Um homem plural

Tião Carvalho conversou com exclusividade com o JP Turismo, aproveitando sua passagem por São Luís, onde realizou diversos shows na temporada junina.

TEXTO E RETRATO: ZEMA RIBEIRO

O maranhense Tião Carvalho não cursou faculdade, mas hoje em dia entra em universidades para dar aula. Com quase 40 anos em São Paulo e mais de 30 de Grupo Cupuaçu, o artista nascido em Cururupu José Antonio Pires de Carvalho consolidou-se como um embaixador da cultura maranhense em outros cantos do país e da cultura brasileira em outros cantos do mundo.

Ele ganhou o apelido Tião nas peladas da infância, jogadas na Praça Odorico Mendes, no centro de São Luís, pela semelhança física com um jogador do Atlético Mineiro da década de 1970.

Tião Carvalho esteve em São Luís, onde realizou diversos shows na temporada junina. Aproveitando sua passagem, conversou com exclusividade com o JP Turismo.

JP Turismo – Qual o teu balanço do São João? E qual o sentimento de voltar à terra natal, reencontrar os conterrâneos?
Tião Carvalho – Eu venho, moro em São Paulo, fora do Maranhão, se a gente quiser arredondar, fala em 40 anos. Eu saí daqui no ano de 1979. Eu sou vidrado nisso aqui, eu venho para o Maranhão por vários motivos e esse período eu dou graças a Deus que eu posso vir ao Maranhão, eu vejo outros amigos, a gente fica muito distante. Essa questão joanina tem muito a ver com minha família, eu sou filho de cantador de boi, essa tradição está na pele, no espírito. Eu vindo trabalhar, encontrar pessoas, poder trazer minha mensagem para esse público maranhense é muito legal.

A Renata Amaral, baixista que já tocou com você, acabou de lançar um documentário sobre o mestre Humberto [Guriatã]. Você viu o filme?
Ainda não. Conheço a ideia do projeto, a relação de Renata com Mestre Humberto, como era também com Pai Euclides, foi interessante esse tempo de ela focar nessas duas fontes, dois grandes mestres, grandes sensibilidades dela, isso também faz parte desse intercâmbio. Ela veio para cá várias vezes tocar comigo, a gente ainda toca em São Paulo, hoje menos. Hoje a minha baixista é a Thamires, que está morando em São Paulo. Eu gosto muito dessa energia feminina em minha banda, dessa mistura em minha banda, ter homens, mulheres, negros, brancos, isso é pensado, não é por acaso. Eu gosto disso, dessa miscigenação, essa força.

E o Cupuaçu? Segue firme e forte? Como é conciliar o grupo com tua carreira solo? De algum modo é o grupo que te deu reconhecimento.
Agora ele vai ficando mais tranquilo, o que acontece: nesses 30 anos você vai formando outros mestres, outros cantadores, o Henrique Menezes, que é daqui da família Menezes, da Casa Fanti Ashanti, chegou em São Paulo garoto, colou comigo graças a Deus, hoje em dia assume a brincadeira quando eu estou viajando, a Graça Reis é uma pessoa que a gente divide essa liderança hoje em dia, ela também com essa força da energia feminina que a gente respeita muito, minha irmã Ana Maria Carvalho, cantadeira, cantora de bumba meu boi, compõe, meu filho Yuri já canta, Alfredo Ramos. Tem toda uma turma que foi do Maranhão e se consolida em São Paulo. Claro que enquanto eu tiver vida e saúde eles vão querer minha presença, mas o Cupuaçu é uma escola, hoje em dia eu viajo mais tranquilo, tanto no Brasil, quanto no exterior, sabendo que o grupo vai continuar.

E o festival de que você vai participar em Goiás?
O show no 18º. Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros [de 13 a 28 de julho] é dia 25, uma quarta-feira. Eu vou dar oficina de dança, já estive lá este ano. É um festival de São Jorge, a cidade, é um festival tradicional na Chapada dos Veadeiros. É a segunda vez que estou indo para o festival, eu fui há 10 anos. De lá eu vou para Pirinópolis, depois vou para Goiânia fazer show, depois volto para São Paulo. Segunda-feira agora, dia 16, estou indo fazer um show num congresso de antropologia, convidado por minha comadre, professora, Paola Gebran, pianista e tecladista, que toca comigo na minha banda. Minha vida é isso aí, uma árvore com muitos galhos e que dá frutos diferentes.

Uma árvore sui generis. Quase 40 anos de São Paulo, só voltando aqui a passeio. O que te levou até lá? Quando você foi, você já tinha se descoberto artista ou se descobriu lá?
Já. Lá eu só vi acentuar essa questão. Eu já nasci com essa sina viajeira, quando eu era criança eu já tinha esse espírito. Eu jogando futebol, os técnicos já me davam a braçadeira. Meus mestres de bumba meu boi, tambor de crioula, capoeira, já apostavam em mim como líder desde criança. Isso eu já tinha. Vir aqui não é bem passeio, eu tenho obrigações de vir aqui, religiosas, sociais, culturais, políticas. Eu sinto que preciso vir e o Maranhão também precisa que eu venha.

Isso com certeza! Por falar em questão política, como você observa o cenário brasileiro após a retirada de Dilma do poder e da assunção de Temer?
[Pensativo] Eu vejo que tem algo aí temeroso nesse sentido. Mas o nosso Brasil vem de muito longe, e a gente, cada momento, tem algo que está em evidência. É muito complicado. Ao mesmo tempo a gente tem a memória curta. É complicado de falar, muitas das vezes existem gêneros, classes sociais, povos, raças do Brasil que são mais perseguidas que os outros. Muitas pessoas podem falar o que quiser e elas passam batido. Eu, corre o risco de abrir a boca e passar a ser um dos perseguidos, e aproveitarem a mim para poder amedrontar outros, como no caso de Marielle [Franco, vereadora carioca assassinada há quatro meses].

Você está falando isso particularmente por ser negro?
Claro! Eu sou negro. Se acontecer alguma coisa comigo, em um mês já esqueceram. Quem que fala aqui do Gerô [o artista popular Jeremias Pereira da Silva, assassinado por policiais militares em 2007]? De Mãe Mukumby, minha mãe de santo lá de Londrina, que foi morta no terreiro dela, a facadas. Ninguém fala, sai uma notícia no Brasil e ninguém falou mais, entendeu? Que bom que você está registrando. Eu estou com 63 anos, eu poderia dizer, bem vividos, jogo futebol, jogo capoeira, canto, ando a pé, entro e saio de todos os lugares do Brasil, tanto os mais simples aos mais sofisticados. Eu tenho que ter muito cuidado ao falar. Eu sinto isso. Tem 10 pessoas falando, aí de repente: “escolhe aquele”, pra poder amedrontar os outros.

Você considera que a gente vive uma ditadura, um estado de exceção, hoje, no Brasil? Isso justificaria teu temor em falar.
Eu coloquei para você exemplos. Quando é alguém de família tradicional que fala, ficam com mais medo de mexer. Eu lembro que estava assistindo ao filme Eles não usam black-tie [dirigido por Leon Hirszman, baseado na peça de Gianfrancesco Guarnieri], os caras estão reunidos e o cara fala fazendo aquele movimento: “o negrão, o negrão”, e o cara, “pá!” [imita o som de um tiro, com a mão imitando um revólver], entendeu? É um pouco isso. Quem calça o sapato sabe onde aperta, quem mora em casa sabe onde chove, minha avó já falava isso pra nós.

Como você avalia o governo Flávio Dino?
O que chega para nós lá em São Paulo é que nas pesquisas ele é o governador número um. A gente vem aqui pra ver, eu torço pra que isso cresça. O que ele precisar de minha ajuda, ele terá. A primeira questão é o Maranhão em si, nosso estado, nosso povo. Que Deus abençoe a gestão dele, eu torço para que a gente continue levando o Maranhão em frente.

Projetos de novos discos?
40 anos de carreira. Muitas vezes a gente faz aniversário na segunda e comemora no sábado, então tem um pouco isso. Os 40 anos de carreira eu já fiz, mas muitas vezes é preciso lidar mais com sentimento que com números. Eu fecho o ciclo de outra forma. Ainda não está definido o repertório, mas já estou trabalhando com alguns parceiros.

E o Cupuaçu?
A gente acabou de recopiar os dois cds [Toadas de bumba meu boi e Todo canto dança], estamos vendendo, e nos preparando, organizando para fazer um outro trabalho. Mas isso não é pra agora.

O Criolina [Alê Muniz e Luciana Simões] usou A mulher mais bonita do mundo [música de Tião Carvalho] como incidental em A menina do salão [faixa de Radiola em transe]. O que você achou?
Muito bom! Adoro eles. Fiz o carnaval com eles, vi começarem, são meus parceiros há muito tempo, tenho o maior carinho e respeito por eles.

[publicada originalmente no JP Turismo, Jornal Pequeno, hoje]

3 respostas para “Um homem plural”

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