
Ontem (15), na segunda e última noite do Festival BR-135 Cátia de França reencontrou o público ludovicense – era apenas a segunda vez que a paraibana se apresentava como cantora no Maranhão; a primeira, na Casa d’Arte (Raposa), há pouco mais de dois anos, no formato voz e violão. Antes, já tinha passado por aqui na década de 1970 integrando trupes teatrais.
Graças à redescoberta, pelas gerações mais novas, de seu álbum solo de estreia, 20 Palavras Ao Redor do Sol (1979), no youtube ou em plataformas digitais, ao ver uma juventude conhecendo seu repertório e cantando parte dele junto, não apenas seus maiores êxitos, mas coisas já do último álbum, No Rastro de Catarina (2024), não pude deixar de pensar em meus primeiros contatos com sua obra: entre o fim da infância e início da adolescência ouvindo sua “Kukukaya (Jogo da Asa da Bruxa)” na voz de Xangai no antológico Cantoria 1 (1984).
Ela abriu o show com uma música do novo álbum, “Fênix”, que evoca sua própria trajetória: antes de ser merecidamente reconhecida, sobretudo a partir de Hóspede da Natureza (2016), Cátia de França não era nome comum entre curadorias de festivais – ainda bem que isso mudou, nunca é tarde.
No Rastro de Catarina, o álbum que forneceu a base do repertório de sua apresentação, costura composições novas e resgate de criações que datam ainda da década de 1970. Cátia de França tem a veia e a alma nordestina sem tirar um pé do rock, que o diga a formação da banda que a acompanhou: Cristiano Oliveira (viola), “melhor amigo do mundo”, Marcelo Macêdo (guitarra), Elma Virgínia (baixo) e Beto Preah (bateria) – a mesma formação com que gravou o álbum, faltando apenas Chico Corrêa, que esteve no palco no dia anterior, com Seu Pereira e Coletivo 401.
Em “Espelho de Oloxá” dá o recado: “cada mulher que se impõe nos liberta”, no que fala também de si mesma, jogando luzes sobre o empoderamento feminino, preocupação da curadoria do festival, que montou um line up completamente nordestino e valorizando grandemente a presença feminina em seus dois palcos.
Se o captador do violão quis lhe atrapalhar, ela levou na esportiva. A princípio brincou com sua própria timidez, dizendo ao roadie (e ao público presente): “eu já venho nervosa para cá, ainda acontece um negócio desses”. Mas depois tirou de letra, alternando-se entre os caxixis e o triângulo – nada que espante quem já conhecia a sanfoneira do primeiro disco de Zé Ramalho (1978).
“Negritude” é das músicas da nova safra que mais empolgam o público, que foi ao delírio com a levada reggae com que trajou “Academias e Lanchonetes”. “É a terra do reggae”, saudou a ilha, antes de “Bósnia”, do recado “toda guerra é feia”. Ao ouvir um grito de “gostosa!” vindo da plateia, rebateu, bem-humorada: “mentiroso!”. Respondeu com um “é lá no fim” ao pedido de “Kukukaya” e com um “não sei, não” ao de “Estilhaços”.
Não era um show para a galera do “oba, oba”: Cátia de França apresentou, em um festival gratuito e a céu aberto, o repertório de seu novo álbum, embora não tenham faltado clássicos como “Ensacado”, “Kukukaya”, “Vinte Palavras Girando ao Redor do Sol” e “Quem Vai Quem Vem”, demonstrando ser merecedora da atenção, carinho e reconhecimento com que vem sendo tratada Brasil afora, mais recentemente. Antes tarde do que mais tarde.
*
Ouça No Rastro de Catarina:
