quando lecionava escrita criativa na iowa university, john cheever propunha três exercícios a seus alunos:
1] a escritura de um diário por ao menos uma semana, um diário onde aparecesse tudo: sentimentos, sonhos, orgasmos, todo tipo de sensações, desde as mais íntimas até a descrição da cor de garrafas vazias ou prestes a serem entornadas;
2] o segundo passo consistia na composição dum conto onde sete personagens ou paisagens que aparentemente não tivessem nada a ver surgissem inevitável e profundamente relacionados entre si;
3] o terceiro passo — e esta era a sua lição favorita — era redigir uma carta de amor como se estivesse escrevendo num edifício em chamas — “um exercício que nunca falha”, dizia.
e cheever falou mais ainda, num depoimento à newsweek: “um conto ou um relato é aquilo que se conta a si mesmo na sala do dentista, enquanto se espera que lhe arranquem um molar. o conto curto tem na vida, me parece, uma grande função. é também num sentido muito especial um bálsamo eficaz para a dor: no teleférico até a pista de esqui que fica preso na metade do caminho, no bote que se parte, diante do doutor que observa fixo suas radiografias… passamos o tempo esperando uma contra-ordem para a nossa morte e quando não tempos tempo suficiente para um romance, bem, aí está o conto curto. estou muito certo de que, no momento exato da morte, uma pessoa conta para si mesmo um conto e não um romance”.
nesse ensaio (que coincidiu com a publicação de seus contos reunidos), john cheever aguçou a forma com que compreendia a narrativa curta: “quem lê contos?, alguém se perguntaria, e gosto de pensar que são homens e mulheres em salas de espera quem os lêem; os lêem nas viagens aéreas intercontinentais, em vez de assistir filmes banais e vulgares para matar o tempo; os lêem homens e mulheres sagazes e bem informados que parecem sentir que a ficção narrativa bem pode contribuir para a nossa compreensão de uns e outros e, algumas vezes, do confuso mundo que nos rodeia. o romance, em toda sua grandeza, exige, ao menos, algum conhecimento das unidades clássicas, que preservam esse laço misterioso entre a estética e a moral; porém que esta novidade inexorável exclua a novidade em nossas formas de vida seria lamentável. alguns conhecemos esta novidade através de a guerra das galáxias, outros através da melancolia seguinte ao erro cometido por um jogador que não rebate sua última chance num jogo de beisebol. na busca da novidade, a pintura contemporânea parece haver perdido a linguagem da paisagem e — muito mais importante — do nu. a música moderna se separou daqueles ritmos mais profundamente enraizados em nossa memória, porém a literatura ainda possui a narrativa — o conto — e defenderia isto com a própria vida. nos contos de meus estimados colegas — e alguns dos meus — encontro essas casas de verão alugadas, esses amores de uma noite apenas, e esses laços extraviados que desconcertam a estética tradicional. não somos mais nômades, porém — sem dúvida — isto subsiste mais que uma insinuação no espírito de nosso grande país, e o conto é a literatura do nômade”.
[retirado de “why i write short stories”, john cheever]
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este post, já com alguma idade, esteve algum dia no blogue de joca reiners terron, fechado desde o ano passado. encontrei-o, impresso, da última vez em que “arrumei” o quarto (junto do poema do m. m., postado aí por baixo). das coisas que merecem ser pregadas na porta da geladeira, assim como o “metafísica e hambúrgueres“, que eu vacilei e não imprimi antes dele fechar o blogue.

Que felicidade me proporcionou o seu cuidado em imprimir esse post e trazê-lo aqui!>Sou amante dos contos e acho que contra a solidão agreste de que Chico falou um dia, além de Luiz Gonzaga, também é tiro certo um conto bem escrito.>Um abraço e parabéns!!
gracias, mari. volte sempre! um abraço!
eu lembro disso>=)
um grande achado, risos. abraço!
É mesmo uma pena o fechamento do blog. Contos são um dos grandes prazeres da vida. Quem os descobre, e se os escreve, nunca mais será o mesmo. Vale também lembrar de Hemingway – um mestre dos contos curtos – que defendia as frases enxutas e com poucos adjetivos. Questionado por um jornalista se era capaz de escrever um conto com apenas seis palavras, escreveu-o, no ato: “Baby shoes for sale. Never used.”
Sds.
o bom, ivan, é que joca voltou à blogosfera. seu novo endereço tá linkado aí ao lado. abração!