Para Bruno e Reginho, grávidos, pais um pouco diferentes dos retratados nas tiras acima. Do Allan Sieber, que estará na 7ª. Feira do Livro de São Luís, debatendo “quadrinhos e transgressão”. Autor de quadrinhos, cartunista e diretor de animação, como se define no currículo, publica tiras na Folha de S. Paulo.
O poeta e tradutor Rodrigo Garcia Lopes é mais um autor confirmado para a 7ª. Feira do Livro de São Luís. Ele participará de um recital, ocasião em que lançará seu novo disco, Canções do Estúdio Realidade, e do Café Literário, quando debaterá com o escritor Reuben da Cunha Rocha o tema Tradução é traição?
Lopes já lançou o disco Polivox (poemas com trilhas, 2001) e os livros de poesia Nômada (2004), Visibilia (1996, 2004) e Solarium (1994), entre outros, além de Vozes e visões – Panoramas da arte e cultura norte-americanas hoje, que reúne entrevistas dele com Allen Ginsberg, Chick Corea, John Cage e William Burroughs, para citar apenas alguns. É dele também uma elogiada tradução de Folhas de relva (2004), de Walt Whitman. Lopes traduziu ainda Ariel (2007), de Sylvia Plath (com Cristina Macedo), e Iluminuras (1996), de Rimbaud.
Confiram o clipe de New York, de Canções do Estúdio Realidade.
Este blogue voltará a trazer novidades da 7ª. Feira do Livro de São Luís, com periodicidade de-vez-em-quandal. Acompanhem!
Neste sábado (20), às 18h, o escritor Bruno Azevêdo lança A intrusa [Pitomba/ Beleléu, 2013]. A noite de autógrafos acontecerá na livraria Leitura, no Shopping da Ilha. O livro, originalmente publicado em capítulos no jornal Vias de Fato, recria as tramas eróticas de romances de banca, encontrados por quilo em sebos, como Barbara Cartland, Bianca, Julia e Sabrina. Escrevi sobre aqui.
Promoção: deixe sua resposta para a pergunta que ilustra este post aí embaixo, na caixa de comentários. A que o blogue achar melhor leva um exemplar dA intrusa. Só valem respostas deixadas na caixa de comentários deste post até sexta-feira (serão desconsideradas respostas, ainda que criativas, engraçadas etc., deixadas nos comments de outros posts, facebook etc.). Sábado de manhã o resultado, por aqui mesmo.
A intrusa, de Bruno Azevêdo, presta homenagem crítica aos romances femininos de banca. Livro foi publicado em capítulos no Vias de Fato
POR ZEMA RIBEIRO
O Vias de Fato nunca temeu dar a cara pra bater. Assim foi, quando, finzinho de 2011, começo de 2012, resolveu ceder uma página sua à publicação de A intrusa [2013, 160 p., R$ 20,00], folhetim de Bruno Azevêdo que agora virou livro através de sua editora Pitomba (em coedição com a carioca Beleléu), que inventou para se publicar. “Só me tornei editor por que não arrumei um!”, já disse o autor em texto na imprensa local (Suplemento Cultural e Literário JP Guesa Errante, Jornal Pequeno, 30 de junho de 2012).
A capa, em tons de rosa, com duas mulheres nuas na cama e um quinto braço a apalpar o corpo de uma delas, por sobre o título em tipologia inspirada em clássicos femininos de banca a exemplo de Barbara Cartland, Bianca, Julia e Sabrina, anuncia: “Uma envolvente história de amor, da qual nenhuma leitora sairá sem um suspiro, um momento qualquer de elevação ou um fugaz sentimento de pertencimento”. Ou como o autor – e faz-tudo na Pitomba – resume: “paixão e sedução para a mulher moderna”.
Se o jornal local – como apregoou outro jornal local, para não citar o nome do Vias de Fato em matéria sobre o livro – sofreu com as pedradas vindas de todas as direções – menos de um clube de reggae, assunto sobre o qual a Edufma publicou Onde o reggae é a lei, da jornalista Karla Freire, esposa de Azevêdo, com preparação editorial da Pitomba – o jornal não se acovardou e seguiu adiante, para ver onde aquilo ia dar, com o perdão do trocadilho. De um lado seus editores não tinham conhecimento do que aconteceria no próximo capítulo; de outro, o autor não sofreu qualquer influência com as opiniões que o jornal recebia de leitores e leitoras, fossem prós ou contra o folhetim.
Uma das ilustrações de A intrusa
Na contracapa, Xico Sá (autor de Modos de Macho e Modinhas de Fêmea e do Catecismo de Devoções, Intimidades e Pornografias, entre outros) reafirma o que já havia dito desde O Monstro Souza (2010), livro anterior de Azevêdo, sem contar a HQ Isabel Comics (2012), feita a quatro mãos com a esposa, retratando a vida de sua filha, dois aninhos recém-completados (o volume com as histórias do segundo ano deve ser lançado em breve, entre mil “projetos” – palavrinha surrada, mas vá lá – que ele desenvolve tudo ao mesmo tempo agora): “O monstro Bruno Azevêdo, este papaléguas, alcança, com este volume que ora lateja nas mãos da mulher moderna, a condição de nosso melhor escritor pícaro-mexicano. Que outro escriba seria capaz de erotizar o tilintar dos duralex? A pia de louça por testemunha de um tórrido amor engordurado”.
É isso mesmo e mais um pouco. Não julguem, ó apressados, ó apressadas, o autor de A intrusa por suas primeiras páginas, como o fizeram alguns leitores, algumas leitoras do jornal. Não é (só) sacanagem. O que faz A intrusa diferente dos títulos jogados às centenas mês após mês nas bancas de revista, dia após dia nos sebos?
“Pornografia é foder, foder, foder! Você abre uma porta, você fode; abre outra porta, fode. Você trepa com todo mundo! Isto é pornografia! Se houver amor, é erotismo”, como afirma Just Jaeckin, diretor de Emmanuelle, em uma das 12 epígrafes do livro, que manteve o texto original publicado no jornal – com uma revisão mais caprichada.
Bruno Azevêdo reprocessa o romance feminino de banca, apropria-se de sua gramática e o resultado é uma literatura que tanto agradará às costumeiras leitoras dos romances de banca típicos – cujos principais expoentes já foram apontados neste texto – quanto leitores e leitoras da chamada “alta” literatura, ou da literatura dita “séria” ou como se queira chamar qualquer literatura que não seja produzida em série – e em série podemos incluir os faroestes dos antigos bolsilivros (ainda circulam? Ou só em sebos?) como possível vertente masculina dos romances de banca (o que quase Bruno Azevêdo fez em Breganejo Blues – Novela Trezoitão, Pitomba, 2009). “Se o futebol é a telenovela do homem brasileiro, a telenovela é o futebol da mulher brasileira”, já rezava o saudoso Décio Pignatari.
Bruno Azevêdo escreveu um livro divertido, já lançado na Festipoa Literária, em maio, em Porto Alegre/RS, e este mês em São Luís, tendo por palco o salão de beleza e casa de depilação Dot Beauty. A obra, no entanto, não se encerra na diversão ou no erotismo puro e simples. Narrada em primeira pessoa por uma personagem sem nome, que se ocupa apenas de agradar a seu amado Wanderley. Ou simplesmente W, para as íntimas. Tanto agrada que aceita a intrusa, a personagem central, respondendo à pergunta feita nos primórdios do livro, “estará mentindo a mulher que disser nunca ter se perguntado: e se houvesse outra?”.
O século passado foi o auge da produção e venda em bancas do romance que ora Bruno Azevêdo reescreve, relendo, como ele mesmo indica em Seios túrgidos e membros intumescidos: sexo e literatura pornográfica para mulheres, longo artigo acadêmico que ele mesmo escreveu, provavelmente para tirar onda com a academia – e apresentou, já em 2013, em um Encontro de Estudantes de Letras, na UFMA. Assinado por Jessica Sweethorny, traduzido por Bruno Azevêdo. Ela é ele.
Vimos ou soubemos das conquistas que as mulheres tiveram num período da história recente – o autor de A intrusa é licenciado em História e mestre em Ciências Sociais pela UFMA. Se hoje em dia as mulheres já não precisam receber aulas de “prendas domésticas” ou se contentar com o piano para que se lhe aflore a feminilidade, enquanto espera “um homem pra chamar de seu”; se hoje em dia a maternidade é uma opção entre outras; se podem ter vários parceiros sem que na rua lhes apontem “a puta” ou coisa que o valha, por outro lado (vi)vemos a onda neoconservadora que assola o país, a reboque das cartilhas do politicamente correto imediatamente sacadas de qualquer carteira ou bolsa tiracolo ao primeiro sinal de qualquer ousadia que ameace a ordem vigente.
Antecipando-se a isso e à presença do deputado homofóbico e racista Marco Feliciano (PSC/SC) na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, Bruno Azevêdo apresenta aos leitores e leitoras um romance homossexual, com direito a discreta citação de There is a light that never goes out, dos Smiths na voz de Morrissey, seu vocalista gay. Mas isso de romance gay é diminuí-lo: A intrusa é uma história de amor. E da liberdade que o amor exige.
Está nO Imparcial de hoje (18). O Seminarista, o “novo” livro de Rubem Fonseca, lançado em 2009, sobre o qual eu mesmo escrevi no comecinho de 2010. O mestre já lançou ao menos dois livros depois deste “novo”.
Músico fará show autoral, passeando pelo repertório de Olho de Boi, Pedra de Cantaria e Tocantes, este último a ser lançado ainda em 2013
Aquarela da capa de Tocantes. Reprodução
Bancário de profissão. Músico de corpo, alma e vocação. Esta poderia ser uma boa definição – perdão da aliteração – para Gildomar Marinho, maranhense de Santa Inês que, por conta de um dos ofícios trocou o estado natal pelo Ceará onde atualmente finaliza seu terceiro disco, Tocantes (no soundcloud já integralmente disponível para audição e download), a ser lançado ainda em 2013.
O maranhense foi escolhido para encerrar com um show a programação do 11º. Salão do Livro de Imperatriz (Salimp), no próximo domingo (19). Gildomar Marinho (voz e violão) será acompanhado dos músicos Aziz (percussão) e Jr. Schubert (violino). Sua apresentação acontecerá na Arena Multicultural, às 21h, e como toda a programação do Salimp, tem entrada franca.
Gildomar Marinho fará um show autoral, mostrando músicas de seus três discos e inéditas. No repertório estarão músicas como Alegoria de saudade (de Olho de Boi, a estreia de 2009, que no disco contou com a participação da mineira Ceumar), Pedra de cantaria (faixa título do segundo disco, de 2010, parceria com o jornalista Zema Ribeiro) e Navegante (Erasmo Dibell), gravada por ele em Tocantes.
“Será uma honra voltar a cantar em Imperatriz, cidade na qual vim morar criança e onde aprendi meus primeiros acordes”, festejou o compositor, que conviveu, às margens do Rio Tocantins – homenageado por ele em música do primeiro disco –, com nomes consagrados da cena maranhense, entre os quais Carlinhos Veloz, Erasmo Dibell, Nando Cruz, Neném Bragança e Zeca Tocantins.
Tocantes, o disco que lança em breve, tem projeto gráfico ilustrado por aquarelas assinadas pelo músico, retratando manifestações da cultura local, a exemplo do bumba meu boi e tambor de crioula. O trabalho cita autores como Pablo Neruda (em Pé na estrada) e Fernando Pessoa (em Navegante).
“Como será também um momento de rever a família e os amigos, não descarto a possibilidade de algumas participações especiais no show”, revelou o músico, cujas filhas moram em Imperatriz. O elemento surpresa certamente também será um elemento da “diversidade cultural” que tematiza o Salimp. Diversidade não falta ao repertório de Gildomar Marinho.
[release que escrevi para o show que Gildomar Marinho apresenta domingo (19) no encerramento do Salimp]
[Entrevista que os autointitulados “los cachorros borrachos” fizemos e publicamos na edição de fevereiro do jornal Vias de Fato. Em 2013 vocês ainda vão ouvir falar bastante deste trio cá no blogue: Bruno Azevêdo deve lançar ao menos três livros (começando por A intrusa, cujo anúncio está aí na cabeça), Celso Borges lança O futuro tem o coração antigo e Reuben da Cunha Rocha estreia, tudo pela editora Pitomba]
Vias de Fato entrevista os editores de sua irmã, a revista Pitomba
Os editores da Pitomba: Reuben da Cunha Rocha, Bruno Azevêdo e Celso Borges
POR IGOR DE SOUZA E ZEMA RIBEIRO*
O jornal Vias de Fato e a revista Pitomba têm muito em comum. Feitas quase sem apoio nenhum, as publicações buscam, cada qual a seu modo, dar voz a quem não tem na chamada grande – e “séria” – mídia.
Juntas, as publicações editaram, entre o fim de 2011 e início de 2012, o livro Guerrilhas, coletânea de artigos que Flávio Reis, guru dessa galera, entre entrevistadores e entrevistados, infiltrou na imprensa, tradicional e alternativa, ao longo destes primeiros anos do milênio.
Pitomba e Vias de Fato incomodam. A primeira não toca em política, ao menos não de maneira convencional. É uma revista de poesia, artes gráficas, literatura e sacanagem, no dizer dos próprios editores, os ludovicenses Bruno Azevêdo, Celso Borges e Reuben da Cunha Rocha.
Na mais recente passagem do último por São Luís, Vias de Fato aproveitou para ir ao encontro deles. Era uma tarde cinzenta, a cidade de ressaca das chuvas e do carnaval. Mais que uma entrevista, um descontraído bate-papo dos repórteres do jornal com os editores da Pitomba.
Uma caminhada por algumas ruas do Renascença, os dois repórteres e o trio de entrevistados, antes de ligar o gravador e pedir emprestada a Bruno Azevêdo a máquina fotográfica que captou alguns momentos do encontro (as fotoscas são de Zema Ribeiro). Destino: um boteco próximo, encher os cascos que ele tinha no apartamento com a cerveja que regaria a conversa. De volta ao apê, misto de residência e editora, os melhores momentos do bate-papo.
ENTREVISTA: BRUNO AZEVÊDO, CELSO BORGES E REUBEN DA CUNHA ROCHA
Vias de Fato – Como foi que surgiu a ideia da revista?
Reuben da Cunha Rocha – Conheci Bruno na véspera de viajar [Reuben saiu do Maranhão para cursar Mestrado, primeiro em Santa Catarina, depois em São Paulo. Hoje está no Doutorado em Ciências da Comunicação da USP], começo de 2008. Nesse ano a gente conversou bastante por e-mail. Celso sempre foi um papo, de muitos anos. E aí tinha a história da Pitomba, da editora, que era uma discussão que tava rolando.
Celso Borges – A gente criticava o texto que Bruno fez [o Manifesto Pitomba, impresso nos livros que Bruno Azevêdo publicou por sua editora]. Ele é meio que um manifesto, é uma ideia de um texto… e aí, conversa entre a gente… vamos fazer uma revista? Eu sempre gostei de revista.
Reuben – Na verdade, a ideia de fazer revista, ela existe o tempo inteiro na cabeça de quem escreve, eu acho. Desde que me entendo por gente e converso com outras pessoas que escrevem, esse papo de “vamos fazer uma revista” sempre existiu.
Celso – E Bruno sempre trabalhou com fanzine.
#1
Vias de Fato – Todo mundo tem alguma experiência, ou com fanzine, ou com blogue, que é uma coisa menos palpável. CB com a [revista] Guarnicê [editada por um grupo de poetas que levava o mesmo nome] ainda na década de [19]80, na época mais novo do que vocês hoje.
Celso – Antes. O [grupo poético] Arte e Vivência, final dos anos 70, aquelas revistas dentro do saquinho. Então, eu faço revista, de estar envolvido, desde o final dos anos 70. Depois veio o [grupo] Guarnicê, depois teve a [revista] Uns e Outros [do grupo Akademia dos Párias]. Eu gosto, acho que a revista dá uma alegria, é muito prazeroso fazer. Agora o exato momento em que decidimos fazer, não lembro.
Bruno Azevêdo – Isso tava sendo discutido, “vamos fazer uma revista”, “vamos fazer uma revista” e rolaram várias coisas. Mas o negócio para mim, pelo menos até onde eu me lembro, virou uma coisa “vamos fazer” quando Celso e Reuben baixaram lá em casa com uma pilha de um metro de revistas de poesia, “ó, é isso aqui que a gente quer fazer”. E eles deixaram lá em casa e vazaram. Vocês lembram disso?! Um monte de revistas! [Enfático, gesticula com as mãos, para dar ideia da grande quantidade]
Vias de Fato – Nessa pilha de revistas, por assim dizer, as referências da Pitomba? O que inspira vocês em termos de outras revistas que já existiam, ou melhor, que continuam a existir?
Celso – A Coyote inspira a Pitomba, a Oroboro, a Medusa, puta que pariu! São tantas. A Nuvem Cigana é uma coisa linda.
Reuben – A Revista de Autofagia é uma coisa importante também.
Celso – Quando me mandaram por e-mail um fascículo, aquilo é uma coisa linda, bicho, um exemplar único [a revista Nuvem Cigana teve número único]. Só tem uma e lá estão Chacal, Haroldo [de Campos], Augusto [de Campos], Hélio Oiticica, Wally Salomão… toda aquela energia dos anos 70, bicho, aquela revista é linda. Fotos, intervenções, tipografias, tudo ali naquela limitação, quer dizer, a gente chama de limitação porque vê de hoje, com a tecnologia que se tem, mas as intervenções iconográficas, porra, tu é doido? Aquilo é uma referência máxima. Para mim é.
Reuben – Mas acho que uma motivação fundamental, pelo menos para mim, era a coisa da editora. Quer dizer, fazer uma revista com o nome da editora, que é uma forma da editora circular mais rapidamente do que a edição de livros, que, pelo menos na minha cabeça, seria uma coisa mais lenta do que a edição de revistas, que seria uma forma de fazer acontecer.
Celso – Eu acho que revista tem um coração coletivo, coisa que para mim é muito estimulante. Com uma revista você consegue não só motivar as pessoas que estão fazendo, mas ao seu redor criar uma alegria, uma motivação, um esperar por uma Pitomba nova, um esperar por uma revista nova, o que é que vem ali, que forma, que poema. Isso aí é muito mais que um livro, até. Você não espera um livro. Uma revista você espera, você acalenta: “qual vai ser a da próxima revista?”, ou então “posso mandar um poema para revista?”, “posso escrever pra revista?”. As pessoas também querem fazer parte, tem uma coisa de divisão que eu acho legal.
Vias de Fato – Porque tem isso de ser um espaço de publicar o material de vocês, quem faz poesia faz, quem faz tradução faz, quem faz quadrinhos faz, quem faz sacanagem faz. Mas tem o lance de publicar coisa dos outros e a revista não tem periodicidade, mas aí tem dois anos e cinco números, então mais ou menos um número a cada quatro, cinco meses. Mas isso não tá definido em lugar nenhum, acho que nem na cabeça de vocês.
Bruno – Não tem nada definido nessa revista em lugar nenhum, a não ser conteúdo. [risos]
Vias de Fato – Como é que vocês decidem o conteúdo e a hora de fazer uma Pitomba nova?
Celso – Rapaz, é uma guerra… É uma guerra… [risos]. É uma briga, porque tem uma série de coisas que trabalham contra a gente também, contra cada um de nós e contra nós três juntos, que é a vida que cada um leva, que cada um tem que pagar suas contas, cada um tem sua vida, cada um tem não sei o quê mais.
Vias de Fato – A questão geográfica atrapalha um pouco ou não? [Reuben mora em São Paulo]
Celso – Eu acho que a questão da operacionalização é uma coisa difícil, porque Bruno é um cara que trabalha em meio ao caos. Ele faz muita coisa ao mesmo tempo e a gente tem, eu tenho na minha relação com ele, eu tenho que ser um pouco assim…
Bruno – [interrompendo, enfático] Chato!
Celso – Eu tenho que hostilizá-lo, ele me hostilizar, porque é uma guerra, aí são três, mas a minha relação é mais próxima com Bruno porque ele está aqui e Reuben não tá, ele tá longe e então tem uma dificuldade.
Bruno – O trabalho de edição da revista é bem mais fácil que o de editoração da revista, que é até ela sair daquele computador bem ali [aponta para o cômodo do apartamento em que trabalha] para chegar no arquivo impresso. Isso é o mais traumático porque é o que demora mais.
Celso – A ausência de Reuben é sentida, não só por ser uma companhia, um cara que faz falta de estar junto, mas porque se senta eu, ele e Bruno numa tarde a gente já monta o esqueleto, entendeu? Agora eu ficando sozinho com Bruno, e Reuben lá, fica mais complicado porque tem uma dificuldade nessa operacionalização.
Reuben – Importa dizer que muito do trabalho recai sobre Bruno, porque só ele consegue diagramar a revista.
Celso – De texto, geralmente ele não quer se meter. [Irônico:] “ah!, eu não leio poesia” e não sei o quê mais, aquele negócio do rabicó do poema [gargalhadas gerais]. Isso eu divido meio com Reuben: “ah, tá ruim!”, “ah, tá legal!”, quando chega uma coisa com que ele concorda. Mas tem as discordâncias também, porque Bruno não quer ter o voto de minerva, ele se omite. Mas a distância de Reuben também faz com que surjam outras iluminações, coisas que ele descobre por lá, enfim.
Reuben – Mas o negócio de coletar material acaba cada um sacando o que acha interessante, ou pega e lembra alguém, se tem material suficiente para fechar as 44 páginas.
#2
Bruno – Tem coisas que pertencem e não pertencem ao que a gente imagina que a revista comporte. Nós três vamos te dar repostas diferentes sobre o que a revista comporta, mas no final das contas, esse lance que Reuben está falando da coleta, da cota, “pô!, isso daqui vai ficar massa” ou “isso daqui não ia ficar massa”, ou de repente tem um cara que nós três conversamos, que a gente acha uma inteligência, por assim dizer, que poderia estar por aí, tipo o [poeta Fabiano] Calixto, agora nessa última edição que saiu, que é um cara massa e blá blá blá, que está fazendo coisas legais e não sei o quê.
Celso – A gente fica naquela coisa, de abrir a revista, porque a princípio pensou em fazer um negócio de escritores do Norte e Nordeste, ou que estando fora, atuem nesse circuito. Eu já penso que pode abrir e sair um pouco desse sufoco, de que não necessariamente sejam artistas do Norte, mas tem um conceito que a gente não tem mais certeza se continua ou não.
Reuben – Nunca conversamos sobre isso com o passar do tempo. Isso foi posto inicialmente, e eu com o passar do tempo passei a achar que é um conceito armadilha.
Vias de Fato – De repente colocar alguma coisa que possa “despitombar” a revista?
Reuben – Que pode ser bom. Na verdade a gente fica naquela de ficar cavoucando nessa história de Norte e Nordeste e isso servir para legitimar uma ideia de folclore, regionalismo ou panela, de ter que colocar o cara porque ele é nordestino. Então para mim é a mesma questão de colocar gente do sul ou de qualquer lugar e ver que, pera lá!, isso não tem nada a ver.
Bruno – A própria ideia de fundar a editora é porque, num determinado momento, depois de fazer zines e livros, eu percebi que estava completamente marginal, fora do mercado. No final das contas tinha só eu lá dizendo “olha meu livro!, olha meu livro!” e que coisa antipática! A editora impessoaliza, parece uma instituição. Então, o critério para mim parece muito mais: esse sujeito aqui não consegue espaço; é bom e não consegue espaço em algum outro lugar. Porque, porra!, na prática você sabe que se mandar o original para 20 editoras, nenhuma vai te responder. Nenhuma mesmo! A maioria delas, na hora que tu abres o negócio [site], “não recebemos originais, exceto do Paulo Coelho”. Ou se tiveres uma indicação de dentro. Então, nesse aspecto, quando tu estás geograficamente distante, aí o critério geográfico é legítimo, tu não consegues existir, porque tu só consegues mesmo ter acesso a esses caras quando tu conheces alguém, e tu só conheces alguém numa mesa de bar, num lançamento e alguma coisa assim. De outra forma tu não existe, pô! Tu não existe mesmo.
Celso – Tem um elemento na revista que eu acho que não devemos abrir mão, embora seja uma característica e um traço que incomode muita gente, que nós temos essa coisa da despersonalização: as revistas não só não têm um nome na capa, como ela não tem o nome de quem escreve na capa e isso irrita muita gente. Mas esse retorno é pequeno, em todos os sentidos. Então eu acho que tem que manter o atrito, é uma característica da revista. Isso a gente não tem que abrir mão, nem é essa coisa do atrito, é a coisa da irritação mesmo.
Vias de Fato – Eu acho que é a única revista que não tem o nome na capa.
Bruno – É, porque se colocar o nome vai ter que colocar junto “revista de literatura contemporânea brasileira”. Imagina que coisa ridícula…
Celso – Ia ter que fazer editorial como se fosse um slogan, como se fosse uma frase.
Vias de Fato – A propósito, o primeiro editorial de vocês é muito marcante, e eu acho que dá um pouco a ideia, além dessa coisa toda de despersonalização e talvez um pouco de não se levar a sério, eu não sei bem se é isso ou se é só isso, mas o lance do “quer fazer faz” [este, o texto do editorial], já que vocês não têm apoio ou os apoios que têm são pequenos, não cobrem a edição, o negócio sai do bolso mesmo, o lance de não ficar só reclamando, que “o poder público não me apoia”, que “a iniciativa privada é tímida”, isso e aquilo, então é aquela coisa de botar o bloco na rua.
Reuben – A prática é ficar 40 anos esperando até alguém reconhecer que eu sou um bom artista e tem interesse em… [se interrompe] Isso não vai acontecer! Não vai acontecer mais em lugar nenhum, isso acabou, é coisa de até metade do século XX e quem não sacou isso daí, não vai rolar mais nada, entendeu? [risos]. Então, não é uma reação à falta de apoio, é uma reação à mentalidade que espera apoio. Nós não temos apoio, portanto faremos. Porque raios a gente vai esperar apoio se a gente quer fazer o negócio e o quê que isso tem a ver com o Estado?
Bruno – Os meios são completamente democratizados, digo os meios, as ferramentas, nós somos pessoas adultas, conseguimos excedentes com o nosso trabalho que dá pra fazer essa porra, então que diabos a gente vai ficar esperando uma secretaria abrir um edital?
Vias de Fato – Mas vocês entrariam num edital?
Bruno – Eu não! A revista não. Não mesmo, cara.
Celso – A gente não botou nem o nome na revista, vai botar o logo de uma fundação ou sei lá… É uma questão de postura mesmo, eu acho que tem que ter um distanciamento, eu acho que eventualmente, não com a revista, mas você pode, como escritor, fazer parceria com o poder público em algum momento, ou como poeta ou como artista subir num palco. Eu já fiz isso. Nenhum livro meu tem um carimbo de uma secretaria de cultura ou fundação cultural. Não vou dizer que nunca vai ter isso, eventualmente pode até ter, mas dentro de mim eu me sentiria um pouco constrangido com aquilo. Eu prefiro não ter, eu acho que o artista tem que manter um distanciamento. Ele pode eventualmente até fazer parceria com o poder público, mas ele tem que manter o poder público como um inimigo, como um cara que não deve se aproximar muito. Eu acho que é ele que não deve se aproximar muito para que não seja atraído, sei lá como é que se pode dizer isso, a gente trabalha com mais autonomia, trabalha com mais força para dizer aquilo que quer porque o poder público, ele vai calar você.
Bruno – Tem a questão que o poder público é tudo, menos público. Ele é pessoalizado. Ele não é pessoalizado apenas ideologicamente, mas socialmente.
Vias de Fato – Não é querendo que vocês coloquem ou não uma logomarca, concorram ou não a um edital, recebam ou não recurso. O poder é pessoalizado e aí, tipo: se não tem a Pitomba recebendo verba pública, tem uma porcaria recebendo verba pública e difundindo arte e literatura de qualidade duvidosa.
Bruno – Por mim tudo bem, pra mim tá tranquilo. Eu acho que não devia ter verba pública investida em arte!
Celso – No caso aqui de São Luís é mais triste, não tem nenhuma revista do poder público! É triste! O poder público não faz uma revista de literatura. Podia juntar, fulano me dá um artigo tal, fulano me dá um quadro tal, mas ninguém tem é motivação. Eles não saberiam como administrar a divisão desse bolo. Como eles não podem contemplar a todos, só poderiam contemplar alguns, então eles decidem não fazer e não fazem.
Bruno – Pois é, porque não haveria nenhum critério estético, haveria um critério de geração, de subservilismo [sic].
Celso – Em Natal, por exemplo, existe revista do poder público.
Bruno – Tem aquela revista da Biblioteca Pública de Curitiba.
Vias de Fato – [O jornal] Cândido. Cândido é lindo! [A revista] Helena e tal, que é dessa grossura [gesticula com os dedos], que é da biblioteca também.
Reuben – Tem um uma coisa interessante nesse negócio de edital no Brasil, que é por meio deles, especialmente da Petrobrás, que se tem conseguido que o artista se coloque como profissional. Ele pode ficar oito meses ou um ano escrevendo um livro. Isso é um trabalho, não é um favor. Isso não deixa de ser interessante, a figura do artista como profissional, que vai ter um dinheiro para fazer isso e não ter que correr numa coisa para, pelo menos, conseguir pagar o livro. Isso historicamente não é desprezível, mas isso gera uma série de comprometimentos que não faz sentido o sujeito se meter nisso daí. Você pega um livro de Joca [Reiners Terron, escritor], que o cara teve que passar por uma série de burocracias assim enorme só para mudar o título, que tinha sido inscrito um título e ele queria colocar outro e não podia. Com o mercado não é diferente, não dá pra dizer que se eu estiver sendo patrocinado por uma empresa privada eu seria mais livre do que se estivesse sendo patrocinado por uma empresa pública. Pra mim não faz diferença.
Bruno – A questão é, até onde eu consigo ver, a política do edital tá fazendo gente rica ficar mais rica.
Celso – O cara pode entrar também, pode fazer a parceria com o poder público, mas manter sua integridade.
Reuben – O problema é que, por onde começou essa história, não sei por onde começou, mas por onde se desenvolveu bastante foi no cinema, em que se chega a um ponto onde o sujeito não faz filme se não tiver dinheiro público. Quer dizer, não passa pela cabeça do sujeito que se ele não tiver 100 mil para fazer o filme, ele que faça o filme. Tu achas que as verbas vêm de onde? Se o sujeito quiser fazer um filme ele faz nesse apartamento aqui, com duas câmeras ou uma câmera, e seis atores. Ele não vai conseguir fazer um épico hollywoodiano, com duzentas locações, um filme na Amazônia etc., alguns projetos dependem realmente de dinheiro, mas o que eu quero chamar a atenção é para a imobilidade do cineasta. O sujeito não faz. Mais radical e mais independente que se possa fazer no Brasil, hoje ele tem dinheiro de lei de incentivo.
Vias de Fato – Patrocínio da Petrobrás. Todo filme brasileiro começa “este filme foi selecionado pelo Programa Petrobrás Cultural” e depois logomarca, logomarca, logomarca.
Reuben – E se o sujeito não conseguir, ele não vai fazer o filme.
Bruno – Tem gente que faz filme massa sem dinheiro público, como no [documentário] Brega S/A [sobre a cena musical contemporânea em Belém do Pará], que começa logo “esse filme não tem dinheiro público nenhum”.
Celso – Mas isso é muito excludente, cara. Porque um filme como esse vai ter um público muitíssimo menor.
Reuben – Não necessariamente.
Bruno – Eles distribuem de graça na internet.
Vias de Fato – Tem um ponto, voltando a essa história da Pitomba aqui e do cenário, que é a história da Pitomba, que está em São Luís e São Luís que tem um histórico de artistas e intelectuais a serviço de dados grupos políticos. Como é que a revista se situa nesse campo, já que ela está à margem?
Celso – Ela se situa contra essas pessoas. Se tu pegares a primeira Pitomba, lá no [texto de Roberto] Bolaño [traduzido por Reuben na contracapa] é uma porrada; a segunda contracapa, cada contracapa é uma porrada. Na revista tem todas as repostas que tu tá falando aí. Acho que a segunda é que fala melhor dos artistas, aquilo é uma porrada!
Bruno – A revista tem uma série de indicações, mas as coisas não são dadas.
Reuben – A própria ideia de se manter distante dessas relações já fala sobre esses artistas e o fato de nenhum deles estar na revista.
Vias de Fato – Se a esquerda abomina, a direita ignora. Aquela história de alienante e alienado. A esquerda clássica, naquele modelo de partidos e sindicatos.
Celso – Há um silencio. Me mostre alguém que tenha se manifestado sobre a Pitomba publicamente. [O artista plástico] Jesus Santos [link para assinantes com senha] que escreveu n’O Estado do Maranhão.
Celso – Com raríssimas exceções, esses três, Loredo, Jesus Santos e o blogue do Zema, nunca ninguém falou nada sobre a Pitomba publicamente. Esse é o ponto!
Vias de Fato – Modéstia às favas, não existe crítica.
Bruno – Queria ou não a gente tenta ainda fazer, nem que seja resenhando livro um do outro.
Celso – A única crítica que rolou foi do Loredo e do menino lá, o Ronald [Robson], defendendo em blogue e tal. Agora, que a gente sabe que pessoas da esquerda não gostaram, a gente sabe. O que eu quero dizer é que não existe, a única vez que alguém falou foi da direita. Por que a revista tem a provocação, ela tem arrogância, vamos dizer assim.
Vias de Fato – É iconoclasta total, se é que isso pode ser um adjetivo.
Celso – A gente sabe que nos bares se fala dela.
Bruno Azevêdo dá um gole durante o papo
Bruno – A revista tem uma existência concreta nem que seja nas conversas de bar, e, porra!, eu quero é estar na conversa de bar.
Celso – Na Pitomba, às vezes, se sobressai um pouco o lance da imagem, um editorial ou uma coisa que Bruno faça. Mas ali, velho, estão 60% de poesia, pode ver, ou é tradução ou é alguma coisa que eu faço, ou é coisa de alguém.
Bruno – Pode ver que esse negócio de poesia deu tanto na minha cabeça que fiz uma fotonovela.
Vias de Fato – Que eu achei sensacional! E isso volta para aquela discussão sobre financiamento, independência e coisa e tal, porque se tu tivesses um apoio do que quer que fosse, tirando [o bar] Chico [Discos] e [a livraria] Poeme-se, mas tu irias criticar tua própria revista dentro da revista?
Bruno – Rapaz, ninguém ia me publicar senão eu. Quase todas as coisas que eu escrevo, não é nada enquadrado assim, ninguém consegue transformar em um produto fácil para dizer “isso aqui é isso aqui” e a revista tá meio nesse negócio.
Reuben – Isso é uma coisa que deve perturbar a leitura de quem está aqui porque talvez a leitura da revista seja um negócio difícil de localizar. Primeiro que a revista não é uma revista de poesia. Não tem uma ordem, não tem uma prioridade. Então, [o professor] Flávio Reis contou uma história do primeiro lançamento da revista que talvez possa ser ilustrativo. Ele disse que tava sentado no lançamento da revista e tinha um pessoal dizendo “vem cá, olha isso daqui, essa revista não tem como vender”, querendo dizer que era um negócio mal acabado e tal. O que não deixa de ser interessante também. E Flávio perguntou: “rapaz, vocês acham que esse pessoal está interessando em vender?” Mas eu tô dizendo isso porque eu tenho a impressão de que a gente não tá preocupado com nada, então, isso dá certa flexibilidade de critérios, que no fim das contas a gente bota o que tá a fim de botar e não bota o que não está. Pronto.
Celso – E as pessoas ficam, talvez, procurando um sentido, uma estratégia.
Bruno – Uma razão de ser, [irônico:] onde se situa o marxismo contemporâneo na narrativa.
Celso – Tem um negócio de confundir, de desabilitar, de você não saber direito. Rapaz, você tem uma tradução de [o poeta e. e.] cummings e o cara lá comendo as hóstias, tem a pornografia, tem as coisas opostas, que não teriam uma unidade. A revista trabalha quase como se não houvesse um conceito que ligasse uma coisa a outra.
Reuben da Cunha Rocha ri: “a Pitomba não tem absolutamente nenhuma seriedade”
Reuben – Agora aí, eu acho, e pessoalmente, se ninguém percebeu, isso precisa ser dito, que daí vem talvez o mais interessante da revista: o fato de que ela não tem absolutamente nenhuma seriedade. De critérios, e não tem nada assim que se possa dizer que a revista não publicaria, poderia até não publicar por falta de interesse ou gosto pessoal nosso, como não achar bom, mas coisa tipo censura de conteúdo, moralismo, não tem como dizer que não tem uma revista na literatura que se possa dizer isso. Toda revista de literatura é séria. A seriedade acompanha, seja a poesia seja a prosa. Escritor é um sujeito sério. Foi a única revista até hoje que conseguiu fazer isso daí foi a Pitomba. Inclusive daí vem alguma fraqueza, porque a gente publicou muito texto ruim ao longo dessas cinco edições. Agora, o que levou a isso foi de onde vem a principal força dela, que é isso daí.
Celso – Agora imagina uma revista em que você faz um assassino de funcionários públicos [a série O matador de funcionários públicos, de Bruno] onde 80% da população é funcionário público. É claro que você vai ter uma raiva introjetada na cabeça de muita gente.
Vias de Fato – É porque também tem muito o lance de você só poder falar de dentro. Para você falar de funcionário público você tem que ser funcionário público.
Bruno – E funcionário público não vai falar porque já está morto de feliz por estar lá.
Vias de Fato – Ou você tá empertigadinho lá, contente porque o salário não atrasa etc., até atrasa [lembrando o calote de João Castelo (PSDB) às vésperas de deixar o cargo e o parcelamento da dívida pelo atual prefeito Edivaldo Holanda Jr. (PTC)]. O que fica provado é que o pessoal perdeu a capacidade de rir de si mesmo. Seja funcionário público, seja sei lá o quê.
Bruno – Esse negócio dO matador ninguém comenta, eu acho isso tão engraçado, ninguém diz nada.
Reuben – Nem pra dizer que “eu não gostei disso”.
Bruno – Moreira da Silva passou a vida inteira sendo motorista de ambulância. O cara, um dos criadores do samba de breque, um dos maiores cantores do samba brasileiro, teve uma carreira longeva no samba e ele chegou a viajar e passar três meses em Portugal fazendo turnê e o chefe dele dizendo “não se preocupe que você é um funcionário de utilidade nacional” e pronto. Tu não achas que houve gente que precisou ser socorrida pela ambulância que Moreira dirigia, ou deveria dirigir? Eu não posso achar graça disso, por mais que seja engraçado.
Celso – Tem também a história da alta e da baixa cultura. Muitos olhares sobre a revista são de crítica, do mau gosto que algumas pessoas devem achar, mas também que há eventualmente uma pobreza, que pertence a uma baixa cultura, que não é uma literatura que seja levada a sério. Eu acho que isso a Pitomba também coloca na cabeça das pessoas. “Isso daqui é literatura?”, isso é uma questão que também vem à tona. Tem a questão do pornográfico e erótico. E aí se tem um especialista no assunto [aponta para Bruno]. Tu olhas lá o [quadro] A origem do mundo, do [pintor Gustave] Courbet e mostra o sexo lá e tal. Pois é, isso é mau gosto? É erótico ou pornográfico? Eu sempre venho observando essa coisa, do que é mais literatura, do que é literatura mais séria, do que não é.
Vias de Fato – Vocês acham que há um desprezo total por parte da crítica? É por isso que ninguém comenta O matador de funcionários públicos ou outra coisa?
Bruno – Que crítica? Não existe crítica! A gente desprezaria se a crítica existisse.
Celso – O único cara que fez alguma crítica foi Ronald Robson. O único, o único! Foi uma crítica de acordo com o que ele pensa.
Reuben – Uma crítica inteligente, o cara leu a revista e raciocinou em cima daquilo ali, se dispôs a escrever sobre uma revista da qual ele sequer gostou. Por outro lado, a gente não deixa de ter respostas entusiasmantes. Não dá para ser injusto.
Bruno – Rapaz, o papel da revista é grosso demais para ser papel higiênico. Então de alguma forma alguém lê.
Reuben – Também, essa relação é tipicamente nossa, né? Quem foi que gostou, quem foi que não gostou e a gente começa a mapear o negócio. A diferença é que a gente está fazendo isso daqui sem nenhuma intenção de por conta disso o negócio começar a “fulano de tal não entra, cicrano também não”. Então a questão não é tanto de gostarem ou não gostarem, mas de um retorno que dissesse que a revista é interessante por isso, não é interessante por aquilo.
Bruno – Eu penso muito mais em livros do que na revista. Eu penso muito mais na proposta do livro, que ‘nego’ tem que fazer seus livros e tal. Talvez eles tenham uma possibilidade de exploração de ideias mais interessante, enfim, a ideia é continuar fazendo livro e revista.
Reuben – A revista essencialmente é um negócio efêmero, por mais que ela continue, que tenha 20 edições, com o tempo ela vai se perdendo. Livro, o sujeito guarda. Revista chega uma hora em que o cara vende pro sebo, dá pros amigos, perde e tal. Agora, isso não é um problema, o lance é permitir que ela fosse mais experimental ainda, mas “isso daqui vai se perder”, foda-se! O importante é testar a mão e ver o que dá para fazer e o que não dá para fazer.
Vias de Fato – Celso, tu estás com mais de 50 e já fazia revista com menos de 20.
Celso Borges: poesia e teimosia
Celso – Rapaz, se eu tiver saúde com 80, uma revistinha lá eu vou estar fazendo…
Vias de Fato – Por tudo aquilo que a gente conversou aqui às vezes tu não te sente meio pregando no deserto, não bate certa depressão? Será que alguém vai ler a revista?
Celso – Não bate depressão. Acho que às vezes bate um desestímulo. Mas aí tem o lance da disciplina. Sempre foi assim e sempre vai ser. Tá na minha cabeça, tá na minha alma, não tem resposta para isso. É como se fosse uma coisa que eu precisasse fazer.É uma doença, uma maldição, como diz Fabreu [o poeta Fernando Abreu].
Vias de Fato – Como é a seleção do que a Pitomba, a editora, não a revista, o que ela publica e não publica?
Bruno – É uma questão pessoal, o que eu acho que deva ser publicado.
Vias de Fato – Uma vez eu perguntei, que eu nem lembro sobre o quê, mas qual é a sensação de colocar um selo na capa de um livro, e tu me respondeu que era ilusão de achar que tem uma editora.
Bruno – É. É isso mesmo.
Vias de Fato – Como é o financiamento disso? Tu? Tu e o autor? Depende?
Bruno – O disco [Z de Vingança] do [Marcos] Magah eu paguei todo. Exceto a gravação, o resto eu paguei tudo. Porque eu peguei o disco, esse cara ta aí, não tem dinheiro nenhum. Ele tá com o disco tem uns seis meses e esse disco precisa existir. Tem tudo a ver com a ideia da editora. Porque eu só fiz O Monstro Souza porque Souza [proprietário do cachorro-quente homônimo que inspirou o livro] me deu boa parte da grana para fazer o livro, então eu tenho uma certa obrigação e vamos ver o que vai acontecer. O trabalho de editoração de outros livros eu não cobrei nada pra ninguém. Do [poeta] Dyl [Pires, O perdedor de tempo], da [poeta] Jorgeana [Braga, A casa do sentido vermelho, a ser publicado em breve]. Por enquanto é assim que funciona, o livro da [jornalista] Karla [Freire, Onde o reggae é a lei] eu e ela que pagamos tudo pro livro sair.
Vias de Fato – E as vendas?
Bruno – Já vendeu umas 110 cópias. No Riba [livraria Poeme-se] já esgotou, eu repus hoje; na [livraria] Leitura eu ainda não fui; no Chico eu também ainda não fui. Tem tido certa saída. Já recuperou 30% do gasto. Eu nunca espero dinheiro de volta. Quer dizer, só em prestação de serviços que pode ser reinvestido como em achar um cara como Magah. Vai sair o livro de Reuben, o da Jorgeana. Tem uns livros para lançar aí e sempre aparecem outras coisas. Mandam coisas, me mandam originais, mas eu fico sempre desconfortável em ler porque vai que eu leio e o livro é uma merda? Então eu sempre tenho que dizer alguma coisa. Se me aparecer um livro de poesia eu jogo para esses dois aqui.
Vias de Fato – Então, a editora usa os editores da revista como conselho editorial, digamos assim?
Bruno – É, eu jogo direto para eles. Ainda mais porque se aqui em São Luís sabem que tem uma editora que publica livro de poesia, tu é doido!, ia ter todo dia 20 livros de poesia aqui em casa. Todo mundo é poeta, sabe aquele cara bem ali? [aponta um transeunte pela janela] Ele é poeta, pô! “Ó, São Luís”, e coisa e tal. A poesia é apologética em relação à cidade ou preocupada em falar da própria poesia. É o negócio do rabicó.
Reuben – Para mim essa é a grande ironia, a maior obra de Nauro Machado é essa tiração de onda de com todo mundo: “Ô, meu poeta!”, todo mundo é poeta.
Bruno – Esculhambou geral.
Vias de Fato – Outra afinidade de vocês é a música. Vocês estiveram juntos no palco para o lançamento de Belle Epoque [mais recente livro de poemas lançado por Celso]. Tem alguma possibilidade ou previsão de vocês tocarem juntos novamente?
Celso – A gente queria fazer um lance de rock’n roll com leitura. O grande lance é a disponibilidade de tempo. Pra mim é na hora, fazer um som com esses camaradas. Agora tem que ser uma coisa igual ao que teve no Belle Epoque. Ali a gente teve um mês livre para fazer aquilo. [O baterista André] Grolli, [o violonista André] Lucap, esse rapaz [Bruno] totalmente disponível, [o guitarrista] Reuben. No dia em que Bruno me ligar pra gente fazer um som eu tô aqui na hora e Reuben pega o helicóptero dele.
Reuben – Ah, de novo não, mas outra. Fundamental é o cara quebrar a ideia de que ele vai conseguir manter as coisas. O fundamental aqui sempre foi fazer tudo. O sujeito tem tempo para fazer um som, ele vai fazer, não tem, ele vai fazer outra coisa. Tem para um zine, ele vai fazer, não tem, faz outra coisa. Se não ele vai ficar a maior parte do tempo parado e fazendo as coisas no tempo livre, as coisas não vão durar. O lance é o tempo livre. Se juntar de novo, as coisas vão mudar, tudo muda o tempo todo.
Celso – A música talvez seja a coisa que mais nos ligue. Eu tenho uma preferência, Reuben tem outra, mas entre a gente bota ali o rock. A gente se une bastante, bota o rock’n roll ali. Tem uma identificação com a linguagem do rock. Tem essa diferença de Bruno não gostar de poesia, tem a formação dele em quadrinhos. A minha é precária, ficou para trás. Eu tento pegar alguma coisa com ele, mas eu não tenho a formação e a influência que tem na obra dele.
Reuben – Restos Inúteis [título de poema de Celso que deu nome à banda que o acompanhou no show de lançamento do livro] foi um nome que muita gente não gostou, quer dizer, algumas pessoas. Porque não é sério. Não basta ser resto, ainda tem que ser inútil.
“Eu sou uma pessoa má/ eu menti pra vocês”, parafraseio a adorada Karina Buhr.
Mas menti por uma boa causa: como poderia a Temporada Paulo Leminski ter acabado acá en el blogue? O poeta não é fruta de estação, é autor de música de título parecido, Mudança de estação, sucesso d’A Cor do Som, então tem que pintar por aqui o tempo todo, já que é uma das referências/inspirações deste modesto espaço.
Outro post dedicado a ele, pois. O mote: seu Toda poesia acaba de desbancar do primeiro lugar da lista de mais vendidos da rede da Livraria Cultura o best seller 50 tons de cinza.
Prolífico e popular, o curitibano foi fenômeno editorial na década de 1980, com o lançamento de Caprichos e relaxos (1983), pela Brasiliense, responsável por lançamentos de, entre outros, Ana Cristina César, Jack Kerouac e Yukio Mishima. Não por acaso Luiz Schwarcz, hoje proprietário e editor da Companhia das Letras que nos devolve a obra leminskiana era editor da Brasiliense, à época. Agora o autor volta a ocupar seu merecido lugar de destaque na cena literária, no mercado editorial, pelo que também merecem louvores os trabalhos de Sofia Mariutti e Alice Ruiz S.
Uma grande notícia, que sem dúvida merece comemoração.
Dum Paulo gênio a outro: Stocker homenageia Leminski
Seu primeiro livro, Catatau, já chegou provocando, dinamitando os limites. Não é conto, não é romance, não é poesia. Nele, o personagem central é ninguém menos que Descartes. E ele tem uma luneta em uma mão e um cachimbo de maconha na outra. São dois símbolos?
É, são dois símbolos elementares. Um de distanciamento crítico e outro de integração. A luneta é o distanciamento, e o cachimbo de maconha é a integração. A maconha gera uma integração. Numa roda de gente queimando fumo gera-se um tipo de comunicação diferente daquele gerado num simpósio, por exemplo, sobre a metafísica e a psicologia de Jung. É uma comunicação via substância, não via palavra.
Esse tipo de experiência, de alguma forma, tem a ver com a experiência poética?
É até um lugar-comum a tradição de que os poetas criam de madrugada, de que são alcoólatras. Baudelaire, por exemplo, escreveu muitos poemas numa mesa de bar, sob efeito do absinto. A ideia de que o discurso poético se produz em estados anômalos é uma coisa normal, que rima com a própria natureza anômala da linguagem poética. O normal da linguagem é a função referencial. E ela se voltar sobre si mesma, como no caso da poesia, é uma espécie de hipertrofia. Escrever um livro inteiro em que prevaleça a função poética é um exagero, um excesso. Essa linguagem ocorre com os exagerados e os excessivos. A ideia de que os poetas são loucos é até absolutamente correta. Isso se tornou quase mitológico do romantismo em diante.
Voltando um pouco à ideia do “inutensílio”. Você pode explicar melhor isso?
A ideia da arte como um inutensílio é muito recente. Ela aparece no século XIX, com os simbolistas, com Mallarmé, Baudelaire. No Renascimento, não passaria pela cabeça de ninguém, de Rafael, de Leonardo da Vinci, de Caravaggio, que a sua arte não servia pra nada. Um mural pintado numa igreja no período renascentista não é apenas um jogo de cores, como seria um quadro impressionista, de um Manet, de um Matisse. Só pode aparecer a ideia da arte pela arte no momento em que ela se transforma em mercadoria.
O inutensílio é a negação da arte como mercadoria?
É muito complexo. O negócio é o seguinte: a arte ou é tutelada pelo Estado ou é tutelada pelo mercado. Um dos dois mandará na arte – essas são as leis que o real quer pregar. No Ocidente, é o mercado que determina a obra de arte. O mesmo escritor que acha indecente que em Cuba o Estado financie a arte não acha indecente que seu trabalho seja tratado como mercadoria. A ideia do inutensílio é uma negação de ambos. Ela afirma que a arte não serve pra nada justamente porque só serve para o engrandecimento da experiência humana. Apenas isso.
Até mesmo os poetas engajados acabam se transformando em mercadoria, não é?
Claro. Thiago de Mello, Ferreira Gullar, Moacyr Félix, Affonso Romano de Sant’Anna vendem muito mais do que Augusto de Campos.
Você acredita que a arte pode causar revoluções?
Pode, claro. Mas revoluções não acontecem toda segunda-feira. As vanguardas do início do século surgiram quando a burguesia desabou, com a Primeira Guerra. A Europa passou para segundo plano como potência mundial, e a hegemonia foi assumida pelos Estados Unidos e pela União Soviética. Na Segunda Guerra isso se consagrou. O que é a Europa hoje? É um imenso museu. Então, as vanguardas europeias, surrealismo, cubismo, futurismo, dadá, surgiram num momento histórico irrepetível. Hoje nós estamos vivendo numa época retrô: neoexpressionismo, neodadá, neocubismo. Não está acontecendo nenhuma revolução. High-tech não é revolução. As revoluções Francesa e Russa, sim. A chamada Revolução Americana não é revolução nenhuma. George Washington era um dos homens mais ricos dos Estados Unidos quando liderou a chamada Revolução Americana. Ele não alterou as relações de poder nem de propriedade. Não redistribuiu nada. A Francesa e a Russa, sim, alteraram profundamente as relações entre as pessoas. High-tech não revoluciona nada. Pode ser apenas uma re-carga dentro do poderio de uma classe dominante. É uma revolução entre aspas.
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Trechos da entrevista que o polaco-loco-paca concedeu a Ademir Assunção, em 1986, publicada no mesmo ano no jornal O Estado de S. Paulo e, em 1999, numa versão ampliada, na revista Medusa. Extraí os trechos acima de Faróis no Caos (p. 32-34), que Ademir publicou ano passado pela Edições SESC/SP.
“Antes mesmo que o gravador fosse ligado, disparou a falar e não parou depois que a fita chegou ao fim”, revela o jornalista em um texto introdutório à entrevista, complementar à cabeça original, publicada na imprensa. “Aqui está a versão mais próxima da integral. Foi o que consegui salvar da fita, que naufragou em um copo de vodca”.
O livro dá uma panoramizada na cultura brasileira dos últimos 30 anos em entrevistas de Ademir com, além de Leminski, Alice Ruiz, Antonio Risério, Arnaldo Antunes, Arrigo Barnabé, Augusto de Campos, Caetano Veloso, Chacal, Claudio Daniel, Geraldo Carneiro, Glauco Mattoso, Grande Otelo, Haroldo de Campos, Heriberto Yépez, Hermeto Pascoal, Itamar Assumpção, Jorge Mautner, Kaká Werá Jecupé, Lenine, Luis Fernando Veríssimo, Luiz Melodia, Marcatti, Márcia Denser, Mário Bortolotto, Monge Daiju, Nelson de Oliveira, Néstor Perlongher, Roberto Piva e Sebastião Nunes.
O programa Metrópolis, da TV Cultura, dedicou uns bons minutos anteontem (5) ao lançamento de Toda Poesia (Companhia das Letras), que reúne a obra poética de nosso homenageado.
O destaque é o papo com Ademir Assunção e Rodrigo Garcia Lopes, que qual Leminski militam em várias frentes/linguagens: poesia, prosa, música, jornalismo etc. Ao final (no segundo vídeo abaixo), o segundo canta Adeus, poema do samurai malandro que ele musicou.
Mudei o nome de Semana para Temporada, por razões óbvias.
Hoje, um artigo de Leminski, de seu Ensaios e anseios crípticos, recentemente relançado pela Unicamp, numa edição bonita. Infelizmente o livro não identifica quando o texto foi escrito, certamente após a ditadura militar brasileira. Notem, meus caros, que ainda não havia facebook, ou antes orkut, e seus “miguxês”. É outra coisa…
A VOLTA DO REPRIMIDO
Este é mesmo o país de Ruy Barbosa.
É inacreditável a estupidez que vem cercando a discussão atual sobre os perigos que corre a língua portuguesa no Brasil e seus possíveis corretivos pedagógico-educacionais.
Em primeiro lugar, mal consigo acreditar em meus olhos quando vejo professores universitários, supostamente formados em linguística, atacando o português “errado” falado (ou escrito) pelos jovens, defendendo um português “certo”, como se existisse um português errado ou certo. Certo e errado, queridos, não é critério linguístico. E moral ou jurídico. Só uma lei determina o que é certo. Como disse para sempre o apóstolo Paulo, “a lei criou o pecado”. São as regras das gramáticas que criam o erro, não os usuários da língua.
Quem estabelece o certo e o errado é toda a comunidade de falantes, não meia dúzia de faraós encastelados em seus filológicos sarcófagos universitários ou acadêmicos.
Não foi aqui no Brasil que se bagunçou a colocação dos pronomes de Portugal? Nós brasileiros, começamos frase com variação pronominal, e achamos mais gostoso assim (“me dá um dinheiro aí”, “te digo uma coisa”, “lhe dou uma lição”), coisa que discrepa do uso lusitano. E daí? Boa parte do esforço do modernismo (mários e oswaldes) foi no sentido de obtermos dignidade de escrever como falamos, nós, do lado de cá do Atlântico.
Leio, agora, que em Portugal o problema também é grave. Às avessas. A invasão da simpática republiqueta ibérica pelas novelas da Globo está levando o pânico às hostes dos conservadores do idioma de Camões. Leio até propostas de alguns, dignos descendentes de Salazar, recomendando a criação de comissões estatais de censura para fiscalizar a colocação de pronomes na TV portuguesa, invadida pela barbárie ipanemense da Globo. É de morrer de rir.
A “contribuição milionária de todos os erros”, de que falava Oswald, erros negros, erros índios, erros mestiços, erros mulatos, hoje, está por cima. É como dizem, geralmente, os baianos, esses primeiros brasileiros, “Deus é mais”.
E se os jovens, hoje, não sabem “se expressar” (como os velhos querem, evidentemente), isso se deve a vinte anos de uma estúpida ditadura, a um ensino aviltado e degradado, a um mercantilismo generalizado, que nada tem a ver com “domínio do português”, “conhecimento da língua” e outras bobagens, que servem, apenas, para justificar o emprego de milhares de pedagogos reacionários e repressivos.
As múmias nem percebem que os tempos mudaram. Mais que a língua, fala, hoje, a linguagem, o idioma integral do corpo, da roupa, da atitude.
Jà estamos num videoclipe. E as múmias continuam se comportando, e legislando, como se estivéssemos em plena sessão da Academia Brasileira de Letras, onde para um Antônio Houaiss tem oito Ramsés III.
É óbvio, para quem quer que não tenha o QI do português das nossas anedotas, que historicamente, o futuro da língua, um dia, lusitana, está aqui neste Brasil de 130 milhões de falantes, e não no Portugal de parcos 10 milhões, um país sem nenhuma expressão internacional, destituído de qualquer importância científica, industrial ou tecnológica, um mero eco de uma história que já houve.
Através da fala brasileira, veiculada pelas novelas da Globo, executa-se uma justiça histórica, que já tardava séculos, esses séculos em que nós estávamos errados, porque Portugal estava sempre certo.
Graças a Portugal que nos colonizou e explorou durante quatro séculos, falamos nós, a sexta potência econômica do planeta, uma língua que, em nível mundial, é apenas um “patois” do espanhol, um dialeto obscuro que ninguém, no mundo, lê nem entende. É a última sacanagem de Portugal. Estamos enclausurados numa língua insignificante. Se um dia ela tiver que ser alguma coisa, nós, brasileiros, é que temos que fazê-lo.
Só preconceitos arqueológicos-necrófilos ainda nos fazem chamar essa língua de “portuguesa”.
Está na hora de Portugal começar a falar brasileiro.
E assim será, queiram os professores ou não queiram.
(Paulo Leminski, Ensaios e anseios cripticos, p. 167-169. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2011)
Nestes dias, Leminski conheceria o músico Paulo Diniz, um pernambucano de Pesquera [o blogue mantém a grafia do livro, embora o nome correto da cidade seja Pesqueira], que se tornaria famoso ao colocar nas paradas de sucesso uma música cujo refrão dizia:
“I don’t want stay here, I wanna to go back to Bahia”. (Leminski tentou corrigir, “Está errado, tem um verbo auxiliar em excesso, o certo é “I wanna go back to Bahia”. No fim, foi gravado “errado” propositadamente.)
A música chamava-se “Quero voltar pra Bahia” e falava do exílio de Caetano Veloso, na Inglaterra – e este seria mais um ponto de identificação entre os dois Paulos.
Diniz também morava no Solar [da Fossa] – seu companheiro de apartamento era o locutor de rádio Adelzon Alves – e nos dias seguintes os dois passaram a se encontrar para tocar violão. Ficavam horas fumando baseado e conversando sobre música e poesia, tendo os jardins internos do solar como cenário. O curitibano ganhou algumas aulas de música e retribuiu a gentileza com um baú de informações e jogadas textuais. Foi a partir de uma frase pinçada nas páginas do Catatau que surgiria o título de um novo sucesso musical de Diniz: “Ponha um arco-íris na sua moringa.” (Depois que a música foi gravada, Leminski retirou a frase do livro, em homenagem.)
Toninho Vaz. Paulo Leminski: o bandido que sabia latim. 2ª. ed., Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 111.
Para Flávio Reis (que me fez ir mais fundo em jazz e bossa nova), Micaela Vermelho (que me apresentou a “wonderful soundtrack”) e Reuben da Cunha Rocha (que me emprestou o livro).
Miles estava agendado para viajar a Paris no final de novembro, onde tocaria como solista convidado de um quarteto parisiense que incluía Kenny Clarke. Um projeto de estúdio de improviso por lá teve efeito duradouro em seu estilo de gravação.
Por meio de sua ex-namorada parisiense, a atriz Juliette Greco, Davis conheceu o jovem cineasta Louis Malle, que estava completando seu primeiro longa-metragem, Ascensor para o Cadafalso. Malle precisava de uma trilha sonora para seu filme noir e existencial, uma releitura francesa do argumento de Pacto de Sangue. Trabalhando com um orçamento limitado, mas com a vantagem de ter Davis longe de seu séquito de advogados e demais procuradores, o cineasta propôs que o trompetista compusesse e executasse a trilha sonora. Miles aceitou.
Uma das capas do filme no Brasil
Acompanhado pelos mesmos quatro músicos locais [Barney Wilen no sax tenor, René Urtreger no piano, Pierre Michelot no contrabaixo e Kenny Clarke na bateria, nota do blogue] com quem vinha se apresentando (e ele havia tocado anteriormente com apenas um deles), Davis gravou a trilha inteira em uma só sessão noite adentro. Enquanto o grupo assistia a várias cenas do filme, Miles, num tour de force ad hoc, compôs, arranjou e tocou o trompete em quase uma hora de música orientada para o blues e riffs básicos. [Kenny] Clarke relembra o método de direção musical confiante e ativo de Miles:
Ele falava: “Espere um pouco, é aí! Pare! Bem aqui”. Aí dizia: “Aqui a gente toca isso, e isso a gente faz aqui”. Porque parecia casar com a cena e realmente era bem pensado. E gravamos toda a música do filme de uma vez só… Miles realmente montou tudo maravilhosamente. E tudo aconteceu no calor do momento, sabe? Acabamos em mais ou menos três horas…
A direção de Miles pode ser claramente ouvida nas gravações completas da sessão de Ascensor. Davis assobia para marcar o fim de cada take, já que cada breve sequência musical é sucedida por outra (“Assassinat”, “Séquence”, “Voiture”). As composições mal parecem “compostas”; pouca estrutura melódica reconhecível e bem poucos padrões familiares de blues foram utilizados.
Esse jeito de compor e gravar em queda livre era um território novo e estimulante para Miles. Fazer música funcional – criar um fundo musical para imagens em movimento na tela – deu a Miles a oportunidade de romper com estruturas convencionais e experimentar como nunca fizera antes. Se quisesse solar interminavelmente sobre uma sequência de acordes – ou apenas um acorde, no caso -, poderia, desde que a música fizesse sentido para a narrativa do filme. De uma maneira que antecipa o efeito suspenso de uma composição como “Flamenco Sketches”, de Kind of Blue, a faixa “Le Petit Bal”, da trilha de Ascensor, evitou qualquer encadeamento de acordes, permitindo a Miles projetar um clima simplesmente tocando sobre uma única escala e sutilmente sugerindo uma frase lírica.
No final dos anos 50, Hollywood estava começando a explorar todas as possibilidades emocionais dos músicos e compositores de jazz em trilhas sonoras de longas-metragens. Uma lista de exemplos ainda causa admiração: Elmer Bernstein e Shorty Rogers em O Homem do Braço de Ouro, em 1955; Chico Hamilton em A Embriaguez do Sucesso, em 1957; Duke Ellilngton em Anatomia de Um Crime, em 1959, e Charles Mingus, em Shadows, em 1960. Mesmo quando comparada a essas partituras para filmes – frutos de planejamento cuidadoso e orçamentos generosos (ou tão baixo quanto Ascensor, no caso de Shadows) -, a proeza de uma noite de improviso de Miles se sustenta e, na verdade, se sobressai ainda mais.
Trecho de Kind of blue: a história da obra-prima de Miles Davis, p. 65-66, de Ashley Kahn. Tradução: Patricia de Cia e Marcelo Orozco. Editora Barracuda, 2007
Quinta edição da revista Pitomba! terá relançamento na UFMA, nesta quinta-feira. Além do que anuncia a imagem abaixo, haverá fotoprojeção de Kenny Mendes e discotecagem de Danilo Santos. A promoção é do Centro Acadêmico de Filosofia.