
Na família e entre amigos mais próximos, a coisa ganhou ares de piada: sua admiração e profundo respeito por padres a fazia estender tapetes vermelhos imaginários e tratá-los com honras de chefes de Estado, com todas as regalias possíveis.
Brincadeiras à parte, esta era mais uma forma com que Etelvina do Rosário Martins (5/10/1931-31/12/2024) demonstrava sua devoção às coisas sagradas.
“Conheci Dona Teté no ano de 2004 durante a preparação para a minha ordenação presbiteral. De imediato percebi o quanto ela gostava dos padres, pois falava com uma empolgação e um brilho nos olhos, com muita leveza e carinho”, como anota o Padre Orlando Ramos na orelha de “Teté: Uma história de fé e vida” (2021, 108 p.), livro organizado e publicado pela família, por ocasião de seus 90 anos, mais que a simples biografia da homenageada, um trabalho que passa pela formação da Vila Passos, incluindo a construção da Igreja de Nossa Senhora das Graças, que integra a Paróquia São José e São Pantaleão.
Fui casado com sua neta Graziela e a primeira vez que ouvi seu nome achei estranho e até hoje me pego rindo de minha ignorância: achei que sua avó fosse a Dona Teté do Cacuriá (1924-2011). Desfeito o equívoco, foi o período de que mais estive próximo da Igreja Católica, uma demonstração da força de seu exemplo, freireano na prática. Dona Teté foi, aliás, a primeira professora de ensino religioso do município de São Luís.
“O Regional NE 5 da CNBB [a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil] não pode falar de sua catequese da metade do século XX para cá sem citar Etelvina do Rosário”, afirma o Padre João Pedro de J. R. Fonseca na outra orelha do citado livro, destacando a importância de sua atuação.
Liderança religiosa e comunitária, Dona Teté também foi fundadora (e presidente por alguns mandatos) do Centro Comunitário, Cultural e Eclesial da Vila Passos (CCEVP), idealizado como um espaço para avançar nas atividades pastorais e sociais junto aos moradores do bairro, tendo se inserido na Rede Amiga da Criança, articulação de mais de 30 entidades de defesa dos direitos de crianças a adolescentes em São Luís.
Viúva aos 33, após 10 anos de casada, na leitura da Bíblia encontrou sua própria ressurreição: dali tirou forças para criar as duas filhas – Clara de Fátima e Joana Darc. Superado o momento difícil, Teté, que possuía apenas o ensino fundamental incompleto, encontra na educação o seu caminho. Mãe, estudante, trabalhadora, leiga e catequista: acumulando todas essas funções, conclui sua formação, incluindo uma licenciatura aos quase 50 de idade, dando mais um exemplo de força e determinação.
As filhas seguiram os passos e são também professoras, a educação muito além da sala de aula, pelo exemplo. A família cresceu, com a chegada de netas e bisnetos (entre os quais meu filho José Antonio). Cercada de amor e admiração, Dona Teté faleceu nesta madrugada (31), aos 93 anos, em decorrência de complicações de uma pneumonia. Que seu exemplo de força e fé ilumine familiares e amigos neste momento de perda e dor. E que seu legado continue a ser luz no caminho de todos os que tivemos a oportunidade enriquecedora de seu convívio.
