antes mesmo de começar a tomar forma, o brasil era ensaiado no arquipélago de cabo verde e nas ilhas de são tomé e príncipe. no início do século xvi, já era intensa a miscigenação em cabo verde, onde os mulatos logo se tornariam predominantes, enquanto que, em são tomé, se estabelecera um novo modo de produzir açúcar, que iria ser transplantado para o brasil, em estabelecimentos agroindustriais integrados, que compreendiam desde o plantio da cana até o refino, tudo sob a mesma propriedade e baseado no trabalho escravo. durante os três séculos do tráfico, cabo verde e são tomé e príncipe serviram como pontos de passagem, e muitas vezes de treinamento, de numerosa escravaria que tinha como destino final o brasil, e, até os nossos dias, nas ilhas cabo-verdianas iam buscar aguada e refresco os navios que, saídos do brasil, demandavam a costa da áfrica ou a europa. cabo verde funcionou, assim, desde o início do quinhentos, como um traço de união entre o brasil e a áfrica, e como um lugar de encontro entre africanos, europeus e brasileiros. é provável, portanto, que ali tenham dialogado, pela primeira vez de forma sistemática, os instrumentos da alta guiné com o violão, trazido pelos portugueses, e o compasso europeu com a polirritmia africana. a conversação transatlântica entre o brasil e cabo verde continuou a ser alimentada, depois de cessado o tráfico de escravos, pelos cabo-verdianos que se engajavam nos navios cargueiros de bandeira brasileira e, muitas vezes, desciam, para fundar famílias, no recife e no rio de janeiro, e pelos marujos brasileiros que escolhiam estabelecer-se no arquipélago. aprendemos a cantar juntos, e disso nos lembra, já que andamos esquecidos, a música de rodrigo lessa, que junta e soma o que ficou de nós no meio do atlântico com o que, recriado nas ilhas mestiças, jamais deixou de fazer parte de nós.
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entre a doença (uma gripe que me deixou dois dias em casa), o trabalho (telefones não pararam de tocar, e-mails não pararam de chegar), o trabalho (a transcrição das fitas k7 do seminário de vargem grande) e nossa modestíssima colaboração ao jornal pequeno de sexta que vem, esse texto aí (acima, em itálico, com grifos nossos), do encarte do disco de que trata(re)mos [“das ilhas mestiças“, do rodrigo lessa], assinado pelo alberto da costa e silva.

Bom texto compatriota! E melhoras em sua saúde.Abraços!
parabéns ao alberto da costa e silva, risos. obrigado! abraço!