para além do natal e reveillon

(ou: que os sentimentos – bons – sejam para sempre)

por Zema Ribeiro*

O cheiro de tinta e verniz é nauseante. Os homens estão ali, enfileirados ao longo da rua, ora asfalto, ora paralelepípedos. Capim nas beiras das calçadas, outrora; morrem ao tilintar de faiscantes facões empunhados pelos homens do início. A poeira levantada pelas lixas – que são esfregadas em portões e paredes – também irrita. E fede, como as tintas e vernizes do início. Fedores e irritações necessárias para que se reforme o velho e assim se crie o novo.

Logo é Natal. Pouco depois, com ou sem recesso no trabalho, Ano Novo. Enquanto preparamos – mandamos preparar, seria mais correto dizer – as caras de nossas casas para o ano que se inicia, parecemos preparar, as nossas caras também. Todos os ódios, raivas, mágoas e sinônimos para este tríduo, parecem ir pelo ralo, indo parar no esgoto do esquecimento – ao menos temporariamente. Tudo agora é só sorriso. Já nem lembramos das punhaladas que levamos. Menos ainda das que demos. Pela frente ou pelas costas. Nada. Tudo agora é paz.

Bandeiras brancas hasteadas. Hinos de louvor e blém-bléns ad infinitum. Pisca-piscas ligados, o comércio lotado, viva o consumismo!, esqueça-se o verdadeiro motivo da festa. Já faz parte. Não que eu aceite. Não que eu ache que você deva aceitar. Mas isso não é assim, de uma hora para outra.

A festa pode não durar. Nem deve(ria) mesmo. Mas pergunto para os botões da camisa puída e cerzida que estou usando: por que diabos, meu Deus, os sentimentos não permanecem ao fim da festa e da embriaguez?

* Zema Ribeiro é Consultor de Juventude do Diboa e escreve no blogue http://zemaribeiro.blogspot.com e no Overmundo.

[meu último texto do ano para o diboa. para ler os anteriores, vai lá!]

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