Sobras

RoNca RoNca apresenta Os Paralamas do Sucesso ao vivo. Capa. Reprodução

Recentemente escrevi para o Farofafá sobre “RoNca RoNca apresenta Os Paralamas do Sucesso ao vivo”, novo disco da banda, que celebra os 40 anos do programa apresentado por Maurício Valladares, após algumas mudanças de nome, emissoras e plataformas.

O jornalista e fotógrafo foi o primeiro a tocar a banda no rádio, exatamente no dia 17 de dezembro de 1982, antes mesmo de o grupo estrear no mercado fonográfico, o que aconteceria no ano seguinte, quando Herbert Vianna (guitarra e voz), Bi Ribeiro (contrabaixo) e João Barone (bateria) lançaram “Cinema mudo”, disco que trazia “Química” (Renato Russo) no repertório, gravada por eles antes mesmo da Legião Urbana – em um disco ao vivo da banda, lançado após o falecimento de seu líder, Renato Russo afirma que Os Paralamas do Sucesso são padrinhos da Legião Urbana.

Para escrever sobre o novo disco conversei por telefone com Maurício Valladares e através de um aplicativo de mensagens com João Barone. Compartilho agora, com minha meia dúzia de leitores e leitoras, as sobras do Farofafá.

Os Paralamas do Sucesso com Maurício Valladares. Foto: José Fortes

DEPOIMENTO: MAURÍCIO VALLADARES

40 anos: o começo de tudo

A primeira página [de seu livro “Os Paralamas do Sucesso”, com texto de Arthur Dapieve, Senac, 2006] é a reprodução que teria sido o diálogo meu com o Hermano [Vianna, antropólogo], irmão do Herbert, que era ouvinte do programa na Fluminense e ganhou a promoção do Clash, com “Combate rock”, aí a gente conversando pelo telefone, “pô, então vamos nos encontrar, passa lá em casa e pega o disco”, ele morava em Copacabana, o papo, vários assuntos comuns, a  gente se encontrou, eu dei o disco pra ele, a gente ficou conversando, e no final ele falou assim: “bom, a próxima vez que a gente se encontrar eu vou te dar a fita que o meu irmão tá gravando com a banda dele”. Eu falei: “ah, beleza, qual é a banda?”. Ele falou: “Os Paralamas do Sucesso”. Eu falei: “pô, mas que nomezinho mequetrefe” [risos do repórter]. Bom, o mundo girou, os dias passaram, ele me deu a fita, e aí quando eu recebi a fita e gostei, eu de cara, isso era dezembro de 1982, eles tinham gravado três músicas, “Vital e sua moto”, “Encruzilhada noturna” [“Encruzilhada agrícola industrial”], e uma outra música [“Patrulha noturna”], isso é fácil de descobrir, porque existe uma lauda do programa que circulou pela web, eu contando, falando que “hoje vamos receber uma nova banda, chamada Os Paralamas do Sucesso”, e a Liliane [Yusim] que fazia o programa comigo, ela lembra perfeitamente deles três no estúdio. E lembra que o Herbert ficou muito eufórico, porque ele achou que a gente ia tocar uma música e tocamos as três que existiam. E essa demo sumiu. O João Barone, principalmente, procura essa demo há anos, há décadas, e não acha esse áudio. E aí a gente ficou amigo. Em sequência pintou a coisa deles gravarem pela Odeon, negócio de capa, de fotografia e aí o bagulho foi crescendo. Mas eles estiveram no estúdio da Fluminense no dia 17 de dezembro de 1982. E a gente esteve juntos agora, sábado, dia 17 de dezembro de 2022, exatos 40 anos depois, que foi esse show deles lá na Barra [o show de lançamento do disco, no Qualistage] e eu fiz um som antes.

O programa de 1982. Acervo Maurício Valladares. Reprodução

Som original

[Pergunto se ele tinha noção de que havia lançado uma banda que iria longe] Não, não tinha. Aliás, ninguém tinha projeção de porra nenhuma. Ali, no caso, a Fluminense eram umas figuras que se juntaram pra fazer uma aventura. Eu já vinha da música, já escrevia em jornal de música, já tinha dado uma circulada, estava circulando pelo jornalismo e sempre fui muito fissurado em rádio. Então, pra mim, foi um caminho natural, pra outras pessoas não, vinham de comércio, mas gostava de música, rock progressivo, música brasileira e se juntou ali pra fazer a rádio, mas sem nenhuma perspectiva do que ia acontecer. O que me interessou, no caso específico dOs Paralamas e Legião Urbana, e eu poderia citar outras, é que [interrompe-se], pô, morreu o Terry Hall, ontem, do The Specials. Não sei se você lembra do Obina Shok [banda brasiliense da época], que era uma banda que misturava, eles todos eram ligados a diplomatas em Brasília, africanos, do Caribe, eles fizeram uma banda muito maneira, gravaram dois discos [“Obina Shok”, em 1986, e “Salleé”, em 1988], o primeiro é muito bom, o [Gilberto] Gil gravou com eles, a Gal [Costa] gravou com eles [ambos participaram do elepê de estreia]. Então, eles ali, o Obina Shok, em meados dos anos 1980, não tão no início, eles representavam aquele som que me interessava muito, que era essa mistura de música africana, com Caribe, então, aquilo me chamou atenção na demo deles, eu toquei pra caramba, o mesmo caso da Legião e dOs Paralamas. Era um som muito diferente do que se produzia pela garotada no Brasil, que ainda vinha com aquele ranço de rock clássico, da MPB tradicional, e eu tinha acabado de chegar de Londres, eu tava com essa sonoridade, 2Tone, The Specials, Police, e do rock, Joy Division, The Cure, Echo & The Bunnymen, eu tinha ouvido todas essas bandas no início. Então, quando você ouve uma demo de uma rapaziada que você sente o estilo dessas referências, aquilo te liga o alerta. Agora, perspectiva de que isso seria, que a Legião iria se transformar no que foi, Os Paralamas e outros tantos, não, zero, nenhuma.

“Um acumulador do caralho”

Isso é praticamente uma doença minha, eu sou um acumulador do caralho. Eu guardo tudo. Eu tenho ingressos, um exemplo que casa com isso que a gente está falando, eu volta e meia conto essa história: quem, que em 1984, guardaria um bilhete deixado na portaria do prédio, de um tal de Renato Manfredini, dizendo que estaria mandando uma fita pra eu ouvir? Eu guardei, esse bilhete do Renato [Russo, vocalista da Legião Urbana], ele tinha uma letra linda, desenhava muito bem, está no livro “Cartas brasileiras” [“Correspondências históricas, políticas, célebres, hilárias e inesquecíveis que marcaram o país”, Companhia das Letras, 2017, org.: Sérgio Rodrigues], é um livro maneiríssimo, tem carta de Lampião [o cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva] a Getúlio [Vargas, ex-presidente da República], passando por Dolores Duran [cantora e compositora] e o caralho a quatro, e está lá, numa página inteira, o bilhete do Renato pra mim. Qualquer pessoa pegaria aquele bilhete ali, de um anônimo, Renato Manfredini, ali, pô, legal, amassa e joga na lata do lixo. Hoje esse bilhete está eternizado num livro com cartas de D. Pedro II, Princesa Isabel, tá entendendo? Eu guardo tudo, cara. É um negócio preocupante, porque, bilhete de show, de jogo, agora a Rainha Elizabeth morreu, eu tenho bilhete de 1968, que eu fui num jogo com meu pai, seleção carioca contra seleção paulista, o jogo foi armado pra Rainha Elizabeth no Maracanã, um bilhete lindo, o ingresso do jogo. Eu tenho essa merda!

Outro livro com material do acervo

Esse livro eu não digo que está no forno porque o forno não foi ligado, mas ele está pensado, idealizado e prestes a ser ejetado. Esse livro, que a gente dá o nome fictício de almanaque, porque ele trata de outros assuntos, ele teria sido o livro anterior a meu livro de fotografia “Preto e branco” [Automática, 2016], que eu lancei em novembro de 2016. A primeira foto que está no livro deve ser de 1972 e a última deve ser de 2005, 6, quando eu parei de fotografar analógico e passei pro digital, por obrigação do mercado, e de coisas do Rio e de viagem, de show, pouca coisa de música, muita coisa de carnaval, futebol, muita rua, e esse livro “Preto e branco” ele ocupou o espaço do almanaque. O almanaque já estava começando a ser pensado, aí o Fernando Furtado, empresário do Skank, meu amigo, ligado em fotografia, gosta das minhas fotografias, falou “cara, essa ideia do almanaque é muito boa, tem a ver, mas você tem que fazer um livro de fotografia de arte, uma foto por página, bem impresso pra caramba, essa é a área que você tem que entrar”. Eu fiquei sensibilizado pela ideia do Fernando, falei com a Luiza Melo, editora, Christiano [Calvet] e Raul Mourão, eles acharam também e a gente inverteu o caminho da história. A gente começou a trabalhar no “Preto e branco” e deixamos o almanaque pra depois. Aí veio a pandemia e ficou meio que congelado. A gente retomou agora recentemente, juntar essas peças todas. O que seria o almanaque? Seria um livro das minhas histórias, do material que eu acumulei ao longo desses mais de 40 anos, com muita coisa do jornalismo, muita reprodução de matérias, dessa papelaria que eu tenho, cartaz, de disco autografado, um almanaque mesmo, das coisas que eu juntei.

Outro/s disco/s

Essa é uma ideia que tem surgido. Tem muita coisa. Essa semana eu falei poderia fazer o disco dO Rappa, por exemplo. Quando eles foram, acho que em 2000, no RoNca RoNca, o som tá bom pra caramba, com o [baterista e letrista Marcelo] Yuka, um repertório maravilhoso, poderia fazer. Como poderia fazer um disco que misturasse vários artistas, desde Cássia Eller na Globo, Renato [Russo] e Dado [Villa-Lobos] na Globo também, com áudio bom pra caramba, Rodrigo Amarante, [Marcelo] Camelo sozinho tocando umas maluquices do caralho, quando ele tava naquela porra de música desorientante. Enfim, poderia fazer tranquilamente. Mas cara, é uma burocracia. Eu só consegui fazer esse disco dOs Paralamas porque são Os Paralamas. Eu sou de quebrar a burocracia, de conseguir as autorizações, de resolver as coisas financeiras. [A relação de amizade com Os Paralamas] é determinante, se não fosse, não rolaria. Um outro compacto que eu lancei em 2005, 2006, com algumas das gravações na Oi FM, um compacto com Do Amor, Cidadão Instigado, Otto e Tulipa, é um compacto que a gente deu, promocional. Pra conseguir liberar isso ia ser um parto e pra vender, negociar esse bolo, como é que vai ser dividido, pô, burocracia é um negócio que eu corro dela. Então eu prefiro nem fazer, pra não me aporrinhar. Esse dOs Paralamas só foi adiante porque era uma oportunidade única: é agora ou nunca. São 40 anos da banda, são 40 anos do programa e aí alguém lá em cima mexeu com os botões pra coincidir esse 17 de dezembro com o show deles e o vinil estar pronto junto. É um bagulho, é mandinga, é muito louco.

O ritual de ouvir música

Outro detalhe interessante, que é bacana de as pessoas perceberem: ah, só vai sair em vinil? Só vai sair em vinil. Ele vai pra plataforma, o Zé [José Fortes, empresário dOs Paralamas do Sucesso] vai botar, mas não vai sair em cd. Porque ele não é só um artefato para ouvir música, ele representa uma forma de ouvir música, ele representa uma relação com a música, com a atenção que a música precisa ter, com o tempo que a música precisa ter. Você está ouvindo o lado a, você quer ouvir o lado b? Eu lamento te informar, mas você vai ter que levantar e vai ter que virar o lado do disco, ele não vai tocar automaticamente [risos]. Ele representa isso, eu não acho que seja só saudosismo, pode ser que o saudosismo seja uma das características disso, mas é essa informação que está sendo dada, de que a música, para ser entendida como música e como um duto de informação e de tudo o que está envolvido ali, ela precisa de tempo, ela precisa da sua atenção. Isso é assim. Esse é o conteúdo, a mensagem que vai nesse disco, independente do que esteja nele, mas fora, se você olhar de fora, pô, eu preciso ter atenção aqui.

Os Paralamas do Sucesso com Maurício Valladares e o empresário José Fortes. Acervo Maurício Valladares

ENTREVISTA: JOÃO BARONE

ZEMA RIBEIRO – Maurício Valadares foi o primeiro a tocar Os Paralamas do Sucesso no rádio, antes mesmo de o grupo ter lançado o primeiro disco. É simbólico que os 40 anos da banda sejam celebrados com o lançamento de um disco que registra uma participação de vocês em um programa dele, ainda no século XX? Gostaria de ouvi-lo sobre essa relação de trabalho e amizade e a importância dele para a banda.
JOÃO BARONE – O Maurício é um cara que construiu uma reputação como homem do rádio. Ele, naquele momento, onde estava todo mundo surgindo, tava todo mundo emergindo daquela grande efervescência, que todo mundo sentia, com o final da ditadura, com a necessidade de reescrever um pouco a cena musical jovem, a nova cena musical que apontava ali naquele início dos anos 1980, e a Rádio Fluminense, que teve uma atitude muito pioneira e instigante, ela tocava as inúmeras fitas que chegavam para a programação da rádio, porque eles deram essa abertura, essa receita, de ir atrás do novo, do que estava surgindo, por conta de algumas entradas no mainstream, como foi o caso da Blitz, que marcou muito, como primeiro momento, na hora que abriu a porteira para uma nova expressão, dentro da música jovem, com o rock ganhando mais espaço, saindo um pouco daquele gueto que ele vinha, da classe média, do rock como a gente conheceu nos anos 1970, que era uma coisa muito restrita à classe média, aos universitários, na época em que universitário gostava de rock [risos]. Então, é claro que existe uma importância gigantesca nos grandes referenciais do rock brasileiro, que veio antes, nos anos 1970, Mutantes, Rita Lee, Raul Seixas, mas a geração dos anos 1980 foi responsável por ancorar definitivamente o rock na música brasileira. Então, o que a gente viu ali na Rádio Fluminense foi um momento inicial dessa grande abertura para o rock brasileiro e esse momento refletiu-se em todas as capitais do Brasil, em todas as regiões, foram aflorando as bandas novas de rock, especialmente daquela cena lá de Brasília, de onde Os Paralamas sempre faziam referência a Brasília. A gente é uma banda do Rio, mas Brasília sempre esteve no norte dOs Paralamas, tanto que até hoje muita gente acha que Os Paralamas são de Brasília [risos]. Mas o Bi e o Herbert, que moraram lá, conheceram aquela turma toda, do Renato Russo, do Dinho [Ouro Preto, vocalista do Capital Inicial], Plebe Rude, o caramba a quatro. Enfim, quando chegou esse momento dOs Paralamas levarem a fita até a rádio Fluminense, a gente teve a surpresa do Maurício Valladares tocar no programa dele a nossa fita e dali, já, as músicas da nossa fita começaram a tocar na programação da rádio, “Vital e sua moto” foi um hit, dentro daquela lista das bandas novas que eram pedidas pelos ouvintes, e o resto foi história. A gente no começo de 1983 assinou o contrato com a gravadora e o Maurício sempre teve essa visão, assim, mais ampla da cena do rock principalmente, onde ele sempre ia atrás da novidade, ia atrás da vanguarda, apesar de ele não gostar muito disso [risos], a gente sempre via o Maurício como o cara que apontava boa música, além de qualquer rótulo, de influência ou de vanguardista, o Maurício sempre gostou de boa música, de qualquer que fosse a era, do rock clássico, dos grandes vultos do rock, dos anos 1960, 70, e aí quando chegou nos 80 ele estava indo lá, atrás das novas tendências, tanto que o programa dele, o Rock Alive, era sempre assim, sempre colocava coisas diferentes, e aí a gente teve a sorte de começar uma amizade a partir dali. O Maurício já era fotógrafo antes de ser um cara da rádio e ele era um fotógrafo fora do comum, era um cara com um perfil muito artístico em termos de fotografia, ele nunca foi um fotógrafo profissional, sabe?, de trabalhar em estúdios e não sei o quê. O Maurício é um cara que a personalidade dele também está na fotografia que ele faz. Ele acabou trabalhando com [interrompe-se], a gente chamou ele pra fazer as capas do nosso disco [“Cinema mudo”, de 1983], ele foi o cara que fez a primeira foto oficial dOs Paralamas, para a revista Pipoca Moderna, ali no final de 1982, onde já anunciava-se o nosso show no Circo Voador em 1983, quando a gente abriu [pro] Lulu Santos. Maurício sempre foi um cara muito de personalidade, ele não é um fotógrafo como todo mundo acha que o fotógrafo é, aquele cara que sai tirando um milhão de fotos. O Maurício tirava meia dúzia de fotos e olhe lá [risos], ele busca o momento ideal para fazer o clique, ele não é o cara que sai numa roleta russa, tirando foto a três por quatro. A personalidade dele sempre se expressou muito nas fotografias, na música que ele apresenta. E esse disco que ele agora lançou é apenas um registro dos inúmeros registros preciosos que ele tem de muita gente bacana que participou das várias encarnações do programa dele de rádio. Quando ele saiu da Rádio Fluminense, depois veio com outro programa, que era o Ronca Tripa, depois virou Radiola e aí nos últimos anos, já vai fazer um tempão, uns 20 anos, virou o RoNca RoNca, e ele continua espalhando boa música pelo universo afora. A nossa relação de amizade foi crescendo com o tempo, o Maurício é um cara que virou parte dOs Paralamas, ele é um cara da nossa entourage, sempre referencial. Quando a gente vai fazer alguma coisa a gente mostra pra ele, a gente fala com ele, ele tem uma ingerência muito grande sobre a nossa organização. Os Paralamas somos nós três, mais o Zé Fortes, como teve o documentário [“Os quatro Paralamas”, de 2020, de Roberto Berliner e Paschoal Samora, disponível na Netflix], é o quarto Paralama, e o Maurício é um cara que a gente sempre conta com a opinião dele em qualquer situação, ele é uma espécie de oráculo prOs Paralamas e essa relação foi crescendo ao longo dos anos, ela foi se amalgamando com o tempo e a gente é compadre velho, depois desse tempo todo, 40 anos desde o dia em que ele tocou a gente pela primeira vez no rádio e essa amizade só fez aumentar com o tempo.

ZR – Os Paralamas do Sucesso foi a banda mais ousada do chamado pop rock brasileiro dos anos 1980, justamente por sua disposição em não se contentar com o pop rock, indo além, nas misturas, por exemplo, com o reggae e o ska. Pra você, além do contato com Gilberto Gil, o que foi definidor nesse aspecto?
JB – Eu acho que o que caracteriza Os Paralamas é uma espontaneidade muito grande e um compromisso muito grande com o que a gente gosta mais de fazer, que é tocar. O Herbert foi desenvolvendo uma capacidade muito grande nesse dom que ele tem, de composição, mas ele faz tudo visando esse grande momento que é a gente tocar junto e ele poder tocar também, porque o Herbert, acima de tudo, é um guitarrista. É um cara que pensa, sempre pensou muito na guitarra, na composição. Ele foi evoluindo musicalmente ao longo desse tempo todo, ele foi colocando a mente dele a favor da música e pensando coisas musicalmente até mais ousadas do que a guitarra. Ele começou a pensar no piano, começou a pensar nos riffs de sopros, que hoje são parte integrante dOs Paralamas. Isso tudo sai muito da cabeça do Herbert, ele foi desenvolvendo essa musicalidade e a gente foi arriscando tudo no que ele pensava, o Herbert sempre foi esse músico excepcional, o cara que, musicalmente é o mais requintado dOs Paralamas, o Herbert estudou violão clássico, o Herbert sabia tocar bossa nova, e ele foi refinando a capacidade dele de letrista e hoje a gente tem esse legado das músicas dOs Paralamas que ele fez há tantos anos e todo mundo canta até hoje e não tem um ranço nostálgico, é uma coisa que funciona hoje em dia. O repertório dOs Paralamas está longe de ser uma coisa nostálgica, as músicas funcionam atualmente, as pessoas que descobrem a obra dOs Paralamas hoje em dia, a gente tem um público que cresceu com a gente, mas quis o destino que a gente renovasse muito o nosso público, por conta da nossa música, do que a gente fez antes, do que a gente faz eventualmente atualmente, mas esse aspecto dOs Paralamas continua funcionando até hoje, o nosso grande prazer em fazer o que a gente faz, em tocar junto e ir pra estrada, que é uma outra coisa que a gente gosta muito, de fazer show, quando a gente tem assunto a gente grava um disco e é assim que a gente funciona, com esse descompromisso, até certo ponto, de ficar indo atrás de fórmulas ou de receitas. A gente vai aonde o nosso arrepiômetro funciona. Talvez seja a melhor explicação dOs Paralamas, mais do que qualquer autorreferência de ousadia ou de não sei o quê. Naquela época a gente até tentou se diferenciar do bloco todo que tinha ali do rock brasileiro, o nosso terceiro disco [“Selvagem?”, de 1986] foi mais ou menos isso, a gente fez uma escolha realmente, estética, uma escolha conceitual, e de lá pra cá a gente foi explorando a musicalidade intrínseca que a gente tem. Umas horas a gente está mais reggae, umas horas a gente foi mais afro, uma hora a gente está mais balada, uma hora a gente está mais roqueiro, enfim, é isso que a gente faz, a gente explora as nossas personalidades musicais ao nosso bel-prazer.

ZR – O disco recém-lançado, com o material do RoNca RoNca de 1999, revela algumas influências de vocês, no sentido em que além de clássicos e lados b da banda, apresenta também Os Paralamas do Sucesso fazendo alguns covers. O que mais você destacaria neste registro?
JB – O repertório que foi registrado nesse vinil que agora é lançado pelo Maurício Valladares, o RoNca RoNca, podia se dizer o RoNca RoNca sessions [risos], como eu falei, o Maurício tem um baú com registros incríveis de um monte de gente que foi ao programa dele fazer uma apresentação ao vivo, ali, em tempo real, foi gravado, mas era tudo ao vivo, a nossa participação foi ao vivo, a menina lá, a ouvinte, pediu para a gente tocar “Navegar impreciso” [Herbert Vianna] e a gente tocou ali, na hora. Esse repertório foi bem inusitado, que a gente apresentou ali no programa do Maurício, o Herbert puxou lá uns blues, puxou lá uma música do The Beat, do The English Beat [“The tears of a clown” (Henry Cosby/ Smokey Robinson/ Stevie Wonder)], e algumas músicas não tão conhecidas, não tão hits assim dOs Paralamas, e o que tem de interessante nesse registro é que ali a gente estava começando a rascunhar o que viria a ser o nosso Acústico MTV [1999], que a gente gravou dali a alguns meses, a gente começou a experimentar algumas coisas nesse formato acústico, apesar de o Herbert ter gravado com uma guitarra elétrica, mas a gente já estava ali esboçando um projeto pra gente fazer um acústico que seria meio na contramão da receita do formato, que era sempre pegar as músicas mais conhecidas e tocar com um violão, um bongozinho, então a gente estava pensando assim, ousadamente, num acústico onde a gente não traria apenas obviedades, então esse registro do programa do Maurício, que agora está saindo nesse vinil, é uma espécie de caviar, é uma tiragem limitada, de produção limitada, com um registro assim raríssimo dOs Paralamas despojados, e que tem um valor, assim, por conta dessa pré-produção, desse pré-registro do nosso acústico.

ZR – Em suma: o disco no RoNca RoNca está longe do que poderíamos chamar de caça-níquel e Os Paralamas tem lançado material inédito com certa regularidade, embora o último disco de inéditas seja de 2017 [Sinais do sim]. Estamos às vésperas de 2023 e eu queria ouvi-lo sobre o que você pode adiantar em relação a novidades da banda e sua expectativa como cidadão.
JB – Pois é, a gente está adentrando aqui um ano novo com uma perspectiva muito boa de trabalho, que já começou nesse ano. Ao longo desse ano a gente teve praticamente um renascimento do show business, com o arrefecimento da pandemia, em alguns momentos houve uma preocupação e tal, mas a gente está longe daquele cenário terrível que foi 2020, 2021. Então a gente está um pouco nesse embalo, de momento mais promissor, nossa agenda está muito boa, a gente está trabalhando bastante, a gente vai retomar nossa frequência de encontros pra poder ver o material novo que o Herbert tem escrito, retomar mais, assim, a nossa rotina de criação mesmo, e isso não aconteceu porque durante a pandemia a gente se encontrou pouquíssimo nas horas em que a gente estava podendo se encontrar pra fazer shows e tal, e um ou outro ensaio, e aí ao longo de 2021, também, que foi um ano meio vagalume, acendeu, apagou, esse ano de 2022 foi muito promissor, que a gente caiu forte na estrada e nós ficamos sem tempo de fazer esses encontros pra tocar, pra levar som, pra compor e a gente com certeza vai retomar isso nesse ano que se inicia. Já que você perguntou, a gente está muito otimista com um certo alívio que a gente teve dentro da política nacional. A gente sabe que não é uma tarefa simples resolver os grandes problemas que o Brasil tem, mas o fato de a gente ter se livrado de um governo que tinha claramente um perfil fascista no seu discurso, na sua política nefasta, então já é uma melhoria. Eu acho que não vai ser nenhum passeio no parque o que a gente vai ter que fazer para reencontrar o rumo democrático no Brasil e todos os desafios que a gente sabe que existe, socialmente falando, principalmente, e é preciso muito bom senso pra gente não ficar sempre numa gangorra entre os dois extremos, da extrema-direita e da extrema-esquerda, a gente precisa achar um caminho do meio, onde a gente consiga tirar o grosso da população da miséria, do mapa da fome, fazer um investimento seríssimo na educação, fazer uma devassa fiscal, acabar com esse dinheiro todo que vai pelo ralo no nosso processo político e torcer pra que o Brasil volte a ser um país digno das riquezas e da gente que vive nesse país. Vamos torcer!

Cohatrac recebe sarau RicoChoro ComVida na Praça

[release]

Segunda noite da temporada 2022 acontece neste sábado (20), às 19h, e tem como atrações o dj Marcos Vinícius, Instrumental Tangará, Bia Mar e Carlos Cuíca

Está chegando a hora: neste sábado (20), a partir das 19h, na Praça Nossa Senhora de Nazaré, no Cohatrac, acontece o segundo sarau da temporada 2022 do projeto RicoChoro ComVida na Praça. O primeiro aconteceu dia 6 de agosto e foi um sucesso absoluto, tendo contado com a participação especial surpresa do cantor e compositor mineiro Paulinho Pedra Azul.

Desta vez as atrações são o dj Marcos Vinícius, o Instrumental Tangará, e os cantores e compositores Bia Mar e Carlos Cuíca. A programação é gratuita e aberta ao público e o evento conta com acessibilidade, com assentos preferenciais, banheiros adaptados, audiodescrição e tradução simultânea em libras, a língua brasileira de sinais.

O dj Marcos Vinícius. Foto: divulgação

Atrações – Uma das vozes mais conhecidas do rádio maranhense, o dj Marcos Vinicius é também um colecionador e pesquisador, além de pioneiro na discotecagem de reggae a partir de discos de vinil. Mas sua atuação inclui também os universos do samba e da black music, entre outros gêneros. “Estamos preparando um repertório bem especial, dançante e pensante, para mais uma participação nesse projeto que é um marco na produção musical da nossa cidade, oportunizando palco e plateia aos nossos artistas e convidados”, promete.

O Instrumental Tangará. Montagem. Divulgação

O Instrumental Tangará é fruto da renovação vivida pela cena choro do Maranhão. Diversos músicos jovens têm se dedicado ao gênero, aprofundando estudos e pesquisas e aprimorando o fazer musical, ratificando a ilha de São Luís do Maranhão como uma importante praça de choro, tanto do ponto de vista da execução quanto da criação. O grupo é formado por Andrezinho (acordeom), Gustavo Belan (cavaquinho), Tiago Fernandes (violão de sete cordas), Valdico Monteiro (percussão) e Victtor Sant’Anna (bandolim).

A cantora e compositora Bia Mar. Foto: divulgação

A cantora e compositora Bia Mar iniciou sua carreira aos 15 anos e com a bagagem acumulada desde então, tornou-se uma das vozes mais conhecidas e respeitadas da cena local quando o assunto é samba. Além da carreira solo, ela também é vocalista do bloco carnavalesco A Escangalhada, que costuma arrastar multidões pelas ruas do Centro Histórico da capital maranhense. Parceira de nomes como Aldair Ribeiro, Allyson Ribeiro e Vicente Melo, ela planeja para breve o lançamento de “Cupuaçu”, seu primeiro single, em parceria com Carlos Boni.

O cantor e compositor Carlos Cuíca. Foto: divulgação

Além de percussionista versátil, batizado por seu instrumento preferido, Carlos Cuíca é também inspirado cantor e compositor. Figura fácil nas rodas de samba da ilha, ano passado ele teve sua “Mestre Antonio Vieira”, homenagem ao saudoso compositor, classificada entre as 12 finalistas do Festival de Música Timbira 80 Anos.

Arte na luta contra a fome – O projeto RicoChoro ComVida na Praça é parceiro do “Pacto pelos 15% com fome”, da ONG Ação da Cidadania. Atualmente mais de 33 milhões de brasileiros não têm o que comer. O objetivo da campanha é “promover uma grande aliança entre entidades da sociedade civil e empresas, grupos de mídia, agências de comunicação e publicidade, pessoas físicas, artistas e influenciadores, para atuarem na linha de frente no combate à fome e às desigualdades sociais”. Por ocasião do sarau, interessados/as poderão se cadastrar como voluntários/as, fazer doações e/ou conhecer melhor a campanha, que busca minimizar os efeitos desta tragédia nacional.

O sarau RicoChoro ComVida na Praça é uma realização da Sociedade Artística e Cultural Beto Bittencourt, com produção de RicoChoro Produções Culturais e Girassol Produções, que agradecem o apoio do Deputado Federal Bira do Pindaré para sua realização, através de emenda parlamentar destinada à Prefeitura Municipal de São Luís, através da Secretaria Municipal de Cultura (Secult).

Serviço

Divulgação

O quê: sarau RicoChoro ComVida na Praça
Quem: dj Marcos Vinícius, Instrumental Tangará, Bia Mar e Carlos Cuíca
Quando: dia 20 (sábado), às 19h
Onde: Praça de Nossa Senhora de Nazaré (Cohatrac)
Quanto: grátis
Informações: @ricochoro (instagram e facebook)

Sarau “Vinil & Poesia” retoma encontros com audição do vinil homônimo

[release]

O endereço da tertúlia poético-musical é o Ramiro’s Gastrobar; na reestreia Vanessa Serra terá como convidados o Joaquim Zion, Eloy Melônio, Dicy e Marcos Magah

A dj coruja e seu rebento. Foto: Alberto Jr./ Divulgação

É difícil metaforizar a trajetória da dj Vanessa Serra na cena das artes, cultura e entretenimento em São Luís. Dizer meteórica é pouco, por que em geral um meteoro passa ou destrói. E ela, em pouco menos de meia década de atuação, provou que veio para ficar, que nasceu para isso.

Jornalista experimentada, com atuação no segmento cultural, incluindo produções, ela aliou a bagagem acumulada ao longo destes anos de experiência com sua nova paixão, nova é modo de dizer, sua paixão recém-descoberta ou redescoberta, melhor classificar assim. Embora classificar também não seja bem o verbo, já que em seus sets ela passeia por todas as bossas, de boleros da era de ouro do rádio a novidades quentes lançadas após o revival do vinil.

O que é necessário dizer é que Vanessa Serra tem familiaridade com o métier e aqui, sim, a palavra cabe bem: seu envolvimento com a diversidade musical brasileira, mas não só, vem de berço. Das festas nos quintais das casas de família e de suas vastas coleções de discos de vinil – parte ela acabou herdando de gente que foi se desinteressando, fruto dos processos de digitalização, com o avanço do streaming –, duma época nem tão longínqua em que todos os brasileiros esperavam pelo Natal contando também com a chegada do disco novo de Roberto Carlos.

Vanessa Serra foi cavando uns espaços e inventando outros. Havia sentado em outras praças para a tertúlia semanal, com uma premissa bastante simples: ela tocaria seus vinis, animando a noite dos presentes, que poderiam fazer uso do microfone para recitar poemas – autorais, de poetas prediletos e malditos, citados de memória ou lidos em livros que ela também levava para estimular o diálogo com a plateia.

A ideia vingou e evoluiu e logo ela passava a receber um convidado por semana, da música ou da poesia. Então veio a pandemia e o sarau passou a ser online e nisso ela se reinventou também. Sua Alvorada, nas manhãs de domingo, é um dos eventos mais bem sucedidos em termos de audiência (e fidelidade desta) ao longo do confinamento a que ainda estamos parcialmente obrigados.

A cadeia produtiva da cultura foi uma das mais atingidas pela pandemia do novo coronavírus: de repente artistas, técnicos de som, roadies e toda uma fauna de profissionais do setor se viram sem condições e oportunidades de trabalho e sem a possibilidade de contato com o público.

Após muita pressão popular e tensos debates no congresso nacional, foi aprovada a Lei Aldir Blanc de Emergência Cultural, cujo batismo homenageia um compositor e cronista sempre crítico deste triste estado de coisas, não à toa autor de um sem número de composições que invariavelmente comparecem aos bailes presenciais e virtuais de Vanessinha, como ela é comumente chamada pelos amigos.

Através de seleção em edital da citada lei, Vanessa Serra aprovou o projeto “Vinil & Poesia”, nome do sarau interrompido pela pandemia, e gravou o disco homônimo – também disponível nas plataformas de streaming –, produzido por ela, que reúne uma constelação de astros e estrelas da música e poesia produzidas no Maranhão.

Uma live de lançamento chegou a ser realizada no final do ano passado. Era o possível para o momento. O vinil não havia chegado, por atraso na fábrica, mais um fruto da pandemia, fazer o quê?

“Esperar não precisa mais”, como diz o compositor: é chegada a hora de uma audição presencial de “Vinil & Poesia”, na retomada do sarau que lhe emprestou o nome. Na tarde de hoje (2), haverá edição especial do sarau “Vinil & Poesia”, com os djs Vanessa Serra e Joaquim Zion, e participações do poeta Eloy Melônio e dos cantores Dicy e Marcos Magah. O reencontro acontece no charmoso Ramiro’s Gastrobar (Rua Aziz Heluy, 350, São Marcos), a partir de 16h. O áudio e técnica estão a cargo de Capella Sonorizações.

Serviço

O quê: sarau “Vinil & Poesia”, com audição do vinil homônimo
Quem: a dj Vanessa Serra e convidados
Quando: sábado (2), às 16h
Onde: Ramiro’s Gastrobar (Rua Aziz Heluy, 350, São Marcos)
Quanto: R$ 10,00 (couvert artístico individual)
Outras informações e reservas: @ramiros.gastrobar/ @vinilepoesia/ @vanessaserrah

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Ouça “Vinil & Poesia”:

Vinil duplo celebra 20 anos de Carnaval na obra

Carnaval na obra. Capa. Reprodução

 

Terceiro disco da mundo livre s.a. (grafado assim mesmo, em minúsculas), Carnaval na obra (1998) foi um dos álbuns que me apresentou ao movimento MangueBit (grafia conforme Paula Lira, em seu A grande serpente) – foi o disco inaugural da Abril Music, num tempo em que a MTV Brasil apontava as antenas para boas novidades da música brasileira.

Antes do disco em si, lembro de uma coletânea encartada na revista Trip, dedicada ao movimento pernambucano, com nomes como mundo livre s.a. (Alice Williams, faixa que abre Carnaval na obra), Nação Zumbi e Matalanamão, entre outros.

Depois daquele aperitivo da revista (tenho o cd até hoje), descobri o terceiro disco inteiro e, no rastro, toda a discografia da mundo livre s.a. até então: Samba esquema noise, a estreia de 1994, de título e sonoridade de inspiração jorgebeniana, e Guentando a oia (1996).

Então formada pelo jornalista Fred Zeroquatro (voz, cavaquinho, guitarra, violão, banjo e surdo), Tony (bateria, caixa de ferramentas, programação de bateria eletrônica e backing vocal), Fábio (baixo), Bactéria (teclados, guitarra e backing vocal) e Marcelo Pianinho (percussão), a banda teve, nas 14 faixas de Carnaval na obra, quatro produtores que dizem muito do som brasileiro para ouvidos atentos lançado à época: Apollo 9, Bid, Carlos Eduardo Miranda e Edu K.

Além de Alice Williams, amor à primeira audição do duelo-diálogo de cavaquinho e bateria, Carnaval na obra traz faixas como A expressão exata, Quem tem bit tem tudo, O africano e o ariano, Novos eldorados e Compromisso de morte, entre outras, nas quais o componente político das letras de Zeroquatro já dava o tom.

Destaco ainda Bolo de ameixa, parceria com o jornalista Xico Sá, e Édipo, o homem que virou veículo, composta a partir de uma notícia de jornal: uma secretária municipal do Recife, ao ver catadores de materiais recicláveis em ação, exclamou que eles eram “mal-educados, pois não usavam luvas” para fazer seu trabalho. O Brasil é surreal faz tempo.

Outra curiosidade de Carnaval na obra, movida pelo preconceito contra o qual também se insurgiram desde sempre, é o título do disco. Estavam almoçando em um restaurante em São Paulo, próximo do estúdio onde o disco era gravado, quando um garçom indagou-lhes, ao ouvir o sotaque fortemente nordestino da trupe: “em que obra vocês estão trabalhando?”. Foi o suficiente para batizar o terceiro álbum de sua fusão de maracatu, rock e samba.

Celebrando os 20 anos de seu lançamento, Carnaval na obra acaba de ganhar edição comemorativa em vinil duplo de 180 gramas na coleção “Clássicos em vinil”, da Polysom.

 

Uma DJ sem firulas: a música em estado puro

A DJ Vanessa Serra em foto de Zeqroz Neto

 

Na seara ilhéu dos disc-jóqueis, cena majoritariamente dominada por homens em São Luís do Maranhão, Vanessa Serra adentrou qual Leminski em seu conhecido poema: “com os dois pés/ no peito dos porteiros/ dizendo pro espelho/ – cala a boca/ e pro relógio/ – abaixo os ponteiros”.

Jornalista e produtora cultural, com anos de atuação na ilha, Vanessa Serra coleciona vinis desde a adolescência, tendo ao longo do tempo engordado seu acervo com aquisições e heranças da família, em que pai, mãe, tios e avós sempre foram apreciadores de boa música.

O DNA explica parte do talento, que começou a ser treinado nas festas da família: invariavelmente era Vanessa Serra quem escolhia a trilha sonora de aniversários, churrascos de fim de semana e esticas de farras em Copas do mundo, por exemplo, o que a torna uma DJ brasileiríssima de talento nato.

O que era apenas um hobby há algum tempo tornou-se uma espécie de segunda profissão de Vanessa. Em vez do aparelho de som caseiro, aprendeu a manusear a parafernália necessária para botar um som e logo prestigiar seu riscar de agulhas nos bolachões de cera deixou de ser privilégio somente de familiares e amigos mais chegados.

Começou a discotecar profissionalmente – embora seja uma “amadora”, no sentido do amor pelo ofício – em 2016. Muito rápida e merecidamente ela conquistou o respeito e o reconhecimento do público, da crítica e de seus pares. Nem ousarei citar os nomes mais frequentes a seu repertório, para não cometer injustiças. Devo dizer que alia qualidade e ginga. Música para dançar e pensar, para não fugir do clichê – cá no texto, que este não tem vez na discotecagem de Vanessa, de espírito libertário: dança quem quer, pensa quem quer, alguns fazem ambos, mas a certeza é que todo mundo se diverte, a começar pela própria DJ, esbanjando charme enquanto procura e limpa o próximo vinil que tocará, dançando com um fone no ouvido e o outro livre, atenta à música com que está presenteando o público, para não haver falhas, uma espécie de um olho no gato outro no peixe.

Vanessa Serra não é DJ de firulas: toca a música em estado puro, como se estivesse no quintal de sua casa, entre amigos, entre um gole e outro. Talvez por isto mesmo seja tão bom vê-la/ouvi-la tocar: sentimo-nos em casa, com uma amiga a mostrar, entusiasmada, os novos discos que comprou ou as raridades que conseguiu arrematar num sebo ou na coleção de alguém que se desfez por um motivo ou outro, ou ouvindo um programa de rádio com selo de qualidade total, sem a voz dos locutores ou anúncios a interromper a sequência perfeita, já que pensada.

Pelas mãos, capricho e seleção de Vanessa Serra a música volta a cumprir seu importante papel de comunhão, tornando-nos mais humanos, mais irmãos e mais felizes. Ao menos enquanto durar a festa.

*

Acompanho com entusiasmo a rápida evolução da queridamiga Vanessa Serra no universo dos DJs e, baita honra, escrevi o release acima, inspirado pela alegria de já tê-la visto/ouvido trabalhando (e se/nos divertindo) algumas vezes. Quem quiser conferir o trabalho da moça, aí está o serviço para hoje:

Divulgação

“Lelé da cuca num dia de sol” (meu repertório de ontem)

Entre organizadores do evento e djs de ocasião: da esquerda para a direita Catarina Malcher, Cláudio Mendonça, Welbson Madeira, este que vos perturba e Otávio Costa
Entre organizadores do evento e djs de ocasião: da esquerda para a direita Catarina Malcher, Cláudio Mendonça, Welbson Madeira, este que vos perturba e Otávio Costa

 

Quando comecei a colecionar música mais a sério o vinil estava caindo em desuso e o cd significava o futuro – agora as coisas se invertem. Vi muita gente substituir coleções inteiras. Eu tinha uns poucos vinis e comecei a comprar tudo no formato que então começava a se tornar mais popular.

Não sou um grande colecionador de vinis, embora tenha mantido alguns, sobretudo títulos nunca relançados em formato digital, a exemplo dos de Chico Maranhão lançados pela gravadora Marcus Pereira.

Apesar disso, não hesitei em aceitar o convite do amigo Welbson Madeira para o ato “Vinil: tempos de resistência”, do Comando Local de Greve da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), ontem (9), na Área de Vivência. Por diversas razões: re-encontrar pessoas queridas com quem comungo sentimentos e ideologias, trocar ideias sobre música, o que é sempre um bom tema para muitos papos, além de erguer a voz contra o autoritarismo dominante na universidade, que cada vez mais tem tentado esterilizar o pensamento e a crítica – o que é muito arriscado num ambiente como o acadêmico, não bastasse o que têm feito o sucateamento e o produtivismo ao longo dos últimos anos.

Catei os vinis, convidei o amigo-irmão Otávio Costa, leitor fiel e atento deste blogue, e nos mandamos. Os que levamos vinis éramos djs por uma tarde: eu, Otávio, Cláudio Mendonça, Welbson, seu filho Ernesto Vandré, inclusive atendendo a pedidos.

Agulha e microfone livres, saudei o ato, sua organização, agradeci o convite e abri os trabalhos com Bandeira de aço (Cesar Teixeira), faixa-título do disco homônimo de Papete, lançado por Marcus Pereira em 1978. Na sequência ataquei de A vida de seu Raimundo (Chico Maranhão), do Fonte nova de Chico Maranhão, lançado pela mesma gravadora. Pra quê me deram liberdade? Antes de cada música eu ia contando histórias. Desta, lembrei de uma entrevista em que o autor me disse ter sido inspirada no assassinato do jornalista Vladimir Herzog nos porões da ditadura militar brasileira.

Papeei, namorei vinis alheios – sobretudo o duplo Na quadrada das águas perdidas, de Elomar, da Bia – e o ato vespertino seguia animado pelo revezamento de djs e locutores de ocasião. Como tudo o que é bom dura pouco, logo eu teria que partir. Anunciei duas saideiras: A bola do jogo (Fred Zeroquatro), de Samba esquema noise (1994), estreia dos pernambucanos do mundo livre s/a, e Passarinho, de João do Vale, na interpretação de Irene Portela, lançada pela codoense num disco da Marcus Pereira, Rumo Norte (1979).

Já estava nos abraços de despedida quando me chamaram para uma foto (a que abreilustra este post) e vi, sobre a mesa, uma coletânea de Paulo Diniz – que estava entre os discos repetidos que eu havia levado. Não me contive. Contei a história da música, cujo título foi retirado de uma frase (que ficou de fora da versão final) do Catatau de Leminski e mandei ver Ponha um arco-íris na sua moringa (Paulo Diniz e Odibar), espécie de faixa bônus de minha participação no ato.

Saí, na sequência, ao som de Um chope pra distrair, também de Paulo Diniz, que me foi oferecida por Marizélia Ribeiro. Parece que a coisa vai pegar. Se nem o calor nos esmoreceu, a depender da disposição deste bando, o evento deve ganhar periodicidade. A conferir.

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Ouçam Paulo Diniz em Ponha um arco-íris na sua moringa:

Gildomar Marinho lançará dois discos em 2015

Fotosca: Zema Ribeiro
Fotosca: Zema Ribeiro

 

Fortaleza – Numa conexão em Fortaleza/CE, a caminho do Recife/PE, marquei com o amigo e compositor Gildomar Marinho. Entre alguns chopes, no tempo curto entre um avião e outro, ele revelou estar gravando nada menos que dois discos, ambos com previsão de lançamento ainda este ano.

“São dois trabalhos bastante distintos, Porta sentidos e Mar do Gil. O primeiro deve ser lançado apenas em vinil, em tiragem limitada”, contou-me, ainda com dúvidas sobre o assunto. Mas ambos, a exemplos dos outros três discos de Gildomar lançados até aqui, devem ser disponibilizados para download.

Sem previsão de visitar a terra natal, o Maranhão acabou não sendo palco dos lançamentos de Tocantes e Pedra de Cantaria, apesar de shows bissextos, a exemplo do Salão do Livro de Imperatriz e no L’Apero, em São Luís. Olho de boi, o disco de estreia, foi lançado no Teatro João do Vale. Gildomar revela, no entanto, à vontade de se apresentar mais por estas bandas.

Gravados no estúdio Som do Mar, em Fortaleza, os discos novos têm direção musical do percussionista Hoto Jr. Nos repertórios, completamente autorais e inéditos, parcerias com o radialista Ricarte Almeida Santos, o poeta arariense Ely Cruz e com este que vos perturba.

“Já vendi um carro”, revelou-me, sem perder o senso de humor, a fonte de financiamento da gravação dos discos. Gildomar deve recorrer ao financiamento coletivo para as etapas de mixagem, masterização, prensagem e lançamento.

Obituário: Neném Bragança

“Meu Deus, me deixe ficar mais uns dias/ dias que digo alguns anos/ anos assim não mais que uns 26”. As preces que Neném Bragança [Bragança/PA, 19 de março de 1960 – Imperatriz/MA, 15 de janeiro de 2015] cantou em Os milagres (Erasmo Dibell) não foram atendidas: vítima de um câncer de palato contra o qual lutava há cerca de um ano, o cantor faleceu nesta madrugada.

Os milagres abre o recém-lançado cd/dvd de Neném Bragança, segundo volume da série Som do Mará, produzido por Chiquinho França, que inaugurou-a. O câncer de Neném, aliás, foi descoberto quando o artista se preparava para entrar em estúdio e foi submetido a um tratamento dentário.

O trabalho é um apanhado de sucessos colecionados por Neném Bragança ao longo dos anos, composições autorais e clássicos da música do Maranhão, como Prisma (Carlinhos Veloz), Bela Mocidade (Donato), Agosto (Nando Cruz), Grades (Zeca Tocantins), Plenitude das palavras (Neném Bragança) e Ilha magnética (César Nascimento), entre outras. Ave de arribação (Javier dy Mar-y-abá) seu maior sucesso, encaixa-se nas três categorias – no fim das contas a música é também de Neném, será dele a interpretação para sempre lembrada.

Há poucos dias, em uma roda de amigos, comentávamos a situação da saúde de Neném e a torcida coletiva por sua pronta recuperação, enquanto ouvíamos um exemplar em vinil do festival Tribo (1989), que reunia nomes como Zeca Baleiro, Nosly, Renata Nascimento, Luis Carlos Dias, Neném Bragança e Tutuca, entre outros. Foi o último quem comentou: “Pra mim a música que ganhou é essa aqui [aponta para Ave de arribação na capa do vinil]: foi a única que tocou em rádio”, declarou. Na mesma ocasião, ganhei de presente, do amigo e fiel leitor Otávio Costa, o volume dedicado ao cantor da série Som do Mará.

Neném Bragança ficou conhecido como “papa festivais” entre os amigos, tantos os troféus acumulados em certames país afora, em especial no entorno da região que o acolheu. Artista iluminado, trazia a luz no sobrenome de batismo, Raimundo Nunes da Luz Ferreira. Tinha 54 anos. Sua Plenitude das palavras pode lhe servir de epitáfio: “quero a plenitude das palavras/ chegará a hora da verdade/ e aí? O que vai ser de mim e de você?”. Ou Ave de arribação: “o certo é que acaba, como todas as folias/ o certo é que passa, como passa uma euforia/ (…)/ não, não vou deixar meu coração perder a luz”.

50 anos com os Beatles

Na ficção autobiográfica Big Jato, seu livro mais recente, Xico Sá cravou que “todo mundo tem um tio doidão beatlemaníaco”. Foi através de um tio, nem tão doidão assim, que conheci os “cabelim pastinha”, os quatro moços de Liverpool. Salvo melhor juízo era uma coletânea, um vinil em que os rostos dos rapazes apareciam junto à bandeira inglesa.

Eu entendia ainda menos do que hoje as letras, monoglota que permaneço. Mas aquilo ali bateu forte. Era início de minha adolescência, tornei-me um beatlemaníaco tardio, quando a beatlemania já estava há muito fora de moda, desde menino eu um homem de vícios antigos.

A televisão brasileira exibiu em cinco capítulos um longo documentário produzido pela BBC. O título agora me foge à memória – The Beatles Anthology? – e não enganarei os leitores com uma googlada. O mote era a descoberta de uma gravação inédita deixada por John Lennon, Free as a bird, o ano era 1994, também se não me falha a memória, os outros três Beatles puseram carne sonora ao esqueleto musical deixado pelo autor de Imagine.

Com um vídeo cassete de última, oito cabeças, tio Silvio gravou em VHS quatro capítulos do documentário. No primeiro se atrapalhou com a nova tecnologia recém-adquirida e ao rebobinar a fita para ver o resultado, nada feito.

Vi e revi o documentário muitas vezes, a histeria de fãs lotando os espaços em que os Beatles tocavam, as participações no Ed Sullivan Show, a fase indiana em que produziram Rubber Soul – um de meus discos favoritos de sua curta carreira. Muito do meu conhecimento de almanaque sobre o quarteto inglês vem daí, dessas lembranças de alguém que havia recentemente deixado a infância.

Mais ou menos por essa época eu iniciava minhas aventuras de rato de sebo, vício de que jamais me livrei. Algumas das minhas primeiras aquisições no Papiros do Egito de Moema – que conheci na Rua dos Afogados, no tempo em que morei na Santaninha –, foram alguns discos dos Beatles, vinis de Rubber Soul e Abbey Road.

Os Beatles estrearam no mercado fonográfico em 22 de março de 1963, com o lançamento de Please please me, cujas 12 faixas foram gravadas em um único dia. Na última, Twist and shout, é possível ouvir a rouquidão de John Lennon, a autenticidade do bom e velho rock’n roll, num fecho antológico de um disco idem, que com 50 anos permanece jovem.

O meio século da estreia dos ingleses na Parlophone foi lembrado em São Luís pela banda LiverPaul – cover que já começa bem pelo nome: se Beatles era um nome inventado, trocadilho de batida e besouro, os maranhenses trocadilham a cidade natal do quarteto, o exercício de tocar ao vivo e um de seus integrantes ainda na ativa, Paul McCartney.

O repertório de Please please me foi executado na íntegra, no Teatro da Cidade de São Luís (antigo Cine Roxy), na data exata de aniversário da bolacha de estreia.

Lucas Sobrinho (guitarra e violão), Paulo Silva (contrabaixo), Lima Jr. (guitarra e violão), Fernanda Sombra (vocal e percussão) e Daniel Aranha (bateria) voltam ao mesmo palco, desta vez para celebrar With the Beatles, segundo disco da banda, cujo repertório será tocado na íntegra e na ordem – It won’t be long, All I’ve got to do, All my loving (Feche os olhos, na versão brasileira de Renato Barros, sucesso do grupo Renato e seus Blue Caps), Don’t bother me, Little Child, Till there was you (Quando te vi, na versão brasileira de Beto Guedes), Please Mr. Postman, Roll over Beethoven, Hold me tight, You really got a hold on me, I wanna be your man, Devil in her heart, Not a second time e Money – além dos singles lançados à época, This boy e I want to hold your hand.

O espetáculo de releitura de With the Beatles acontece amanhã (22), às 20h. Os ingressos custam R$ 15,00 e estão à venda na bilheteria do teatro.

Para sempre o bom e velho vinil

Você já comprou um disco ou um livro pela capa? Certamente já, julgando os poucos mas fiéis leitores pelo blogueiro, como cabe ao bom julgador, como reza o dito popular.

E uma festa? Você já comprou uma festa pela capa?

Não precisava se tratar do encontro de dois talentosos DJs, não precisava se tratar da primeira vez de um deles na do retorno de um deles à Ilha, não precisava o repertório ser diversificado, tocado apenas de vinis, não precisava um monte de coisa, mas está tudo lá.

Os DJs Franklin e Marcelinho da Lua se encontram na festa Ya´Ya High-Fi, organizada pelo segundo, que já recebeu mais de 50 dê-jotas de todo o mundo, em um culto ao bom e velho bolachão.

Mas não carecia nada disso, ao menos não antes. Na hora h, sim, tudo o que a festa não deixará faltar: boa música, descontração, animação. Antes, carecia apenas esta imagem abaixo, pra deixá-los convidados ao baile, que promete.

Sabe aquele livro ou disco que você compra pela capa e acerta, pois o conteúdo é bom?

Filipeta-maranhao

Chorografia do Maranhão: Osmar do Trombone

[O Imparcial, 23 de junho de 2013]

Osmar do Trombone está prestes a lançar seu disco de estreia, gravado em Belo Horizonte/MG. Para o nono entrevistado da série Chorografia do Maranhão, falta apoio para a consolidação da cena choro em São Luís

Osmar do Trombone, o “pequeno gigante”

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Técnico em eletrotécnica, Osmar Ferreira Furtado enverga dois apelidos. Um, o nome artístico, Osmar do Trombone, que ganhou após escolher o instrumento de sopro para chamar de seu; o outro, “pequeno gigante”, que faz jus, primeiro por sua altura física, segundo pelo que se torna quando sopra seu instrumento.

Osmar nasceu em 1º. de junho de 1950 em uma família de músicos. Não à toa, sua composição mais conhecida, inicialmente intitulada Quatro gerações, foi rebatizada Cinco gerações depois de ele descobrir mais um avô que tocava.

Sua mãe, a grajauense Julieta Pereira Furtado, 87, sempre cantou acompanhando seu pai, José Antonio Furtado, 92, ainda hoje soprando “seu saxofonezinho de vez em quando, dentro das limitações”. Osmar não poderia fazer trocadilho com seu sobrenome, portanto não se furtou a herdar-lhes a aptidão musical.

Hoje divide o tempo que sobra de curtir a aposentadoria entre a música e a Pizzaria Lauletas (ex-Stop, Cohab). Acabou de gravar seu disco de estreia em Belo Horizonte, a capital mineira para onde viajou para visitar o filho Osmarzinho, saxofonista que o acompanhou no grupo Os Cinco Companheiros, o grupo de Osmar que toma emprestado nome de clássico de Pixinguinha.

O nono entrevistado da série Chorografia do Maranhão recebeu os chororrepórteres no restaurante que Chico Canhoto mantém – embora sem espaço para um retorno do Clube do Choro Recebe – nas imediações do Aririzal. Ele nasceu em Barro Vermelho, à época povoado de Cajari, quando a cidade ainda pertencia à Penalva. É lá que se inicia a trajetória de Osmar, abordada nesta entrevista, que se inicia justo por sua vinda para a capital.

Então se empregaria aquela frase que dá título à música de Josias [Sobrinho, compositor], você veio de Cajari pra capital? Também, né? Primeiro de Cajari pra Pindaré, e de Pindaré pra capital.

Teve escala, né? Teve escala. Em Pindaré city [risos].

Como era o universo musical, em casa, na tua cidade? Quando tu começaste a se envolver com música? Que tipos de estímulos recebia? Tu nasce no meio musical, tu já fica… [chora. Continua depois de uma longa pausa] Tu já fica contagiado. Aí papai começou a me ensinar música com oito anos de idade. Tinha a bandinha, lá tinha banda, eu fui tocar aquela trompinha, o apelido do instrumento na banda era cachorra, a cachorrinha, aquela de marcação, de contraponto, fazia “pom, pom” [imita o som do instrumento com a boca]. Todo dobrado, valsa, tudo era no contraponto. Aí eu toquei na banda, a gente viajava pra várias cidades, Penalva, Pindaré Mirim…

Tu gostavas? Ah, adorava. Sempre no meio dos músicos. Isso por muitos anos. Até 14 anos, nós morávamos em Cajari, quando papai recebeu uma proposta de Pindaré, de um amigo dele, um cara que é conhecidíssimo lá, o Chico Devora, era festeiro, aquele cara que aparecia, que só andava de linho branco, dançando, era o pé de valsa da cidade, todo elegante. Ele convidou papai. “Cajari não dá, o meio musical da cidade, vam’bora pra uma cidadezinha mais adiantada”. Aí papai disse “eu vou”. Mas quem influenciou mesmo foi mamãe: “nós temos que ir, Zé Furtado, ele está convidando, lá a gente vai…” Aí mudamos pra Pindaré em 1964. Só que em Pindaré eu fiquei só de junho a dezembro. Foi quando minha mãe fez uma carta para minha irmã que morava aqui em São Luís e disse que não queria os filhos dela lá no interior, que iam ficar só pescando, que aquilo não era vida. Mamãe já tinha uma visão de crescer, que os filhos fossem alguém na vida, que viessem pra São Luís estudar. Aí eu vim, peguei aquela lanchinha lá, tradicional, de Pindaré, passando por Cajari, Viana, fazia escala, Penalva e São Luís. Passava dois, três dias viajando. Cheguei em 64, fui morar no pensionato com minha irmã e aquela vontade de estudar na escola. Fiz exame de admissão, passei.

Em que escola? Na Escola Técnica Federal do Maranhão, na época. O sonho era tocar na banda da escola. Na época era o… o nome dele eu não recordo, mas era conhecido como o velho Dó, o maestro. Logo depois foi o João Carlos Nazaré [maestro, pai da cantora Alcione], o nosso mestre.

Além de teu pai, quais foram teus principais mestres? Quem mais te orientou na formação musical? Importante na minha formação foi João Carlos Nazaré e mestre Nonato [do grupo Nonato e Seu Conjunto]. Além de meu pai foram estes dois músicos, estes dois maestros, que me orientaram. Depois que eu saí da escola, e mesmo quando eu estava lá, já trabalhando, fui bancário, antes de ir pra Cemar [Companhia Energética do Maranhão], eu já era convidado pra tocar em vários grupos de música. Toquei na Banda Reprise, Banda O Peso, Banda Reluz, Mákina du Tempo, e outras. Nessa época não tinha a influência do choro aqui em São Luís, a não ser aqueles velhos chorões. Eu não tava no meio musical, mas já ouvia falar, [o multi-instrumentista] Zé Hemetério tocava choro, Agnaldo Sete Cordas [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 17 de março de 2013]. Quando eu já estava tocando no Barrica, aí eu encontrei [o violonista sete cordas Gordo] Elinaldo, e comecei a despertar para o choro, comecei a curtir. Peguei um vinil do grupo Chapéu de Palha, no qual [o trombonista] Zé da Velha tocava. Silvério [Pontes, trompetista], acho que tava molequinho ainda. Eles tocando sambas bonitos. Tem um chapéu na capa, acho que ainda tenho o vinil. O choro mesmo chegou pra mim depois que eu larguei o Boi Barrica, ainda toquei em alguns grupos de bumba meu boi, foi o tempo que me aposentei da Cemar, aí eu gostei mais de choro.

Nestes grupos que você citou eram tocadas mais músicas de baile, não é? Sim, músicas de baile. Mas também samba, muito samba, gafieira.

E na tua experiência anterior, ainda lá na baixada, Cajari, Pindaré? Ah, tocava muito com meu pai. Tocava sambas, maxixe, bolero, tudo na festa de meu pai. Cheguei a tocar até tuba. Quando faltava o contrabaixista, ele: “meu filho…”, ele ficava com pena. O instrumento era muito grande, eu apoiava num tijolo, nove quilos e meio.

E como é que se deu a escolha do trombone? A partir do quê você definiu que era seu instrumento? O trombone, tudo é assim: você focar. É tipo torcer por um time. É tipo o cara quando nasce e vai crescendo, o pai diz “meu filho, torce pelo Flamengo”…

Não dá certo! [risosMas só que eu torci pelo Flamengo. O filho disse; “não, eu não quero torcer pelo Fluminense, eu quero é pelo Flamengo” [o anfitrião Chico Canhoto acompanha a entrevista vestido numa camisa do tricolor carioca]. Então o instrumento, quando eu olhei uns alunos de meu avô, Antonio Cacete, Lupércio, eu achava a sonoridade muito grande. Meu pai foi um grande trombonista.

Teu pai tocou trombone? Ave Maria! O primeiro instrumento de meu pai na orquestra de meu avô foi o cavaquinho. Depois ele gostou, tocou trombone. Então meu pai era um instrumentista que quando dizia assim “faltou trompete”. Aí meu avô dizia assim: “Zeca, dá pra ti tocar trompete?” Aí ele ia lá e tocava trompete. “Dá pra ti tocar não sei o quê?”. Então ele saía tocando tudo. Tocou trompete e hoje toca sax, ainda, dentro das limitações. Aí eu comecei a ouvir a sonoridade. Quando eu cheguei na Escola Técnica, eu já tocava. O trombone de vara não era muito comum. Mandaram buscar quatro trombones de vara. Tocava eu, João Carlos Filho [filho de João Carlos Nazaré], Zé Américo [Bastos] tocava bombardino.

Você já viveu de música? Nunca! A música fazia a feira, comprava a cervejinha.

Tu estás aposentado da Cemar? Sim, aposentado da Cemar.

No trombone, quem é tua grande referência? Hoje existem grandes trombonistas, mas minha referência é o Raul de Barros. Quando eu o ouvi tocar Na Glória [de Ary dos Santos, Felipe Tedesco e Raul de Barros], eu pensei: “esse é o cara! Isto é o choro!”, aquela sonoridade linda do Raul. Hoje tem o Vittor Santos, o próprio Zé da Velha. Zé da Velha superou todo mundo, com aqueles contrapontos.

Como está o processo de gravação de teu disco? Graças a Deus terminamos. Está concluindo a mixagem. Osmarzinho [saxofonista, filho de Osmar] me ligou essa semana, minha sobrinha está fazendo a arte da capa. Tem que ter muito cuidado pra fazer a coisa. Sempre o segundo sai melhor, mas o primeiro a gente tem que dar uma caprichada pra sair legal.

É um disco solo? Solo.

Autoral? Autoral.

Todo autoral? Não, só cinco músicas.

E as demais? Uma de Antonio Vieira, O samba é bom, a de Josias é Terra de Noel, a de Joãozinho Ribeiro é Saiba, rapaz, e as duas de Cesar, eu não poderia deixar Cesar Teixeira de fora, Das cinzas à paixão e Rayban.

Todo instrumental? Todo instrumental. Eu sou suspeito pra falar, mas tá uma maravilha. Os músicos lá, não que a minha cidade não tenha grandes músicos, mas foi a oportunidade que me deram pra gravar isso, sem custos, sem patrocínio.

Sonho realizado? Sonho realizado. Tive um grande carinho dos músicos, professores da UFMG. [O trombonista] Marcos Flávio, um dos melhores do Brasil, um cara que tem referência internacional, que já tocou com [o trombonista] Raul de Sousa, com grandes músicos fora do país, gravou com uma simplicidade. Tranquilo! É professor de Osmarzinho em uma cadeira lá de chorinho. Ele me ouvia, cara. E me dizia: “Osmar, todo músico é bom naquilo que ele faz. Eu já ouvi tu tocar, tu é um talento nato”, ele falou pra mim. Não tem como não se emocionar.

Na entrevista anterior Zezé Alves [flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013] comentou a felicidade de saber que tu tinhas gravado o disco em Minas. Parece que foi por acaso, já que tu foste à Minas visitar um filho, não gravar um disco. Como é que foi esse processo? Osmarzinho foi em algumas rodas de choro. Toda vez que ele ia numa roda de choro, ele dizia “papai vem aí, papai toca trombone”. Tem um dia que acontece, que dá tudo certo, aí eu viajei pra Belo Horizonte. Geralmente no Bar Mosteiro, que fica na Savassi, lá em Belo Horizonte, é o point, é o point do choro, é a elite do choro de Belo Horizonte. É só músico bom, só músico talentoso! Osmarzinho disse assim: “papai, eu vou lhe levar primeiro lá no Mosteiro, depois eu te levo no Salomão, no Pastel de Angu, no Bolão”, e eu “tudo bem”. Quando eu entrei, já com trombone e tudo, que a galera olhou, rapaz, tem um pandeirista superengraçado, fora de série, ele levantou a cabeça e disse assim “pode tirar logo, que eu já sei que é pai de Osmarzinho”. Aí eu disse pra Osmarzinho, “e se eu não tocasse? Eu tava ferrado” [risos]. Uma coisa que eu achei muito legal é que o músico que toca em roda de choro é impecável. Uma vez Silvério me falou isso: “Osmar, a música não é brincadeira. A brincadeira tá no meio da música. Mas quando você tá tocando, tem que ter responsabilidade pra tocar certo, fazer tudo pra tocar tudo certinho”. Eu fiquei maravilhado com aquilo que ele me disse. Eu fui sentir lá em Belo Horizonte a capacidade da execução dos músicos. Quando eles perguntaram que música eu ia tocar, eu perguntei qual a música eles queriam que eu tocasse. Altamente sugestivo [risos], sugesta na manha. Mas eu sabia que eu poderia dizer que tava brincando, mas disse “olha, eu vou tocar o hino do trombone”. Eles perguntaram qual era, e eu disse “olha, na minha concepção é Na Glória, é uma música que eu acho que todo chorão tem que saber tocar, e vou tocar um choro que eu compus, chamado Cinco gerações [Osmar do Trombone]”. A paixão pelo choro foi instantânea. Os amigos do choro, tem uma turma lá, que é carteirinha, toda sexta-feira, juízes, advogados, engenheiros, profissionais liberais, aquela galera, alguns que já trabalharam em São Luís, perguntando como estão as praias, “ah, estão ótimas, poluídas, mas estão boas” [risos]. Eu toquei outras músicas, vários choros.

Você listou uma série de grupos de que já participou, mas não falamos ainda de grupos de choro. O que significaram pra ti? A pessoa quando tem na alma a música, qualquer música, soando bem em seus ouvidos, você toca, gosta de tocar. O choro, eu não sei por que, já há uns anos eu me identifico mais com choro e samba, é uma linguagem fantástica, aquela malícia, aquela malandragem da melodia, aquelas armadilhas, aquelas coisas que só a música pode falar por si. Os Cinco Companheiros tem mais de oito anos, foi no bar de meu amigo Chico Canhoto que teve a repercussão de grandes grupos de choro aqui de São Luís, e a gente fica muito feliz de participar, de ter a música na vida da gente, de ter a música como um elemento da vida da gente.

Tu tens quantas composições? Gravada, escrita, tem cinco. Mas já tenho outros seis choros prontos para passar para partitura. E eu pretendo fazer o próximo cd só com músicas minhas. Essas cinco que já estão no primeiro mais essas seis novas, que já estão praticamente prontas, faltando alguns acertos de melodia, algumas notinhas que ficam o tempo todo querendo mudança.

Quanto tempo você demorou para dar o disco por pronto? Olha [pensativo]… em novembro de 2011 a ideia, mas começou mesmo em maio de 2012, então tá com um ano. Sempre com cuidado.

Isso envolveu várias viagens. Cada viagem era uma história. Uma história de conhecer outros grupos, outras rodas de choro.

Dentro do que depende só de ti, tu pretendes colocá-lo na rua, fazer um show de lançamento em São Luís, quando? Depois que o cd estiver pronto eu quero convidar o meu amigo Ricarte para ser o intermediador dessa ideia de fazer um show de lançamento. Ele que tem muita experiência nisso aí, eu quero que ele me mostre o caminho. “Olha, fica melhor por aqui, em ambiente tal”, eu sou todo ouvidos. Foi a primeira pessoa em que eu pensei.

Mas tua ideia é fazer isso quando? O cd estará pronto agora, fim de junho, começo de julho. Eu gostaria de fazer em agosto, por que em setembro já está agendado para eu fazer lançamento em três casas de choro lá em Belo Horizonte: o Bar Mosteiro, o Pedacinho do Céu e o Salomão.

Além deste disco tu tens participação em outros discos? Tem. Na Companhia Barrica, participei de uns dois discos. Participei do cd dOs Foliões, Antonio Vieira ao vivo no Teatro Arthur Azevedo [O samba é bom, 2001], Vagabundos do Jegue, o cd do Fuzarca [grupo carnavalesco que reúne os cantores Cláudio Pinheiro, Inácio Pinheiro, Fátima Passarinho e Rosa Reis], o de Isaac Barros, Cabeh [o póstumo Esquina da solidão].

Você falou que despertou para o choro um pouco depois. O que significa o choro, pra ti, hoje? Ave Maria! É a música! O choro é a música! Não tem outra música. Aprendo muito tocando choro, a cada dia tu tem um ensinamento diferente, é um acorde, é uma maneira, um improviso.

Você gosta de tocar com essa geração mais nova? Adoro! Tem uma galera aí muito legal. Em São Luís, eu não sei, é meu ponto de vista, eu não sei se é falta de formação, de mostrar que choro é uma música legal, tem muita gente nova que não está tocando choro. Por exemplo, Daniel Miranda, que é trombonista do Quinteto de Metais, eu digo “Daniel, tu tem uma sonoridade legal, aprende a tocar choro”, ele não toca. Tocou uma vez, tu lembra, que um quarteto de trombones tocou o Tororoma [Saudades do Tororoma, música de Osmar do Trombone que homenageia um riacho de sua região de origem] lá no Clube do Choro Recebe?

Você ainda participa de algum grupo de choro em São Luís? Só free lance, quando me chamam eu toco.

E Os Cinco Companheiros? Os Cinco Companheiros toca de vez em quando. O problema maior é que não tem onde se tocar, não tem uma casa fixa. Todos os componentes dOs Cinco Companheiros tocam em outros grupos.

Você está vindo de Belo Horizonte, onde pode sentir a efervescência da cena, várias casas, vários grupos, e viveu também a experiência do Clube do Choro Recebe, no Chico Canhoto. A gente via, naqueles três anos em que o projeto existiu, um público cativo. Por que esse público não vai para outras casas, ver outras apresentações, de outros projetos? Eu acredito que pela inconstância. Deixaram de acreditar. Eles acreditavam tanto naquele projeto no Chico Canhoto, que aquilo ali era como se ir pra igreja todo domingo, rezar, já sabiam que sábado tinha. Eu encontro pessoas, “rapaz, era tão bom, por quê que acabou aquilo?” Um dia arrumaremos outra casa.

Como tu tens observado a cena choro, o desenvolvimento do choro no Brasil hoje? Tem muitos grupos no Brasil hoje tocando muito choro. Pode acessar a internet aí que tu vê. Nos Sescs, cada instrumentista fantástico. Tem muita coisa boa. Aqui tem grandes músicos.

Quais os chorões que tu mais gostas, que mais te tocam? Pra te ser sincero, Zé da Velha e Silvério Pontes, musicais, alegres. Tenho cds de [o clarinetista] Paulo Moura, que tá lá no outro andar, grande instrumentista, Yamandu [Costa, violonista sete cordas] tem um cd de samba e choro do Paulo Moura com o professor da Universidade Federal de Minas Gerais, o Cliff Korman [Gafieira Jazz, 2006]. Aquilo ali é uma maravilha, cara!

E no Maranhão, quem é que te enche os ouvidos? Tem uma pessoa aqui em São Luís, que já tocou comigo em vários grupos, que tocou no Osmarmanjos comigo em São João e Carnaval, e participou também de roda de choro, que é Daniel Cavalcante, toca trompete. Juca é excelente cavaquinhista, o [cavaquinhista] Rafael Guterres, [o violonista] João Soeiro, tem o Domingos Santos, o sete cordas, Solano [o violonista sete cordas Francisco Solano, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 26 de maio de 2013] é maravilhoso tocando aquele sete cordas dele, parece que ele tá é navegando, não tá tocando. Serrinha de Almeida [flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 3 de março de 2013] é um cara supertalentoso, concentrado, não é aquele músico de muita firula. Na última comemoração do Dia do Choro [23 de abril de 2013, na Associação Atlética Banco do Brasil, Serra de Almeida foi homenageado em evento anual que reúne diversos chorões de São Luís] eu achei fantástica, impecável a apresentação de Serrinha. [O flautista] João Neto é um excelente músico. Então, pra não ser indelicado com alguns que eu não lembre, aqui tem muitos músicos, estamos bem servidos. Falta é apoio, principalmente dos poderes maiores, culturais, que nós não temos. A sede do Clube do Choro ficou só no papo de político, ninguém fez nada por aquilo.

Com tudo isso que você fala, é possível prever um bom futuro para o choro no Maranhão? Como tou te falando: só se tiver apoio. Eu não digo nem do poder público, mas da iniciativa privada. Vamos investir, vamos patrocinar o músico.

Mas você não acha que falta iniciativa dos músicos, perceberem a capacidade de gerar essa movimentação? Sim, tem essa carência, essa falta de pulso, de chegar e tomar a frente da coisa. A inviabilidade, às vezes, é até pela forma de retorno financeiro. Tem muita gente que vai tocar choro, vai numa roda de choro, e não tem retorno. A cidade não tem grandes empreendimentos para você ter um salário digno. O músico, geralmente, se ele viver só de música, já é precário. Faltam políticas públicas, oportunidades, incentivos. O músico pode se mexer, mas ele tem que ter pra onde se mexer.

Maranhão 70

O discreto aniversário de 70 anos de Chico Maranhão, “um ser criador”.

ZEMA RIBEIRO

O compositor durante show no Clube do Choro Recebe (Restaurante Chico Canhoto) em 27/10/2007

Como era de se esperar, não houve estardalhaço midiático pelos 70 anos de Chico Maranhão, compositor tão importante quanto Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento e Paulinho da Viola, outros ilustres setentões da senhora dona Música Popular Brasileira. Nem os meios de comunicação de Pindorama nem os timbira deram qualquer atenção à efeméride.

“Para mim é uma data como outra qualquer”, me diz o compositor ao telefone, em 17 de agosto passado. A afirmação não demonstra arrogância, mas simplicidade e desapego. Francisco Fuzzetti de Viveiros Filho, “nome usado unicamente para guardas de trânsito e delegados, com os quais ele não permitia a intimidade de seu verdadeiro nome – Maranhão”, como afirmou Marcus Pereira na contracapa de Lances de Agora (1978), há pouco mais de um ano descobriu um erro em seu registro de nascimento. “Nasci 17 e no registro consta que nasci 18; agora eu comemoro as duas datas”, diz. Avesso a comemorações, no entanto, o autor de Ponto de Fuga passou as datas em casa, lendo Liberdade, de Jonathan Franzen.

Puro acaso (ou descaso?), 17 de agosto foi a data em que o Governo do Estado do Maranhão anunciou a programação cultural oficial do aniversário dos controversos 400 anos de São Luís, em que figuras como Roberto Carlos, Ivete Sangalo e Zezé di Camargo & Luciano desfilarão pela fétida Lagoa da Jansen, os shows sob produção da Marafolia, com as cifras mantidas em sigilo, em mais uma sangria nos cofres públicos. Como outros artistas de igual quilate domiciliados na Ilha, Chico Maranhão ficou de fora.

“Quando eu tava em São Paulo [estudando Arquitetura e já envolvido com música, participando dos grandes festivais promovidos por emissoras de televisão, na década de 1960] e resolvi vir embora, muita gente me desaconselhou. Eu vim, sabendo para onde estava vindo. Sou feliz aqui, apesar de ver a cidade crescendo desordenadamente, de saber que daqui a algum tempo acontecerá aqui o que já aconteceu em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Salvador: você não poder mais sair de casa ou por que não há espaço para seu carro ou por que você pode ser assaltado em qualquer esquina”, conta Chico, que revela estar com um disco praticamente pronto. “Estou esperando passar esse período de campanha eleitoral, em que os estúdios ficam todos ocupados para finalizar”.

Maranhão (1974)…

A obra musical de Chico Maranhão tem uma qualidade extraordinária e ao menos três discos seus são fundamentais em qualquer discografia de música brasileira que se preze: Maranhão (1974), do mais que clássico frevo Gabriela, defendido em 1967 pelo MPB-4 em um festival da TV Record, Lances de Agora(1978), de repertório impecável/irretocável, gravado em quatro dias naquele ano, em plena sacristia da Igreja do Desterro, na capital maranhense, e Fonte Nova (1980), da contundente A Vida de Seu Raimundo, em que Maranhão recria, a sua maneira, a barra pesada da ditadura militar brasileira (1964-85) e o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, nos porões do DOI-CODI.

… Lances de Agora (1978)…

A trilogia é tão fundamental quanto rara: lançados pela Discos Marcus Pereira, os discos estão esgotados há tempos e confinados ao vinil. Curiosamente nunca foram relançados em cd, como os trabalhos de Canhoto da Paraíba, Cartola, Donga, Doroty Marques, Papete e Paulo Vanzolini, para citar apenas alguns poucos nomes produzidos e lançados pelo publicitário, que após mais de 100 discos em pouco mais de 10 anos, acabaria se suicidando, acossado por dívidas.

… e Fonte Nova (1980): a trilogia fundamental de Chico Maranhão

A estreia fonográfica de Chico Maranhão data de 1969. À época, seu nome artístico era apenas Maranhão e ele dividiu um disco brinde com Renato Teixeira, um lado para composições de cada um. Do seu já constava Cirano (que apareceria novamente em Maranhão e Lances de Agora), para a qual Marcus Pereira já nos chamava a atenção à qualidade literária desta obra-prima. “Este disco merece um seminário para debate e penitência”, cravou certeiro o publicitário na contracapa de Lances de Agora. Bem poderia estar se referindo à obra de Maranhão como um todo.

Formado em Arquitetura pela FAU/USP, na turma abandonada por Chico Buarque, a formação acadêmica de Maranhão, também Mestre em Desenvolvimento Urbano pela UFPE, certamente influencia sua obra musical, onde não se desperdiça nem se coloca à toa uma vírgula ou nota musical, em que beleza e qualidade são a medida exata de sua criação. “Na verdade, sou um criador, não me coloco nem como arquiteto nem como músico, sou um homem criador, o que eu faço eu vou fazer com criatividade, com qualidade”, confessou-me em uma entrevista há sete anos.

A obra de Chico Maranhão merece ser mais e mais conhecida e cantada – para além do período junino em que muitas vezes suas Pastorinha e Quadrilha (parceria com Josias Sobrinho, Ronald Pinheiro, Sérgio Habibe e Zé Pereira Godão), entre outras, são cantadas a plenos pulmões por multidões que às vezes sequer sabem quem é seu autor.

A reedição de seus discos em formato digital faria justiça à sua obra infelizmente ainda pouco conhecida, apesar de registros nas vozes de Célia Maria (Meu Samba Choro), Cristina Buarque (Ponto de Fuga), Diana Pequeno (Diverdade), Doroty Marques (Arreuni), Flávia Bittencourt (Ponto de Fuga e Vassourinha Meaçaba), MPB-4 (Descampado Verde e Gabriela) e Papete (Quadrilha), entre outros.

As palavras de Marcus Pereira, em que pese o número hoje menor de lojas de discos, continuam atualíssimas. A contracapa agora é de Fonte Nova: “‘Lances de Agora’, o mais surpreendente e belo disco jamais ouvido pelos que a ele tiveram acesso, nesta selva do mercado brasileiro onde, em 95% das lojas, encontram-se apenas 100 títulos de 20.000 possíveis. Esses 100 discos privilegiados todo mundo sabe quais são. Este ‘Fonte Nova’ é um passo além de ‘Lances de Agora’. Quem duvidar, que ouça os dois. Mas os seus discos são de um nível poético e musical que, no meu entender, não encontra paralelo na música brasileira”.

[Vias de Fato, agosto/2012]

Tião Carvalho faz show no Papoético

Depois do sucesso de Chico Saldanha e Josias Sobrinho, que se apresentaram quando o Papoético ainda tinha como palco o Chico Discos, o projeto idealizado pelo poeta e jornalista Paulo Melo Sousa leva ao palco do Restaurante Cantinho da Estrela (Rua do Giz, 175, Praia Grande), o compositor Tião Carvalho.

É uma segunda empreitada mais arrojada de produção de um acontecimento semanal que já soma mais de 70 encontros, desde sua primeira edição, em novembro de 2010. Maranhense de Cururupu, o cidadão paulistano – vive em SP há mais de 25 anos – Tião Carvalho mostrará em Tiãozinho e sua gente, título do espetáculo, músicas autorais e sucessos de nomes do Maranhão, a exemplo de João do Vale, cujo repertório gravou em seu mais recente disco, Tião canta João, inteiramente dedicado à obra do mestre pedreirense.

O show acontece dia 5 de julho (quinta-feira), às 21h. Os ingressos custam apenas R$ 15,00. O evento tem apoio cultural da Livraria Poeme-se e da Banca de Revistas da Praia Grande. Na ocasião Tião Carvalho (voz) será acompanhado de Ana Flor (voz), Noel Carvalho (percussão), Ariel Coelho (percussão), Netinho (violão e guitarra), Tiago Lindoso (bateria) e Renata Amaral (contrabaixo, do grupo A Barca).

A abertura fica por conta da discotecagem de Victor Hugo, tocando música maranhense direto do vinil, num primoroso trabalho de pesquisa.

Luta longa

RUY CASTRO

RIO DE JANEIRO – Mês sim, mês não, o caso volta ao noticiário: o processo movido há 20 anos por João Gilberto contra a gravadora EMI por esta ter espremido seus três LPs da Odeon num LP duplo (“O Mito”) e num CD simples (“The Legendary João Gilberto”), “apressando” algumas faixas para encurtá-las, adulterando sua sonoridade e alterando a ordem original para caberem naqueles formatos. Músicos foram chamados a ouvir esses discos e deram razão a João Gilberto.

Enquanto o processo não se resolve, os três discos -“Chega de Saudade”, 1959, “O Amor, o Sorriso e a Flor”, 1960, e “João Gilberto”, 1961- ficam impedidos de sair no Brasil, em CD ou no que for. Com isso, o país da bossa nova é o único proibido de ouvir os discos que formam o seu cânone. Equivale a proibir os meninos brasileiros de ler o Machado de “Dom Casmurro”, “Brás Cubas” e “Quincas Borba”.

Já na Europa qualquer selo se sente à vontade para lançá-los em qualquer suporte. O Él/Cherry, por exemplo, soltou os três LPs em CDs individuais, com as capas originais e enriquecendo-os com gravações raras da época, por outros cantores, todas do acervo da EMI.

É uma edição boa, mas não se compara à da Doxy, que os relançou em LPs mesmo, só que em vinil de 180 gramas (ou seja, virgem). O som é melhor que o dos próprios LPs originais (que a Odeon, na época, certamente prensou em vinil reciclado). E cada LP traz uma cópia-bônus em CD.

Os três discos de João Gilberto estão proibidos no Brasil, mas isso não se aplica ao seu conteúdo. Suas faixas podem ser “baixadas”, avulsas, por quem quiser -tanto as legítimas, que mudaram a história da música brasileira, quanto as adulteradas pela gravadora. Um dia já não se saberá qual é qual, e -isso é que é triste- talvez não faça muita diferença. João Gilberto terá lutado em vão.

[Outra da Folha de S. Paulo de hoje, por que o assunto vale muito a pena, Ruy Castro é autoridade no assunto e Ho-ba-la-lá – À procura de João Gilberto ainda ecoa em minha cabeça]

O vinil vive

DJs ainda usam os bolachões para embalar os que se aventuram nas pistas de dança. Brasil tem a única fábrica da América Latina

ZEMA RIBEIRO
ESPECIAL PARA O IMPARCIAL

Falecido no último dia 27 de março, o multiartista pernambucano Lula Côrtes deixou em seu legado o mais raro e mais caro vinil do Brasil: Paêbirú, disco duplo com duplo acento que dividiu com o paraibano Zé Ramalho em 1975. A gravadora Rozenblit, de Recife, responsável pelo lançamento da obra-prima que inauguraria a psicodelia brasileira, ficava às margens do Capibaribe e naquele ano uma enchente levou a maioria das cópias: sobraram apenas cerca de 300, hoje disputadas a tapas e a preço de ouro em sebos Brasil e mundo afora – chega a custar 5 mil reais.

Uma edição em cd chegou a ser lançada por um obscuro selo alemão, sem o mesmo charme. O disco duplo tem seus lados representados por elementos da natureza: terra, água, fogo, ar. É facilmente encontrado para download na internet. Mas o bom e velho vinil ainda exerce fascínio – e isso não é privilégio de Paêbirú.

Vinis de valor – Há vários discos bem valorizados, em lojas físicas ou virtuais, além de colecionadores que comercializam os velhos bolachões. “Entre os brasileiros eu citaria o Racional, de Tim Maia, e os discos de Dom Salvador. Os mais caros que comprei foram de Willie Lindo e de um baixista jamaicano chamado Loyd Parks. Custaram cerca de 300 reais, cada”, afrma o DJ Joaquim Ferreira, da Rádio Zion.

Joaquim, 47, coleciona vinis desde os 16 anos, um hobby que virou “profissão”: ele discoteca há 18 anos.

“A minha opção pelo vinil é a paixão pela música antiga produzida no Brasil e no mundo. De velhos nomes da música popular brasileira temos dificuldade em conseguir bons discos em CD. Em geral as gravadoras não têm mais interesse em lançar este material”, continua.

As agulhas são, para ele, um material de trabalho precioso: Joaquim não usa CDs em suas discotecagens – nem ninguém da Rádio Zion, coletivo de DJs integrado por ele, Marcus Vinicius e outros.

Franklin Santos usa CDs. Mas só quando não encontra vinis. “É uma dificuldade encontrar tudo que se quer em vinil, às vezes é preciso recorrer ao CD. Mas quando tenho o material em vinil, ele é a prioridade. Vinil sempre!”, entusiasma-se. Sua paixão é tanta que carrega tatuado em si um toca-discos.

Jornalista, professor universitário e DJ, Pedro Sobrinho usa CDs mais comumente: “Mas usar os vinis de vez em quando é trabalhar com um artigo de luxo”.

Ele e Franklin concordam em relação às vantagens do CD: a portabilidade, o peso reduzido e a possibilidade de gravação de compilações específicas, para serem usadas em determinadas ocasiões. “Por outro lado, o som do vinil, quando tocado em um equipamento decente é infinitamente melhor que o CD. Além das capas e encartes, maiores e mais bem trabalhados”, comenta Franklin.

Coleções – “A última vez que eu contei, tinha cerca de 4 mil vinis, entre LPs, EPs e compactos. Mas só tenho coisas que me interessam, nenhum disco está ali só para ocupar espaço”, Joaquim Ferreira contabiliza sua coleção. A de Franklin é menor, mas nada desprezível: cerca de 1.500 vinis. Da coleção de Pedro Sobrinho o mais raro é o disco do Bumba meu boi de Pindaré, com a toada Urrou do boi, de Coxinho, que depois seria alçada à condição de “Hino do Folclore do Maranhão” por lei estadual. “Existe obra prima mais rara na música popular brasileira?”, indaga-se, acerca da controversa faixa – Bartolomeu dos Santos, o Coxinho, falecido há 20 anos, nunca recebeu um centavo de direitos autorais.

Onde comprar – Eles dão o caminho das pedras para outros colecionadores: compram tanto em sebos em São Luís quanto fora, em viagens ou pela internet. “Hoje ligo para meus fornecedores, que se tornaram amigos”, conta Franklin. Joaquim recomenda sites como o nacional Mercado Livre e os estrangeiros ebreggae, vpreggae e reggae record. “Apesar do reggae dos nomes dos sites, é possível encontrar discos de funk, soul, jazz, rock e até mesmo música brasileira”, afirma.

Em São Luís os pontos de “pescaria de pérolas” são comuns: a banca do Adriano (João Paulo), a de Seu Domingos (Praça Deodoro) e os sebos Poeme-se (Praia Grande), Chico Discos (Afogados, Centro) e Papiros do Egito (Sete de Setembro, Centro).

Francisco de Assis, o Chiquinho, proprietário do Chico Discos, não consegue contabilizar a quantidade de vinis vendidos: “Não há uma média. Há dias em que não se vende nada, mas tem dias que um colecionador chega aqui e sai com 20, 30 vinis debaixo do braço. Varia muito”.

“Não chega a 80 por semana”, Moema Alvim faz a mesma conta. A professora universitária aposentada abriu o Papiros do Egito como um hobby há mais de 20 anos. Por lá os vinis mais caros são os de reggae e merengue, com preços semelhantes aos de uma raridade como um vinil de Violeta Parra, autora de Gracias a la vida, que pode ser levado por 30 reais.

A fábrica – Sediada em Belford Roxo, no Rio de Janeiro, a Polysom é a única fábrica de vinil da América Latina. A empresa iniciou suas atividades em maio de 1999. Depois fechou as portas, por conta de uma série de dificuldades – pouca demanda, cancelamentos de pedidos, dívidas – sendo reaberta em 2008, após ser adquirida e reformulada por sócios da Deckdisc, seus atuais proprietários.

“Quando topamos entrar nessa verdadeira cruzada que foi a reativação da Polysom, não tínhamos muita ideia do quanto o vinil ainda era cultuado. Agora, a sensação é que o formato acordou de repente. Todo mundo fala em vinil e, ao que tudo indica, todo mundo quer vinil”, arrisca João Augusto, um de seus fundadores.

A Polysom pode ser conhecida em seu site e interessados podem ficar por dentro de suas novidades nas atualizações do twitter. Os vinis fabricados por ela podem ser adquiridos na loja virtual Sete Polegadas, alusão a uma das medidas dos discos (LPs têm 12 polegadas). Lá são encontrados nomes como Secos & Molhados, Chico Science & Nação Zumbi, Tom Zé, Ultraje a Rigor, Titãs, Rita Lee, Jorge Ben, Fernanda Takai, Pitty e Cachorro Grande. Mesmo com o frete grátis, o preço é, ainda, salgado: os compactos custam, em média, 30 reais; LPs podem chegar a 85.

O leque deverá ser ampliado: algumas gravadoras têm demonstrado interesse em relançar em vinil títulos de seus catálogos. “Estamos falando de um catálogo infindável de discos inesquecíveis”, afirma João Augusto. E arremata: “Vou me emocionar muito no dia em que a Polysom produzir os discos do Rei, Roberto Carlos”.

Fora do Brasil nomes como White Stripes, Arctic Monkeys, Radiohead, Foo Fighters e Beach Boys recentemente lançaram trabalhos em vinil.

Pérolas e esmeraldas – Alguns vinis têm a sorte de ganhar reedição em cd. Tornam-se conhecidos da meninada mais nova, antenada. Mas logo voltam ao ostracismo, as tiragens, em geral, pequenas. No começo dos anos 2000 o então baterista dos Titãs Charles Gavin deu início a um árduo trabalho de pesquisa que recolocou diversos títulos brasileiros de primeira importância nas prateleiras das lojas de discos país afora. Raridades como Todos os olhos e Se o caso é chorar, de Tom Zé, Revólver e Ou não, de Walter Franco, Novos Baianos F. C., dos Novos Baianos, além de títulos de Carlos Daffé, Belchior, Guilherme Arantes e muitos outros. Dois vinis em um cd, com reproduções dos encartes e textos de críticos, contextualizando os trabalhos.

Outros discos não têm a mesma sorte, caso da passagem do compositor Chico Maranhão pela gravadora Marcus Pereira, que lançou, entre outros, nomes como Cartola, Papete, Diana Pequeno e Canhoto da Paraíba. De Maranhão, discos como Gabriela (1974), Lances de agora (1978) e Fonte nova (1980), além da estreia dividida com Renato Teixeira, em 1969, ainda anseiam chegar à era digital.

Jorge Benjor irá refazer, ao vivo, o disco Tábua de esmeraldas (1974). Tido por muitos como o melhor disco de sua carreira, é o último em que Benjor – à época apenas Ben – se acompanha tocando violão, instrumento que trocaria pela guitarra. A ideia de regravá-lo em show partiu de um fã, que criou um perfil no site de relacionamentos Facebook pedindo por isso. Ganhou em pouco tempo mais de cinco mil seguidores e convenceu o autor de Os alquimistas estão chegando os alquimistas à empreitada. Não se sabe ainda se o registro ao vivo será lançado em vinil, CD ou em ambos.

Mais

Em busca do vinil
Onde encontrar vinis em São Luís

Banca do Adriano (João Paulo).
Banca do Seu Domingos (Praça Deodoro, ao lado da Biblioteca Pública Benedito Leite).
Poeme-se (Rua João Gualberto, 52, Praia Grande – (98) 3232-4068)
Papiros do Egito (Rua Sete de Setembro, Centro – (98) 3231-0910).
Chico Discos (Rua dos Afogados, 384-A, altos, Centro – (98) 8812-3433).
 
Raros
Um pouco mais sobre alguns discos raros citados ao longo da matéria

Paêbirú (1975) – Zé Ramalho e Lula Côrtes: Experiência psicodélica nordestina em disco duplo. Tornou-se raridade após uma enchente em Recife levar quase toda a tiragem embora. Sobraram apenas cerca de 300 exemplares – nascia o mito.

Racional (1975; um segundo volume foi laçado no ano seguinte) – Tim Maia: Disco renegado em vida por seu autor, Racional fez a cabeça de muito músico brasileiro. Tim descobriu-se alvo de picaretagem (pelo líder da seita Racional Superior) e até falecer, em 1998, não autorizou reedições do disco. Relançado pela Trama, trouxe CD extra que imitava os chiados do vinil. Atualmente 15 discos do “síndico” são vendidos em coleção que chegará semanalmente às bancas de revistas. O brinde é um inédito Racional Volume 3 para quem comprar a coleção completa.

Lances de agora (1978) – Chico Maranhão: Gravado em quatro dias na sacristia da Igreja do Desterro, no Centro Histórico de São Luís. Como os outros títulos do compositor maranhense na gravadora Marcus Pereira, Lances de agora amarga o ineditismo em formato digital.

[O Imparcial, 5/5/2011]