Apresentação acontece sexta-feira (16) no Convento das Mercês, com entrada franca – com sugestão de doação de um quilo de alimento não-perecível para as comunidades carentes do entorno
O compositor Joãozinho Ribeiro. Foto: Murilo Santos. Divulgação
O compositor Joãozinho Ribeiro volta a reunir os amigos no show “Com o afeto das canções II”. Beneficente, o evento – cuja primeira edição aconteceu ano passado – ocupa o pátio do Convento das Mercês (Rua da Palma, Desterro), na próxima sexta-feira, 16, às 20h. A entrada é gratuita, com a sugestão da doação de um quilo de alimento não-perecível; a arrecadação será destinada a comunidades carentes do entorno da Fundação da Memória Republicana Brasileira (FMRB), instituição sediada no prédio secular do Centro Histórico da capital maranhense, que completou recentemente 25 anos de inclusão na lista de cidades patrimônio mundial da Unesco.
Joãozinho Ribeiro terá como convidados especiais o Bloco Afro Akomabu, George Gomes, Rosa Reis, Célia Maria, Josias Sobrinho, Rita Benneditto – que gravou em dueto com Zeca Baleiro (que participa virtualmente do show, através de uma mensagem em vídeo), a música que dá título ao espetáculo, cuja produção é assinada por Lena Santos. O espetáculo é uma realização da Dupla Criação e Fundação da Memória Republicana, com patrocínio da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma) e Potiguar, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão.
Rui Mário (sanfona, piano e direção musical), Marquinhos Carcará (percussão), Danilo Santos (saxofone e flauta), Hugo Carafunim (trompete), Robertinho Chinês (cavaquinho e bandolim), Arlindo Pipiu (contrabaixo), Tiago Fernandes (violão sete cordas), Ronald Nascimento (bateria), Katia Espíndola (vocal) e Mariana Rosa (vocal) formam a superbanda que acompanhará Joãozinho Ribeiro e convidados em “Com o afeto das canções II”.
O repertório do show alinhava clássicos da lavra de Joãozinho Ribeiro a músicas inéditas. A pandemia de covid-19 e o isolamento social por ela imposto renderam ao artista dezenas de novas composições, sozinho ou em parceria. Entre os gêneros abordados no roteiro figuram baião, balada, bolero, bumba meu boi, carimbó, divino, ijexá, maxixe, merengue, reggae, salsa, samba e tambor de crioula.
“Esse show é uma espécie de exorcismo. Após quatro anos de massacres diariamente desferidos contra a cultura brasileira, para citar apenas uma área, voltamos a respirar ares democráticos e plurais, voltamos a ser um país, feito de nossa diversidade e riqueza culturais, é o que nos propomos a celebrar, com todo afeto das canções”, anuncia o compositor anfitrião.
Serviço
O quê: show “Com o afeto das canções II” Quem: o compositor Joãozinho Ribeiro e convidados Quando: dia 16 de dezembro (sexta-feira), às 20h Onde: Convento das Mercês (Rua da Palma, Desterro, Centro Histórico) Quanto: grátis. Sugere-se a doação de um quilo de alimento não-perecível, destinada às comunidades carentes do Centro Histórico Realização: Dupla Criação e Fundação da Memória Republicana Patrocínio: Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma) e Potiguar, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão.
A mestra de cultura popular Bel Carvalho lança “Do auto do nosso boi” sábado (3). Foto: Aline Fernandes. Divulgação
A começar pelo título, ao mesmo tempo direto e singelo, “Do auto do nosso boi” (Trança Edições, 2022, 56 p.) soma-se a farta bibliografia (afetiva) existente sobre o bumba meu boi, de longe a mais popular manifestação cultural do Maranhão, patrimônio cultural imaterial da humanidade reconhecido pela Unesco.
No pequeno livro, um mergulho no boi, a partir de sua ciência em meio a memórias afetivas muito particulares. Bel Carvalho, a autora, é a irmã mais nova de Tião e Ana Maria Carvalho. Também mestra de cultura popular, a cururupuense radicada em São Paulo parte das lembranças do boi na infância para ensinar a tradição para quem quiser aprender.
Com ilustrações de Carolina Itzá e projeto gráfico de Andrea Pedro (cujo talento acostumamo-nos a ver em discos de Zeca Baleiro), Bel traz para as páginas do livro o que ajudou a fazer com o Grupo Cupuaçu, fundado por seus citados irmãos, que chegaram antes dela ao Morro do Querosene, no Butantã, em São Paulo: colabora para manter viva a tradição e, consequentemente, levá-la adiante.
Não à toa ela dedica o livro aos pais, Florzinha e Pepê Carvalho, “os esteios da minha caminhada”, como anota na dedicatória, caminhada essa que começa numa época em que às mulheres eram reservados apenas papeis de bastidores na construção de um grupo de bumba meu boi, como cozinhar e costurar – nas origens da manifestação, a cantoria e o cordão (o palco só aparece bem depois) eram permitidos apenas para os homens.
Bel e outras mulheres têm papel fundamental na mudança de concepção que permitiu a elas a ocupação de espaços antes exclusivamente masculinos. Propositalmente, para tornar o livro possível, a autora cercou-se de um time formado apenas por mulheres: além das já citadas Andrea Pedro e Carolina Itzá, Carolina Von Zuben (coordenação editorial e edição), Nathalia Meyer (edição, pesquisa e colaboração), Aline Fernandes (produção executiva, pesquisa e colaboração) e Renata Santos Rente (revisão).
O texto é leve e entre suas classificações estão o teatro (do auto do bumba meu boi, com um texto que propõe uma encenação na última parte do livro) e a literatura infantojuvenil (“faça com um adulto” é recomendação que lemos quando, ao longo das páginas, ela ensina a confeccionar o maracá de lata e o chapéu de vaqueiro, instrumento e indumentária usados pelos brincantes nos grupos de bumba meu boi). Convém lembrar que o auto do bumba meu boi, em tempos mais recentes, tem sido sacrificado em detrimento das apresentações para turistas e a população local em arraiais oficiais e outros eventos, cujo formato e duração comportam apenas a apresentação musical, deixando de lado o teatro popular, de rua, característico da manifestação.
O livro de Bel é um registro do que em geral é transmitido pela oralidade, meio pelo qual a tradição é passada através das gerações. Muito embora grande parte dos grupos de bumba meu boi hoje atue numa lógica de mercado, sua origem é religiosa, com bois dançando geralmente como pagamentos de promessa.
Entre a própria memória e a ciência aprendida e ensinada ao longo de uma vida inteira dedicada à cultura popular, “O auto do nosso boi” coleciona ainda verbetes informando os leitores sobre personagens, instrumentos musicais e sotaques (as variações que os diversos grupos têm de uma região para outra no Maranhão), ilustrando todo o conhecimento que compartilha com toadas, entre gravadas pelo Grupo Cupuaçu e seus irmãos em suas carreiras solo, além de inéditas, incluindo mesmo uma de seu pai.
Neste último quesito, os sotaques, a autora alerta: sua classificação “foi feita com base em alguns estudos sobre o bumba meu boi e no que dizem os próprios fazedores dessa tradição cultural. É importante lembrar que essa classificação não é estática, nem uma verdade absoluta. Assim como tudo na cultura, ela varia com o tempo e de acordo com a visão de quem está pensando sobre isso”, o que é mais um atestado de sua grandeza e conhecimento do assunto.
Bel Carvalho tem consciência de que seu livro não esgota a temática e, portanto, não tem a pretensão de se colocar como dona da verdade, o que é mais um acerto, entre tantos outros, deste seu belo, didático e necessário livro de estreia.
Do auto do nosso boi. Capa. Reprodução
Serviço: lançamento de “Do auto do nosso boi”, de Bel Carvalho. Dia 3 de dezembro (sábado), às 19h30, na Biblioteca do Centro Cultural São Paulo – CCSP, Rua Vergueiro, 1000, Paraíso (ao lado da estação Vergueiro do metrô). Entrada gratuita. Classificação livre.
A cantora e compositora Roberta Campos. Fotosca: Zema Ribeiro
“Casinha branca” foi a segunda música cantada por Roberta Campos no show de ontem (8), no Teatro João do Vale (Praia Grande), em São Luís. Era a segunda apresentação da cantora mineira na capital maranhense, em sua primeira viagem até aqui.
O compositor Gilson (autor do hit, com Joram) é pouco falado, mas tem parcerias com Carlos Colla e Aldir Blanc, entre outros, e já foi gravado por nomes como Maria Bethânia, Roberto Carlos, Rosa Maria e Zeca Baleiro.
Era apenas a primeira grata surpresa de um show de voz e violão que cativou o bom público presente pela delicadeza do canto, repertório e simpatia da artista, ela mesma uma colecionadora de hits que vem enfileirando nas paradas das rádios brasileiras e trilhas sonoras de telenovelas.
Com a reação da plateia ela chegou a gracejar: “eu pensei em fazer uma competição entre as plateias de ontem e hoje”, estimulando o público a cantar junto e bater palmas, o que conseguiu sem maior esforço, muito à vontade no palco.
Entre os hits desfilados no show de cerca de hora e meia, “Todo dia”, trilha sonora da novela “Órfãos da terra” – gravada por ela no dvd com que celebrou seus 10 anos de carreira discográfica, em 2019 –, “Miragem”, faixa de “O amor liberta” (2021) – seu disco mais recente, que dá título ao show –, gravada com a adesão do Natiruts, e “Começa tudo outra vez”, do mesmo disco, parceria com Humberto Gessinger, gravada em dueto com o Engenheiro do Hawaii.
Outros covers se fizeram presentes ao set list da sexta-feira: “Não vá embora” (Arnaldo Antunes/ Marisa Monte) e “Quem sabe isso quer dizer amor” (Lô Borges/ Márcio Borges), lançada por Milton Nascimento em 2002 (no disco “Pietá”) e só gravada por Lô Borges no ano seguinte (em “Um dia e meio”). A cantora revelou sua relação com a música, que gravou em “Varrendo a lua”, seu disco de 2010: “é uma das músicas mais bonitas que eu ouvi nos últimos tempos e durante muito tempo cantei achando que era do Milton; só depois eu descobri que era dos irmãos Lô e Márcio Borges e depois eu mergulhei na leitura do livro do Márcio, “Os sonhos não envelhecem” [Histórias do Clube da Esquina, Geração Editorial, 2009], que eu recomendo também a todos vocês”.
Como boa mineira, Roberta Campos revelou-se também uma engraçada contadora de causos – e contou um real: “durante a pandemia eu fiz muitas lives, dei muitas entrevistas. Um dia eu estava gravando uma e a entrevistadora falou “o pai dela” e eu fiquei assim [faz cara de assustada]… Quando ela repetiu, ligou o alerta. E de novo: “ah, ela não fala no pai dela, mas o pai dela sempre fala nela nas entrevistas”. Eu pensei: meu pai está lá na roça, no interior de Minas… não que ele não pudesse dar entrevista, mas eu acho que eu estaria sabendo. Eu resolvi perguntar: peraí, quem é meu pai?”. Após as gargalhadas da plateia, ela continuou, repetindo a pergunta da entrevistadora: “ué, você não é filha do Nando Reis?”, fazendo a plateia rir novamente. “Ela achando que eu era filha do Nando Reis… em menos de um mês essa música completa 23 anos, essa música tem quase a minha idade”, completou, antes de cantar “De janeiro a janeiro”, que ela gravou com a participação especial do ex-Titãs, e ontem cantou em dueto com o maranhense Sfanio, ela tocando violão.
A participação especial revelou afeto mútuo. Ela o descobriu por acaso numa plataforma de streaming. Em meio ao isolamento social imposto pela pandemia de covid-19 passaram a se corresponder virtualmente. “Aí hoje eu me toquei: ei, o Sfanio mora em São Luís!”, comentou Roberta. “Eu recebi o convite por volta de duas da tarde, ela perguntando se eu aceitaria fazer uma participação especial no show, e eu não sabia o que ia cantar, nem nada, mas é claro que eu aceito”, ele revelou não ter titubeado. Na sequência, ela lhe passou o violão (havia outro numa estante, mas somente um foi usado ao longo de toda apresentação) e cantaram juntos “Covardia” – “a minha música preferida dele”, ela revelou –, do refrão “sentir é foda, né?/ sentir é foda/ dá logo a covardia/ e covardia mata”, que o público também cantou junto.
Outra história contada por Roberta Campos foi quando, ainda em 1998, antes de estrear em disco, mandou uma carta para Fernanda Takai, perguntando se podia enviar uma fita demo para o Pato Fu, banda que ela ouviu bastante na adolescência e por quem sonhava ser gravada. “Ela respondeu a carta à mão, eu tenho até hoje essa carta lá em casa”. Ela, John Ulhoa (guitarrista da banda e marido de Fernanda) e Ricardo Koctus (baixista), tornaram-se parceiros e o Pato Fu gravou “Eu era feliz” em “Não pare pra pensar” (2014). Ela cantou ainda “Abrigo” (Fernanda Takai/ Roberta Campos).
Antes de cantar “Minha felicidade”, tema de abertura da novela “Sol nascente”, agradeceu novamente a presença do público: “toda vez que eu voltar aqui espero reencontrá-los”, disse. “No meio da música eu ensino o refrão pra vocês, pra gente cantar junto”, e cumpriu mais uma promessa: “lembra aquele tempo amor/ onde a gente se encontrou/ foi ali que começou/ minha felicidade”.
Aos pedidos de mais um, voltou ao palco e no bis mandou “Quase sem querer” (Dado Villa-Lobos/ Renato Russo/ Renato Rocha), sucesso da Legião Urbana que ela regravou como single em 2018. Deu tempo ainda de “Varrendo a lua”, faixa-título de seu segundo disco, encerrando o show com um último exemplo de sua comunhão com o público ludovicense: “e eu que não queria mentir/ passei então a sorrir do seu lado/ e eu que sempre quis te seguir/ criei meu mundo, meu mundo ao teu lado”.
Mariene de Castro levou a plateia ao delírio, ontem (6), na Praça Maria Aragão. Foto: Zema Ribeiro
Sem meias palavras: a apresentação de Mariene de Castro, ontem, na Praça Maria Aragão, foi um arrebatamento. “O sino da igrejinha faz Belém/ dêm/ dêm”, adentrou ao palco cantando, após ser chamada pelo prefeito Eduardo Braide (Podemos) em pessoa (quase sempre errado, acertou a mão na programação de aniversário da cidade, e na noite anterior já tinha usurpado o papel do cerimonialista ao chamar ao palco o jamaicano Eric Donaldson).
Era a noite dedicada às religiões de matriz africana e a escolha da baiana Mariene de Castro (Bahia e Maranhão têm as maiores populações afrodescendentes do país) revelou-se mais que acertada. Sua trajetória coerente já revelava sua devoção e reverência às nossas heranças ancestrais e o show parecia estreitar essas relações, com seu repertório de pontos, sambas, chulas e suingueira, que incluiu peças como “O vira” (Luhli/ João Ricardo), sucesso do grupo Secos e Molhados, e “Mamãe Oxum”, tema de domínio público popularizado por Zeca Baleiro e Chico César.
Se a ponte Bahia-Maranhão não foi construída por Mariene de Castro, ela certamente enfeitou-a, embelezou-a, tornando o caminhar mais aprazível. Ela mesmo disse, durante o show, que a noite de ontem era “um divisor de águas”. Um marco não só em sua carreira, mas na de grande parte do público presente, que não esquecerá tão cedo do que ou/viu e certamente terá neste um dos grandes shows da vida.
Atriz e cantora coabitam pacificamente uma artista que é pura ginga, e logo no início, após umas poucas rodopiadas dela pelo palco, entendi porque ela fez questão de citar o nome de seu figurinista (Wilson Ranieri) na entrevista que ela me concedeu: seu vestido (depois de rodopiar à vontade, ela tirou a capa) parece ter vida própria, um espetáculo à parte, com seu esvoaçante bailado alegre. Sem falar no painel, “de Alaíde e Alaído Almeida, mãe e filho, que desenharam a nossa gente nordestina”.
Se o povo de santo, os fiéis das religiões de matriz africana, parecem não ter motivos para festejar, vítimas cotidianas de discursos e práticas de ódio, as milhares de pessoas presentes à praça ontem, certamente têm em Mariene de Castro uma embaixatriz, alguém que não se cala diante de violências e injustiças e tampouco separa arte de política por conveniência. Pelo contrário: seu show demarca uma posição, num tempo em que esta é exigida, sobretudo a artistas, estes formadores de opinião sempre tão violentados em tempos fascistas e autoritários.
Mariene de Castro não citou o nome de nenhum dos primeiros colocados nas pesquisas eleitorais, mas não se incomodou com os cantos pró-Lula e contra Jair Bolsonaro que a plateia entoou ao longo de sua apresentação. Engrossou o coro, falando em mudanças e transformações. Citou o Nelson Cavaquinho que não cantou: “isso tudo vai passar e o sol vai brilhar mais uma vez”.
Depois de “Alguém me avisou” (Dona Ivone Lara), “Sonho meu” (Délcio Carvalho/ Dona Ivone Lara) foi interrompida: uma fã conseguiu driblar a segurança para anunciar, aos prantos, no palco, que havia se perdido da filha criança. Apesar do susto, Mariene pediu calma à mulher e à segurança, e repetindo o nome da criança ao microfone; logo várias mãos apontaram-na e, com mãe e filha se reencontrando, “Sonho meu” acabou ficando mesmo pela metade. “Eu sou mãe, fiquei nervosa. Que nenhuma mulher precise mais chorar a dor da perda de um filho”, rogou, referindo-se, talvez, a quem perdeu parentes para a pandemia de covid-19, mas não só. Entoou uma Salve Rainha, acompanhada por grande parte da plateia, lição prática de sincretismo. Seguiu com a sequencia com que homenageava a centenária Dona Ivone Lara, cantando “Um sorriso negro” (Adilson Barbado/ Jair Carvalho/ Jorge Portela).
“Eu sou contra qualquer interrupção dos direitos humanos”, ousou dizer, sempre sem meias palavras. “Contra a homofobia, o racismo, o feminicídio, a intolerância religiosa”, bradou.
A determinada altura, seus percussionistas encararam a parelha do tambor de crioula. “Cheguei, cheguei, cheguei com a minha turma, cheguei”, cantou o famoso refrão de Mestre Felipe. Noutra altura o percussionista maranhense Mariano tocou caixa e eles cantaram juntos um medley do Cacuriá de Dona Teté: “Choro da Lera”, “Jabuti/Jacaré” e “Assa cana”.
Voltou ao palco aos gritos de mais um e recebeu das mãos do prefeito um buquê de rosas brancas e vermelhas. “Nunca um prefeito tinha visto um show meu inteiro de cima do palco”, agradeceu. Sim, Eduardo Braide surfa na onda da popularidade dos artistas que fazem a festa da cidade – na véspera, beijava a primeira-dama enquanto aparecia no telão dançando agarradinho com ela “Cinderella”, primeira “pedra” que Eric Donaldson cantou ao subir ao palco na noite regueira do aniversário da Jamaica brasileira.
Ela distribuiu ao público quase todas as flores, antes de receber no palco a representação de sete orixás, um a um saudados por ela. Por fim, saudou os erês fechando a conta com “O que é, o que é?”, clássico de Gonzaguinha, deixando o público com gosto de quero mais, apesar de ter cantado por aproximadamente duas horas. Puro axé, que volte logo e sempre!
A dj Josy DominiciApresentação da campanha “Pacto pelos 15% com fome”, da Ação da CidadaniaO Regional CaçoeiraO cantor e compositor VinaaOs cantores e compositores Paulinho Pedra Azul e Djalma Chaves
Não é apenas o encontro de artistas cantando e tocando e a plateia batendo palmas. Camadas se desdobram e palavras como encanto e magia bem servem para tentar traduzir o que aconteceu na noite de sábado (6), na Praça do Letrado, no Vinhais. Servem, embora eu não saiba se são suficientes. Creio que não, afinal de contas, tudo ali transbordava, seja a qualidade das apresentações, o ambiente aconchegante e afetuoso, o clima de feira com as barracas do entorno, a alegria de encontros e reencontros.
Era do que se tratava: após dois anos suspensas em razão do isolamento social imposto pela pandemia de covid-19 (breve exceção se abriu ano passado quando os saraus foram realizados nos jardins do Museu Histórico, com controle de acesso), os chorões e choronas da ilha estavam ávidos por uma roda de choro nos moldes a que estavam acostumados. Mas a de sábado foi além.
O evento abriu espaço para a coordenação estadual da campanha “Pacto pelos 15%”, da Ação da Cidadania, que busca doações e voluntários para amenizar o flagelo da fome, que atormenta mais de 30 milhões de brasileiros, além dos que vivem em situação de insegurança alimentar. Além de falas de representantes da ONG, vídeos da campanha foram exibidos ao longo da programação.
A dj Josy Dominici voltou a se apresentar após cerca de 10 anos dedicando-se a outras frentes. Sua sequência aqueceu o ótimo público presente, com um repertório de muito bom gosto, entre clássicos do samba e choro, música popular brasileira e reggae, além de elementos da cultura popular do Maranhão.
O caminho foi seguido pelo Regional Caçoeira: choro, baião, bumba meu boi e samba, com pitadas jazzy, integraram o cardápio de Ricardo Mendes (clarinete, flauta e saxofones), Wanderson Silva (pandeiro), Wendell Cosme (cavaquinho de seis cordas e bandolim de 10 cordas) e Thiago Fernandes (violão de sete cordas). O virtuosismo e versatilidade do quarteto levaram o público a um passeio por clássicos de Pixinguinha, Severino Araújo, Donato Alves, Raimundo Makarra e Coxinho, entre outros, além de temas autorais de Wendell, como o “Baião das três”, composta por ele especialmente para o sarau.
Vinaa revelou que ansiava estar no palco de RicoChoro ComVida na praça já há algum tempo. Lembrou-se das origens, do acolhimento por nomes como Cury – autor de “O que me importa”, sucesso de Tim Maia que figurou em seu repertório àquela noite – e Zeca Baleiro – com quem gravou “Cicatriz (No regresa)” em “Elementos e hortelãs na terra dos eucaliptos” (2019), seu segundo disco, também presente ao setlist.
“Agora vocês me dão licença para eu botar os óculos de Cartola”, pediu, antes de cantar “O mundo é um moinho”, clássico do repertório do mangueirense, um dos grandes momentos de uma noite para lá de especial.
Também acompanhado pelo Regional Caçoeira, Djalma Chaves, ao violão, iniciou sua apresentação com o clássico absoluto “Aquarela brasileira” (Silas de Oliveira), apresentando um repertório de clássicos que incluiu também, entre outras, “Tristeza” (Niltinho Tristeza). E foi ele o responsável pela grande surpresa da noite, ao chamar ao palco o parceiro mineiro Paulinho Pedra Azul, que de passagem pela ilha, deu uma canja inspirada, elogiando o grupo anfitrião.
“Você já é ludovicense, é o mineiro mais maranhense que eu conheço”, afirmou Djalma Chaves, ao que Pedra Azul retrucou: “só falta oficializar”. Antes da participação musical, leu um poema que havia escrito na manhã de sábado, exaltando as belezas de São Luís, cidade com que mantém estreita e longeva relação – ganhará melodia?
Começou por “Carinhoso” (Pixinguinha), cantada em dueto com Djalma Chaves. Em seguida, provocado pelo grupo, atacou de “Cantar” (Godofredo Guedes) e aos pedidos de mais um e com a capacidade de improviso do Caçoeira (que não havia ensaiado com o convidado surpresa), atendeu com “Jardim da fantasia” (Paulinho Pedra Azul), certamente um de seus maiores clássicos.
Presente à Praça do Letrado, o jornalista e historiador Marcus Saldanha, em uma rede social, sintetizou a noite: “uma noite de presentes para os presentes”.
O próximo sarau RicoChoro ComVida na Praça acontece dia 20 de agosto (sábado), às 19h, na Praça Nossa Senhora de Nazaré (Cohatrac). As atrações são o dj Marcos Vinícius, o Instrumental Tangará, a cantora Bia Mar e o cantor Carlinhos da Cuíca. O evento é uma realização da Sociedade Artística e Cultural Beto Bittencourt, com produção de RicoChoro Produções Culturais e Girassol Produções.
Tertúlia é retomada hoje pela dj Vanessa Serra e terá como convidado o poeta Fernando Abreu
Bob Dylan. Foto: Press Association/AP. ReproduçãoBob Marley. Foto: reprodução
Em 1989 o hoje oitentão Gilberto Gil lançou “De Bob Dylan a Bob Marley – um samba-provocação”, um dos tantos libelos antirracistas de sua vasta obra, faixa de “O eterno deus Mu dança”. Diz o baiano no refrão: “Bob Marley morreu/ porque além de negro era judeu/ Michael Jackson ainda resiste/ porque além de branco ficou triste”.
Bob Marley (1945-1981), primeiro artista pop de fama internacional, tornou-se o rei do reggae e tornou o gênero jamaicano um dos mais populares ao redor do mundo. Bob Dylan (1941-), com suas letras épicas quilométricas, levou o Nobel de literatura em 2016, para o qual sua obra musical pesou sobremaneira.
A dj anfitriã do sarau Vinil e Poesia Vanessa Serra. Foto: Marco Salles. DivulgaçãoO poeta Fernando Abreu em entrevista ao saudoso Radioletra, na Rádio Timbira AM. Foto: Zema Ribeiro
Ambos serão homenageados hoje (21) na retomada do sarau Vinil e Poesia, tertúlia poético-musical-etilírica-afetiva capitaneada pela jornalista e produtora cultural Vanessa Serra, a dj anfitriã. O convidado de hoje é o poeta Fernando Abreu, que tem nos Roberts Nesta e Zimmerman, dois artistas de sua predileção.
O poeta explica a gênese da ideia: “já tem pelo menos uns cinco anos que venho pensando em juntar canções desses dois gigantes em um recital. Contemplamos fases bem diversas dos dois, desde os primeiros discos, com um tratamento que privilegia a poesia das letras, buscando pontos de contato com os poemas. Acho que conseguimos”, aposta.
Em dezembro de 2019 este repórter participou da primeira edição do sarau Vinil e Poesia. Na ocasião, disse alguns poemas de Marcelo Montenegro e Paulo Leminski, dois de meus poetas preferidos. E Vanessa Serra levava livros de sua biblioteca particular, com destaque para autores maranhenses, para estimular a participação do público.
Eram tempos pré-pandêmicos – mas disso não tínhamos como saber, à época. O sarau tomou corpo no Cazumbá Lounge, na Lagoa, à época da primeira administração. Mas a primeira vez que o nome Vinil e Poesia foi usado na divulgação remete ainda à temporada que a dj realizou no restaurante Flor de Vinagreira, na Praia Grande, quando o performer Hélio Martins participou de uma das edições, recitando um poema da maranhense Lúcia Santos.
A interação de artistas da música e da poesia e do público, que passou a se interessar por presenciar o evento semanal, além de eventualmente subir ao palco, consagrou o evento, cujos encontros acabaram migrando para o formato virtual, com o avanço da pandemia de covid-19 e suas consequentes restrições. O Vinil e Poesia passou a acontecer às quartas-feiras, com transmissão pelo canal da dj no instagram – os primeiros convidados foram os cantores e compositores Josias Sobrinho e Jorge Thadeu. Aos domingos pela manhã, a princípio também pelo instagram e, posteriormente, pelo twitch, ela também realizada a Alvorada, do quintal de sua casa, que logo angariou uma audiência fiel.
As adesões de artistas ao projeto e seu formato despojado redundaram no elepê “Vinil e Poesia”, que teve metade da tiragem doada para djs e formadores de opinião. Realizado com recursos da Lei Aldir Blanc de Emergência Cultural, o disco tem 14 faixas, está disponível também nas plataformas de streaming e é quase um milagre, pelo tempo recorde de produção e a constelação reunida, que inclui nomes como As Brasileirinhas, Betto Pereira, Célia Leite, Celso Borges, César Nascimento, Eloy Melônio, Jorge Passinho, Josias Sobrinho, Lúcia Santos, Mano Borges, Nosly e Zeca Baleiro, entre outros.
“Quando o disco chegou foi aquela felicidade tamanha. Você vê um produto seu que você pode pegar, um sonho que foi realizado de forma tátil, com a adesão de pessoas tão significativas, capa de Betto Pereira. Foi uma coisa muito especial. Até hoje, quando eu paro para pensar, eu digo “meu Deus, como foi que eu consegui?”, e eu só consegui porque eu não fiz nada só. Nós tivemos uma equipe maravilhosa, com a participação fundamental do estúdio Zabumba Records, com a produção executiva de Suzana Fernandes e direção artístico-musical de Luiz Cláudio. A gente conversava, eu dizia como eu queria, como eu pensava, ele me mostrava, e deu super certo. Em um mês nós conseguimos realizar a gravação desse disco. 14 faixas em um mês é uma coisa absurda”, relembra Vanessa Serra, que levou o prêmio Papete na Festa da Música do Maranhão em 2021 com este trabalho.
“Eu costumo receber mensagens de djs, me dizendo que estão tocando o disco, eu ouço o disco na rádio, a alegria maior é ver essa música reverberar, que é o grande propósito de ter feito esse disco, ter essa produção fonográfica do Maranhão, com artistas dessa magnitude em circulação por todo o país”, celebra a dj, que reuniu 22 artistas em 14 faixas, entre poetas, cantores e compositores. Ela pretende lançar um segundo volume em breve.
“Eu e Fernando Abreu sempre conversamos, ele também participou da live, ele me mandou uma música, “Meio Bob, meio Marley”, e eu disse que era boa, e na hora deu pra perceber que era um brasileiro cantando. E era ele. Aí eu fui rever a live, como o papo fluiu, e ele me disse que estava fazendo algumas experimentações. Aí deu a vontade de a gente repetir a dose”, lembra Vanessa.
Autor de “Relatos do escambau” (1998), “O umbigo do mudo” (2003), “Aliado involuntário” (2011), “Manual de pintura rupestre” (2015) e “Contra todo alegado endurecimento do coração” (2019), Fernando Abreu não é um neófito quando o assunto é levar poemas das páginas dos livros para o palco, esteja ele montado numa biblioteca, numa praça ou num bar.
“A curtição de estar no palco vem desde os tempos heróicos da Akademia dos Párias [grupo de estudantes/poetas que agitou a cena literária e boêmia da ilha, em meados da década de 1980], e permanece até hoje. Não vamos fazer um show de música, mas um recital de poesia e música. Sou um cantor apenas na medida em que todo poeta é um cantor, embora minha ligação com a canção popular antiga e profunda, de influência mesmo. Nesse caso, versões livres de canções de Marley e Dylan, ambas em parceria com Celso Borges, dão conta dessa intimidade. Ou seja, a experiência de letrista está ligada à experiência com poesia de uma forma geral”, afirma o poeta, que teve os dois livros mais recentes publicados pela carioca 7Letras, mesma editora por que lançará “Esses são os dias”, ainda este ano – o público presente ao sarau de hoje terá oportunidade de ouvir em primeira mão, alguns poemas deste volume vindouro.
“Estamos todos muitos sofridos, as dores da pandemia se somam ao horror de um governo perverso e genocida. Precisamos de alento, e esse projeto, com a coragem e a vontade de pôr a poesia em cena, é um grande alento e alimento para muita gente. E é com o propósito de contribuir, de oferecer também algum alimento, que estamos participando, eu e Lucas Ferreira [multi-instrumentista e letrista da Babycarpets, sobrinho do poeta], com grande alegria”, convida Fernando Abreu.
O evento muda de palco e hoje reencontrará seu público em formato presencial no Soul Lounge SLZ (Av. Litorânea, Calhau), às 20h – o couvert artístico individual custa R$ 12,00.
O sublime encontro de Chico César com o Bumba meu boi do Maracanã. Fotos: Laila Razzo. Festival Zabumbada/ Divulgação
A entrada triunfal de Chico César no palco do Festival Zabumbada, encerrando a primeira noite do evento, foi uma espécie de síntese da emoção. Ao término da apresentação do Bumba meu boi de Maracanã, ele adentrou ao palco entoando “Sereia linda de Cumã”, composição do saudoso mestre Humberto, que o batalhão registrou com a participação do paraibano em “Aldeia Tupinambá” (Zabumba Records, 2020), consistente tributo ao pai de Ribinha, cujo legado está sendo preservado e levado adiante com louvor pelo herdeiro.
A Praça das Mercês exalava afeto. “A vida é a arte do encontro”, como nos ensinou o poeta, mas a pandemia de covid-19 fez ter mais sentido do que nunca o “embora haja tanto desencontro nessa vida”.
Se o encontro do paraibano com o bumba meu boi do Maranhão não era inédito, seja pela citada participação em disco, seja por sua própria trajetória, como fez questão de demonstrar ao cantar “Folia de príncipe”, vê-lo no palco é uma experiência única, o que faz valer o dito “fez valer o ingresso”, mesmo em se tratando de evento gratuito, realizado com patrocínio do Instituto Cultural Vale, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura.
Chico César fez um show vibrante, passeando por diversas fases de seus quase 30 anos de carreira, isto se contados a partir da estreia fonográfica com “Aos vivos” (Velas, 1995), de cujo repertório pinçou “Beradéro”, com que abriu o espetáculo acompanhado por sua banda. Foi aplaudido em peso quando cantou o verso “e a cigana analfabeta lendo a mão de Paulo Freire”, que cita o pedagogo inimigo número um do regime bolsonarista.
À sua “Mama África” emendou “Brilho de beleza” (Nego Tenga) e “Pra não dizer que não falei das flores” (Geraldo Vandré), não o único medley da noite. Assisti ao show inteiro (e de resto à toda a primeira noite de festival) ao lado do compositor Chico Saldanha, amigo e parceiro que conheceu e conviveu com Chico César quando ele e Zeca Baleiro iniciavam o desbravar das veredas do sucesso na pauliceia desvairada. Saldanha chegou a gravar vocais na primeira versão de “Mama África”, que permaneceu inédita. “Mas era impossível não perceber que aquilo faria tamanho sucesso”, confidenciou-me.
Em “À primeira vista” trocou intencionalmente os nomes de Prince e Salif Keïta da letra original pelos de Zeca Baleiro e Rita Benneditto, numa reverência a seus pares maranhenses de geração. Outro medley de destaque foi “Da taça” com “Onde estará o meu amor” e “Diana”, versão de Fred Jorge para a música de Paul Anka, sucesso de Carlos Gonzaga. Chico César é, também, um liquidificador de referências.
Momentos de euforia da plateia também se deram quando ele cantou “Pedrada” (do refrão “fogo nos fascistas, fogo Jah!”), lembrando tê-la cantado pela primeira vez em público em cima de um trio elétrico no circuito carnavalesco da avenida Beira-Mar, no Centro de São Luís, em 2019, antes de lançar o disco “O amor é um ato revolucionário” naquele mesmo ano. E quando cantou “Bolsominions são demônios”, inédita que vem fazendo a cabeça de muita gente e causando polêmica, fez o público de ontem gritar “fora Bolsonaro!” e cantar “olê, olé, olé, olá, Lula, Lula!”.
Várias vezes Chico César (voz, guitarras e violões) reafirmou “lugar de mulher é onde ela quiser”, uma delas ao apresentar a baixista Lana Ferreira. Para viver em “Estado de poesia”, sua banda se completava com Helinho Medeiros (teclados), Gledson Madeira (bateria), Sintia Piccin (sopros) e Richard Fermino (sopros).
Como maranhense honorário, o paraibano de Catolé do Rocha Chico César sentia-se em casa e parecia não querer sair do palco. Sorte a nossa! Entre “Mand’ela” e “Pedra de responsa”, parcerias com Zeca Baleiro, entre muitas outras jóias de seu repertório, a exemplo de “Deus me proteja” (2008), gravada com a adesão de Dominguinhos, por ele lembrado ontem, e “Dúvida cruel”, parceria com Itamar Assumpção, nem precisou o público pedir bis para o show ter chegado bem perto de duas horas de duração (“Violivoz”, com Geraldo Azevedo, a que assisti em abril passado, durou 2h15).
Não vi inteira a primeira noite do festival – e ainda estou aqui escrevendo enquanto as atrações da segunda já começaram a se apresentar. Hoje encerra com Dona Onete e amanhã com Mariana Aydar, veja a programação completa no instagram @festivalzabumbada.
Mas outros pontos da noite de ontem merecem destaque.
A exuberância do Bumba meu boi da Floresta de Mestre Apolônio e as toadas de protesto do Bumba meu boi da Fé em Deus, traduzindo no ritmo das zabumbas que emprestam o nome ao festival a trágica realidade brasileira. Tudo isso (e mais um pouco) entremeado pela discotecagem sempre atenta e antenada da dj Vanessa Serra.
A participação especial de César Nascimento no show do Criolina, marcando o encontro, no palco, dos autores de “Maguinha do Sá Viana”, de César e Alê Muniz, reggae que se tornou um clássico da música popular brasileira produzida no Maranhão. O Criolina, Luciana Simões (voz), Alê Muniz (voz e guitarra), era acompanhado por Erivaldo Gomes (percussão), Sarah Byancchi (saxofones), João Simas (guitarra), Davi Oliveira (baixo), Sandoval Filho (teclado e programação) e Thierry Castelo (bateria), além da performance da atriz Áurea Maranhão.
O Criolina fez um show diverso, aliando covers e repertório autoral, com destaque para “A menina do salão” e “O santo”, juntando xote e reggae, a demonstrar a proximidade entre as células rítmicas dos dois gêneros, transformando João do Vale em regueiro e Bob Marley em uma espécie de Luiz Gonzaga, evoé, Gilberto Gil! Certas coisas só entende quem presencia. Novamente vamos passear na praça, evoé, Luiz Melodia!
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Perdeu ou quer ouvir de novo? O Balaio Cultural de hoje (9), na Rádio Timbira AM, dedicou a maior parte de sua programação musical às atrações do Festival Zabumbada:
O cearense Lucas Ló, radicado há cinco anos em São Luís, desfiou um repertório inteiramente nordestino, com especial destaque para o ídolo conterrâneo Belchior, com bastante personalidade.
Acompanhado por Jessé Fonseca, num teclado cheio de balanço e personalidade, passeou ainda por nomes como Fagner, Djavan, Carlinhos Veloz, César Nascimento, Sérgio Habibe e Josias Sobrinho.
Aos pedidos insistentes de “Barco de papel”, joia de sua autoria, respondeu com um educado “já rolou”; o pedido partia dos que adentraram a sala atrasados. Um dos nomes mais sofisticados da noite ludovicense, Ló se apresentou por cerca de hora e meia preparando o terreno para a noite inesquecível que viria, ao mesmo tempo sendo parte dela.
Não faltaram clássicos como “Apenas um rapaz latino-americano”, “Pequeno mapa do tempo”, “Alucinação”, “Fotografia 3×4”, “A palo seco” e “Mucuripe”, da lavra de Belchior, esta última em parceria com Fagner, “Noturno” (Graco/ Caio Silvio), “Serrado” (Djavan), “Ilha bela” (Carlinhos Veloz), “Ilha magnética” (César Nascimento), “Eulália” (Sérgio Habibe) e “Engenho de flores” (Josias Sobrinho).
“Se alguém me dissesse, há cinco anos, quando saí do meu Ceará, que hoje eu estaria aqui, abrindo o show dessas duas figuras centrais na minha formação, nesse teatro lotado, eu não acreditaria. É um momento muito importante para mim”, revelou Ló, agradecendo a presença do público, em cujo repertório se destaca ainda a também autoral “Ode a São Luís”, inédita, em que ele, de certo modo canta sua rota e a receptividade com que foi acolhido na ilha do amor. Uma avant-première aos atentos que chegaram cedo.
Quando Chico César e Geraldo Azevedo subiram ao palco, a cama estava pronta.
“Violivoz” é um show vigoroso e sincero. Sobem ao palco sem firulas, dizendo logo a que vieram: atacam a introdução de “Táxi lunar” (Alceu Valença/ Geraldo Azevedo/ Zé Ramalho), mas antes de cantarem, emendam a “Cantiga (Caicó)”, das Bachianas Brasileiras, de Heitor Villa-Lobos, sucesso de Teca Calazans, com alterações na letra, a homenagear suas terras natais e reafirmar a admiração mútua: “oh, mana, deixa eu ir/ oh, mana, eu vou a pé/ oh, mana, deixa eu ir/ para o sertão de Catolé”, começa Chico, referindo-se a Catolé do Rocha, na Paraíba, seguido por Geraldo: “oh, mana, deixa eu ir/ andar é minha sina/ oh, mana, deixa eu ir/ para o sertão de Petrolina”, e depois: “oh, mana, deixa eu ir/ oh, mana, eu vou cedo/ oh, mana, deixa eu/ cantar com Geraldo Azevedo” e “oh, mana, deixa eu ir/ andar com quem me preza/ oh, mana, deixa eu/ cantar com Chico César”. A determinada altura de “Táxi lunar”, Geraldo Azevedo solta um “vai, Zé!” e Chico César imita a voz de Zé Ramalho. E era apenas o primeiro número.
O vigor a que me referi diz respeito ao fato de a dupla cantar e tocar – e por vezes dançar – por duas horas e 15 minutos de espetáculo, de pé. A sinceridade é percebida na admiração mútua várias vezes declarada. Um é fã do outro, os dois se tornaram amigos e parceiros. Geraldo Azevedo, ao lembrar de como se conheceram, convidado a gravar uma música de Chico César em um disco produzido por Totonho, que homenageava as vítimas da chacina da Candelária, no Rio de Janeiro, nunca lançado, já percebeu ali suas qualidades. Depois, quando Chico lançou “Aos vivos” (1995), seu disco de estreia, revelou ter comprado 50 exemplares e distribuído a amigos, produtores, em suas turnês pelo Brasil e Europa. “O Belchior, que é da minha geração, dizia que “nossos ídolos ainda são os mesmos” e Chico César era um ídolo novo e eu queria apresentá-lo pra todo mundo”, disse Geraldo. Chico completou: “Belchior também dizia que “o novo sempre vem”” e revelou a influência exercida sobre o então adolescente pelo disco “Cantoria 1” (1984), que registrou o encontro de Geraldo com Elomar, Vital Farias e Xangai.
“Para mim é uma alegria muito grande dividir o palco com Geraldo Azevedo, é uma baita honra vê-lo cantando uma música minha”, declarou Chico, depois de cantarem juntos “Estado de poesia” (Chico César).
É um show de entrega. Não há momentos solo de um e outro artista. Eles cantam juntos o tempo inteiro o repertório um do outro e de artistas admirados, casos de Geraldo Vandré (“Pra não dizer que não falei das flores (Caminhando)” é emendada a “Mama África”, de Chico), Milton Nascimento e Caetano Veloso (“Paula e Bebeto”, gravada por Geraldo em 1979) e Paul Anka (a versão de Fred Jorge para “Diana”). Ninguém se cansa: nem os artistas no palco, nem a plateia. Todo mundo em comunhão. Ou quase.
Quando Chico César anunciou que cantaria “outra canção de amor, de nosso amor pela Terra, pelos pequenos agricultores, uma parceria minha com Carlos Rennó”, e atacou de “Reis do agronegócio”, um coro de “Fora Bolsonaro!” se ouviu no Centro de Convenções. Uma tentativa de vaia, raquítica, foi encoberta, e prevaleceu a vontade da maioria. Outros gritos de “Fora Bolsonaro!” vieram e Chico César, numa sequência demolidora, mandou, sempre acompanhado por Geraldo Azevedo, “Pedrada” (Chico César), cujo refrão diz: “fogo nos fascistas, fogo Jah!”. “Essa música, a primeira vez que eu cantei, foi em cima dum trio elétrico, num carnaval, aqui em São Luís, para 100 mil pessoas, e eu fiquei muito contente com a receptividade”, lembrou.
Em “Bicho de sete cabeças” (Geraldo Azevedo/ Renato Rocha/ Zé Ramalho), passaram perto de 10 minutos solando seus violões, até cada um cantar uma parte da letra, sem as sobreposições que a tornaram um clássico. Comentaram a pandemia, o isolamento social, a gênese do show, após Chico ter assistido a um show de Geraldo em São Paulo e terem ido para a casa do primeiro, depois do espetáculo, tocar violão na cozinha. Tocaram duas parcerias, uma inédita e o single “Nem na rodoviária”, já disponível nas plataformas de streaming.
São duas gerações de artistas, convivendo harmoniosa e respeitosamente, Geraldo aos 77 anos, Chico aos 58. Têm a mesma grandeza e importância. Nenhum se sobressai ao outro e o equilíbrio é também uma característica de destaque do show. São dois artistas que, cada um a seu tempo, souberam cativar o público de São Luís – suas apresentações por aqui são sempre marcadas por casas cheias e intensa interação das plateias. Ontem não foi diferente.
Perto do fim do show, Geraldo apenas ameaçou cantar “Terra à vista” (Carlos Fernando). Puxou o “San, san, san, São Luís do Mará” do refrão, que a plateia imediatamente repetiu em coro, mas deixou apenas a vontade no público. Alguém na plateia, insistentemente pedia “Pétala”, não o sucesso de Djavan, mas abreviando o título de “Pétala por pétala” (Chico César/ Vanessa Bumagny). “A gente vê muito homem ansioso, mulher é menos. A mulher goza melhor por que ela goza depois, goza mais e melhor; o homem é sempre aquela pressa, de querer gozar logo”, contou para gargalhadas da plateia e o não-atendimento ao pedido renitente.
Chico César citou vários amigos, maranhense ilustres, afirmando ser uma honra estar mais uma vez em sua terra: Papete, Rita Benneditto, Josias Sobrinho, Chico Saldanha, Flávia Bittencourt, Alcione. E Celso Borges, a quem fez especial deferência: “foi quem me apresentou a Zeca Baleiro. A gente já morava em São Paulo e ele um dia me disse: olha, tem um amigo meu, do Maranhão, vindo morar aqui, é meio doidinho assim que nem tu, não é bem compreendido em nossa terra; isso naquela época, e eu entendi de cara o que ele queria dizer”, contou, para risadas da plateia. Em seguida ofereceu-lhe “Você se lembra” (Geraldo Azevedo/ Pippo Spera/ Fausto Nilo).
Também cantaram juntos “Pedra de responsa” (Chico César/ Zeca Baleiro) e na sequência Geraldo puxou, a capella, o refrão de “Cadê meu carnaval” (Geraldo Azevedo), que ele cantou, modificando a letra: “Olê lê lê/ cadê meu carnaval?/ olê lê lê/ cadê meu carnaval?/ carnaval está chegando/ cadê meu carnaval?” – a letra original diz “carnaval está morrendo”. O público ficou cantando enquanto eles se retiraram do palco.
Aos gritos de mais um, retornaram, para delírio dos presentes, mandando o clássico “Dona da minha cabeça” (Geraldo Azevedo/Fausto Nilo), em arranjo de reggae. Já não havia mais ninguém sentado, praticamente todo mundo cantava junto e alguns casais arriscavam uns passos.
Um final apoteótico de um show antológico, de uma turnê adiada e interrompida pela pandemia de covid-19, indefinidamente prorrogada pela irresponsabilidade de uns poucos que insistem em querer um Brasil feio e triste, justamente o contrário do colorido das roupas dos artistas e da diversidade que sua música representa, afinal de contas o Brasil alegre e festeiro, que haverá de prevalecer. Espero que este dueto, esta cantoria, este grande encontro, vire disco. Oxalá!
Novo trabalho carnavalesco do compositor já está disponível nas plataformas de streaming
Apesar dos coronas contrários. Capa. Reprodução
“Apesar dos coronas contrários” é o título do novo ep carnavalesco do poeta e compositor Joãozinho Ribeiro. Resistência em forma de arte, num tempo em que o carnaval é uma lembrança (de outros carnavais, diria um piadista mais apressado).
O trabalho já está disponível nas plataformas de streaming e traz algumas marcas da obra e do perfil de Joãozinho Ribeiro enquanto artista: a música nunca dissociada de sua postura de cidadão consciente, trazendo temas atuais para o centro do debate, sem perder o balanço exigido pela temporada carnavalesca, mesmo quando esta é somente virtual.
Agregador por natureza, Joãozinho Ribeiro não está sozinho: nos três frevos e dois sambas autorais e inéditos registrados neste novo trabalho, ele traz parcerias, entre composição e interpretação, com Zeca Baleiro, Flávia Bittencourt, Allysson Ribeiro, Marconi Rezende e Ronald Pinheiro.
Nesta segunda-feira (21), às 19h30, com transmissão pelo canal dos estúdios Zabumba Records no instagram (@zabumbarecords), acontecerá um bate-papo virtual, com a presença dos artistas que deram forma às criações de Joãozinho Ribeiro. Além do compositor e de seus convidados, o bate-papo terá mediação do jornalista Zema Ribeiro, coordenador de produção da Rádio Timbira e editor correspondente do site Farofafá.
“Infelizmente a pandemia ainda não acabou e não podemos fazer o que gostaríamos, que seria reunir toda essa constelação de artistas de primeira grandeza em um palco para defendermos esse trabalho, que esperamos que colabore para minimizar a ausência e a saudade das festas do período momesco. Então vamos conversar com o público pela internet, sobre processo criativo, bastidores das gravações e matar a curiosidade das pessoas que interagirem conosco durante a transmissão”, promete Joãozinho Ribeiro.
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Ouça o ep:
Serviço
O quê: bate-papo virtual de lançamento do ep “Apesar dos coronas contrários” Quem: o compositor Joãozinho Ribeiro, os convidados Zeca Baleiro, Flávia Bittencourt, Alysson Ribeiro, Marconi Rezende e Ronald Pinheiro e o mediador Zema Ribeiro Quando: dia 21 (segunda-feira), às 19h30 Onde: no instagram @zabumbarecords Quanto: grátis
EP carnavalesco reúne cinco composições inéditas e traz participações especiais de Zeca Baleiro, Ronald Pinheiro, Flávia Bittencourt, Marconi Rezende e Allysson Ribeiro
Apesar dos coronas contrários. Capa. Reprodução
POR PAULA BRITO E ZEMA RIBEIRO
Em tempos difíceis para a população brasileira, tanto pelo momento político que o país atravessa, quanto pela pandemia que sua população enfrenta, nada melhor do que espalhar amor e alegria para as pessoas através da música.
Pensando nisso, o poeta e compositor maranhense Joãozinho Ribeiro lança, no próximo sábado (12) a partir da meia noite, em todas as plataformas digitais, o seu mais novo EP, intitulado “Apesar dos coronas contrários”. O EP de carnaval traz cinco canções inéditas, sendo três frevos e dois sambas encharcados de maranhensidade.
“Coronas contrários”, um frevo criado em parceria com o cantor e compositor Zeca Baleiro, que também a interpreta, e é o carro-chefe da coletânea. O EP traz ainda “Memórias de Moraes”, composta em 2020, em parceria com o cantor, compositor e instrumentista Ronald Pinheiro, uma merecida homenagem ao falecido artista baiano Moraes Moreira, interpretada pelos dois autores. Nesta faixa, Ronald Pinheiro empresta o solo da sua criativa guitarra baiana ao saboroso gênero. “Azar do arlequim”, um frevo-canção, de autoria de Joãozinho Ribeiro, interpretado pelas belas vozes dos cantores e compositores Flávia Bittencourt e Marconi Rezende, é outra faixa do trabalho. Os sambas autorais “Valeu, Cacá!” e “Vou engomar” completam a lista sob a forma de pot-pourri, cantados, respectivamente, por Joãozinho Ribeiro e pelo cantor e compositor Allysson Ribeiro.
O maestro Rui Mário assina a direção musical e arranjos, e também participa com a sua sanfona e teclados em algumas faixas, assistido de perto pelo talentoso e respeitado músico Arlindo Pipiu (baixo, violões de seis e sete cordas e guitarra). O time de músicos se completa com Luiz Cláudio (percussão), Danilo Santos (saxofone e flauta), Hugo Carafunim (trompete e flugelhorn) e Jovan Lopes (trombone). Daniel Miranda (trombone) participa de “Azar do arlequim”. Robertinho Chinês entra em cena com o seu inconfundível cavaquinho no pot-pourri de sambas, adicionando um molho todo especial à batucada tipicamente maranhense.
Os vocais ficam por conta das cantoras Kátia Espíndola e Mariana Rosa, que participam de todas as faixas. Jaílton Sodré comanda, com apurada técnica, a mixagem e a masterização do EP, gravado no Estúdio Zabumba Records. A produção executiva e coordenação geral do projeto ficam a cargo do próprio Joãozinho Ribeiro.
Um dos parceiros e incentivadores de Joãozinho Ribeiro nesta empreitada é o cantor e compositor maranhense Zeca Baleiro. Ele resume esse trabalho como um ato de resistência: “Joãozinho Ribeiro já era “resistência” antes mesmo do termo virar lugar-comum em tempos de redes sociais e de ameaças neofacistas. Sempre resistiu. À imobilidade, à falta de ação política, à omissão na luta pela afirmação da cultura e até ao próprio cansaço – sim, porque a luta cansa até os guerreiros mais fervorosos. Neste momento político pavoroso, Joãozinho quer resistir cantando, provocando e espalhando ventos humanistas por este velho mundo. Por isso (e para isso), gestou este EP de carnaval, “Apesar dos coronas contrários”, com três frevos e um medley de dois sambas, da safra recente do compositor, ora sozinho, ora em parceria. O EP reúne vários parceiros – músicos, intérpretes e compositores – e é uma conclamação amorosa e divertida à dança e à festa. Por que a vida é essencial, especialmente em tempos de trevas”, afirma.
Serviço
O quê: Lançamento do EP carnavalesco “Apesar dos coronas contrários” Quem: Joãozinho Ribeiro, com participações especiais de Zeca Baleiro, Ronald Pinheiro, Flávia Bittencourt, Marconi Rezende e Allysson Ribeiro Onde: em todas as plataformas digitais Quando: sábado (12), à meia-noite Quanto: grátis
O cantor e compositor Betto Pereira acaba de lançar o videoclipe de “Maldito amor”, single composto em parceria com o poeta Félix Alberto Lima – música que ele canta em dueto com Zeca Baleiro. Para além da participação especial o clipe conta com as ilustres presenças, entre outros, do dj Ademar Danilo, das cantoras e cantores Alcione, Beto Ehong, Flávia Bittencourt, Glad Azevedo, do torcedor boliviano Fumaça e de bailarinos do Grupo de Dança Afro Malungos (GDAM).
“Maldito amor”, o clipe, tem direção de Vicente Simão Jr. (Fábrika) e seu ritmo caliente é envolvido pela beleza das paisagens ludovicenses – o Centro Histórico visto da Avenida Ferreira Gullar ou passeado pela praça João Lisboa e a Feira da Praia Grande, a Escadaria do Beco do Silva, recém-repintada pelo artista Gil Leros, e o Point Magno Roots, no Bairro de Fátima.
“No toca-fitas do meu carro/ uma canção me faz lembrar você”, diz a famosa canção hoje tida por cafona, a que nos remete o ar vintage garantido por uma fita cassete – quando a música começa no videoclipe. Um elemento tragicômico é a cereja do bolo.
Ao longo de um ano de “Vinil & Poesia”, a dj Vanessa Serra reuniu a nata da música e poesia produzidas no Maranhão; o resultado pode ser conferido no elepê que leva o nome do projeto
Vinil & Poesia. Capa. Reprodução
Em dezembro do ano passado, em casa de nome mais que apropriado, o Cazumbá Lounge, na Lagoa, a dj Vanessa Serra estreou seu projeto “Vinil & Poesia”, aliando duas paixões.
Já era uma dj consagrada, apesar do pouco tempo de estrada. Jornalista de formação e produtora de profissão, só começou a levar a discotecagem a sério em 2016. Sem firulas, como escrevi em seu release oficial, que tive a honra de escrever a pedido.
Não me peçam impessoalidade: fui o primeiro a subir àquele palco, recitando Paulo Leminski e Marcelo Montenegro, dois poetas de minha predileção, e é impossível não lembrar disso com emoção.
Além dos vinis de seu ofício, Vanessa Serra havia levado uns livros, priorizando autores e autoras maranhenses, instigando o público a participar. O que no início tinha jeito de brincadeira, tomou ares sérios, mas não ficou algo careta. Às quartas-feiras, a tertúlia semanal começou a receber poetas e músicos como convidados, para canjas ao vivo, durante o set da dj.
Aí veio a pandemia. O isolamento social. O lockdown. As inúmeras lives que foram/fomos inventando e reinventando para suportar a saudade da vida social, de ir ao bar, de jogar conversa fora, de ouvir boa música nas companhias de amores e amigos. Entre elas o “Vinil & Poesia”, que Vanessa Serra nunca deixou de fazer, mesmo quando foi obrigada ao formato online.
Somente recentemente, com a liberação de eventos de pequeno porte, observadas as normas de segurança sanitária vigentes, ela voltou a realizar o evento ao vivo, a partir do Cazumbá Lounge.
O projeto já era vitorioso ao estimular o diálogo entre música de qualidade e tirar a poesia do lugar solene da página do livro e levá-la ao bar, para ser dita e ouvida por gente atenta, curiosa e esperta. Gente antenada, enfim. Mas uma vitória de um a zero é menos gostosa que uma goleada e Vanessa Serra marca mais um golaço: 14 participações de artistas nas noites do “Vinil & Poesia” estão registradas em um disco de vinil. É luxo só, como diria o poeta.
“Vinil & Poesia” é uma realização de VS Comunicação e Cultura, com patrocínio da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma), com recursos da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc. Gravado no estúdio Zabumba Records, reúne uma constelação de primeira grandeza da música e poesia produzidas em terras maranhenses.
Na ordem de aparição, Lúcia Santos diz seu poema “No umbigo da noite insana”; Célia Leite zabumba em “Pedras de cantaria” (parceria dela com Jorge Passinho, que faz participação especial na faixa); Mano Borges evoca os ares oitentistas da intensa produção musical maranhense daquela década em “Duas ruas desertas”, de sua autoria; “De São Marcos a São José” nos conduz, pelo sotaque, ao Vale do Pindaré, na parceria de Eloy Melônio e Josias Sobrinho, cantada por este; “Esse tu” é mais uma delicada amostra da parceria profícua de Celso Borges e Nosly, que a interpreta; “Tanto fogo” (Jorge Passinho/ Inaldo Lisboa/ Maninho Quadros), interpretada por Dicy, com participação especial de Santacruz, mete o dedo em ferida atualíssima da tragédia brasileira; César Nascimento cantando o xote “João do Vale, minha homenagem”, de sua autoria, fecha o lado A do disco.
O lado B abre com a voz de Celso Borges em seu poema/toada hi-tech “Tambor de crioula”; “Chovia no canavial”, com que Zeca Baleiro presenteou o projeto, ganha interpretação especial do grupo As Brasileirinhas; o multifacetado Jorge Thadeu comparece com “Guajajara”, de sua autoria; “Ventre livre”, de Luís Du Rosário, é a bela estreia em disco de um artista que não encarou a música como profissão, apesar do imenso talento; Gerude relê o clássico “Jamaica São Luís”, parceria sua com Cyba Carvalho; Betto Pereira comparece ao disco para além da embalagem: canta o reggae “Nação vibration”, parceria sua com o jornalista Gilberto Mineiro; e Tutuca Viana fecha o álbum com a balada “Luz de neon”, que escreveu em parceria com João Marques.
A riqueza deste álbum está no atrito entre poesia e música, para além da leitura de poemas com fundo musical e da pergunta mofada “letra de música é poesia?”, num diálogo estimulante entre gêneros, gerações e a diversidade da cultura popular do Maranhão, ao mesmo tempo plural (pela variedade) e singular (certas coisas só existem por aqui).
“Aqui conseguimos reunir um belo roteiro de canções… Acordes e versos, palavras e tons, memórias profundas, alimento para a alma da gente… “Vinil & Poesia”, de fato, é uma imensidão de sentimentos… É coletividade, pertencimento, entrega e amor”, sintetiza a jornalista, dj e produtora Vanessa Serra em texto na contracapa do elepê.
Ela assina a concepção do projeto e direção geral, que tem direção técnica de Maurício Capella (companheiro de arte e vida), direção artística de Luiz Cláudio, direção musical de João Simas, produção executiva de Suzana Fernandes e produção técnica de Joaquim Zion (seu padrinho no ofício da discotecagem). As artes de capa, contracapa e encarte são de Betto Pereira e o projeto gráfico é de Eric Félix. O álbum é dedicado “à memória, vida e obra de Raimundo Nonato Rodrigues de Araújo (Maestro Nonato), Nonato Buzar, Papete e Gérson da Conceição”.
Muita gente procura o bar para espairecer e vai ao lugar certo. Outros afogam mágoas e também não estão no lugar errado. Alguns, no dia seguinte, querem esquecer o que fizeram. Vanessa Serra eterniza um momento bonito e importante, de um projeto frequentado por “gente fina, elegante e sincera”. Agora, mesmo quem não sai à noite, não frequenta bares ou não curte um drinque, pode levar “Vinil & Poesia” para casa. A inscrição “volume 1”, que lemos na capa do disco, já nos leva a responder, como naquele velho rock: mais uma dose? É claro que eu tô a fim.
Serviço – A live de lançamento de “Vinil & Poesia”, com a presença dos artistas que participam do álbum, será realizada dia 16 de dezembro (quarta-feira), às 20h, com transmissão simultânea pelos perfis da dj Vanessa Serra no instagram e youtube. O projeto é uma realização de VS Comunicação e Cultura, com patrocínio da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma), com recursos da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc.
[Com as bênçãos de Celso Borges e Otávio Rodrigues, baita honra e enorme responsabilidade ter recebido o convite para escrever o release oficial deste disco lindo, que chega às plataformas no próximo dia 30]
Maestro Tiquinho em sessão de gravação de “Trombonesia”. Foto: Paola Vianna
O apelido no diminutivo usado como nome artístico não traduz, de cara, a grandeza de Marco Aurélio de Santis. Maestro Tiquinho, como acabou ficando conhecido no meio musical, é um desses arquitetos da música popular brasileira cujo nome quase nunca figura nas placas de inauguração das obras, mas está lá para quem quiser ver e ouvir. Fossem os meios de comunicação mais dispostos ao aprofundamento e os ouvintes em geral mais curiosos, o trombonista seria merecidamente mais conhecido.
De Chico Science a Gal Costa, passando por Chico César e Zeca Baleiro, além de Elza Soares, Marcelo Jeneci, Jorge Benjor, Seu Jorge, Gilberto Gil, João Donato, Tom Zé, Erasmo Carlos, Nando Reis, Skank, Tião Carvalho e Papete, entre outros, além de bandas que integra/ou – Professor Antena, Clube do Balanço, Karnak e Funk Como Le Gusta –, pelo leque é possível perceber a abrangência de seu trombone elegante.
“Trombonesia”. Capa. Reprodução. Arte de Gian La Barbera
Tiquinho acaba de lançar o aguardado e merecido disco solo de estreia, “Trombonesia”, título que evoca o encontro de seu conteúdo: o trombone do mago com a poesia, pelas vozes dos dub poets André Abujamra, Celso Borges, Chico César, Fernanda Takai e Zeca Baleiro, convidados mais que especiais que contribuem para o brilho e a brisa dessa tertúlia poético-musical. O álbum foi realizado através do Edital de Apoio à Criação Artística – Linguagem Reggae – da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.
““Trombonesia” não é apenas o nome do álbum, mas uma palavra que nasce para unir sons, artes e estilos, sem usar de estereótipos ou padrões definidos”, afirma ele, ao mesmo tempo ourives e alquimista. Produzido por BiD, gravado ao vivo no estúdio Space Blues por Alexandre Fontanetti, e mixado por Victor Rice, todos magos em seus ofícios, o disco é arejado e ensolarado, com ecos de nomes como Don Drummond, Joseph Cameron, Nambo Robinson, Rico Rodriguez e Vin Gordon, para citar alguns de seus colegas de instrumento, em cujas fontes certamente Tiquinho bebeu para embriagar-nos.
Se aqueles foram fundamentais para o que acabamos por chamar de “clima” ou “mística natural” do reggae jamaicano, Tiquinho navega com desenvoltura por estes m/ares, aproximando Jamaica e Brasil – o sopro do paulista de Bauru nos leva a voar e pousar precisamente em São Luís do Maranhão, não à toa alcunhada Jamaica brasileira.
Mas tudo isto é pouco para tentar entender, explicar, rotular ou traduzir sua sonoridade (o que, na verdade, é tarefa impossível): ao mesmo tempo você está em um clube de reggae, em uma festa de sound system, em um baile black. O tempo é tema recorrente no repertório e os tons afogueados do projeto gráfico (de Gian Paolo La Barbera) ajudam a entender imediatamente que a coisa é quente.
Tiquinho assina todas as composições e arranjos do disco, em que é acompanhado por Edu SattaJah (contrabaixo elétrico e acústico), Rogério Rochlitz (piano acústico, órgão Hammond e piano elétrico), Che Alexandre Caparroz (bateria) e Simone Sou (percussão em “Oriente-se”). Em tempos de “duelo de eu e ego” (como salienta Chico César no canto falado de “Oriente-se”) “Trombonesia” é uma lufada de alegria, beleza e inteligência, estes ingredientes de brasilidade que alguns tristes andam querendo caçar nestes tempos de trevas – que Maestro Tiquinho e suas boas companhias teimam em iluminar. Para sorte e felicidade nossa! Jah bless!
Serviço: lançamento de “Trombonesia“, disco solo de estreia de Maestro Tiquinho. Dia 30 em todas as plataformas digitais.
Recebi o honroso convite para participar ontem (26) de uma live com tema-slogan “Direitos culturais, sem perder a ternura jamais”, organizada pela Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), entidade de que fui assessor de comunicação e presidente.
A live não foi alive, mas também não chegou a ser dead. Explico: problemas técnicos e motivos de força maior impediram sua transmissão ao vivo. A conversa foi gravada e já está disponível nos canais e redes sociais da SMDH.
Além das participações especiais de um cachorro latindo na rua durante minha fala de abertura e de Rose Teixeira, esposa de Joãozinho Ribeiro, ele, um dos convidados da live, ao lado de Zeca Baleiro, com as presenças também de Dicy e João Simas, mediados por este que vos perturba, conversamos (eles também cantaram) sobre direitos e políticas culturais, pandemia e isolamento social, a aprovação na Câmara dos Deputados da Lei de Emergência CulturalAldir Blanc (na mesma “tarde noite” em que conversávamos), a cadeia produtiva da cultura e, obviamente, o governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro.
A quem interessar possa, aí está o vídeo com a íntegra do papo. Ele é finalizado com Equinócio, composição de Elizeu Cardoso que Dicy gravou em seu disco Rosa Semba, o que destaco para anunciar que, amanhã (28), noutra live, o compositor, cantor, escritor, webradialista e professor (olha o respeito com seus alunos!) é meu entrevistado no TimbirAlive, que a Rádio Timbira AM está transmitindo em seu instagram (@radiotimbira), sempre às 17h, às terças (saúde, com Aécio Macchi e Amanda Couto se revezando na apresentação), quartas (esporte, com Quécia Carvalho) e quintas (cultura, com Gisa Franco e Zema Ribeiro, também em revezamento). Como diria o Gabriel DCastro, faça como seu time: não perca!
É ideia que me persegue há algum tempo, e só agora a falta do que fazer na quarentena, por força da pandemia de coronavírus (covid-19), me permite por no papel – ou melhor, aqui nos bits e bytes da internet.
Falta do que fazer é modo de dizer: tenho conseguido sobreviver à reclusão forçada graças às minhas coleções de discos (reais) e livros (idem), além de serviços de streaming, da internet em geral e, obviamente, da companhia dela.
Mas há tempos penso nestes discos que muito provavelmente nunca serão gravados e consequentemente lançados. Se um dia forem, certamente farão a alegria de muita gente.
Uma vez, numa edição da Aldeia Sesc Guajajara de Artes, dedicaram uma noite ao choro. Consultado sobre a programação, sugeri dois espetáculos, que acabaram acatados pela curadoria e aconteceram: a Praça Nauro Machado, na Praia Grande, foi palco de uma (quase) reedição do Recital de música brasileira, com Célia Maria (voz) e João Pedro Borges (violão); e do encontro, no mesmo palco ao mesmo tempo, dos grupos Instrumental Pixinguinha e Regional Tira-Teima. Lembro-me da história para dizer que certas ideias, às vezes, podem se concretizar, por mais malucas que possam parecer.
Capa imaginária de disco imaginário. Desenho de Zema Ribeiro
Arari Irará, de Tom Zé e Zeca Baleiro – O maranhense nasceu em São Luís mas passou a infância em Arari, anagrama de Irará, cidade natal de Tom Zé. A primeira é famosa por sua melancia e O abacaxi de Irará mereceu até música do baiano (faixa de Se o caso é chorar, de 1972). A capa do disco evoca a banana de Andy Wahrol na capa do clássico The Velvet Underground & Nico (1967).
Metonímia, de Odair Cabeça de Poeta e Paulinho Boca de Cantor – A figura de linguagem que toma a parte pelo todo, como ensinam os livros de gramática, intitula o álbum dividido pelos baianos, menos conhecidos do que deveriam. Cabeça de Poeta é parceiro de Tom Zé e com o Grupo Capote uniu forró e rock (forrock) antes de Alceu Valença; Boca de Cantor integrou (e integra, nas eventuais voltas que o grupo dá) os Novos Baianos.
Os Novos Novos Baianos, de Pedro Baby, Betão Aguiar, Davi Moraes, Bem Gil e Moreno Veloso – Pedro Baby (filho de Baby do Brasil e Pepeu Gomes), Betão Aguiar (filho de Paulinho Boca de Cantor), Davi Moraes (Moraes Moreira), Bem Gil (Gilberto Gil) e Moreno Veloso (Caetano Veloso) se unem em um disco coletivo, relendo criações de baianos como os pais, além de Tom Zé, Dorival Caymmi, Riachão, Batatinha, Roque Ferreira e João Gilberto.
Roberto Carlos canta Sérgio Sampaio, de Roberto Carlos – Dois dos mais ilustres filhos de Cachoeiro do Itapemirim (os outros são Rubem Braga e Luís Capucho), no Espírito Santo, unidos em um mesmo álbum. 26 anos após o falecimento do autor de Eu quero é botar meu bloco na rua, finalmente o Rei realiza o sonho do fã: é conhecida por todos a vontade de Sampaio ser gravado por Roberto, para quem compôs Meu pobre blues, que abre o tributo.