Problema carcerário do Maranhão

Nota de Conclamação às Autoridades à Sociedade Maranhense

Considerando a situação das presas e presos de justiça, sentenciados ou não sentenciados do Estado do Maranhão, enquanto pessoas humanas, sob a guarda e proteção do Estado, tratadas e tratados de forma indigna, fato recorrentemente denunciado pelas entidades de Direitos Humanos;

Considerando a ausência de condições básicas de higiene e salubridade nas unidades prisionais do Estado, de um quadro de agentes, inspetores penitenciários e da Polícia Judiciária incompatível com o número de encarcerados;

Considerando também a lentidão crônica de todo o Sistema Prisional, desde a fase do inquérito até o desfecho dos processos judiciais, que nega aos encarcerados e encarceradas direitos e benefícios previstos em Lei, fundamentais para uma política de socialização;

Considerando essa realidade desumana, evidenciada pela superpopulação, não somente na Penitenciária de Pedrinhas, mas Também nas Delegacias de Polícia, de todo o Estado, o que motivou a recente decisão judicial de interdição da Penitenciária de Pedrinhas;

O Fórum Estadual de Direitos Humanos conclama:

Que o Poder Executivo implemente um quadro de defensores públicos que possa atender a todas as pessoas necessitadas, especialmente os encarcerados, que têm direitos e benefícios previstos na Lei de Execução Penal; Que execute políticas públicas de educação, saúde, trabalho e cuidados voltados às crianças e a adolescentes das famílias dos reclusos (as), com o objetivo de contribuir para a sua ressocialização; Que fortaleça a segurança dos presídios, com a ampliação do quadro e concurso publico para agentes e inspetores penitenciários e policiais civis, devidamente qualificados na área dos Direitos Humanos.

Que o Poder Judiciário implemente as orientações previstas em lei para o cumprimento de penas alternativas por parte dos condenados em processos judiciais; Que atue com maior rigor na adoção dos critérios legais para a submissão dos condenados e condenadas nos regimes prisionais, tendo em vista que prisão deve ser reservada aos presos que apresentem maior periculosidade social; Que os juízes criminais atuem com maior preocupação em relação à situação do cumprimento de penas pelos condenados e condenadas, aproximando-se da realidade dos presídios e unidades prisionais;

Que o Ministério Público, observando o que lhe assegura a Lei, acompanhe e fiscalize a situação dos presídios e Delegacias denunciando a violação dos Direitos Humanos e exigindo o cumprimento da Lei de Execução Penal;

Que a Sociedade Maranhense, de modo geral, vença a indiferença acerca da situação aos presos e presas da Penitenciaria de Pedrinhas e das Delegacias do Maranhão, com o objetivo de fortalecer a solidariedade e a formação de uma nova mentalidade, para a construção de uma sociedade em que os condenados e condenadas possam voltar ao convívio social, como pessoas portadoras de dignidade humana.

São Luís (MA), 13 de janeiro de 2.006

Fórum Estadual de Direitos Humanos

É por isso que Lester Bangs era necessário

[Diário Cultural de hoje]

“O escrever rock (que não é simplesmente escrever sobre rock)”, do prefácio de “Reações Psicóticas”. Era isso que Lester Bangs fazia. E é isso que faz a coleção “iê iê iê”, da Conrad Editora: “apresenta aos leitores brasileiros a obra de grandes críticos musicais do mundo todo. Rock and roll como literatura e literatura como rock and roll”, conforme a orelha da obra – comprovada/aprovada pela coluna. (O título acima foi tirado do texto “Vamos Agora Louvar os Famosos Duendes da Morte”, onde se lê: “É por isso que Lou Reed era necessário”, p. 79).

Reações psicóticas. Capa. Reprodução

“Mas, ao mesmo tempo, todas as pessoas que conheço estão completamente alienadas, de saco cheio, enojadas com tudo, e sei que boa parte daqueles que trabalham na mídia e nos impingem essas coisas está tão alienada quanto o público. O público compra só porque não lhe é oferecida outra coisa. E, pessoalmente, eu me pergunto quando as pessoas vão começar a dizer: ‘Não! Eu me recuso, não quero mais isso!’” (Lester Bangs, entrevista ao News Blimp, 1980, citado no prefácio de “Reações Psicóticas”).

É claro que o contexto era outro e que o jornalista ianque se referia a outra(s) coisa(s), mas daqui, digo a(s) mesma(s) coisa(s) sobre a audição incansável e ad infinitum que se faz do pseudoforró cearense (leia-se geração “pós-mastruz-com-leite”), do calipso paraense e do pseudofunk, o pancadão carioca. E pergunto-me ainda: o que diria Lester se vivo fosse e ouvisse isso? (É verdade: não sei qual era a relação dele com música brasileira; nem sei se existia, para ser sincero).

Não, a coluna não está se repetindo. Não estamos aqui para falar (mais uma vez) do pré-carnaval madredivino, conforme fizemos na última terça-feira (“O Pancadão Madredivino”, Diário Cultural de 10/1/2006), embora saibamos que o espetáculo funkeiro se repetiu. E não é que o assunto não mereça atenção: um espernear até se faz necessário, mas a pauta é outra.

Reações Psicóticas

Saiu pela Conrad Editora, Reações Psicóticas (R$ 19,90, em média), coletânea de textos do polêmico, drogado, alcoólatra e ex-testemunha de Jeová (de onde ele dizia vir a vocação para querer que as pessoas gostassem da mesma coisa que ele) – entre outras “qualidades” – Lester Bangs (1948 – 1982), um dos mais importantes críticos de música do planeta em todos os tempos – não é exagero: alguns chegam a afirmar que ele foi o maior escritor dos Estados Unidos da segunda metade do século vinte, embora tenha escrito “apenas” análises de discos.

No volume, textos publicados entre 1972 e 1980, em diversos veículos: Creem, Los Angeles Times, Village Voice, por onde passeiam várias personagens: The Guess Who, John Lennon, Elvis Presley, Iggy Pop, Jethro Tull e Van Morrison, entre outros. Lester escreveu também para a Rolling Stone e para o New Musical Express (NME). “Reações Psicóticas” é coletânea da coletânea: trata-se de uma seleção de artigos tirada de “Psychotic Reactions and Carburetor Dung”, organizada por Greil Marcus em 1987. Mas isso não tira o brilho da obra, que integra a coleção “iê iê iê”, da Conrad.

Gonzo, Serviço

Lester Bangs era um autêntico representante do “jornalismo gonzo”, gênero “inventado” por Hunter S. Thompson. No Brasil, o único “remanescente da gonzolândia” é o repórter “excepcional” da revista Trip, Arthur Veríssimo. Ótimas referências para os novos que querem/queiram se aventurar nessas trilhas/faixas tortuosas. Mas Bangs – que faleceu vítima de overdose de medicamentos, quando tentava se livrar do alcoolismo – não cansou de avisar: “não imitem a mim”.

Para ler mais sobre Reações Psicóticas: no blogue de Reuben.
Para comprar Reações Psicóticas: (11) 3346-6088, (11) 3346-6078 e/ou no site da Conrad Editora.

Diário Cultural de domingo, 15/1/2006

Avant Première

Este colunista teve a honra de participar do avant-première de “Regar a Terra”, disco comemorativo dos vinte anos do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) do Maranhão. O chá – com produtos oriundos de assentamentos maranhenses – aconteceu na Cia. Circense de Teatro de Bonecos (Praia Grande), na última sexta-feira, 13/1. Na ocasião, estiveram reunidos os artistas – compositores, intérpretes, instrumentistas – que, com seus talentos, realizaram um belo trabalho, que com certeza entrará para a história, tanto do movimento, quanto da música popular produzida no Estado. Estiveram presentes Chico Nô, Lobo de Siribeira, Cesar Teixeira, Joãozinho Ribeiro, Fátima Passarinho, Daffé e Tutuca, entre outros. O trabalho teve a produção de Iguaracira Sampaio e o lançamento acontece na próxima sexta-feira, 20/1, às 20h30min, no Circo da Cidade, festa sobre a qual Diário Cultural conta mais detalhes em breve. Mas já soubemos que está garantida a participação da “turma de Imperatriz” – leia-se Gildomar Marinho, Nando Cruz, Zé Cláudio e Zeca Tocantins (todos participaram do disco).

Prestação de contas

Os delegados de todo o país que foram à Brasília/DF, em dezembro passado, participar da I Conferência Nacional de Cultura, têm agora uma árdua e grandiosa missão: ajudar o Ministério da Cultura a implantar o Sistema Nacional de Cultura país afora. Os maranhenses estão às voltas com os preparativos do I Fórum Regional de Cultura, a ser realizado em Bacabal nos próximos dias 3 e 4 de fevereiro (aqui corrige-se data anunciada anteriormente pela coluna). E os delegados ludovicenses farão, na próxima terça-feira, 17/1, às 19h, no Circo da Cidade, a prestação de contas política da I CNC, apresentando um resumo do que ocorreu por lá, além das trinta propostas prioritárias, eleitas durante o acontecimento.

Samba com mandiga

Chico Nô, Vandico e Regional apresentam, nesta terça-feira o show “Samba com Mandinga”, a partir das 20h, na Cia. Paulista (Praia Grande). A idéia é apresentar sambas da velha guarda para a turma que está de férias na Ilha. “Após a estréia, a idéia é fazer todas as terças, durante as férias”, afirma Chico. E a chuva? “Se chover, tocaremos na parte coberta do bar, mas a apresentação acontecerá”, completa. (A produção não informou o valor do couvert artístico).

Prêmio Estêvão Rafael de Carvalho de Redação

Estão abertas, até o próximo dia 31/1 (28/1 para envio pelos Correios), as inscrições para o IV Prêmio Estêvão Rafael de Carvalho de Redação, que premiará estudantes universitários (de qualquer período e curso) com R$ 1.000,00 (hum mil reais), R$ 800,00 (oitocentos reais) e R$ 600,00 (seiscentos reais), respectivamente primeiro, segundo e terceiro lugar. O tema para este ano é “Direitos Humanos: O Avesso da Impunidade”. A premiação acontecerá durante a comemoração do 27º aniversário da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) – entidade que promove o prêmio – em 12 de fevereiro, sobre o qual a coluna falará, em momento oportuno. Para maiores informações sobre o Prêmio: Rua Sete de Setembro, 160, Centro, (98) 3231-1601, 3231-1897 e/ousmdh@terra.com.br

Noite na Deodoro

Era hora dos trabalhadores no comércio voltarem para casa.
No entanto, não havia ninguém na Praça Deodoro.
É que o mundo ao redor deixa de existir quando te beijo.

Édson Mondego: um silêncio colorido com a paz

Uma manhã ensolarada cobria a Ilha de São Luís do Maranhão quando batemos à porta de um antigo casarão – uma porta e duas janelas – na rua Cândido Ribeiro, Centro. Lá mora Édson Mondego, artista plástico dos mais importantes na história maranhense em todos os tempos. Descalço, trajando uma calça e uma camisa branca (suja de tinta), com a sua peculiar simplicidade, ele mesmo abre a porta e nos conduz à sala, onde concede a entrevista que você lerá a seguir. O repórter inaugura um caderno novo, do qual são consumidas, em oito perguntas, mais de vinte páginas e três horas de “conversa” [Mondego não se comunica usando a palavra falada desde os fins do ano 2000], entrecortada por batidas à porta [por vezes o artista a abriu], carros e bares tocando alto, música ruim. As fotos que ilustram a entrevista foram feitas pelo repórter, noutra data no Ateliê que Mondego ocupa, desde 2001, na Morada dos Artistas (Praia Grande). Hoje, 13 de janeiro, o artista completa 47 anos de idade. A ele, aqui, uma homenagem do jornal Diário da Manhã.

Entrevista e fotos [disponíveis em http://olhodeboi.nafoto.net]: Zema Ribeiro

Zema Ribeiro – Vamos começar pela infância. Gostaria que você falasse um pouco dela, data e local de nascimento, experiências…
Édson Mondego
– Nasci em 13 de janeiro de 1959, em casa, com parteira, em São Luís, no Cavaco [atual Bairro de Fátima]. Na infância, brinquei com bolinhas de gude, chuço, papagaio [pipa], e também confeccionava meus brinquedos; com caixas de fósforos fazia trens, barcos; com frutas verdes, animais; com latas fazia carrinhos…

ZR – Então já havia, de certa forma, na infância, uma experiência com artes plásticas, na confecção dos brinquedos… Quando é que entra a pintura?
Mondego
– Ah… sim… É uma necessidade expressar-me através do gráfico e confeccionar formas. Vem desde o jardim de infância, quando comecei – lembro a partir daí – a riscar, as coisas que via no cotidiano, brincadeiras folclóricas, como bumba-boi, barcos, automóveis e, mais tarde, por influência de meu irmão, já falecido, que era um caprichoso artesão, desde a infância, pois ele fazia carrinhos com lata, madeira, pregos, rodinhas de borracha, eixo com giro etc. e, a partir desse convívio eu também fazia os meus. A pintura, iniciei por volta de 1974, com um amigo de infância, Rubens Amaral, com quem estudei no primário. A partir daí comecei a ter experiências com tinta a óleo, confeccionar telas, molduras e aprimorar a técnica de desenhar, estudando anatomia, perspectiva. Um pouco mais tarde comecei a usar nanquim, bico de pena etc.

ZR – Reli, recentemente, uma entrevista que você concedeu ao jornalista Cesar Teixeira, em março de 2002. Lá, ele fala de sua formação acadêmica em dança, além de estudos na Itália. Há motivos para o “abandono” dessa forma de expressão? E o retorno a São Luís?
Mondego
– Minha formação em dança, a iniciação, se deu por acaso. Eu gostava muito de brincadeira, imitar pessoas, animais, fazer as pessoas rirem. Numa certa época passei a morar com um tio que tinha uma filha que fazia balé; minha tia convidou-me para fazer teatro. Chegando lá, fui apresentado a Reinaldo [Farah], que me deu uma malha e disse: “entra nessa sala”. Achei esquisito, mas fiquei quieto. Daí, todo desajeitado, comecei a fazer dança. Logo descobri que era interessante, passei a gostar e dediquei-me totalmente. Depois de um ano, comecei a dar aulas. Passei a integrar um grupo e, mais um ano, fui para São Paulo, em busca de mais conhecimento técnico. Fui contemplado com uma bolsa para fazer aulas no Ballet Stagium, de melhoramento técnico e profissional. Era um curso de férias, e terminado, ganhei outra bolsa, para permanecer na escola e estagiar no grupo profissional. Fiquei um certo tempo com eles e logo surgiu uma outra profissional de dança, do cenário internacional, dançarina do Ballet do Século XX, de Bruxelas, Laura Proença. Com ela, fiquei um ano entre São Paulo e Rio de Janeiro. Fui seu assistente em eventos, oficinas, e depois voltei a São Luís, para fazer o espetáculo Maré/memória [baseado no livro homônimo do poeta José Chagas]. Voltando ao Rio, acidentei-me de motocicleta, machuquei o joelho e abandonei a dança por não ter mais condições físicas. Cheguei a ser homenageado no Teatro Arthur Azevedo, casa cheia, depois abandonei [a dança] em definitivo. Tornei a expressar-me novamente com expressão corporal de seis anos para cá, através da capoeira [sem cantar os refrãos]. Minha ida à Itália, foi através da pintura; consegui um apoio para fazer um curso em Firenze, mas não foi possível ficar naquela cidade. Fui para Napólis. Passei a fazer parte do corpo do ateliê de [Luigi Eboli] Tavolozza, no Centro Histórico de Napólis. Lá fazia aula de desenhos, pinturas, aquarelas e um pouco de modelagem em argila, e também fiz decoração em cerâmica.

ZR – Mondego é um sobrenome não tão comum. De onde vem? E voltando ainda à infância, gostaria que lembrasse um pouco da família e falasse um pouco também, da família atual.
Mondego
– Meus pais são de Guimarães/MA. Nossa geração, alguns irmãos e primos, fizeram uma busca sobre nosso sobrenome, mas nada conseguiram descobrir, da raiz; minha família é de mestiços: tem negro, branco, índio. Mondego é um rio em Portugal, próximo do Porto. Meus pais tiveram dez filhos; sou o terceiro. Meu pai era pedreiro, um pedreiro-artesão, que fazia tudo “no capricho” [aspas nossas]. Ele também gostava muito de desenhar, mas o fazia sem nenhum conhecimento técnico. Fazia rascunhos de arquiteturas, de maneira bem primitiva. Creio que essa seja a minha árvore. A geração após a minha, tem revelado novos artesãos; tenho uma sobrinha se formando na Academia de Belas Artes, na Itália. Ela é filha de italiana com meu primo (maranhense) [parênteses dele]. Tenho cinco filhos, quatro garotas e um garoto. Minhas filhas, todas, têm tendência às artes, embora não se apliquem. Buscaram outras áreas: jornalismo, propaganda, marketing, direito. Meu filho também tem esta facilidade, faz alguns trabalhos, mas não forço ninguém a nada, deixo a vida falar. Ele também toca vários instrumentos de percussão. Sou casado há vinte e seis anos, com a Wanise [52], que é comerciante.

ZR – A sua inspiração para a pintura, ao menos o que vi, até hoje, é o cotidiano ludovicense: paisagens, pessoas, o imaginário da cultura popular etc. Quais são as suas referências? Música te inspira? O que você ouve? E o que você lê?
Mondego
– Minhas referências são várias: belle époque, impressionismo, pós-impressionismo e movimentos paralelos a estes, talvez cubismo, futurismo, pop art, expressionismo etc. Rembrandt, Da Vinci, Michelangelo, e ainda as artes egípcia e grega, além da arte rupestre, a mais “pura” [aspas dele], pois penso que quanto mais primitivos formos, mais pura é a nossa expressão artística. Minha inspiração se dá no cotidiano, do cotidiano. São Luís é onde vivo, é daqui que surgem minhas paisagens, pessoas do povo, o comportamento humano, me atraem bastante suas características, sem pensar que seja um regionalista. Para mim, tudo é universal. Ou será que não fazemos parte do universo? Aprecio muito música erudita, pois através da dança, aprendi a dividir compassos, marcação, harmonia musical; também ouço rock, jazz, blues, bossa-nova, tropicalismo, reggae e estou sempre atento a novas tendências, pois os movimentos surgem de misturas, além dos modismos, que logo se acabam. Tenho lido romances, dramas, alguns começo e não termino, vou lendo vários ao mesmo tempo. Josué Montello, “Os Tambores de São Luís”, estou com Homero, “A Odisséia” para ler, comecei “Fausto” [de Goethe] e parei…

ZR – Qual a tua ligação com religiosidade?
Mondego
– Nasci no catolicismo, sou cristão. Uma época, passei por protestantismo. Através da dança conheci a ioga, e a partir daí, o budismo. Há diferenças na maneira de ver o mundo, entre a forma cristã e budista. É uma maneira prática, só conhecendo é possível entender. Por ser tão simples, fica quase sem sentido explicar a diferença, pois as palavras muitas vezes tiram o sentido da ação. A prática do que é simples, dá um sentido grandioso dentro daquele que pratica, causando uma revolução, uma força que jamais, com palavras, poderei transmitir como acontece. A não ser através das palavras escritas pelos mestres; eu não conseguirei, não estou apto, a transmitir estas mensagens; só posso através da minha ação, do meu comportamento. E ainda assim, talvez as pessoas não consigam observar ou sentir, pois está dentro de mim, o que absorvo dos mestres e pratico. É uma árdua luta comigo mesmo.

ZR – Quando você diz que “muitas vezes as palavras tiram o sentido da ação”, há nisso alguma ligação com o teu voto de silêncio? [Mondego decidiu deixar de se comunicar usando a fala em fins de 2000].
Mondego
– Quando digo isso, veja bem: se você tem algo para realizar e fala, fala, fala sobre isto, esse algo, você percebe que esse algo começa a ficar distante de sua ação, de sua realização, perdendo a força, não é? E quando guarda em si mesmo, como um tesouro, um segredo, esse algo fica cada vez mais sólido, mais próximo da ação, da realização. Pois bem, observe e sinta a diferença. A questão do silêncio é uma força interior, que se encontra no universo, em nosso redor. Veja que quando alguém se ajoelha diante de uma imagem de santo, ou mesmo sem imagem, e põe-se a rezar, orar ou meditar para alcançar uma graça, entrará em um universo, e esse universo em um silêncio profundo. Só dessa maneira perceberá seu contato com o grandioso, para alimentar sua alma. E o silêncio tem um som. Só assim sentirá que poderá alcançar sua graça transcendental. O que aconteceu comigo, está guardado, dentro de mim, meu tesouro; um tesouro que muitos já tentaram entrar, até mesmo tentando agredir-me fisicamente. Mas o grandioso saberá o meu dia e o que acontece comigo. Não me sinto privilegiado falando assim, pois todos nós temos condições de senti-lo. A diferença é que uns já observaram isto, outros, ainda não; é como se uns já tivessem acordado e outros ainda não. Mas isto não é de minha responsabilidade, dizer quem ainda dorme e quem já acordou. O tempo e o universo de cada um dirá para si mesmo e as coisas se aproximarão de cada um, mesmo o mundo vivendo em guerra eternamente na história da humanidade. (falar da religião pessoal é até um perigo, pois o domínio do pensamento americano tolhe muito a individualidade do pensamento livre do ente humano: o homem como parte da natureza). [parênteses dele].

ZR – Uma mensagem ao(s) povo(s)?
Mondego
– Que o ente humano busque mais sua paz interior, verdadeiramente, em vez de ficar fazendo somente ação social – paliativo para suas dores – para diminuir seu egoísmo, preconceito, racismo. Que busque essa paz dentro de si, e conseqüentemente, possamos respeitar mais as diferenças entre os costumes dos povos, diminuindo as lutas, as guerras. O homem tem como característica, ser guerreiro, conquistador, o domínio sobre o mais fraco, o poder, enfim. Talvez isso faça parte da nossa própria natureza, pois somos animais como quaisquer outros, e através desse domínio, acontecem as transformações da cadeia humana. Mas, que busquemos mais o silêncio, dentro do nosso próprio universo interior. Isso influirá em nosso convívio social, humano em nosso planeta. A partir daí, teremos paz.

Vida real num trem da CVRD

Com esse título, o amigo Gildomar Marinho fez belíssima apresentação de slides (nopower point), mostrando como é viajar na classe econômica num trem da Vale. A quem interessar possa, solicitar-me, via e-mail; será um prazer multiplicar. Ele que participa, dia 20 próximo, no Circo da Cidade, do lançamento do cd do MST, que traz, além dele, Cesar Teixeira, Zara, Nando Cruz e outros “bambas”. [mais notícias e detalhes por aqui em breve].

2. Saiu hoje, a entrevista que fiz, tempos atrás, com Édson Mondego [que completa hoje, 47 anos]. Quando der, posto aqui, que tou correndo, blogando dum micro e/ou outro, sem net em casa e desempregado. Quem puder conferir o Diário da Manhã, (acho que) vale a pena! Até!

Um “manual” apropriado

[Diário Cultural de hoje]

Dicas úteis para uma vida fútil. Capa. Reprodução

A coleção Sapos Saltitantes está revisitando uma das maiores vozes literárias dos Estados Unidos em todos os tempos: Mark Twain. Lições de moral e boas risadas estão garantidas em “Dicas Úteis Para Uma Vida Fútil”, livro da série, lançada no Brasil pela editora Relume Dumará.

Mark Twain (Samuel Langhorne Clemens, 1835 – 1910) é um filósofo que não se estuda na academia. Prova disso é o recente lançamento, pela Relume Dumará, de Dicas Úteis Para Uma Vida Fútil – Um Manual Para a Maldita Raça Humana (R$ 39,90, em média). A obra faz parte da coleção “Sapos Saltitantes” (título de um conto de Twain), que traz ao público, textos desconhecidos, redescobertos e famosos do autor. Os textos foram preparados cuidadosamente pelos editores do Projeto Mark Twain, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, onde está o maior arquivo mundial do escritor: obras, documentos originais, manuscritos.

Após tentar (e abandonar) uma série de profissões – gráfico, piloto de vapor, mineiro, especulador da bolsa, jornalista – Mark Twain descobre sua vocação para a literatura, embora considerasse a literatura que praticava – a de humor –ao menos inicialmente, como coisa menor. Mas dedicou-se com afinco a “escrever a sério para provocar riso nas criaturas do Senhor”. Ele que também teve a ambição de tornar-se um pregador do evangelho. “Não tive cabedal suficiente (isto é, religião)”, escreveria ao irmão, aos trinta anos de idade.

Sem a necessidade de ser lido em seqüência, “Dicas Úteis Para Uma Vida Fútil” reúne, pescados da obra de Twain e de escritos inéditos, aforismos, casos, propostas, máximas e advertências, onde o autor aconselha e reflete sobre vida familiar e boas maneiras em público, e opina sobre roupa, saúde, comida, educação dos filhos, proteção da casa e até mesmo sobre como lidar com ladrões e vendedores ambulantes.

Em “Complexo de Épico” (1973), Tom Zé afirmou: “todo compositor brasileiro é um complexado”, afirmando que o compositor brasileiro se leva a sério demais. Eu diria, parafraseando o gênio de Irará, que “todo acadêmico brasileiro é um complexado”. Talvez por isso, Mark Twain não seja considerado um filósofo. A seguir, trechos de “Dicas Úteis Para Uma Vida Fútil”. Com vocês, Mark Twain.

1. “A vida ideal consiste em ter bons amigos, bons livros e uma consciência sonolenta”.
2. “A raça humana é formada pelos que são malditos e pelos que deveriam ser”.
3. “A etiqueta exige que admiremos a raça humana”.
4. “Nada precisa mudar tanto quanto as manias dos outros”.
5. “Quando penso na quantidade de gente desagradável que foi deste mundo para melhor, fico tentado a mudar de vida”.
6. “Seja desleixado no vestir, mas mantenha a alma limpa”.
7. “A roupa faz o homem. Povos que andam nus têm pouca ou nenhuma influência na sociedade”.
8. “Diz o provérbio que Deus protege as crianças e os idiotas: é verdade. Sei disso porque comprovei”.
9. “Obedeçam sempre aos pais, quando na presença deles. Essa é a melhor política a longo prazo pois, se não obedecerem, serão obrigados a obedecer. A maioria dos pais acha que sabe mais do que vocês e, em geral, é melhor vocês aceitarem essa superstição do que fazerem o que acham”.
10. “Deixe seu cachorro do lado de fora. Entra no céu quem merece. Se fosse por mérito, você ficaria de fora e o cachorro entraria.” (“Sugestão para pessoas prestes a entrarem no céu”, 1910, provavelmente último texto literário de Mark Twain).

Ninguém pediu, mas…

A pedido do Estadão, Santiago Nazarian (link ao lado) fez uma lista dos melhores livros de 2005. Vou fazer a minha. Livros e discos. Não necessariamente lançados/publicados ano passado; mas que eu tenha visto/revisto/lido/relido/ouvido/escutado ano passado. Ninguém pediu, mas é pra já!

No “Diário…” de amanhã, texto meu sobre “Dicas Úteis Para Uma Vida Fútil”, do Mark Twain. Até!

Diários Culturais

[de hoje]

O pancadão madredivino

Outrora berço do samba, a Madre Deus transforma-se numa cópia pífia de bailes funks cariocas: o tradicional bairro “tá ficando atoladinho” em “pancadões” ao estilo “pedala, Robinho!”

É notável, de longa data, a decadência do carnaval maranhense. Limitarei-me aqui a falar apenas do ludovicense, por acompanhá-lo mais de perto, e mais especificamente do da Madre Deus, bairro onde “quase” moro. Outrora berço do samba e, o que é – talvez – mais importante, de samba produzido aqui, por gente daqui, o bairro hoje se transformou numa verdadeira babel escatológica – musicalmente falando – a céus e porta-malas abertos.

A intenção do presente texto não é ofender ninguém, longe disso. Mas o que se nota, ao longo de todo o ano – para além de carnaval e São João, únicas festas existentes aos olhos do poder público, ao que parece – é a repetição de músicas de péssimo gosto bares afora. Apesar do recorte que aqui se faz para o bairro da Madre Deus, isso é perceptível por toda a “Ilha do Amor”.

A partir da explosão do pseudoforró cearense, do tchan – e seus similares – baiano e, mais recentemente, do calipso paraense, São Luís – e o Maranhão como um todo – tem sido invadida por uma onda de mau-gosto, alimentada pelos meios de comunicação, sem compromisso nenhum com o crescimento intelectual da população. Só é possível ouvir, na maioria das vezes, teclados repetindo as mesmas “melodias” e vozes semelhantes – leia-se desafinadas – cantando as mesmas letras – quase sempre ofensivas contra a mulher (muitas gostam!). Só agora eu entendo por que é necessário que certos grupos digam o nome durante a música: é tudo igual! (Nem tecerei aqui, comentários ao Marafolia; de fora de época já basta o que estamos vendo e tratando aqui).

Madre Deus: franca decadência

A Madre Deus, berço de compositores e músicos do quilate de Cristóvão Alô Brasil, Bibi Silva, Mascote, Sapo, Zé Bedeu, Cesar Teixeira, Chico Saldanha e João Pedro Borges, apenas para citar alguns, faz – tenho certeza – vergonha aos mesmos, com o que hoje se vê por lá. A Turma do Quinto, que deveria se constituir num foco de resistência, hoje atende apenas aos apelos de chaves, senhas e segredos de cofres de (potenciais) homenageados.

De um lado, bares tocam os pancadões do funk carioca; do mesmo lado, carros, com os porta-malas inutilizados – ao menos para o fim original – por parafernálias sonoras capazes de fazer inveja a qualquer radiola de reggae, tocam, do forró, os aviões, gaviões, calcinhas pretas e o que há de pior nessas fétidas ondas sonoras. Do outro lado, mais do mesmo. E vice-versa. Não nos resta opção. A não ser tomar a decisão que tomei, julgo a mais acertada: ir embora. O mais depressa possível.

Observando o que está acontecendo durante o pré-carnaval madredivino, é possível fazer duas acertadas previsões para a festa de momo que vem por aí: no carnaval deste ano, muita chuva. E muito pancadão. Que ao menos este se limite ao sonoro e consigamos índices menores de violência. Amém!

[de domingo, 8/1]

Fórum Regional de Cultura: novo espaço para discussões

O I Fórum Regional de Cultura acontece em Bacabal, dias 27 e 28 de janeiro; Diário Cultural noticia o acontecimento, inédito, em primeira mão. E dá outras notícias. Confira!

Ao longo de todo o ano passado foram realizadas, no país inteiro, diversas conferências municipais, intermunicipais e estaduais de cultura. Em dezembro, entre os dias 13 e 16, em Brasília/DF, aconteceu a I Conferência Nacional de Cultura, onde foram apontados, pelos delegados eleitos naquelas conferências, os anseios, idéias, enfim, os resultados das mesmas, com vistas à implantação do Sistema Nacional de Cultura. Durante o acontecimento foram “eleitos” trinta pontos prioritários para a cultura – podem ser lidos no site do Ministério da Cultura (http://www.cultura.gov.br) e/ou solicitados por e-mail a esta coluna.

Nos próximos dias 27 e 28 de janeiro, acontece no Maranhão, com sede na cidade de Bacabal, o I Fórum Regional de Cultura. Na última sexta-feira, aconteceu uma reunião preparatória para o mesmo, no Laborarte (Rua Jansen Müller, 42, Centro), com a presença de Joãozinho Ribeiro (poeta, compositor, professor universitário, Fórum Municipal de Cultura), Elizandra Rocha (atriz, FMC), Nélson Brito (ator, Laborarte) e deste colunista, entre outros, além de representantes das prefeituras de Bacabal e Santa Rita/MA.

Entre os pontos de pauta para o I FRC, estão os repasses das informações trazidas da I CNC e a discussão para a criação de uma Rede Estadual de Cultura, sendo este o ponto principal. Um dos debates programados para o I FRC abordará a Lei Estadual de Incentivo a Cultura. Como não poderia deixar de ser, em se tratando de um acontecimento para discutir cultura (e políticas culturais), haverá diversas manifestações artísticas, valorizando-se principalmente os talentos bacabalenses, anfitriões deste primeiro encontro. Maiores detalhes (inscrições, local etc.) esta coluna dará em breve.

Prêmio BNB de jornalismo

Acabou na última sexta-feira, 6/1, o prazo para inscrições no prêmio BNB de Jornalismo, promovido pelo Banco do Nordeste do Brasil. Com o tema “Crédito como indutor do desenvolvimento no Nordeste do Brasil”, foram inscritos trabalhos jornalísticos veiculados durante todo o ano de 2005, inclusive aqueles publicados em jornais e revistas-laboratório de cursos de Comunicação Social de faculdades públicas e privadas.

Ao todo, serão concedidos R$ 100.000,00 (cem mil reais) em prêmios. O resultado está previsto para abril, e Diário Cultural divulgará, na ocasião, a lista dos vencedores.

Chico Buarque: a grande diferença de preços na rua Grande

Digno de nota o documentário realizado sobre a vida e obra de Chico Buarque. Dividido em seis dvds (duas caixas com três cada), o mesmo mostra várias facetas da obra de um dos mais importantes compositores brasileiros de todos os tempos. Este colunista-perrengue tem assistido aos mesmos, de forma aleatória, soltos, alugados no Chico Discos (Rua do Ribeirão, Fonte do Ribeirão, Centro).

Na rua Grande, num pequeno trecho, é possível notar o grande disparate: nas Lojas Americanas, cada caixa é vendida a R$ 109,00; na Music Play, por R$ 129,00; e na Tok Discos (Colonial Shopping), por R$ 179,00. (Os “piratas” ainda não perceberam esse mercado promissor).

coisas que eu disse para minha namorada (não necessariamente nessa ordem; e isso, não necessariamente, é algo romântico)

1. caetano veloso cantando [músicas de] jorge ben é algo charmoso. gosto muito.

2. reuben é certeiro: anti-herói americano é massa! muito bom, mesmo, o filme.
3. vou escrever em meu blogue algo sobre usar pochete. uso há cinco, seis anos; daqui a pouco aparece um idiota numa novela usando e vão dizer que eu uso só por ter visto o galã usar. vão se foder!
4. quem é mais bonito? eu ou chico buarque?

[adivinhem a resposta dela para esta última]

Um biscoito com recheio de maxixes

[Diário Cultural de ontem]

Autor de diversos sucessos como “Revelação” e “Cebola Cortada”, ambos gravados por Fagner, o piauiense Clodo Ferreira, dono de obra para além disso, arrisca-se a revisitar importante compositor brasileiro, Sinhô. O resultado é um disco que mantém as características originais da obra do carioca, sem que isso signifique repeti-lo. É “a eternidade do Sinhô na beleza do Clodo(ô)”, como nos antecipou o amigo jornalista Márcio Jerry.

Clodo Ferreira interpreta Sinhô. Capa. Reprodução

Alguns se (me) perguntarão: quem é Clodo? Clodo Ferreira, compositor piauiense radicado em Brasília é irmão dos também piauienses e também compositores Clésio e Climério, com quem lançou seis LPs. Pouco? Certo. Com eles, Clodo escreveu versos do quilate de “minha mãe me olhava / e me dizia o seu silêncio agrário / a profissão do sonho / não tem salário” (da música “Silêncio Agrário”, registrada no disco dos três, “Tiro Certeiro”). Bonito, não? Mas ainda não suficiente? Pois Clodo é o compositor de alguns grandes sucessos de Fagner, como “Revelação” (em parceria com Clésio), “Cebola Cortada” (com Petrúcio Maia) e, entre outros, “Ave Coração” (com Zeca Bahia). Além de Fagner, diversos outros nomes da música brasileira o gravaram, a exemplo de Nara Leão, MPB-4, Ednardo e Amelinha. Marlui Miranda também tem relação com o trio de irmãos piauiense: cantou “Timon” (cidade maranhense vizinha à Teresina, capital do Piauí) num show dos três e depois a gravaria em disco.

Outros perguntarão quem é Sinhô. E responder que este era o apelido, pseudônimo ou coisa que o valha de José Barbosa da Silva (ou J. B. da Silva) não será suficiente. Sim, apesar de falecido em agosto de 1930, aos quarenta e dois anos, Sinhô é ainda um “ilustre desconhecido”, apesar do estrondoso sucesso de “Jura”, música de sua autoria, na voz de Zeca Pagodinho, que chegou à abertura de “O Cravo e a Rosa”, global novela das seis de outrora. Depois de “Jura”, talvez suas músicas mais conhecidas sejam “Gosto que me enrosco” (dos versos “Deus nos livre das mulheres de hoje em dia / desprezam o homem só por causa da orgia”) e “Maldito Costume” (“Eu juro acabar / com esse costume que você tem / falando de mim / dizendo horrores, me querendo bem”), esta última registrada por Ceumar em seu disco de estréia, o belíssimo “Dindinha” (1999), produzido por Zeca Baleiro.

O perfeito casamento de Clodo e Sinhô

Em “Clodo Ferreira interpreta Sinhô” (2005), o resultado de um árduo trabalho de pesquisa iniciado com um show em 2003, no Clube do Choro de Brasília/DF. As músicas registradas pelo compositor piauiense mantêm a estética adotada – ou talvez ditada, já que samba era, antes de estilo, a designação comum dada a “festas de pretos e pobres”, à época – entre o fim da década de 20 e início da de 30 do século passado: a cadência amaxixada das músicas.

O projeto, realizado entre março e agosto do ano passado, teve a concepção de Clodo Ferreira e produção executiva da ABRAVÍDEO (Associação Brasiliense de Apoio ao Vídeo no Movimento Popular); teve direção artística de Alencar 7 Cordas – que aparece tocando violão em algumas faixas – e foi patrocinado pela Eletrobrás, através da Lei de Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura.

Talvez uma revisitação de Sinhô fosse inútil, já que o grupo “Lira Carioca” (com o brilhante intérprete Marcos Sacramento em sua formação) já havia, recentemente, dedicado dois discos à obra do carioca. Mas Clodo não teve medo de arriscar e brinda-nos com este “capitoso vinho que nos embriaga com um só pinguinho” (da letra de “Maldito Costume”, registrada no disco); aqui é bom indispensável o vinho todo, digo, ouvir o disco inteiro.

Correio da Bahia: Elomar

Dia 21/11/2005, demos nota aqui sobre o relançamento de três discos do menestrel baiano Elomar Figueira de Melo; leia aqui mais detalhes sobre. O link nos foi enviado pela amiga-leitora-professora Cipy Lopes, direto da Bahia.

Diários Culturais. Feliz 2006!

E começou 2006! Sem internet em casa e desempregado, o blogueiro vai se virando. Qualquer coisa, batam o fio (por qualquer meio). Abaixo os dois primeiros Diários Culturais do ano.

Um 2006 cheio de poesia para todos!

Ainda de ressaca do reveillon, o colunista arrisca um breve texto sobre o resultado da categoria “poesia” do Concurso Literário e Artístico Cidade de São Luís; e arrisca (-se) ainda a deixar um poema desejoso de um feliz 2006 a todos os leitores do Diário da Manhã.

São Luís, Terra de poetas – ruins (incluindo este colunista)

Com bastante atraso, saiu finalmente o resultado do XXIX Concurso Literário e Artístico Cidade de São Luís. Os nomes dos vencedores foram divulgados na última quarta-feira, 28/12. Na categoria “poesia”, o resultado causou revolta. E não digo que causou espanto por que algumas pessoas já o conheciam: não houve vencedor e/ou menção honrosa. Diário Cultural não acredita que entre trinta e quatro participantes (esse foi o número de trabalhos inscritos para a categoria), não houvesse um trabalho com mérito e nível para a premiação. Entre os concorrentes estavam Bruno Barata, Pataugaza (já escrevemos sobre seus blogues – repletos de boa poesia – por aqui), Dyl Pires (também blogueiro, já venceu uma das edições anteriores do concurso) e este missivista, apenas para citar alguns.

A comissão julgadora da categoria era formada por Sebastião Moreira Duarte, Laura Amélia Damous e Francisco Ribeiro Silva Jr. Com todo respeito aos intelectuais: será que esperavam encontrar Nauros Machados e Josés Chagas inscritos? O concurso não é para revelar novos talentos?

A todos, um feliz 2006! Deixo, por ora, um poema cometido tempos atrás, já conhecido de alguns amigos. É meu “clichê” desejoso de que esses “instantes de paz” encham todo o ano que se inicia.

Instante de paz

Quero libertar-me
de todas as garras
ficando preso
apenas ao teu amor.

Quero todas as noites
todas as farras
saindo ileso
quero nada de dor.

Quero dar-te flores
nelas, perfumes e cores,
melaço que adoce
o nosso amargor.

Quero que o mundo
pare por um  segundo
sendo para todo o sempre
esse instante de paz.


De Uns Tempos Pra Cá: perfeita trilha de amor perfeito

Com o sexto disco de carreira – “De Uns Tempos Pra Cá” – o paraibano Chico César estréia na Biscoito Fino. O resultado é um belo trabalho, sob todos os aspectos: musical, gráfico, emocional e outros tantos que o leitor/ouvinte queira/consiga descobrir.

De uns tempos pra cá. Capa. Reprodução

Em 1994, Chico César era tido como uma promessa da “nova eme-pê-bê”; de forma arrojada, estreou com disco ao vivo (“Aos Vivos”, Velas, 1994) que tinha as ilustres participações de Lenine (que apesar da estréia em 1983, em disco que dividiu com Lula Queiroga, era tido ainda como uma promessa, também) e Lanny Gordin, uma espécie de “deus” da guitarra, famosíssimo por sua esquizofrenia e participações em antológicos discos de Gal Costa e Caetano Veloso à época da Tropicália. “À primeira vista” foi logo regravada por Daniela Mercury e chegou às telas globais em trilha sonora de novela; “Mama África” virou hit de rádio e essas músicas são, até hoje, das mais pedidas em shows do compositor.

O ano é 2005, o disco, o sexto. É hora de uma, digamos assim, reestréia. O paraibano de Catolé do Rocha entra para o cast da gravadora Biscoito Fino e manda para as lojas um fino biscoito cujas pérolas são recheadas pelos instrumentos do Quinteto da Paraíba (Yerko Tabilo, violino; Ronedilk Dantas, violino; Samuel Espinoza, viola; Nelson Videla, violoncelo; e Xisto Medeiros, baixo acústico) – com quem Chico César já havia gravado quando de sua participação no disco “Brasilerança” (Kuarup, 2001), de Xangai. A faixa lá registrada, “Utopia”, repete-se, belamente aqui, sem a presença do baiano.

“De Uns Tempos Pra Cá” (R$ 29,90, em média) é, a propósito, um título acertado. Os ouvintes podem arriscar-se a dizer, e acertar, que “de uns tempos pra cá”, a obra de Chico César vem tomando novos elementos, ganhando unidade, sem que isso signifique tornar-se chata ou repetitiva.

Com competência e propriedade, Chico recria obras alheias: aqui aparecem “Cálice” (Gilberto Gil e Chico Buarque) e “A nível de” (João Bosco e Aldir Blanc), além de “Outono aqui”, versão dele para “Autumn leaves” (Joseph Kosma, Jacques Prevert e Johnny Mercer).

Uma forma de ouvirmos “De Uns Tempos Pra Cá” é como um roteiro. Há peças “cinematográficas” como “Por causa de um ingresso do festival matou roqueira de 15 anos”, onde aparece a conterrânea Elba Ramalho e “Pra cinema”, faixa que abre o disco. No encarte – com belo tratamento gráfico, como é de praxe em lançamentos da BF – a cada faixa, uma nota, como alguém que rabisca as bordas de um livro que lê. Ou que escreve, como é o caso, aqui.

Trilha sonora para namoro? Perfeito. Perfeita trilha sonora de amor perfeito. A faixa-título, “Alcaçuz” e “Por que você não vem morar comigo?” são rasgadas declarações de amor rasgado – redundâncias intencionais.