Gatos e os destinos da poesia

SUJEITO DE APARÊNCIA DUVIDOSA

o cantor Bob Dylan
foi detido pelos policiais de Nova Jersey
no fim de julho
tudo não passou de um engano
já que o cantor estava sem documentos
e não foi reconhecido pelos policiais

moradores chamaram a polícia
ao observar um “sujeito de aparência duvidosa”
rondando a área tarde da noite

na verdade
o cantor estaria interessado
em uma casa à venda
que viu por acaso
ao sair para caminhar perto do hotel
onde se hospedava

“eu perguntei qual seu nome
e ele me disse ‘Bob Dylan'”
relatou Kristie Buble
oficial de polícia
“mas para mim ele não se parecia com Bob Dylan
achei que ele podia ser fugitivo de algum hospital”
confessou Buble
“estava usando calças de agasalho pretas
enfiadas em botas de cano longo
e capa de chuva com o capuz cobrindo a cabeça”

a confusão só foi desfeita
quando os policiais levaram o cantor até o hotel
e um integrante da equipe do astro
apresentou seu passaporte

&

NÃO TE ESQUEÇAS QUE ÉS UM PALHAÇO

não quero chegar aos cem anos
com saúde
tal qual o adolescente
feliz que nunca fui


só me sinto à vontade
enquanto faço a barba
ouvindo Nelson Cavaquinho

sem camisa e descalço
o barrigão à mostra
e viajando
nos sambas de Nelson Cavaquinho

&

Acima, dois poemas de Fabrício Corsaletti, publicados no caderno Ilustríssima, da Folha de São Paulo, no domingo 17 de outubro de 2010.

Reli ontem os poemas, de que já nem lembrava. E gosto dos poemas, talvez por retratarem dois artistas mui distintos entre si, que admiro muito. No segundo poema, então, me vejo: “sem camisa e descalço/ o barrigão à mostra/ e viajando/ nos sambas de Nelson Cavaquinho“.

Manoel de Barros, certeiro, já afirmou: “tudo que é bom para o lixo é bom para a poesia”. Lembrei dessa frase quando, ontem, por acaso, quase boto o jornal para forrar o chão onde Pagu, minha gata, haveria de deixar urina e fezes.

A página anterior (7) do citado caderno, traria ainda essa foto, clássica, tabelinha de dois dos maiores gênios do jornalismo brasileiro: o flamenguista roxo Ruy Castro e o tricolor idem Nelson Rodrigues, o primeiro relatando um encontro de 1977, quando o fla entrevistou o flu, o que viria a dar, muitos anos depois, em O anjo pornográfico – a vida de Nelson Rodrigues (Cia. das Letras).

Passaporte para São Paulo, o texto assinado por Castro, também é poesia pura. E quase botar poesia para a gata deitar seus restos também me fez pensar em Ferreira Gullar e Lourenço Mutarelli, outros que como eu criam gatos.

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