ISSO É VERDADE!

 

Trecho de uma entrevista com o poeta Ademir Assunção, por ocasião do lançamento de seu livro “Zona Branca”, em 2001. Para ler a entrevista completa, vá no link ao lado.

Como você explica no livro, “zona branca” é um tipo de presídio de segurança máxima, localizado fora do espaço-tempo para abrigar rebeldes e dissidentes. Isso seria uma metáfora para a poesia? Na sua opinião, qual o espaço ocupado pela poesia hoje, num ambiente cultural bárbaro e caótico?

É uma metáfora não só para a poesia mas para a arte em geral. Não devemos nos iludir: as esferas de poder político e social não gostam dos artistas. Artistas causam problemas. Questionam, criticam, ironizam, desequilibram os jogos de poder. Como poeta, tenho nas mãos uma instrumento capaz de causar alterações perceptivas. Primeiro, em mim mesmo. Então, batalho para que a poesia contamine mais pessoas. O espaço que a poesia ocupa é exatamente aquele que os poetas conseguem fazer com que ela ocupe. Tenho muitos amigos e amigas mais jovens, que desconheciam poesia. Quanto leram Rimbaud, Ginsberg, Cruz e Souza, Leminski, Augusto dos Anjos, Fernando Pessoa, enlouqueceram, se apaixonaram por poesia. Qualquer pessoa que tenha sangue quente correndo nas veias cai de quatro ao ler um poema como “O Assinalado”, de Cruz e Souza. Penso que os poetas devem abandonar os guetos acadêmicos, a “zona branca”, e invadir as cidades, difundir a poesia. Ou ficaremos nos cantos, chorando como viúvas, lamentando eternamente a falta de leitores.

A VITROLA ALQUIMISTA DE PATRÍCIA AHMARAL

Texto nosso publicado na edição de hoje do JP

Vitrola alquimista. Capa. Reprodução

por Zema Ribeiro (*)

Os alquimistas buscavam um remédio universal. Patrícia Ahmaral consegue, num balaio sonoro de difícil feitura, um disco para todas as ocasiões e, por isso mesmo, universal. Ouço-o pela manhã, enquanto tomo banho para ir ao trabalho, no trabalho – e só não o ouço no caminho por andar de ônibus – e enquanto escrevo este texto.

O segundo disco de Patrícia Ahmaral não mostra necessariamente um amadurecimento: “Ah!” (1999), disco de estréia produzido por Zeca Baleiro já é um trabalho bastante maduro; mostra sim uma continuidade – qualitativa – da obra da mineira.

Produzido por Renato Villaça e pela cantora/compositora, digo que o disco é um balaio por mesclar de forma abrangente e inteligente canções a que Patrícia confere unidade.

ALQUIMIA PASSO A PASSO: VITROLA FAIXA A FAIXA

O disco abre com “Quem Sabe” (Carlos Gomes e Bittencourt Sampaio) numa vinheta. Segue com “Mixturação”, pescada de um nada fácil repertório de Walter Franco. A canção, de uma doce violência na interpretação do compositor, ganha uma leveza pop na voz de Patrícia. “A Mais” (Herberth Vianna e Pedro Luís) faz a ponte para “S. O. S.” (Raul Seixas), que ganha uma incidental de “Com Fé Eu Vou Prosseguir”, rap do grupo NUC.

“Carmem Carolina” (Christian Maia e Renato Negrão) é personagem recorrente de músicas da banda Stonehenge. Com o subtítulo “Quando sua cara parte”, a música fala em uma menina que “quer que o mundo seja azulejado / pra cometer deslizes”. Outra pescada num repertório nada convencional – o diferencial das boas regravações realizadas pela mineira – é “Cabelos Longos”, de Alceu Valença, música que fala de desconfiança e ganha incidental de “32 Dentes”, dos Titãs.

Pérola do samba “moderno” é “A Outra Beleza” (Renato Villaça e Patrícia Ahmaral), com participação especial do genial Jards Macalé: “A beleza do mundo / tá na cara do feio / a máscara da alma / é o reflexo do espelho”. O poeta/blogueiro Ricardo Aleixo aparece ao lado de Gil Amâncio na composição de “Mercedes Benz”, música que fala em felicidade sob uma ótica interessante: “felicidade ap em Miami / jóias raras / sogro banqueiro caviar / cara na “Caras” / para os homens de bem / os homens de bens / os homens de Mercedes Benz”.

“Líquida” (Kali C e Suely Mesquita) ganha citação da ária “Quando Me’n Vo’Solleta”, da ópera “La Boheme” (G. Puccini), onde Patrícia comprova o que vem fazendo desde o início do disco, ou mesmo desde o disco anterior: que sabe cantar. “Palavras Sorteadas”, a faixa seguinte, é de Fernanda Takai. De já, hit da líder do Pato Fu. “Caximbo” (Osnofa e Edvaldo Santana), assim mesmo com “x” – por que não é o da paz, como explica o encarte – tem uma percussão a la Pedro Luís e a Parede, com instrumentos inusitados: frigideira, pau de chuva, sino de repartição pública, garrafa de água mineral de dois litros e por aí vai.

“Amargo” é uma amarga doce canção de Zeca Baleiro: “o vinho podre / que escorre das xícaras / o mel amargo / o meu coração / de onde quer que tudo venha / tudo irá / pra onde nada / nunca se alcança”. “O tempo passa / a vida / rola na pista vasta / vitrola alquimista / meu canto já não basta”, diz a faixa-título – de autoria da própria Patrícia – em seguida. Teu canto basta, Patrícia. “Espinhos não me cortam / mas onde estão todas as flores?” Só sei da flor cantante, Patrícia Ahmaral, que encerra o disco com a inicial “Quem sabe”, que traz, para quem tiver paciência, oculta, após um silêncio, a “Canção da Tarde Triste” (Christian Maia e Patrícia Ahmaral) citando “Ovelha Negra” (Rita Lee).

Um disco pop – na melhor acepção que o termo possa ter – gostoso de se ouvir. E de se ver: as fotos de Patrícia Ahmaral que ilustram o encarte, contradizem a faixa sete: a beleza do mundo/Minas tá em seu rosto/canto.

(*) estudante de Comunicação Social / Jornalismo da Faculdade São Luís, edita do blog Shopping Brazil (http://olhodeboi2.zip.net).

QUATRO RAPIDINHAS

 

1. E todo dia A Vida é uma festa! Mas quinta-feira a gente tira pra celebrar. Então, me encontrem na rua da Cia. Circense de Teatro de Bonecos (Praia Grande), depois da aula. As performances começam às 20h30min; eu chego lá depois das 22h.

2. E amanhã o grupo Mistura Fina comanda a noite no Bar 3º Piso (Royal Center, Cohama). Boa música brasileira com Léo Capiba, Augusto Pellegrini, Celson Mendes e convidados. A partir das 22h.

3. E amanhã tem também mais uma edição da “Sexta Santa de Casa”. No Circo da Cidade, às 22h, com Santa Cruz e a banda Nego Ka’apor e recital de Marco Pólo Haickel. Produção de Vanessa Serra.

4. E dia 16/9, Flávio Venturini vem lançar disco. No Circo da Cidade, às 22h. Igressos no local: R$ 20,00 (meia para estudantes com carteira). Produção de Ópera Night.

Grand’abraço e a gente se vê!

Seguinte:

 

1. sexta-feira, dia 11/3, encerra-se o prazo para inscrições de projetos culturais no Programa BNB de Cultura, que tem R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais) para o financiamento de projetos culturais. Mais informações nohttp://www.bnb.gov.br;

2. dia 16/3, encerra-se o prazo para inscrições de projetos no Instituto Telemar. O foco prioritário do programa Novos Brasis 2005 é a transformação social de comunidades de baixo IDH. As inscrições podem ser feitas (somente) pelo site http://www.institutotelemar.org.br;

3. tô na 18ª edição da revista O Caixote, que comemora seis anos na internet; Leia minha resenha na seção Artigos, emhttp://www.ocaixote.com.br.

É isso! E grand’abraço!

AMÁLIA, SENHORA DO MEU DESTINO

Abaixo um texto de Joãozinho Ribeiro, publicado hoje no Jornal Pequeno; o texto chegou-me ainda ontem por e-mail. (Re)Publico-o aqui como forma de homenagear todas as mulheres do mundo, pelo seu dia internacional (mas todo dia não é dia internacional da mulher?…); que seria de nós sem elas…

Especial carinho para

Solange de Fátima, minha mãe, aniversariando hoje;

Maria Lindoso, minha vó, e como toda vó, segunda mãe;

Graciana Rodrigues, que será mãe em breve – Fred, vamos escolher o nome? – e, de certa forma, já o é, vez em quando me dando merecidos puxões de orelha, recompensados com o carinho de sua sincera amizade;

Joisiane Gamba, definitivamente moradora do meu coração;

e Vivi Queiroz, ela sabe o porquê,

todas elas, de uma forma ou de outra, muito importantes na vida deste sonhador, que como um Paquito/Quixote, quer transformar o mundo num lugar melhor para se viver…

 

AMÁLIA, SENHORA DO MEU DESTINO

por Joãozinho Ribeiro (*)

“Gente modesta, gente boa deste mundo, que só comete distúrbio se alguém menosprezar. E aquela gente, que mora na zona norte, até hoje chora a morte da estrela do lugar”

 

Estes versos, da composição popular “Madureira chorou” eram repetidas vezes recitados por meu pai; talvez retratando com a sua sincera cumplicidade, a condição humana da nossa família. Mas não é de meu pai, João Situba, caboclo arrancado das praias de Genipaúba para ser internado nos azulejos e ladeiras da Cidade de São Luís, nos idos dos anos 40, que eu queria me reportar agora. Mas sim, de Amália, a Maria – amante e mulher – minha mãe e de meus dois amados irmãos: Graça e Sebastião.

Exemplo de vida, que neste dia 8 de março, desejo homenagear, num pequeno e simplório depoimento recolhido da nossa breve estação terrena.

Década de 60: morávamos na 18 de Novembro, descendo o Canto da Fabril, antes do asfalto rasgar a “Quinta do Barão” e a geografia urbana arrancar dos meus cinco anos de idade as touceiras de agrião, que nasciam sem serem plantadas, regadas pelas águas da minha precoce infância.

Naquele tempo, éramos uma família como tantas outras da cidade. Gente humilde, do subúrbio, da subsistência arrancadas das peças de lona, tecidas pelas mãos operárias de D. Amália, nos teares da Fábrica Santa Isabel. Seu João/meu pai vendia frutas na Feira do Galpão (onde fica hoje uma imponente caixa d’água da CAEMA) e trocava parte do apuro das vendas pelas doenças das mariposas da Rua 28.

Um episódio ainda hoje permanece projetado na tela da minha memória. Meu pai acordava cedinho, todos os dias, às 4 da manhã, e ia armar a sua banca na feira do Galpão, para assegurar o sustento das bocas famintas dos meninos (nós). D. Amália, encostada pelo IAPI – Instituto de Assistência e Previdência dos Industriários, pela invalidez dos olhos, às 6 da matina, acordava os meninos, meus irmãos mais velhos, que eram logo despachados para a escola primária, enquanto eu lhe seguia os passos até a chegada na feira, onde construíamos, literalmente, a feira do dia.

A essas alturas, meu pai já tinha apurado alguns trocados com a venda de laranjas e bananas, e D. Amália saía, de banca em banca, pechinchando a compra de legumes, uns peixinhos ou uma carne mais em conta. Dentre outras personagens, podíamos encontrar S. Cecílio, pai do extraordinário Canhoteiro, vendendo mingau de milho em sua barraca, bastante visitada. Eu, menino maroto, maravilhado com o universo do mercado e com as canecas de mingau, numa destas incursões, aproveitei a deixa para ir, disfarçadamente, surrupiando limões, tomates e outros hortifrutigranjeiros, pensando estar contribuindo, espertamente, para aliviar o orçamento doméstico.

Quando, ao final do feito, fui fazer o balanço do meu particular “apuro” para D. Amália, qual não foi a minha surra/surpresa. Puxado pelas orelhas, de banca em banca, fui obrigado a pedir, humilhantemente, para cada feirante, desculpas pelo ato, e devolver o produto do pequeno delito que a minha inocência não conseguia compreender a dimensão. Somente as palavras da boca semi-analfabeta daquela senhora do meu destino permanecem, até hoje, servindo de baliza para a formação do meu caráter: “Devolve, moleque, porque somos pobres, mas lá em casa não estamos criando nenhum filho para se tornar um futuro ladrão!”

Lição de ética e honestidade, nunca consegui melhor em toda minha vida. Nem nos cursos universitários por onde passei (Engenharia, Economia e Direito), nem no convívio com diferentes grupos e organizações sociais, públicas e privadas, por onde tenho compartilhado a minha existência.

Foi dos lábios de uma operária de fábrica, D. Amália, Maria, mãe, e, mais do que tudo, mulher, de onde brotaram estas palavras, que até hoje servem de bússola para orientar as intenções e gestos deste poeta, que neste artigo dedica a todas as mulheres, da vida, da cidade e do mundo, este exemplo de decência e dignidade humana.

 

(*) poeta, compositor, técnico da Receita Federal, professor da disciplina propriedade intelectual, do 8º período do Curso de Direito da Faculdade São Luís.

Essa você só lê aqui!

 

FINALMENTE o Banco do Nordeste irá promover (onde isso ainda não aconteceu) o lançamento do livro NOVA GEOGRAFIA DA FOME, de Xico Sá e Ubirajara Dettmar, além da exposição com fotos feitas pelo segundo nos mais de 60.000km de andanças Nordeste adentro. Xico virá à Ilha (muito provavelmente ainda em março) para uma palestra/debate e já acertou uns choppinhos com o blogueiro que vos escreve. Mais detalhes por aqui, em breve.

A VILA DOS SONETOS

Um dos projetos em que ora estou envolvido é o lançamento das Obras Completas de J. M. Cunha Santos. Como bem disse Luiz Pedro na orelha de “Odisséia dos Pivetes”, “Cunha é um dos Santos de minha devoção”. Grande poeta, amigo e ídolo. Transcrevo abaixo um capítulo de “Paquito, o Anjo Doido”, livro cuja leitura me impressiona até hoje. E para sempre. De doido, aquele anjo não tem nada. (Talvez nós tenhamos, poeta! Um abraço! E um brinde, claro!).

(como a mensagem é grande para os padrões do uol, quebrei em vários posts…)

Fiquem com Cunha!

 

A VILA DOS SONETOS

 

A Vila dos Sonetos é um lugar onde só cabe a morte, onde as pessoas gostariam de viver para sempre, tentando deter o que quer que já tenha tido um ar bonito, ou de amor. Aqui, a humanidade conclui o destino do verso; sofre sim, e vive disso, porque disso, de sentimentos retidos, de paixões quase siderais, constroem a angústia e a solidão responsáveis pela beleza de tudo que fazem. Paquito, sozinho, dentro do espaço, sente que poderia mudar o movimento dos planetas, sente-se alçado ao desejo supremo de ir além dos seus próprios desejos, em busca de não sabe o quê e, assim, deixa demorar suas lágrimas no céu, fazendo com os olhos, chover no mundo. Num repente começa a sentir coisas incompreensíveis, saudade… mas de quê?, angústia, paixões violentas, instantâneas e solidão. Ao invés de lágrimas, chora luz. Lá embaixo está a Vila dos Sonetos.

Uma cidade simples. Desce e, de pronto, nota o silêncio a sua volta. Dirige-se às pessoas tentando falar-lhes, fazendo perguntas, mas elas nada dizem, olham-no apenas e continuam paradas, os olhos fixos em nada que interesse. Alguma coisa lhe morde o peito: “de tão reprimidas, a maioria das pessoas já não sabe mais pensar e os poucos que pensam não conseguem concluir e os raros que concluem, já não podem decidir”.

Ele caminha, precisa encontrar os poetas desta terra por julgar que aos poetas, qualquer que seja a situação, sempre resta alguma coisa para dizer, embora doa. E, Paquito, a primeira pessoa que encontra e pode falar é um homem aos gritos, rolando pelo chão de um para outro lado, parecendo, claramente, sentir uma dor profunda, muito aguda. Seus olhos são vermelhos, sua pele intimamente pálida e Paquito parece compreender o que ele sente. Ao ver o anjo o homem pára e contempla. Paquito lhe indaga:

– O que sente, por que chora tanto e se contorce todo?

O homem responde em voz gutural:

DESCONHECIDO

 

Se é de dente, se é física ou d’alma

se é íngua, se é fígado, mazela

se é falta de paz, se é de calma

se é cancro, é ânsia, ou berinjela

 

se é saudade, é ressaca, ou é azia,

pólio, tifo, arteriosclerose,

desespero, venérea, distonia,

congestão, estupor, tuberculose

 

não direi, é voraz, vil, deprimente,

sanguessuga tenaz, aqui-ausente

se não sei, ou melhor, se não pressinto

 

o que faz esta dor mais inclemente

é senti-la assim tão profundamente

e, por fim, não saber o que é que eu sinto.

 

Depois de algum silêncio o homem voltou a gritar delirantemente. Paquito deixou-o ali mesmo, para encontrar, adiante, uma igreja de muitos séculos. Nela, um homem cantava seu soneto de amor preferido, falando para uma multidão de surdos-mudos:

TROCADILHO

 

A calçada da igreja, ela sabe

nosso sono cortado por assaltos

no furor da pobreza com que eu babe

desde o baixo-leblon até os altos

 

Desta ilha que fica sem seu olho

esquerdo, que são tu e algumas aves

a catar flor e febre enquanto encolho

 

e teus dedos desenham miseráveis

ou aprendem meus cancros sem motejo

ou suportam a querer, como querias

o etílico bafo do meu beijo

 

não vais ver São Luís por tantos dias

que se tu não vês as coisas que eu vejo

não vês tu que eu vejo só o que tu vias.

 

É neste lugar estranho, em meio a poetas que sabem dizer coisas tão bonitas, tão tristes e tão bonitas, que o anjo se sente quase desmaiar. Em frente, encontra o cemitério onde a única inscrição é uma imensa placa de bronze que parece convidar as pessoas a morarem no Campo Santo. Nesta placa, um soneto faz Paquito pensar como é maravilhoso este lugar. Escreveu assim o autor desconhecido:

CAMPO SANTO

 

De morte e vida falo com enfado

mesmo co’os lábios roxos deste vinho

porque um morto já quedou, parado,

enquanto um vivo se move sozinho.

 

Ora, são elas quase a mesma cousa

infanticídio lúgubre de gralhas

esfinges prévias, ínfimas mortalhas

de um urubu que em nosso corpo pousa.

 

Mas mesmo tendo esta semelhança

mais perecível a vida nos alcança

porque sem foices faz sua ferida.

 

Temes morrer? Por que? é a melhor sorte

o sofrimento que lhes causa a morte

nem chega aos pés do que me causa a vida.

 

Na saída de uma viela escura, Paquito depara com um poeta que parecia ter ficado louco. Enlouquecera porque, inclusive, jamais aceitara qualquer relação com uma mulher, mas também não era homossexual. Na verdade, toda sua vida fora dedicada a contemplar a lua. Apenas a ela amara e somente a ela fizera seus poemas, a mais nada nem a ninguém. E era assim, cantando que fazia valer a sua

DISCUSSÃO CIENTÍFICA

 

O homem nunca alcançou a lua

é minha amante, amor deste poeta,

houve um engano, ou é mentira sua

é minha musa e sideral esteta.

 

Tentaram, sim, roubar da serenata,

a moça rubra cujo coração

é do amante uma medida exata

e é do poeta uma fugaz paixão.

 

Mas se é destino, que destino reste

eu lá da lua vi pelo oeste

toda ciência evolando em aços

 

oh, não duvides, todo mal é este

quando eles vinham com os seus foguetes

eu fui embora com a lua nos braços!

 

E foi assim, ressentido com a imagem impossível deste amante que Paquito resolveu dar-se por vencido por tanta beleza. Naquela terra, onde poucos sabiam pensar, em meio a um povo mudo e estático, perdido entre os olhos mais esquisitos do mundo, olhos que não afirmavam nem negavam nada, o anjo ainda pôde ouvir o amante da lua chorar.

Paquito foi à prisão e lá deparou com um estranho personagem de três cabeças que tinham o mesmo rosto e, no entanto, expressões diferentes. A primeira era uma expressão triste, profundamente triste; a segunda tinha olhos ávidos de um alguém querendo saber tudo, mas revoltado consigo mesmo, com a obrigação de mentir e enganar a população para satisfazer os poderosos; a terceira era a expressão carregada de um homem entendido em leis. Ao ver o anjo, o homem pôs-se a girar em sua volta:

TRIPÉ

 

Do que quis ser, meu pai, sou quase nada

um bacharel em briga com a norma

um jornalista com as tintas paradas

e um poeta sem sonhos nem forma

 

Porque advogar pelos exploradores

ser jornalista escondendo os fatos

ou um poeta esbagaçando flores

é iniqüidade, é xila e desacato

 

São três denúncias que de mim enfronho

neste papel de luz de eternidade

qual mosqueteiro em céus enfadonhos

 

um advogado cujas leis deponho

um jornalista escondendo a verdade

e um poeta a sufocar seus sonhos.

 

Naquela mesma prisão, um lugar sujo e bolorento, cheirando a mofo e a medo, ocupada por celas imundas, sem banheiros, e onde os presos faziam suas necessidades físicas no mesmo lugar em que comiam, quando a fome não lhes obrigava a comer essas necessidades, Paquito encontrou um homem que fora preso por crime sexual. E ele falava sozinho e sempre a mesma coisa, como se para uma mulher que ninguém via, só ele, alisando-lhe os cabelos imaginários, beijando-lhe a boca impossível:

FLORES BRANCAS

 

Quanto mais eu desejo a flor que escondes

no jardim de cabelos desta praia

mais enfias a flor não sei por onde

mais oprimes a flor dentro da saia

 

Mais escondes a flor que eu desejo

e nem queres também, tu, flor de homem

ah! se unimos nossas flores num só beijo

serão só duas flores que se comem

 

Dá-me a flor, não reflete, dá-me agora

quer nas praças, escolas, cines, bondes

dá-me a flor, sem moral, dá-me sem pejo

 

que não entendo a razão dessa demora

quanto mais eu desejo a flor que escondes

mais escondes a flor que eu desejo.

 

Na cela seguinte um jovem preso por bigamia, por sua vez, imaginava duas mulheres em sua cela:

DE UM MODO ANTIGO

 

Ter um só coração é um defeito

para quem dois amores quer amar

como posso esconder em um só peito

dois divisos amores a queimar

 

Ter um só coração indefinido

dedicado, assim, a dois amores

é agir como um beija-flor perdido

a sugar, num só tempo, duas flores

 

é talvez a intriga mais singela

não sei mesmo, amor, qual a mais bela

entre as duas, por qual devo decidir

 

que só uma verdade me cancela:

se estou contigo, sofro de amor por ela

se estou com ela, sofro de amor por ti.

 

À frente é um homem que ri, gargalha, sentado em sua cela, como se fosse um trono e Paquito indaga-lhe como pode demonstrar tanta felicidade sabendo-se encarcerado pelo resto da vida:

INVERSÃO

 

Lentas fagulhas do céu encarnado

meu desespero não é fantasia

eu vejo a noite só enquanto é dia

eu falo apenas quando estou calado

 

Meu ideal sustenta-se de agruras

minha ternura é feita de pancadas

eu desço apenas quando subo escadas

e fico alegre em frente às amarguras

 

E mais que em mim eu penso no que faço

só me iludo com a realidade

se não me mudo a vida passo a passo

 

só me disperso diante do embaraço

e enquanto olho, cego, esta cidade

morro de rir, enquanto me desgraço.

 

Ao deixar a prisão Paquito vai pensando no poder dos corações tresloucados da Vila, presa de uma imensa vontade de libertar aquela gente, de uni-los em torno de sua luta pela inauguração de um novo homem. Lembra os pintores carcomidos, seus sonhos molhados de tinta, a perenidade de suas artes. Sobe os morros da cidade, volta a passar no cemitério, na igreja e pergunta a si mesmo que lugar é aquele, a Vila dos Sonetos, que momento exato da vida está vivendo, qual o século, que dia e, enquanto se prepara para regressar a Mirna, uma voz cheia de ecos, vinda não sabe de onde, lhe afirma:

Aqui, onde o instante soou

e a dor nos glorifica

não sei a hora e o meu coração fica

sem saber onde o tempo parou

 

Febril instante que a vida vasou

minuto estranho meu, depois de todos,

os minutos a pastar no lodo

hora nenhuma que o tempo marcou

 

A voz humana tudo eletrizou

n’algum relógio, alguma história braba.

Essa é a hora em que tudo passou?

 

Não sei ao certo – me sentenciou –

mas é aqui, oh! vil, que o tempo acaba

nesse instante o Nunca começou!

Clique aqui e leia uma ótima entrevista com o sempre ótimo Xico Sá. Imperdível!

OS DEZ MELHORES DISCOS DA MÚSICA BRASILEIRA (1950 – 2005)

 

É fato: quase diariamente – a não ser quando não posso mesmo! – visito a lista (completa) dos blogs linkados aí ao lado. E navegando pelo Liberal Libertário Libertino, descobri uma eleição bastante interessante, que ocorrerá na próxima segunda-feira, 7/3, véspera do aniversário de mamãe: os dez melhores discos de música brasileira, entre 1950 e 2005. A iniciativa é do blog “O biscoito fino e a massa”, já devidamente linkado.

Segue a minha lista, bastante questionável e apaixonada, com breves comentários.

 

Shopping Brazil – Cesar Teixeira (2004)

Eu já disse isso várias vezes, mas não canso de repetir: Cesar é o maior compositor vivo do Maranhão.

Lances de Agora – Chico Maranhão (1978)

Grande disco de Chico Maranhão. Gravado na Igreja do Desterro, com a percussão de Mestre Antonio Vieira.

Samba Esquema Noise – mundo livre s/a (1994)

Um dos discos fundamentais para se entender o manguebit.

Beleléu, leléu, eu – Itamar Assumpção (1980)

Itamar Assumpção é um desses caras que não morrem. Nunca.

Acabou Chorare – Novos Baianos (1972)

Clima descontraído de Moraes, Baby, Galvão e cia. Aqui caberia qualquer um dos discos seguintes.

Tudo Azul – Velha Guarda da Portela (1999)

Com produção de Marisa Monte, um ótimo disco de samba. Turma boa: Monarco, as tias, Argemiro, Jair e participações especialíssimas da própria Marisa, Zeca Pagodinho, Paulinho da Viola e mais.

Dindinha – Ceumar (1999)

A melhor cantora do mundo em todos os tempos. Isso diz tudo.

Informal Ao Vivo – Liga Tripa (1988)

A melhor banda já surgida em Brasília. Um disco alegre, pra cima, e de imagens fortíssimas. Infelizmente Carrapa e cia. são pouco conhecidos fora dos circuitos da UnB.

Esteio – Zé Modesto (2004)

Belas letras em belas melodias. Com participações especiais de Ceumar (em Diadorando) e Kleber Albuquerque (500 réis de estrelas), entre outros.

Olho de Peixe – Lenine e Suzano (1993)

Lenine em sua melhor forma; Suzano idem.

Depois de uma semana afastado por motivos de força maior, estou de volta (*).



QUE MERDA!

Nota pescada do eraOdito, blog do amigo Marcelino Freire, linkado aí do lado:

1.3.05

FESTA LITERÁRIA DE PORTO DE GALINHAS

Isso mesmo, amigos: começa agora, dia 4, e vai até 6 de março, a primeira FLIPORTO, Festa Literária acontecida na praia de Porto de Galinhas, em Pernambuco. Mas atenção: a programação, tocada pela UBE local, escolheu como principal atração o José Sarney. Eta porra! Fazer o quê? Sei lá, não sei. Fui ali, no Guarujá, tomar uma agüinha de coco.

Não tinha um escolha pior para fazer não?

Parabéns ao amigo Reuben da Cunha pelo belíssimo texto sobre o Itamar publicado no blog do Ademir Assunção (link ao lado).

(*) Tô fazendo um esforço para me re-organizar e voltar a escrever aqui com regularidade.

DE “FOLGA”!

 

De volta a este espaço, estamos de folga do trabalho. Do emprego, pois o trabalho por aqui não para.

Aos que enviam e-mails, continuarei com a leitura diária, com uma pequena alteração no horário, até segunda ou terça-feira, quando acaba a “folga”.

Na verdade, esses dias terão nada de folga: nesse período, estarei envolvido com dois projetos importantíssimos: o “50 & Tantas”, que celebrará, a partir de abril, em momentos distintos, os cinqüenta anos de idade do poeta, compositor e militante cultural Joãozinho Ribeiro, com lançamentos de livro, disco e dvd; e o projeto que reunirá num livro as “Obras Completas” do poeta J. M. Cunha Santos. Sobre tudo isso, maiores detalhes em breve, por aqui.

MARCOS FÁBIO

Agora além de amigo, professor (sou seu aluno em uma cadeira do curso de Jornalismo da Faculdade São Luís); além de professor,blogueiro. O texto continua ótimo. Vale uma visita (depois da primeira, eu sei que vocês voltarão). Link ao lado.

PARALELOS

Presentaço da editora Agir: a revista-livro PARALELOS (link ao lado), que reúne dezessete contos da nova e novísima literatura brasileira. A festa de lançamento acontece hoje (3/3), a partir das 19h, na Mercearia São Pedro – Vila Madalena.

A VIDA É UMA FESTA!

Se fosse aqui, o lançamento com certeza seria na Cia. Circense, palco que abriga agora a edição semanal d’A Vida é uma Festa!, show com diversos artistas maranhenses capitaneado por Zé Maria Medeiros. Estaremos de volta ao cenário, após uma falta semana passada, uma gripe e cinco injeções ozonyl. Até lá!