Burocracia e amor

foto: Zema Ribeiro

Ontem fui ao cartório com minha companheira resolver burocracias da vida adulta. “Tudo contigo é bom, até a burocracia”, sempre dizemos um para o outro, com a intenção de amenizar os aborrecimentos que adultos têm que enfrentar. Amar é fácil, é simples, ou ela me fez perceber isso, já que amá-la é fácil, é simples, é leve. E o mais importante: é recíproco.

No cartório, o de sempre: a espera vagarosa em cadeiras desconfortáveis, as senhas projetadas e eletronicamente cantadas num painel sempre mais devagar do que gostaríamos. Quando chegou a nossa vez de sermos atendidos, diante do papelzinho com o número 335, a moça do guichê sorriu, misto de simpatia, cansaço e enfado, e disse: os últimos.

Acredito muito em sinais e lembrei do dito bíblico: os últimos serão os primeiros. Nossa solicitação foi atendida, resta esperar o prazo dado e voltar lá para retirar o documento solicitado.

Mas não aborreço meus poucos mas fiéis leitores para que percam seu tempo lendo sobre uma ida ao cartório, nenhum deles me diria que tudo em meus textos é bom, ainda mais em se tratando de uma visita ao cartório: ir a um já é chato, quanto mais ler sobre a ida a um — era mais fácil fazer um story e postar nas redes sociais.

Acontece que entre a chegada e a retirada de senha até o atendimento em si, uma moça chegou na gente e nos vendo abraçadinhos, nem parecia que estávamos em um cartório, resolveu interromper o nosso estágio de não tem nada acontecendo ao redor pois estamos juntos. Capacete na mão, trajando um vestido, sorridente, nos cumprimentou: e aí, casal?

Respondemos ao cumprimento e aceitamos o convite: vocês não querem ser testemunhas do nosso casamento? Perguntei-lhe se era de sua livre e espontânea vontade, sim. Levantamos, fomos ao guichê onde já estava o noivo, outro capacete sobre a cadeira, ele em pé, de bermuda e com uma dessas camisetas de proteção solar por sob a que trajava, provavelmente de um time de futebol. Entregamos nossos documentos pessoais, recitamos endereço, telefones e profissões para que a funcionária do cartório procedesse a entrada nos proclamas.

Conversamos um pouco, seis anos juntos, um tempo morando os dois com a mãe dele, há dois já só o casal, quem casa quer casa. Filhos? Ainda não. Trocar o sobrenome nos documentos? Melhor não, dá muito trabalho. Assinamos. Eles agradeceram. Desejamos felicidades. O casamento vai ser no dia de Santa Luzia, protetora dos olhos, e era bonito o jeito com que eles se olhavam, cúmplices, ternos, apaixonados.

Voltamos a nossos lugares e enquanto esperávamos o chamado de nossa senha, fiquei pensando no que já disse nesse texto, que acredito em sinais, e para matar o tempo, voltei a fazer uma das coisas que faço de melhor na vida: usar meus olhos para contemplar a beleza de meu amor.

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