o escritor maranhense m. p. haickel lança hoje, em brasília/df, seu novo romance, “cinza da solidão“, sobre o qual já escrevi aqui. maiores detalhes, aqui.
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o telefone tocou em minha casa, sexta-feira, onze da manhã:
“fabiano, quero falar com você com urgência. pega um táxi e vem pra cá, eu pago”.
fui imediatamente.
“vamos fazer um show em fortaleza e um outro no maranhão“, ele me comunicou.
o vôo já estava marcado para sair às 21 horas. quando chegamos ao aeroporto, foi aquele alvoroço, muita gente pedindo autógrafos, dando-lhe tapinhas nas costas, dizendo que ele era o melhor cantor do brasil, pena que não torcia para o flamengo etc. os integrantes da vitória régia já nos esperavam no saguão. uma comissária nos conduziu ao portão de embarque. entramos no avião ainda vazio. escolhi duas poltronas lá no fundo e ficamos, eu e o tim, aguardando a decolagem.
“atenção, senhores passageiros, por favor, sigam à risca as nossas recomendações: apertem os cintos, não fumem, desliguem os aparelhos e, em qualquer emergência, a máscara de oxigênio cairá imediatamente…”, disse a comissária de bordo pelo interfone.
nem bem a moça acabara de falar, tim levantou-se, já alterado, ofegante, impaciente, com um copo de uísque na mão, e, com seu vozeirão, gritou para o comandante decolar imediatamente. depois de meia hora, ouviu-se a voz do comandante:
“atenção, senhores passageiros, o motivo do atraso foi um problema com o trator que conduz o aparelho até a cabeceira da pista, mas já estamos resolvendo. pedimos a compreensão de todos e as nossas sinceras desculpas”.
tim levantou-se novamente:
“levante esta porra com trator e tudo, seu filho da puta!”.
apesar da cara feia de alguns, a maioria dos passageiros caiu na gargalhada, inclusive uma senhora muito idosa, que estava à nossa frente, em sua primeira viagem de avião – presente de aniversário de um dos seus catorze filhos. ao ver-me conversando com ele, virou-se e me pediu muito polidamente que eu o apresentasse, para que pudesse pedir-lhe um autógrafo, pois tim maia era o seu grande ídolo. não vi nenhum inconveniente em atender ao pedido daquela senhora que completava 92 anos. jamais eu imaginaria que ele a iria receber com descortesia. prontamente, levantei-me da poltrona, estendi-lhe a mão e a conduzi pelo braço à poltrona de tim, que não parava de beber o chivas.
“tim, eis aqui uma bela fã que deseja conhecê-lo…” – antes que eu completasse a frase, ele fixou os olhos na mulher e disparou, com uma voz de megafone:
“tarada sexual! aposto que você já fez muita sacanagem na vida e agora vem com essa cara de freira no cio me pedir autógrafo!”.
pior do que a minha vergonha, com todos os passageiros olhando para trás assustados, foi a reação da velha, que caiu na gargalhada, achando o máximo o que ouvira, como se tim lhe houvesse feito os melhores elogios do mundo. mesmo assim, voltei ao meu assento e o deixei lá atrás, ao encantamento da senhora; nem quis mais saber sobre o que conversaram. apenas ouvia, vez por outra, ele me chamando de paraguaio contrabandista, exilado político, imigrante filho da puta, que em vez de estar no brasil vagabundeando, deveria voltar à sua terra natal:
“lá é que é lugar de falsificadores, traficantes, maconheiros”, e tudo o mais que ele conseguia despejar.
(…)
às 18h10 do dia seguinte, chegamos a são luís, contratados que fomos pelo irmão do presidente da república, zequinha sarney, para uma única apresentação num ginásio de esportes. chegamos alquebrados, com os corpos moídos, e sonolentos. fomos conduzidos imediatamente ao hotel quatro rodas, na praia do calhau, um lugar paradisíaco, em meio a uma enorme plantação de coco.
nunca havíamos nos apresentado por aquelas bandas. a cidade vivia dias de grande expectativa, e o noticiário local não falava de outra coisa. todas as manchetes dos jornais eram dedicadas a tim maia e ao seu convidado fábio.
(…)
o show não satisfez as expectativas do público. cantei uma única música – até parece que foi sonho -, na verdade um pesadelo: chaguinha não acertava uma nota, desconcentrando o restante da banda. tim maia estava impossível: xingou mais do que o normal, disse que zequinha sarney não estava com nada e que nada entendia de música. o público o ameaçou com algumas vaias. pouco mais de uma hora de show, retirou-se do palco e deixou a banda tocando sozinha.
“fabiano, vamos pro hotel que a barra está pesando”.
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o itálico acima é um pequeno-grande trecho de “até parece que foi sonho – meus trinta anos de amizade e trabalho com tim maia“, de fábio (parceiro do “síndico”), em depoimento a achel tinoco. é o livro-alvo de minha coluna, sexta-feira-santa, no jornal pequeno.
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ou acontece algo (de) extraordinário ou sumo daqui (deste blogue) pelo menos até segunda-feira; vou (tentar) aliviar o cansaço e o stress, nada pequenos.