DE DO(LO)RES E ELEGÂNCIA

“Não me toquem nessa dor/ ela é tudo o que me sobra/ sofrer vai ser a minha última obra”. Os versos dos gigantes Itamar Assumpção e Paulo Leminski, sempre mestres, monstros de nossa música-poesia, bem poderiam ser de Dolores Duran, mulher que já carregava o sofrer no nome (artístico. O de batismo era Adiléia da Silva Rocha).

Dor e noite eram as personagens mais freqüentes na paisagem de sua obra (não a última: a única), de onde o produtor Thiago Marques Luiz (com direção musical de Ronaldo Rayol) pescou as 21 faixas do longo tributo Dolores – A Música de Dolores Duran [Lua Music, 2007], disco “dedicado à Marisa Gata Mansa (1933-2003), a grande intérprete de Dolores Duran”, esta, nascida em 1930 faleceu aos 29 anos.


[Capa. Reprodução]

Sobre a compositora, Roberto Nogueira, em A noite de Dolores, texto de apresentação do precioso resultado sonoro, escreve: “Os que conviveram com ela sabiam de sua alegria de viver, apesar do casamento fracassado, de não ter tido filhos, do coração frágil e da sua música que dilacerava até a alma”.

Afastem navalhas e objetos cortantes: “Olha, você vai embora/ não me quer agora/ promete voltar/ hoje você faz pirraça/ e até acha graça se me vê chorar”. “Se eu soubesse/ naquele dia o que eu sei agora/ eu não seria este ser que chora/ eu não teria perdido você”. “Ai, a solidão vai acabar comigo/ ah, eu já nem sei o que faço, o que eu digo/ vivendo na esperança de encontrar/ um dia um amor sem sofrimento”. “Eu desconfio que o nosso caso está na hora de acabar/ há um adeus em cada gesto, em cada olhar/ mas nós não temos é coragem de falar”.

Acima, pequena amostra do universo das dores de Dolores. Trechos de Olha o tempo passando (parceria dela com Edson Borges), Castigo, Solidão e Fim de caso, pérolas belamente interpretadas por Célia, Fagner, Paulinho Moska e Wanderléa (completam a lista de intérpretes: Leila Pinheiro e João Carlos Assis Brasil, Fafá de Belém, Zezé Motta, Vânia Bastos, Alaíde Costa, Claudette Soares, Tetê Espíndola, Claudia Telles e Tito Madi, Pery Ribeiro, Cida Moreira, Leny Andrade, Fátima Guedes, Carlos Navas, Dóris Monteiro, Jane Duboc e Keco Brandão, Toni Platão e Denise Duran, irmã da homenageada).

Parceira de Tom Jobim (por exemplo em Estrada do sol, que ganhou tempero pop quando Zeca Baleiro usou-a como incidental de sua Telegrama), Dolores Duran é, injustamente, quase sempre reconhecida apenas por sua belíssima A noite do meu bem (já gravada por, entre muitos outros, Tom Zé), que abre o tributo na voz de Leila Pinheiro (acompanhada ao piano por João Carlos Assis Brasil).

O disco dói e, por alguns instantes, sofrer é bom. Transporto-me a uma paisagem elegante, noite num filme em preto e branco: bebo e choro num balcão de bar. Delicio-me com a elegância da obra (e a beleza das fotos do encarte, acrescente-se) que Dolores Duran construiu com seu sofrer. Não poderia ser menos que encantadora, pois, esta homenagem que lhe prestam.

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