A tirinha da Laerte (publicada na Folha de S.Paulo do último dia 3), que me levou a terminar de escrever este texto, começado há algum tempo…
O dj Victor Hugo, querido amigo, foi adotado pela avó de uma amiga: ele ia para a casa dela, levava uma vitrolinha e uns discos de vinil, que punha para tocar, ganhando da simpática velhinha umas cervejinhas, que brindava com a neta.
Até hoje eles mantêm a tradição de, anualmente, se encontrarem, sempre na data do aniversário da avó dela, com os vinis e a vitrolinha, além das cervejas, é claro, agora pagas por eles mesmos, para celebrar sua memória. Achei a história comovente.
Minha avó fumou a vida inteira e parou uns meses antes de falecer, vitimada por um câncer de pulmão, aos 80 anos, há quase cinco — já sofria também de Alzheimer. Era uma figura. Lembro de alguns de seus ditos, que já pensei em compilar. Tomo café sem açúcar há bastante tempo. Ela gostava com. “De amargura já basta as que eu passo na vida”, dizia, fazendo graça.
Maria Lindoso, seu nome, não tinha papas na língua: dizia o que tinha de dizer na cara, sem meias palavras, doesse a quem doesse. Para o bem e para o mal. Meu avô Antonio Viana, com quem foi casada por quase 50 anos, até seu falecimento, 13 anos antes, costumava adverti-la: “Maria, tu ainda vai levar uma bolacha”, referindo-se ao seu jeito despachado de ser. A gente se divertia com as tiradas e ri ao lembrar.
Depois que me separei da mãe de meu filho, ela manifestou seu descontentamento. Apresentei-lhe companheiras, posteriormente, sempre recebidas com o muxoxo: “ainda não é esta”.
Diana, cuja nossa história de amor e reencontro minha meia dúzia de leitores já conhece, tem, entre suas tatuagens, três frases de expoentes das letras brasileiras: Ferreira Gullar (1930-2016), Guimarães Rosa (1908-1967) e Clarice Lispector (1920-1977).
São elas, respectivamente: “Voai comigo sobre continentes e mares” (do “Poema sujo”), “O que a vida quer da gente é coragem” (do Grande sertão: veredas”) e “Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome” (de “Perto do coração selvagem”).
Suas escolhas para marcar na pele dizem muito do ser que é, com quem aprendo todos os dias, que tenho finalmente a alegria de dividir. Pode soar piegas dizer, mas esperei por isso a vida inteira, mesmo quando eu não sabia.
Conversando sobre avós, ela me contou da sua também saudosa dona Mary Benedita, mãe de sua mãe, caxiense da Cabeceira dos Cavalos, que radicou-se em Pedreiras após casar, e não se conformava de ver a neta com os joelhos ou cotovelos ralados por se juntar aos meninos em brincadeiras menos delicadas, típicas de uma época em que as telas não eram realidade.
“Desse jeito nenhum homem vai querer casar contigo”, advertia a vovó, primeira porta de entrada ao feminismo que Diana estuda, pratica e, por que não dizer, (me) ensina.
Nossas mães, também já avós, se conheceram e se deram super bem. Nossas avós não tiveram a oportunidade, nem mesmo nós, de conhecer as avós um do outro.
Gosto de pensar que elas tenham se encontrado onde quer que estejam e nos vendo de cima, tenham tido o seguinte diálogo:
“Finalmente Diana encontrou alguém que quisesse casar”.
“É, finalmente é essa”.
Selfie na plateia do show de Mônica Salmaso no último dia 6 de setembro, no Teatro Arthur Azevedo
Ontem fui ao cartório com minha companheira resolver burocracias da vida adulta. “Tudo contigo é bom, até a burocracia”, sempre dizemos um para o outro, com a intenção de amenizar os aborrecimentos que adultos têm que enfrentar. Amar é fácil, é simples, ou ela me fez perceber isso, já que amá-la é fácil, é simples, é leve. E o mais importante: é recíproco.
No cartório, o de sempre: a espera vagarosa em cadeiras desconfortáveis, as senhas projetadas e eletronicamente cantadas num painel sempre mais devagar do que gostaríamos. Quando chegou a nossa vez de sermos atendidos, diante do papelzinho com o número 335, a moça do guichê sorriu, misto de simpatia, cansaço e enfado, e disse: os últimos.
Acredito muito em sinais e lembrei do dito bíblico: os últimos serão os primeiros. Nossa solicitação foi atendida, resta esperar o prazo dado e voltar lá para retirar o documento solicitado.
Mas não aborreço meus poucos mas fiéis leitores para que percam seu tempo lendo sobre uma ida ao cartório, nenhum deles me diria que tudo em meus textos é bom, ainda mais em se tratando de uma visita ao cartório: ir a um já é chato, quanto mais ler sobre a ida a um — era mais fácil fazer um story e postar nas redes sociais.
Acontece que entre a chegada e a retirada de senha até o atendimento em si, uma moça chegou na gente e nos vendo abraçadinhos, nem parecia que estávamos em um cartório, resolveu interromper o nosso estágio de não tem nada acontecendo ao redor pois estamos juntos. Capacete na mão, trajando um vestido, sorridente, nos cumprimentou: e aí, casal?
Respondemos ao cumprimento e aceitamos o convite: vocês não querem ser testemunhas do nosso casamento? Perguntei-lhe se era de sua livre e espontânea vontade, sim. Levantamos, fomos ao guichê onde já estava o noivo, outro capacete sobre a cadeira, ele em pé, de bermuda e com uma dessas camisetas de proteção solar por sob a que trajava, provavelmente de um time de futebol. Entregamos nossos documentos pessoais, recitamos endereço, telefones e profissões para que a funcionária do cartório procedesse a entrada nos proclamas.
Conversamos um pouco, seis anos juntos, um tempo morando os dois com a mãe dele, há dois já só o casal, quem casa quer casa. Filhos? Ainda não. Trocar o sobrenome nos documentos? Melhor não, dá muito trabalho. Assinamos. Eles agradeceram. Desejamos felicidades. O casamento vai ser no dia de Santa Luzia, protetora dos olhos, e era bonito o jeito com que eles se olhavam, cúmplices, ternos, apaixonados.
Voltamos a nossos lugares e enquanto esperávamos o chamado de nossa senha, fiquei pensando no que já disse nesse texto, que acredito em sinais, e para matar o tempo, voltei a fazer uma das coisas que faço de melhor na vida: usar meus olhos para contemplar a beleza de meu amor.
“Para viver um grande amor” (Vinícius de Moraes e Toquinho), às vezes é preciso olhar o retrovisor – foto: Zema Ribeiro
O título deste texto (ridículo, como toda carta de amor, não é, Fernando Pessoa?) é verso de “Nossa canção” (Ana Terra e Danilo Caymmi), sucesso de Nana Caymmi (1941-2025), não por acaso a música que abre a playlist “Depois daquela dança”, que alimentamos constantemente desde a dança que precedeu nosso primeiro beijo.
“O que fazer com este beijo represado há 20 anos?”, perguntei, ousado, logo após nossos lábios se encontrarem pela primeira vez. Tudo começou há 20 anos, na plateia de uma apresentação de Elomar — a música sempre presente — no finado Circo da Cidade (mais precisamente dia 19 de agosto de 2005), que assistimos em cadeiras lado a lado.
Apresentados por um amigo comum, eu me apaixonei, mas um coquetel de álcool, juventude (leia-se inexperiência) e lerdeza me impediu de perceber os sinais da reciprocidade, à época.
Como a vida é uma peça de teatro que não permite ensaios, “nossos destinos foram traçados na maternidade” (Cazuza, Leoni e Ezequiel Neves) — com distâncias geográficas e temporais mínimas: ela nasceu na Maternidade Benedito Leite e eu na Santa Casa de Misericórdia, ambas no Centro de São Luís/MA, com apenas 15 dias de diferença.
Mas desde o citado show de Elomar, quis o acaso que “as retas mais curvas que o mundo tem” (Chico Maranhão) nos provassem, na prática, a teoria de Vinícius de Moraes (1913-1980): “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro nessa vida”.
Vivemos: acertamos, erramos, fomos felizes e tristes, pertos e distantes, mas sempre amigos, com gostos parecidos, posturas políticas semelhantes e vez por outra, entre “encontros e despedidas” (Milton Nascimento e Fernando Brant), nos esbarrando aqui e acolá, em agendas de “festa, trabalho e pão” (Gilberto Gil e Capinan), bem menos do que gostaria, é verdade, admito.
Mas já dizia Paulo Leminski (1944-1989), outro poeta-músico de nossa predileção: “um bom poema leva anos/ cinco jogando bola,/ mais cinco estudando sânscrito,/ seis carregando pedra,/ nove namorando a vizinha,/ sete levando porrada,/ quatro andando sozinho,/ três mudando de cidade,/ dez trocando de assunto,/ uma eternidade, eu e você,/ caminhando junto”.
É um poema sobre seu próprio ofício poético e sobre maturação, para além da poesia, também do amor: o nosso levou 20 anos para poder ser vivido plenamente. E está apenas começando, embora sempre estivesse ali, pulsando quietinho. “Ah, infinito delírio chamado desejo/ essa fome de afagos e beijos/ essa sede incessante de amor” (Gonzaguinha); “não dá mais pra segurar/ explode coração” (idem).
Quando nos conhecemos, logo apelidei-a, carinhosamente, “menina de olhos amendoados”, estas duas petecas cor de mel que me espelharam e abriram as portas da paixão, a primeira coisa que me chamou a atenção. “Quando vi você me apaixonei” (Chico César), para logo depois cantar o Djavan de “Um amor puro”: “te adoro em tudo”.
Quando nos reencontramos, até tentamos, mas foi impossível conter a explosão: “nós somos fogo e gasolina” (Carlos Rennó e Pedro Luís). Sempre me refiro à nossa história, que adoro contar, como “um caso de loucura e mágica” (Ritchie e Antonio Cicero).
“O futuro já sabia, mas a gente ainda não” (Barro e Ed Staudinger): a dona dos olhos amendoados é hoje, finalmente, a “dona da minha cabeça” (Fausto Nilo e Geraldo Azevedo).
Volto ao show de Elomar, tendo-o como um marco: 20 anos não são 20 dias. Pensei em escrever algo sobre tudo isto, aproveitando a efeméride, e dei de cara com um poema, escrito também há 20 anos, uma singela quadrinha, com algum poder de síntese, já estava tudo lá: “teus olhos, duas pedras raras/ me deixam mudo/ com tua beleza me calas/ e se sou teu, tenho tudo”.
A generosa fatia de pudim servida na Pousada Cristo Rei – foto: Zema Ribeiro
Certa vez perguntei ao compositor e jornalista Cesar Teixeira sobre fama. “Fama é o feirante te chamar pelo nome”, respondeu com a sinceridade e modéstia que lhe são peculiares.
Por dever de ofício lido com famosos, com o constante exercício de não me deixar isso subir à cabeça (eles são famosos, eu não). Mas hoje tive meu dia de VIP.
Entrei para almoçar, já tarde, num restaurante que frequento há mais de 20 anos. Meu prato predileto já havia acabado. Pedi uma bisteca frita, ditei os devidos acompanhamentos e sentei-me a esperar, enquanto esposa e enteada, após também fazerem seus pedidos, aproveitaram o mormaço ludovicense para visitar uma loja de variedades quase vizinha.
A comida chegou, avisei-as por mensagem, enquanto a garçonete servia. Já estava traçando a bisteca quando Dos Anjos – o sobrenome uma redundância: ela é o próprio anjo, com mãos de fada – adentra o salão com mais uma cumbuca, deposita sobre minha mesa e diz: “come este assado, que eu sei que tu veio procurar por ele”.
A porção de assado com molho não serviria uma refeição, mas ela não só sabe e lembrou de minha predileção como me garantiu o prazer gastronômico. Pança cheia, já me dava por satisfeito, levanto para ir ao banheiro e ouço a pergunta dela: “vai querer pudim?”. “Ouvi dizer que não tem”, respondi e fui desmentido. E haja pudim de sobremesa.
Dona Ana está viajando, ela me informou quando perguntei pela proprietária da Pousada Cristo Rei, que segue em boas mãos durante o passeio e descanso da chefa. Seu assado de panela e pudim de leite estão entre os melhores do mundo.
Como já disse Xico Sá: uma das maiores alegrias de um homem é chegar a um bar ou restaurante e ser saudado pelo garçom com um “o de sempre, doutor?”.
Os compromissos da tarde me chamavam, se não era capaz de eu ter ido sentar no sofá para ver o telejornal e talvez ainda estar lá, cochilando até agora, essa crônica esperando por ser escrita.
A quem interessar possa: a Pousada Cristo Rei fica na Rua das Crioulas, Centro (entre Santana e Domingos Barbosa).
Há cerca de 10 anos, pais e mães fundaram a Associação Educacional e Sociocultural Guará Mirim, mantenedora do jardim de infância homônimo (que este ano inaugurou sua primeira turma do ensino fundamental), que promove a educação baseada na pedagogia Waldorf, baseada na filosofia da educação do austríaco Rudolf Steiner (1861-1925), fundador da antroposofia.
O objetivo da citada pedagogia é formar seres livres e conscientes em um mundo tão complexo, o que começa na garantia do direito da criança brincar, ser feliz e experimentar o mundo com respeito.
A associação busca atualmente sua regularização junto aos órgãos e autoridades competentes da Educação brasileira (ministério, secretarias, conselhos etc.), um processo que não é rápido, nem barato.
Pais e mães têm se doado na busca de uma educação adequada para seus filhos. A busca de recursos para o citado objetivo envolve outras ações permanentes. Para quem não compreende: não se trata de botar o carro na frente dos bois. Instituições de ensino são fundadas e depois regularizadas (como estudante e, à época funcionário, acompanhei, por exemplo, o processo de regularização da então Faculdade São Luís – hoje Estácio – junto ao MEC).
Mas nem só de trabalho, burocracia e criar/educar os filhos, vivem os homens e as mulheres: hoje (19), a partir das 17h, acontece a festa beneficente Guará Vibes, no Laboratório de Expressões Artísticas do Maranhão, o Laborarte (Rua Jansen Müller, 42, Centro). As atrações são os djs Joaquim Zion e Otávio Rodrigues, o Doctor Reggae, a cantora Dicy e o grupo Forró do Mel. Os ingressos custam R$ 30,00 e o valor arrecadado será inteiramente dedicado ao citado processo.
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No Timbira Cult de ontem (18), na Rádio Timbira FM (95,5), Gisa Franco conversou com as produtoras culturais Raquel Gonçalves e Soraia Sales Dornelles, e a cantora Dicy, mães de estudantes e ex-estudantes do Jardim Guará Mirim. Assista:
O pequeno João Guilherme Maciel, de 7 anos, trouxe duas medalhas do Japão para o Maranhão – foto: divulgação
O Maranhão esteve presente na sexta edição do Campeonato Mundial de Karatê Shotokan, que aconteceu entre os dias 26 e 28 de julho em Tóquio, no Japão. A competição foi organizada pela Japan Karate Shoto Federation (JKS) e contou com a presença dos melhores atletas do mundo em suas respectivas categorias.
João Guilherme Maciel foi um dos representantes do Maranhão na Seleção Brasileira de Karatê. Ao todo, oito atletas maranhenses integraram a Seleção Brasileira, entre eles o pequeno medalhista, de apenas 7 anos.
Seleção brasileira no Japão tinha oito maranhenses – foto: divulgação
Em clima de Olimpíadas, João Guilherme, nosso atleta mirim, também conquistou as suas primeiras medalhas de ouro e bronze em mundiais. O futuro do esporte maranhense está garantido com esse pequeno, que já é um gigante nos tatames.
João Guilherme conquistou o Campeonato Mundial de Karatê, no Japão, ficando em primeiro lugar no Kata em equipe e em terceiro no Kumitê em equipe, sendo um dos destaques da competição.
A jornada para chegar a essas importantes conquistas no Japão foi intensa, com muitos treinamentos diários, busca de apoios e patrocínios. Para alcançar os pódios, João Guilherme enfrentou atletas de diversos países, incluindo China e Portugal, além dos donos da casa. Com muita técnica e determinação, superou adversários e sagrou-se medalhista no berço do karatê.
João Guilherme expressa sua gratidão a todos que acreditam em sua trajetória no esporte, que está apenas no início, mas já se demonstra promissora. O atleta conta com o patrocínio do Governo do Maranhão, através da Secretaria de Estado de Esporte e Lazer (Sedel) e do Grupo Mateus, por meio da Lei Estadual de Incentivo ao Esporte. Além do apoio e dos ensinamentos do seu Sensei Marco Aurélio Mota e do seu Dojô Seiryūkan – Karatê Shotokan, local onde ele realiza seus treinos nas artes marciais japonesas.
João Neto (flauta), Zeca do Cavaco, Gabriela Flor (pandeiro) e João Eudes (violão sete cordas): o Choro da Tralha da ocasião – foto: Otávio CostaO dj Joaquim Zion – foto: Zema RibeiroNão é todo dia que a gente é fotografado entre dois Otávios, dois irmãos: o blogueiro entre Costa e Rodrigues – foto: Elizeu CardosoPapo de radialista: Otávio Rodrigues e Ricarte Almeida Santos, dois dos professores que tive fora da sala de aula – foto: Zema RibeiroPapo de compositor: Nosly e Elizeu Cardoso – foto: Zema RibeiroPapo de compositor: Elizeu Cardoso e Luciana Simões – foto: Zema Ribeiro
Quando a Feira da Tralha foi inaugurada no ponto em que hoje funciona o Butiquim do Carlos, no Edifício Colonial (Rua Godofredo Viana, Centro), saudei a abertura do sebo em um texto que trazia alvíssaras no título.
Moema de Castro Alvim (1942-2014), proprietária do Papiros do Egito, primeiro sebo que frequentei na vida, ainda criança, já era falecida, mas lembro sempre da inequação com que ela cantou a pedra: como é que enquanto se abrem novas faculdades, livrarias se fecham? A conta realmente não batia. Não bate.
Rato de sebo é expressão que bem me classifica. Depois de Moema não parei mais: Riba do Poeme-se, Chico Discos, Educare, Sebo nas Canelas, Bonanza e Ruy até a Feira da Tralha, são endereços que frequento/ei com certa assiduidade e a inauguração ou reinauguração de um espaço desses sempre será motivo de minha atenção e entusiasmo.
À época do “x com o Teatro Arthur Azevedo” (como eu ensinava o endereço da Feira da Tralha aos neófitos) a Tralha (como carinhosamente os amigos abreviam o nome do estabelecimento) acabou virando um point para além do garimpo de preciosidades que nos leva aos sebos da vida. Logo Riba e Marly trocaram a cerveja para consumo próprio no fim do expediente, em uma geladeira pequena, por cerveja para os fregueses que também queriam aplacar o calor e molhar a palavra quando a tarde caía entre o Colonial e o Mestrado em Direito.
Abraços, afetos, sorrisos, boa prosa e boa música (inclusive a que Gildomar Marinho dedicou-lhe, gravada com a adesão de Rodger Rogério), sem esquecer da matéria principal do lugar, a coisa cresceu e logo a Tralha alugou um segundo ponto e o sebo incorporou a dimensão do bar ao negócio. Preenchia uma lacuna da qual sempre me ressenti: não é possível que as pessoas saindo de um espetáculo no Arthur Azevedo precisem ir para longe para aquela resenha (não no sentido surrado hoje atribuído ao verbete). Com a Tralha era possível o after a alguns passos, comentando o show, a peça e o que mais desse na telha.
Mas não parou por aí: Gabriela Flor (pandeiro), Gustavo Belan (cavaquinho), João Eudes (violão sete cordas), João Neto (flauta) e Ronaldo Rodrigues (bandolim) começaram a fazer rodas de choro na Godofredo Viana, animando os domingos. Logo ganharam o apropriado nome de Choro da Tralha e o grupo ganhou vida própria e segue junto até hoje (Temporariamente sem Ronaldo, que foi cursar doutorado em Pernambuco). Ensaios de blocos de carnaval, lançamentos de livros (alô, Josoaldo Lima Rêgo!) e até mesmo este repórter, arremedo de DJ, que animou algumas noites e ali conheceu a esposa, com a ajuda de Marly, que não a conhecia: “não sei, cliente nova”, respondeu quando perguntei quem era. Mas depois me ajudou a achar o caminho das pedras. Ou melhor: dos paralelepípedos.
Certa vez, Otávio Rodrigues, o Doctor Reggae, ainda morando em São Paulo, veio à ilha gravar sua participação em algum projeto e nos encontramos por lá. Tião Carvalho, de passagem pela ilha, se juntou a nós, “papo e som dentro da noite”, ave, Belchior (1946-2017)!, e esta é também uma entre tantas memórias do lugar.
Quando a Feira da Tralha foi inaugurada no antigo endereço, um erro na confecção de uma faixa acabou se tornando o slogan do lugar: “ambiente livre de bolsomilho” trazia um neologismo que avisava do antifascismo dos proprietários e da preferência por cervejas puro malte. Mas a simpatia de Marly e do comunista Ribamarx (reparem no apelido) é tanta que até mesmo bolsonaristas conseguiam se infiltrar: certa vez, num episódio conhecido como Cavalo de Tróia, com direito a meme, Elizeu Cardoso pagou o pato de ter que aturar um em sua mesa, à certa altura de uma farra movimentada, a única ainda com um lugar desocupado.
Otávio Costa, ao ver o novo slogan em um banner, protestou, de pilhéria: “não gostei! Como assim, nada mais?”, disse, referindo-se a frase sob o nome do estabelecimento: “amigos, livros, discos e nada mais”. Ponderei que era apenas um trecho de “Casa no campo”, de Tavito e Zé Rodrix, e ele riu, conformado, como concordando que fosse qual fosse o slogan, não diminuiria a contenteza geral pela reinauguração do espaço.
Veio a pandemia de covid-19, cujos abalos em quaisquer aspectos todos lembramos, entre isolamento social, mortes e o negacionismo do desgoverno então vigente. Sem ter como pagar o aluguel dos pontos, a Tralha fechou e passou a operar online, vendendo principalmente elepês através de redes sociais e aplicativos de mensagens.
O negócio ia dando certo mas faltava calor humano. Os órfãos da Tralha, em cuja filiação me incluo, sempre reclamavam a volta do espaço físico, agregando sebo e bar. Antes à tarde do que nunca, como diria o conhecido reclame de motel.
E eis que sábado passado, não por acaso um dia 13, a Tralha reabriu. Está funcionando em um simpático ponto na Escadaria da Rua do Giz (o antigo Entrenós, ao lado do Restaurante do Senac), na Praia Grande. O Choro da Tralha, com inspiradas canjas de Nosly (que acertadamente incluiu “Pedrada”, de Chico César, em seu repertório) e Zeca do Cavaco (que quando eu cheguei me disse que já tinha cantado mas que ia voltar e cantar algo que eu gostava e mandou “Flanelinha de avião”, de Cesar Teixeira), e os DJs Seba e Joaquim Zion garantiram a trilha perfeita, à altura que uma reinauguração desse porte pedia.
Reencontrei muita gente querida: o ex-craque da seleção de Santa Tereza do Paruá Ricarte Almeida Santos e Danielle Assunção, Luciana Simões (que saiu com um raro Nonato e Seu Conjunto nas mãos), Chico Neis (que arrematou um Milton Carlos [1954-1976] antes de mim), Eduardo Júlio, Samme Sraya, Rosana, Rosinha, Adler São Luís e os Otávios, Rodrigues e Costa; com o último voltei a falar na Discoteca do Veterinário, uma ideia de programa de rádio que alia sua paixão e profissão, mas nunca deixou o campo das ideias. Até aqui.
Dividir a mesa com Elizeu é garantia de boas risadas e eu já fui rindo desde o Uber em que ele me apanhou em casa.
Seria praticamente impossível escrever um texto jornalístico sobre esta fênix, afinal de contas o repórter estava lá não como tal, mas como amigo do estabelecimento e dos proprietários e assíduo frequentador. Quero apenas registrar a alegria de poder voltar a frequentar a Feira da Tralha e desejar sucesso e vida longa. Um brinde! E mais uma, por favor!
Encontro aconteceu no Centro São Raimundo, em Vargem Grande/MA, dias 19, 20 e 21 de outubro
TEXTO E FOTOS: ZEMA RIBEIRO
[Originalmente publicado na edição de hoje (28) do jornal O Imparcial]
Os presentes à VII Plenária Estadual da Rede Mandioca, entre membros, palestrantes e coordenadoresNoite de festa no Centro de Comercialização Quilombola de Piqui da RampaUma missa marcou o encerramento das atividades da VII Plenária Estadual da Rede MandiocaVisita à hortas comunitárias no povoado Sororoca
Oriundos de mais de 30 municípios de todas as regiões do Maranhão, 110 representantes de comunidades e grupos produtivos filiados à Rede Mandioca estiveram reunidos em Vargem Grande entre os últimos dias 19 e 21 de outubro. Em sua sétima plenária estadual, a Rede Mandioca, que está completando 15 anos em 2023, elegeu também sua coordenação estadual para um mandato de três anos, quando deve acontecer sua próxima plenária, e revisou sua Carta de Princípios, documento que norteia as ações de seus filiados, na adoção de princípios agroecológicos e da economia popular solidária.
Era um momento de refletir sobre passado, presente e futuro da iniciativa, surgida em um contexto de combate ao trabalho escravo – em 2008 o Maranhão era um dos recordistas em fornecimento de mão de obra – e avanços na melhoria da produção e comercialização de derivados da raiz que empresta o nome à rede, mas que acabou se expandindo para campos os mais diversos, como a criação de pequenos animais, o extrativismo e o artesanato.
A VII Plenária Estadual da Rede Mandioca teve por tema “15 anos fortalecendo a agricultura familiar agroecológica e lutando por direitos” e uma mesa no primeiro dia de programação buscava olhar os desafios de fortalecer a agricultura familiar em rede, formada por filiados à Rede Mandioca e por Lucineth Machado, secretária executiva da Cáritas Brasileira Regional Maranhão, organismo da Igreja Católica que anima a articulação.
“A diversidade da Rede é um retrato da sociedade que a gente sonha e deseja”, afirmou ela, referindo-se aos integrantes ali reunidos, entre muitos jovens e adultos, lavradores, catadores, mulheres e negros. “A Rede vem se fortalecendo como organização e dando visibilidade e importância a pessoas historicamente invisibilizadas”, continuou.
Ao longo de sua história a Rede Mandioca já implementou 27 casas de farinha, facilitando e melhorando o trabalho de produção de farinha de mandioca. Com apoio da Fundação Interamericana (IAF na sigla em inglês), implantou os fundos de crédito rotativo solidário, que é retroalimentado com o pagamento dos que acessam o crédito. Já foram apoiados 41 grupos em 20 iniciativas, totalizando 53 projetos, desde 2019. Desde sua implementação o fundo já concedeu crédito solidário na ordem de 460 mil reais.
O lavrador Zé Vando, do Assentamento Alegre (em Alto Bonito, Riachão/MA), formado por agricultores familiares que vivem da terra, afirmou que “foi através da Rede Mandioca que me tornei o homem que sou”. A articulação ajudou a melhorar também a autoestima dos agricultores filiados e, neste sentido, comprova o sucesso da iniciativa no combate ao trabalho escravo.
O jovem – como Zé Vando havia vários outros presentes – já percebe que é possível viver dignamente da agricultura familiar e, não enxergando isso como motivo de vergonha, permanece em seu lugar. Sua comunidade foi uma das beneficiadas com casas de farinha, fazendo a produção do lugar saltar de sete para 25 sacas diárias.
“A agricultura não pode ser vista como um castigo”, complementou o agricultor familiar Zé Filho, de Loreto/MA. “É necessário que estejam em pauta políticas públicas voltadas para agricultura familiar e juventude, para a geração de trabalho, emprego, renda e dignidade. A Cáritas tem mostrado possibilidades concretas, com os fundos de crédito rotativo solidário, que têm mudado a vida de comunidades e grupos produtivos”, continuou. A Rede Mandioca tem ajudado a mudar uma realidade literalmente de fome, algo de que atualmente nenhum membro seu padece.
Na manhã do segundo dia de atividades, o advogado e ambientalista Guilherme Zagallo realizou uma análise de conjuntura, citando questões como o calor que assolava o Brasil – e particularmente o município de Vargem Grande, que chegou a registrar temperaturas de 40ºC durante o encontro –, relacionando-o a contexto de opção de sucessivos governos por modelos equivocados de desenvolvimento. “2023 provavelmente será o ano mais quente da história”, advertiu. O palestrante também não esqueceu do desmantelo político vivido pelo Brasil após o golpe que destituiu a presidenta Dilma Rousseff do Palácio do Planalto, em 2016, e tudo que o sucedeu.
Zagallo trouxe diversos dados em sua intervenção, entre eles a taxa de pobreza no Maranhão (58,9%, a maior do Brasil), estado que ainda tem maioria da população em zonas rurais, apesar de o quadro estar se revertendo progressivamente, com cada vez mais a ocupação de áreas urbanas. O Maranhão tem a segunda maior taxa de trabalhadores informais do país: 59,4%. “A presença maciça de jovens à plenária é algo que me chama a atenção”, disse. Ele destacou ainda o impacto do uso de agrotóxicos na vida e na saúde da população, lembrando o recorde de liberações de vários tipos do produto durante o governo Jair Bolsonaro (2019-2022).
Há cerca de ano e meio – devido a um adiamento causado pela pandemia de covid-19 – a Rede Mandioca vem sendo pesquisada. Um grupo de professores e estudantes das Universidades Federal (UFMA) e Estadual do Maranhão (UEMA), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Fapema), vem traçando o perfil dos filiados à rede.
O professor Marcelo Carneiro (do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFMA), observado por estudantes e demais presentes à plenária, apresentou os resultados da citada pesquisa, que será publicada em livro em breve. As incursões em campo do Grupo de Estudos e Pesquisas Trabalho e Sociedade (GEPTS), apontam dados interessantes: se a maior parte dos respondentes estudou apenas até a quarta série, 3,5% dos entrevistados cursa ou concluiu o nível superior.
75% participa de sindicatos, 24% de cooperativas e 68% de associações – a soma dos percentuais é superior a 100 por muitos deles fazerem-no simultaneamente. O resultado da pesquisa traz inúmeros outros dados, com informações sobre o perfil produtivo dos grupos filiados à Rede Mandioca e o volume de sua produção.
A tarde do segundo dia foi dedicada a intercâmbios: os participantes do encontro visitaram experiências filiadas à Rede Mandioca, nas zonas urbana e rural de Vargem Grande, incluindo a Cooperativa Agroextrativista dos Pequenos Produtores Rurais de Vargem Grande (Coopevarg) e grupos produtivos no bairro Rosalina, além de povoados como Sororoca, Caetana, Remédios e Riacho do Mel.
E a noite foi de festa: uma feira da agricultura familiar aconteceu no Centro de Comercialização Quilombola de Piqui da Rampa, como parte da programação da plenária, com a presença da sociedade local, além de apresentações culturais como tambor de crioula e forró pé de serra e a comercialização da produção de grupos filiados à Rede Mandioca.
Pe. Isaque (pároco de São Benedito do Rio Preto/MA) celebrou a missa de encerramento do evento, com alguns avisos ao final – traduzindo a metáfora da articulação estar em movimento, ou seja: o encontro acabava, o trabalho não. A Rede Mandioca – junto com as Pastorais Sociais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB Regional NE 5) e outras organizações da sociedade civil – irá participar do processo de criação da lei de iniciativa popular para proibir a pulverização de agrotóxicos por aviões mobilizando a coleta de assinaturas em todo o Estado. E na Romaria da Terra e das Águas, que irá acontecer ano que vem, fazendo o percurso entre Santa Inês e Pindaré-Mirim, serão distribuídas e plantadas mudas de árvores de diversas espécies – a recomendação é que cada romeiro e romeira leve mudas e sementes, distribuindo e assim ajudando a reverter as altas temperaturas no planeta. Pela disposição dos envolvidos, nem mesmo o calor forte os fará esmorecer.
Representantes de grupos e comunidades ao fim do encontro em São Luís, no último dia 28 de maio. Fotos: Acervo Cáritas Brasileira Regional Maranhão. Divulgação
Encontro realizado no último dia 28 de maio em São Luís reuniu representantes de grupos e comunidades filiados, avaliou o período de pandemia e focou na expansão da articulação
Representantes de 26 comunidades e grupos produtivos filiados à Rede Mandioca reuniram-se no último dia 28 de maio na Casa das Irmãs da Misericórdia (Rua Boa Esperança, 142, Cantinho do Céu), em São Luís. Os grupos são beneficiários do Fundo de Crédito Rotativo Solidário da Rede Mandioca, articulação assessorada pela Cáritas Brasileira Regional Maranhão, com apoio da Fundação Interamericana (IAF, na sigla em inglês). A atividade contou também com a presença do professor Marcelo Carneiro, do departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), e de estudantes de uma pesquisa interinstitucional coordenada por ele em parceria com a Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) junto a agricultores familiares.
Na análise de conjuntura que realizou durante o encontro, Carneiro destacou uma série de retrocessos a partir da deposição de Dilma Rousseff em 2016 e comparou o quadro atual com a luta camponesa pela terra na década de 1980, um dos períodos mais sangrentos no campo brasileiro, embora o Maranhão seja o estado com o maior número de assentamentos da reforma agrária; por outro lado, o Brasil voltou ao mapa da fome.
“Existe uma grande lacuna de estudos sobre a cultura da mandioca e uma visão muito preconceituosa, como se a agricultura familiar maranhense plantasse mandioca como há 40 anos. A pesquisa nasce dessa preocupação, de a gente ter uma visão mais atualizada sobre as formas como os agricultores têm trabalhado, não só a produção, mas o beneficiamento e a comercialização. O segundo aspecto é que o Maranhão é um estado muito diverso e a mandioca é a atividade por excelência da agricultura camponesa. Mas ela se articula de forma diferente no sul do Maranhão, na Baixada, nos Lençóis, nos Cocais, e como a Rede Mandioca tem essa capilaridade, a gente entrou em contato com a coordenação da Rede e da Cáritas, e apresentamos para um edital da Fapema [a Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão]. É uma pesquisa interinstitucional, UEMA, UFMA São Luís e UFMA Bacabal. A gente tinha a previsão de iniciar antes da pandemia. Quando a pandemia aconteceu, como essa pesquisa implica o deslocamento para cerca de 25 municípios em todo o estado, com entrevistas, aplicação de questionários, fotografias, ela não podia ser feita no contexto da pandemia. A Fapema foi sensível e aprovou a prorrogação, então estamos retomando agora os contatos para desenvolver essa pesquisa. A gente fez uma primeira versão do questionário com a coordenação da Rede Mandioca. A gente perguntou: o que vocês querem saber sobre os produtores? Porque tem uma dimensão da pesquisa do ponto de vista mais sociológico, mas a coordenação colocou uma série de questões importantes do ponto de vista de conhecer os diferentes grupos, conhecer os obstáculos, os desafios que eles enfrentam; com a pandemia, nós vamos voltar para rediscutir esse questionário; talvez surja aí um capítulo referente a impactos da covid”, explicou Marcelo Carneiro.
“Agora mesmo está se discutindo a questão dos fundos rotativos, a coordenação da Rede vai ter um conjunto de informações sobre os grupos que ela apoia, que inclusive pode ajudar na negociação no desenvolvimento de políticas públicas. Por exemplo: o Governo do Estado abriu mais de 100 restaurantes populares, mas esses restaurantes populares adquirem produtos da agricultura familiar? Um dado do censo agropecuário de 2017 que chamou muito a atenção é o seguinte: a agricultura familiar aumentou muito o gasto dela em relação, por exemplo, a energia elétrica. Se a gente notar que isso é um custo grande para os produtores, pode se pensar em algum tipo de política pública que ajude nesse custo. Nós queremos saber também sobre variedades de mandioca, irrigação, que também implica num custo com eletricidade. Enfim, tem uma série de informações, que uma vez a gente de posse delas, pode municiar a Rede para que ela possa negociar políticas públicas, discutir com diferentes agentes do Estado para potencializar essa produção”, continuou.
O clima era de retomada: mesmo que os grupos, em geral, não tenham interrompido a produção, momentos como o daquele sábado haviam acontecido muito raramente ao longo dos últimos dois anos, quando a pandemia de covid-19 impediu a realização de reuniões presenciais. Foram avaliados temas como as sequelas sociais da pandemia, para além das mais de 660 mil vidas perdidas para o coronavírus até aqui, a carestia, o avanço do latifúndio, o recrudescimento da pistolagem, o aumento dos índices de consumo de entorpecentes, a grilagem de terras, o envenenamento das águas e do solo, a perda de direitos, o avanço do armamento e dos índices de trabalho escravo.
“Esses dois anos de pandemia não foram fáceis. Foram dois anos de muitas dificuldades, até por que as pessoas não tinham como se envolver um com o outro. Para nós que trabalhamos na agricultura ficou muito difícil. A gente não podia se juntar para trabalhar, para desenvolver nossas atividades. Mas nós tivemos a graça de ter o projeto da IAF, com o projeto a gente foi se sustentando. A gente nem esperava que a pandemia fosse acontecer, mas a gente tinha alguma coisa em nossas roças, em nossos quintais. Mesmo assim a dificuldade aumentou: quem estava no interior tinha alguma coisa para comer, mas quem estava na periferia da cidade passou muita necessidade, muita gente com fome mesmo, sem roupa para vestir, sem casa para morar”, comentou a lavradora Maria Pereira de Sousa Filha Coelho, 53 anos, de Vargem Grande. Maria integra a Coopervag [a Cooperativa Agroextrativista dos Pequenos Produtores Rurais de Vargem Grande], que acessou um recurso de 10 mil reais para a compra de congeladores para o armazenamento de polpas de frutas e já reembolsou o valor, que, uma vez devolvido ao fundo, beneficia outros grupos e comunidades.
“A Rede Mandioca foi uma oportunidade única. Ela chegou para ampliar nossa comunidade. Nessa fase de pandemia a gente não parou a produção de farinha, através da casa de farinha que foi implantada na comunidade. A gente vende no povoado, no município e também já vendemos para o Pará, Goiás e Tocantins, a partir de nosso ingresso na Rede Mandioca. Isso já é uma visibilidade graças à ação da Rede. Antes a gente fazia cinco sacos [de 50 quilos] por dia, quando era manual, e hoje, com a casa de farinha, a gente passou a fazer 25 sacos por dia”, comenta o agricultor familiar Vando da Silva da Costa, de 28 anos, do Assentamento Alegre, no município de Riachão, sobre o crescimento da produção a partir do apoio e assessoria da Rede Mandioca.
“A Rede Mandioca, nesse período de pandemia, foi uma estratégia fundamental para que os grupos vinculados e apoiados por ela, através dessas iniciativas, atravessassem a pandemia em uma circunstância de maior segurança alimentar, com oportunidade de uma renda extra pela comercialização do excedente. Esse é o papel que a Rede Mandioca tem cumprido na vida desses agricultores, com essas estratégias que estamos criando de forma coletiva, com o fundo de crédito solidário, a pesquisa sobre o perfil socioeconômico, a distribuição gratuita de embalagens para melhorar a apresentação da produção para comercialização do excedente. A Rede Mandioca continua se ampliando, chegando a novas regiões, espalhando suas experiências, o que tem sido fundamental nesse momento quase pós-pandêmico, numa perspectiva de segurança alimentar, trabalho e renda, mas também nesse momento que o Maranhão atravessa tantos conflitos agrários. É fundamental definir e ressaltar a relevância desse papel da agricultura familiar, da permanência desses homens e dessas mulheres no campo, diante do avanço do agronegócio no Maranhão, dos conflitos agrários, assassinatos voltando com força, então a Rede Mandioca se apresenta como essa alternativa”, enumera Lena Machado, assessora da Cáritas Brasileira Regional Maranhão.
Os 26 grupos apoiados pelo Fundo de Crédito Rotativo Solidário acessam um crédito de entre três e 10 mil reais, e devolvem esse recurso ao fundo corrigido com um acréscimo de 4,5%, com carência de seis meses a um ano e meio, dependendo da atividade produtiva – um comitê gestor eleito entre os próprios membros dos grupos define as regras quanto a valores, prazos e carências. Tais regras, inclusive, foram atualizadas neste último encontro, em uma verdadeira lição de democracia, inclusão, participação e solidariedade.
Todos os grupos que acessam o fundo são filiados à Rede Mandioca, sendo signatários de sua carta de princípios, o que envolve produção de base agroecológica e fundada na economia popular solidária, além de formação, intercâmbios, feiras, venda direta, parcerias e projetos.
Atualmente a Rede Mandioca participou de um projeto nacional composto por 17 redes, com 28 grupos inscritos nesta iniciativa, que incluiu formações, intercâmbios, estudos de viabilidade econômica, logística e comunicação. Através do projeto Redes de Comercialização Solidária, executado pela Cáritas Nacional, foram disponibilizadas embalagens plásticas que favorecerão uma melhor apresentação na comercialização de produtos da agricultura familiar, como farinha de mandioca, mesocarpo de babaçu e polpas de frutas, entre outros.
Área de fruticultura irrigada no Assentamento Nova Descoberta, em São Raimundo das MangabeirasCasa de beneficiamento de mandioca no Povoado Mirindiba, em CodóComunidade do Assentamento Alegre, em Riachão, no mutirão do beneficiamento da mandioca na casa de farinhaPlantio consorciado na comunidade Riacho do Mel, em Vargem Grande
Representantes de grupos e comunidades transportando as embalagens plásticas recebidas
Estão abertas até domingo (10) as inscrições para o minicurso Design Que Marca para Artistas e Festivais, cujas aulas serão ministradas pela pernambucana Noelle Marão, designer, publicitária e artista visual pernambucana.
Com oito horas de duração, o curso será realizado em modo online, pela plataforma Zoom. As vagas são limitadas e destinam-se prioritariamente a artistas, músicos, empresários, designers, estudantes e demais entusiastas do mercado da música. As inscrições são gratuitas e o evento é realizado com recursos da Lei Aldir Blanc de Emergência Cultural.
“Percebo que muitos artistas e músicos são carentes de informações sobre como funciona a construção de imagem, o que é branding, design e identidade visual e como cada coisa se relaciona. Há também uma crença muito forte de que apenas a música torna o artista reconhecido, e não é bem assim. Existe todo um trabalho por trás, vários processos importantes que precisam ser pensados e executados para que este artista mostre seu diferencial e se torne reconhecido pelo público. Neste minicurso, pretendo mostrar por que o design é um fator essencial nessa construção de imagem e marca artística”, comenta Noelle Marão no material de divulgação distribuído aos meios de comunicação.
O minicurso é dividido em quatro aulas, que serão realizadas de segunda (11) a quinta-feira (14) da semana que vem. Entre os conteúdos abordados estão história do design, impacto do design gráfico no mercado fonográfico, conceitos do branding, identidade visual, estratégias de marketing e assessoria de comunicação.
Além de Noelle Marão, o curso contará com as presenças e contribuições de Marah Rúbia (produtora de eventos e assessora de comunicação da Soplar Produções), Marcilio Moura (produtor de eventos e A&R do Fábrica Music) e Fábio Cavalcante (Articulação Musical Pernambucana).
Obviamente ela não é São Francisco de Assis, tampouco devota, mas destina especial atenção a plantas, cachorros e passarinhos, que cria soltos, vindo estes pousar e bicar em bebedouros que pendura nas janelas do apartamento – conversa com todos eles.
A que, com apreço especial pelo rock’n’roll desde a infância e juventude, em parte passadas na Itália, tem se descoberto igualmente apreciadora de música popular brasileira, com predileção pelo “Clube da esquina”, o disco que Milton Nascimento e Lô Borges lançaram juntos em 1972 – e especialmente pela canção “Um girassol da cor de seu cabelo” (Lô Borges/ Márcio Borges), disparada sua preferida no universo comumente envolvido pelo rótulo MPB –, e por Vanguart, discos que invariavelmente cata em meio à minha (hoje nossa) modesta coleção e bota para tocar por iniciativa própria.
A que, aqui e acolá, se pega cantarolando “quando cheguei, tudo, tudo, tudo estava virado/ apenas viram, me viram” e eu boto todo o “Acabou chorare” (não por acaso lançado no mesmo ano do “Clube da esquina”) para tocar, enquanto lembro que foi isso mesmo: “quando vi você me apaixonei”.
A que às vezes devora livros e HQs que me chegam antes mesmo de eu conseguir folheá-los. A perfeccionista que nunca consegue fazer uma única foto ou sempre acha que um vídeo pode ficar melhor – eu, geralmente sem paciência, quero sempre enviar o primeiro, por força de algum compromisso profissional.
Ano passado, no dia de seu aniversário, estávamos confinados, naquele que até então achávamos que seria o momento mais difícil da pandemia. Escritórios armados em casa, entre trabalho, testes de receitas e muitas fotos das experiências em grupos de família, “loucura, chiclete e som”.
Um ano depois, cá estamos nós, quase na mesma, talvez um pouco mais experientes, sem dúvidas mais conscientes das escolhas que fizemos e fazemos cotidianamente: das séries que maratonamos no streaming a questões menos prosaicas, o equilibrar-se no slackline das finanças.
Mas “o novo sempre vem” e eu espero que o “compositor de destinos” nos permita todos os aniversários juntos e a possibilidade de comemorações menos restritas.
De den’do hospital ela me fotografa à sua espera. Foto: Guta Amabile
Um segurança do hospital impediu minha entrada, em nome das restrições impostas pela prolongada pandemia. Fiquei do lado de fora, em pé, envergando o tijolo “Menino sem passado”, do Silvano Santiago. Havia cadeiras vazias, que o distanciamento social e as marcações recomendavam não usar. Encostei-me no corrimão da rampa por onde sobem veículos e pedestres e lia, enquanto táxis, ubers, carros de passeio e ambulâncias deixavam e levavam passageiros e pacientes.
Um homem cuja idade era difícil precisar, trajando máscara, camisa do Flamengo e luvas, entregou-me um papel. Desavisado, peguei, mesmo contra a recomendação dos protocolos de segurança sanitária. Interrompi a leitura para ler: era um apelo para ajudá-lo a construir sua casa, ele, mudo de nascença, como dizia no pequeno pedaço de papel, como aqueles que inspiraram Valêncio Xavier em “Rremembranças da menina de rua morta nua e outros livros”. Indicava os valores de um, dois ou três reais para a contribuição. Enquanto ele distribuía e recolhia dos outros acompanhantes, devolvi-o quando de sua passagem, sem colaborar. Eu realmente estava sem trocado nem lenço, nos bolsos só havia documentos.
Uma senhora encostou a meu lado, aproveitando uma pausa na leitura para checar o celular. Por ele me comunicava com ela, lá dentro fazendo os exames. “Seu celular faz ligação para qualquer operadora?”. “Sim”, respondi imediatamente, me arrependendo tão ou mais rápido e pensando: “ela vai pedir o celular para ligar para alguém e eu vou ter que pegar de volta, sem álcool em gel. E se ela estiver com covid?”, perguntei-me, paranoico – ou não. Bingo! “O senhor pode fazer uma ligação para minha filha? É para ela pedir um uber pra mim, eu saí de casa e esqueci o celular”. Já ia entregar-lhe o aparelho quando ela mesmo sugeriu: “o senhor mesmo liga” e me deu o número e o nome da filha. Liguei um par de vezes e em ambas a ligação caiu na caixa postal. “A senhora vai pagar o uber em dinheiro?”. “Sim”. “Posso pedir um para a senhora”, ofereci-me, no que ela concordou, me passando o endereço. Aguardamos o carro, de que lhe indiquei modelo, cor e placa, apontando-lhe quando ele chegou. Ela agradeceu e me estendeu um papel, com 50 centavos. “Se o moço aparecer o senhor entrega para ele”, pediu e me agradeceu mais uma vez. Fiquei vendo-a pegar o uber de volta para casa com o marido adoentado e esperei mais um pouco por ela, que terminava de coletar sangue para os exames.
O homem não voltou e não o alcancei, mesmo lançando meu olhar a 360 graus, procurando-o. Quando ela saiu, descemos a rampa até onde o carro estava estacionado. Coloquei o papel amarrotado no bolso de trás da calça idem e paguei o flanelinha com os 50 centavos. “Obrigado e vá com Deus!”, ainda consegui ouvir antes de subir o vidro da janela e ela ligar o rádio.
Trago ao blogue este quadro do Balaio Cultural, programa que apresento aos sábados com a queridamiga Gisa Franco, na Rádio Timbira AM (1290KHz).
Fariam aniversário hoje:
Joseph Goebells (1897-1945), ministro da propaganda de Adolf Hitler na Alemanha nazista, cuja frase “uma mentira dita mil vezes torna-se verdade” ajuda a compreender um pouco o atual triste estado de coisas brasileiro;
O compositor Nelson Cavaquinho. Foto: reprodução
Nelson Cavaquinho (Nelson Antônio da Silva, 1911-1986), gênio, cujos versos “o sol há de brilhar mais uma vez/ a luz há de chegar aos corações/ do mal será queimada a semente/ o amor será eterno novamente” nos ajudam a ter esperança de um país e uma sociedade melhores;
e Moa do Katendê (Romualdo Rosário da Costa, 1954-2018), capoeirista baiano, brutal e covardemente assassinado por um bolsonarista após o primeiro turno das eleições de 2018.
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Ouçam Juízo final (Nelson Cavaquinho/ Élcio Soares), com Nelson Cavaquinho:
Ouçam Badauê (Moa do Katendê), com Caetano Veloso:
No editorial do número 2 da Mais55Mag, o jornalista Ronaldo Bressane escreveu uma verdadeira declaração de amor às revistas – “Revista nunca enguiça. É só não encher linguiça”, o texto, está reproduzido em seu blogue.
Longe de comparar a minha à de Umberto Eco, citado no início do aludido texto, estes dias, arrumando o quarto do apartamento que chamamos pretensiosamente de biblioteca, deparei-me com algumas revistas. Confesso não colecioná-las, em geral leio e passo adiante, ao menos a maioria, ao contrário de livros e discos, mas guardo aqui e acolá, um ou outro exemplar, por algum motivo especial.
Os exemplares da Helena, publicada pela Biblioteca Pública do Paraná, os poucos números da Pitomba!, a saudade da Coyote e da Trip que encartava cds, uma ou outra Cult, piauí, CartaCapital, Caros Amigos, serrote, Zum! e os quadrinhos: Chacal, Ken Parker, Tex Willer.
Este, meu vício mais antigo: leitor compulsivo há mais de 30 anos. Sempre comento que minhas primeiras idas a sebos foram no extinto Papiros do Egito, da saudosa Moema de Castro Alvim, à época na Rua dos Afogados, quando meus pais se separaram e eu e meus irmãos fomos morar no Centro, com mamãe, na Rua de Santaninha – em um rápido L percorríamos o trajeto de casa até o sebo, onde comprei meus primeiros vinis dos Beatles.
Mas antes, ao lado da parada de ônibus do antigo Armazém Alencar Diamante (“é diamante que nem ladrão acaba”, lembram do reclame?), na calçada de onde hoje funciona a Estácio São Luís (Rua Grande, Canto da Fabril) em que estudei, havia um sebo – para mim, à época uma criança, uma imponente banca de revistas onde era possível trocar, além de comprar.
Levei alguns gibis da Turma da Mônica e troquei por exemplares de Tex – numa base mais ou menos de dois por um –, que eu havia começado a ler um pouco antes, por ter achado uma velha coleção de meus tios.
Colecionei Tex enquanto pude e um de meus orgulhos era o exemplar coincidentemente intitulado “A carta misteriosa”, que trazia uma carta de leitor assinada por este que vos perturba, com o endereço rosariense de meus avós. Eu perguntava algo como o porquê de Tex e Carson se zoarem tanto – camelo velho, satanás etc.
Colecionei Tex até uma desilusão causada por cupins: eles comeram mais da metade de minha coleção e, num gesto impetuoso de desapego, vendi num sebo (talvez o Rui, na Praça Deodoro) os exemplares que restaram. Passei um tempo afastado e só fui me reencontrar com o ranger após a leitura de Breganejo blues – novela trezoitão, de Bruno Azevêdo, cujo protagonista é um taxista/detetive leitor compulsivo do herói, que tem alguns quadrinhos usados na composição gráfica da obra.
Mas devo admitir e advertir o paciente leitor: este texto não era para ser uma declaração de amor a Tex, mas a revistas em geral.
O fato é que há algum tempo minhas revistas prediletas têm tido certa dificuldade em chegar às bancas da ilha. Só tenho conseguido ler Tex em exemplares usados adquiridos em sebos. CartaCapital, piauí e Cult, entre outras, nunca mais vi, nem folheei, já só ouço falar.
Quando vi circular pelas redes sociais a capa do exemplar de agosto da última, com o poeta Paulo Leminski na capa, corri às bancas, numa missão sem sucesso, ao menos até agora. Nada substitui o prazer de ir até às bancas, embora elas sejam cada vez mais raras e assinar pudesse ser uma saída (sobretudo em tempos de pandemia), mas algumas editoras não facilitam a vida do assinante (ou pretendente), seja em termos de parcelamento ou de bancos conveniados.
Nem sempre é fácil manter os vícios antigos, tarefa que “me enche de alegria e preguiça”.
Familiares e amigos/as presentes ao parabéns virtual. Captura de tela. Reprodução
Um passarinho pousou e o outro ficou olhando, nem de perto nem de longe, mas certamente desconfiado. “Essa água é boa?”, perguntou o segundo. “É sim, pode confiar, pode vir”, respondeu o que já se esbaldava, matando a sede numa tarde “quente pra caralho”, como diria o poeta Celso Borges, sobre qualquer tarde em São Luís do Maranhão.
A história dos passarinhos, com o diálogo e a dramatização dos mesmos, quem me contou foi minha namorada, com quem tenho me alegrado ao ver os passarinhos pousando para beber a água – água que passarinho bebe, pura, sem qualquer adoçante, para o bem da saúde dos beija-flores e outros que têm aparecido – em uma flor de plástico que dependuramos na janela da sala, antes de a quarentena não mais nos permitir sair para comprar supérfluos.
Se o “papo de passarim” (evoé, Zé Renato e Xico Chaves!) foi real ou é invenção de sua imaginação fértil não sei dizer. Mas atesto a veracidade mesmo sem tê-lo ouvido – eu não estava na sala quando se deu e temos falhado sistematicamente na tentativa de fotografar algum passarinho bebendo água.
Compartilho esta história da intimidade da quarentena por que hoje é aniversário de Guta Amabile, companheira que me adoça a vida com esse tipo de delicadeza e o mel de seus olhos, que me fazem passarinho sempre embriagado de beber em sua flor.
Insisto em falar em quarentena não para dar um tom melancólico ao texto – do piegas, impossível escapar –, mas para dizer o quanto tem sido um período de aprendizado e ressignificação: escrevo esta espécie de declaração de amor em prosa enquanto asso um bolo de maçã no forno.
Em tempos de normalidade, muito provavelmente teríamos comprado um bolo num supermercado, panificadora ou coisa que o valha. Ou seja, a quarentena tem nos tornado uma espécie qualquer de artesãos nas mais diversas especialidades. Como li outro dia numa rede social: uma geração de chefs está surgindo. Certamente há gente pirando, sem saber lidar com a situação, como li, também outro dia, também numa rede social: vai ser good vibes assim no inferno! Como tudo na vida, cada um lida de uma maneira, da maneira que quer ou que pode.
Obviamente este 5 de maio não saiu como o planejado, mas o que saiu como tal neste 2020 cujo roteirista está caprichando nas surpresas? Lógico que eu adoraria, após nossos expedientes e a aula dela, passar para parabenizar pessoalmente minha sobrinha Mayara, que também aniversaria hoje e, na sequência, encontrar parentes e amigos num bar. Mas termos que nos virar em casa mesmo não significa que o natalício dela tenha sido cercado de menos amor e carinho.
Pela manhã, por exemplo, conseguimos reunir virtualmente alguns parentes e amigos, entre os que iriam ou não ao bar, por um motivo ou outro. Entre os “parabéns a você” e sinceras declarações de afeto, vi a emoção em seu sorriso e me emocionei como se fosse meu próprio aniversário – mas a este cronista, no rumo dos 40, basta um por ano.
“A vida é a arte do encontro”, viva Vinícius, que certamente ergueria o copo, saudando-nos com um brinde e desejando felicidades, após ouvir a história de como nos conhecemos, provavelmente contada conosco sentados às mesas na mesma calçada em que a vi pela primeira vez, quando noutra tarde quente de domingo, vi-a passar, como se desfilasse e transformasse a Godofredo Viana numa passarela, ela desde então miss universo de meu coração.
Foto: Zema Ribeiro
Obra do acaso, este deus que nos rege desde então, hoje um camaleão po(u)sou na árvore que contemplamos “da janela lateral do quarto de dormir” (Lô Borges e Fernando Brant). Se ainda não tivemos sucesso em fotografar as avezinhas, com o réptil a história foi diferente.
Em tempo: o dia ainda não acabou, mas hoje já ouvimos duas vezes o Clube da esquina (1972), o antológico encontro de Milton Nascimento, Lô Borges e toda a patota mineira que deu nome ao disco e ao “movimento”, que tem sua música predileta na história da música popular brasileira: Um girassol da cor do seu cabelo (Lô Borges e Márcio Borges).