão de nosso oco solo mental.
O olhar esclarecedor sobre as relações de força, a política e suas redondezas – descaso, cinismo, violência –, espaço antigo da reflexão do autor, que nunca cedeu ao apelo das conciliações típico de certa esquerda “prática” ou de cartilha, notadamente a universitária, incapaz de se desvencilhar do desejo de mandar adivinhado no esgoto exposto das alianças; a exímia capacidade de enredar fios de nossa história mal contada, pondo-nos à vista de nós mesmos (“Antes da MPM”, “O nó-cego da política maranhense”, “Oligarquia e medo” etc.); o mergulho em obras de arte desestabilizadoras ou no mínimo provocantes, cuja incidência sobre sua escrita é a bela mostra dum pacto com as potências da imaginação; mesmo as incursões pela psicanálise, disciplina cujas sugestões e descobertas fundamentais nunca frearam uma tendência fortemente ordenadora, cheia de andaimes cientificistas propícios ao folclore burguês – Flávio é mestre em transformar tais zonas em impulso de nutrição, aproximando-se disso ou daquilo conforme as contingências da balbúrdia.
Apenas não se confunda o prisma de temas que o autor encara com o pano surrado da interdisciplinaridade, escudo acadêmico que nunca serviu, a olho nu, para mais do que recheio de linguiça em formulários de não-sei-quantas vias. Aqui o caso é de pura indisciplina, do livre pensar e do gosto por uma boa briga.
Panorama de intervenções na parca discussão local, a mira em riste no rumo de nossa arena de ideias, o Maranhão persiste como ruído de fundo em cada tópico, sem contar que é o centro mobilizador na quase totalidade dos artigos. Começando por uma sequência de pauladas dadas no epicentro da querela em torno da fundação de São Luís, que na verdade é a discussão dos níveis inacreditavelmente obtusos, para não dizer mesquinhos, em que se deram e dão as reações ao trabalho de Maria de Lourdes Lauande Lacroix, passando pelas análises matadoras do emaranhado atávico entre política, desmando e miséria, das condutas paroquiais com relação ao poder, e da ofensiva de mídia, mercado e academia no comércio ridículo da cultura, esta insígnia a ser ostentada por uma intelectualidade (no fundo um punhado de funcionários de governo distribuídos entre repartições, instituições de saber e a “classe artística”) que a tudo vê como se a um grande curral, com narcisismo indisfarçável e característico.
Compõe-se quadro a quadro uma galeria em que figuram, por exemplo, certo juiz, personagem de Nascimento Moraes num livro de 1923, trazido à roda em Guerrilhas, juiz de faroeste a resolver tudo na bala ou no bogue, à luz do dia, em pleno centro da cidade em cenas inacreditáveis sobretudo porque poderiam ter ocorrido na tarde de ontem. Ou quem sabe se repitam amanhã, como de fato se repetiriam, na execução do professor Flávio Pereira pelo policial civil Olivar Cavalcante (o pistoleiro segue solto) e na do artista Geremias Pereira da Silva, o Gerô, espancado até a morte por uma gangue de policiais militares – à luz do dia, em pleno centro da cidade, cabeça do século XXI.
A história geral de nossa canalhice, quer se exerça pela violência elevada a valor, a distinção social, com a invariável impunidade que não cessa de adoecer nossa sensibilidade coletiva, quer se exerça pela constrangedora passividade a alimentar eternamente a estrutura de nossa sujeição, praticamente voluntária, demonstrando que a única reforma eleitoral que importa é o suicídio coletivo dos políticos.
Assistindo, como assistimos, a uma escalada do uso oficial da mentira enquanto narrativa dos “feitos” de uns e outros (nossa cota, parece, da escalada do fascismo em várias esferas da vida nacional – passarela em que desfila com o perigoso traje da falsa ausência), nem se pode afirmar que o autor, nas fissuras que causa, enfoque as coisas pelo avesso, ou se pelo avesso ele as encontra.
Flávio, claro, tem estômago. A atenção que dedica à casca grossa dos eventos não passa sem uma reversa escrita de precisão & excesso, que revela para desviar ou o contrário, dilatando pupilas, abrindo narinas, temperando perspectivas. Correm por aí, nutrindo os planos de fuga, figuras de Júlio Bressane, Elyseu Visconti, Bruno Azevêdo, Cesar Teixeira, Celso Borges e tantos meliantes cumplices de arruaça nos quais o autor ensina a ver os truques para se manter vivo, isto é, íntegro e mandando bala.
Seu fôlego de saque se trama justamente na capacidade de farejar em temas, textos e acontecimentos o cheiro dalguma pólvora. “Isso aqui não é pra entender, mas pra sentir o cheiro”, quantas vezes não ouvi de Flávio em sala de aula ou pelas salas do afeto, diante de questões fascinantes e árduas ante as quais o lance sempre foi fazer o que se pode. Disso não faltam mostras em seu texto ágil, cheio de toques analíticos jamais impostos à força de argumentações exaustivas, mas ofertados na fluência de caracterizações e imagens.
A condição do pensamento é a de estar nas curvas mais sem amparo, distante do que já se sabe e impõe-se como instância regulamentar. Não é para ordenar que se necessita de ideias. O resto são intelectuais de Sessão da Tarde, erguendo-se aqui e ali para constranger proposições de problemas (“se nada presta, que fazer?”), como se o nebuloso das respostas desmentisse a evidência das perguntas.
Que fazer, então? Sempre, apenas, o que se pode; muitas vezes se avacalha. Como Tom Zé, Rogério Sganzerla ou os Sex Pistols, Flávio Reis ensina que quaisquer ingredientes servem à feitura de bombas, desde que haja sacação, argúcia, inteligência e – sobretudo – que o sujeito não arregue. É chegado o tempo do arsenal contra o repertório.
*Reuben da Cunha Rocha é poeta e pesquisador. Edita, com Bruno Azevêdo e Celso Borges, a revista de poesia, artes gráficas & sacanagem Pitomba!.
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Serviço: Flávio Reis lança Guerrilhas dia 16 (quinta-feira), às 19h. no Papoético (Chico Discos, Rua Treze de Maio, esquina com Afogados, sobre o banco Bonsucesso). Entrada franca. O livro custa R$ 20,00.
Amanhã (13) este blogueiro tem a honrosa e difícil missão de substituir Ricarte Almeida Santos no Chorinhos e Chorões (Rádio Universidade FM, 106,9MHz). O programa vai ao ar às 9h. O titular do programa está viajando a trabalho.
Este aí do título o mote inventado para conceber o script, que acabo de redigir. A ideia: mostrar a influência do choro na criação de alguns artistas nordestinos, não necessariamente tidos como “chorões” por nós, muitas vezes.
No cardápio sonoro da seleção musical que preparei: Novos Baianos, Tom Zé, Zé Ramalho, Fagner, Josias Sobrinho, Chico Saldanha e Chico Maranhão, isto é, um passeio por um pedaço do Nordeste: Bahia, Paraíba, Ceará e Maranhão. É claro que há(via) muito mais a mostrar/tocar, mas em uma hora…
Que os poucos-mas-fieis leitores nos ouçam! Agradecemos a audiência, a preferência, a paciência… Que os muitos-e-fieis ouvintes de Ricarte idem. Deixe aí um comentário e ouça seu nome no Alô, Chorão!
A incômoda pergunta nada retórica que já (me) fiz aqui e acolá (e vez em quando torno a repetir), por que os discos de Chico Maranhão lançados pela gravadora Marcus Pereira nunca ganharam reedição em cd?, certamente não será respondida na ocasião. Mas esmiuçar dois discos importantíssimos para a música brasileira, Maranhão (1974) e Lances de Agora (1978), ambos na pergunta-condição/maldição, é saudável, necessário, fundamental.
O autor de Gabriela, Cirano, Meu samba choro, Ponto de fuga, Velho amigo poeta, Cabocla, Pastorinha e tantos outros clássicos, para citarmos apenas alguns destes dois discos, viaja para São Paulo neste dia das crianças para gravar sua participação nO Som do Vinil, coordenado por Tárik de Souza, dirigido e apresentado pelo ex-titã Charles Gavin, que tem dado importantíssima contribuição para recolocar títulos perdidos nas prateleiras das cada vez mais raras lojas de discos do país. Foi ele o responsável pelo relançamento de discos antológicos de Secos & Molhados, Belchior, Tom Zé e Walter Franco, para citar poucos.
Oportunidade ímpar para conhecer os discos, os contextos em que foram concebidos e as mais diversas histórias em torno de suas feituras. Talvez seja o caso de posteriormente a turma do Canal Brasil esmiuçar Bandeira de Aço, outro disco-divisor de águas da música produzida no Maranhão.
Chico Maranhão ladeado por Rolando Boldrin, Chico Teixeira e Renato Teixeira, quando de sua participação no Sr. Brasil em 6 de dezembro de 2005
Na sequência, Chico Maranhão grava, dia 18, sua participação no Sr. Brasil, programa apresentado por Rolando Boldrin na TV Cultura.
Mais diremos tão logo este blogue saiba as datas de exibição dos programas.