Até hoje, passados mais de 70 anos da tragédia que se abateu sobre a cidade, a simples menção da palavra Hiroshima remete à sua destruição por uma bomba atômica americana durante a segunda guerra mundial.
Quase 60 anos após seu lançamento, diversas salas brasileiras exibem uma versão restaurada de Hiroshima, meu amor [Hiroshima, mon amour; drama, França, 1959, 90 min., preto e branco; em cartaz em São Luís no Cine Praia Grande, sessões às 15h, exceto sexta e domingo], clássico de Alain Resnais que marcou sua estreia na ficção, quando já tinha um número considerável de documentários curtas-metragens no currículo.
Hiroshima, meu amor é uma espécie de metáfora documental: abre com dois corpos entrelaçados, ora cobertos de poeira (atômica?), ora de chuva (ácida?), passeando depois pela paisagem destruída da cidade-fênix japonesa e pelos corredores de um museu, que exibe os horrores da guerra e particularmente da destruição de Hiroshima, o que inclui escalpos de vítimas da bomba.
O encontro dos amantes, interpretados por Emmanuelle Riva e Eiji Okada, começa com a narração dela para os horrores presenciados e as negativas dele para tudo o que ela diz ter visto – “você não viu nada em Hiroshima”, ele repete várias vezes.
Ela é uma atriz francesa que está em Hiroshima para gravar um filme sobre a paz, cerca de 15 anos após o bombardeio. Ele, um arquiteto que nasceu e trabalha na cidade. Ambos casados, só têm seus nomes revelados no último diálogo.
Com roteiro da escritora francesa Marguerite Duras, o filme gira em torno deste encontro fugaz, levando o espectador a um jogo de lembrança e esquecimento entre acontecimentos do presente e do passado, sem facilidades por parte do diretor.
Enquanto ele tenta convencê-la a ficar mais uns dias em Hiroshima, ela conta como perdeu seu primeiro amor – verdadeiro? Único? –, justamente um soldado alemão, mais ou menos na mesma época em que Hiroshima foi destruída. A conversa mostra como, de uma forma ou de outra, suas vidas foram atingidas pela guerra.
Apesar das negativas iniciais do protagonista masculino estamos diante da encruzilhada entre memória e esquecimento, justiça ou resignação. Impossível não traçar um paralelo com o Brasil de décadas depois, pensando na impunidade irrestrita e vigente de agentes da ditadura militar.
Mestre que correu em paralelo aos da Nouvelle Vague francesa, Alain Resnais, em Hiroshima, meu amor, extrapola os limites do cinema, aliando-o a outras linguagens, tendo a música (de George Delerue e Giovanni Fusco) papel destacado, além das expressões artísticas observadas no museu.
Ao usar um fortuito caso de amor para tratar de temas tão duros, legou à humanidade um filme de poética ímpar. Após quase seis décadas de lançado, segue valendo a pena ser visto e creio que assim o será para sempre.
De amanhã a quarta (22) será exibida a mostra Cinema por elas, com filmes dirigidos por mulheres e ingressos a preços promocionais
Andréia Horta encarna Elis à perfeição. Frame. Reprodução
Elis [drama/biografia, Brasil, 2016], a cinebiografia da cantora gaúcha, emociona por diversos aspectos. Falar da trilha sonora é quase uma obviedade. O grande destaque é a atuação estonteante de Andréia Horta, no papel da protagonista: há ali uma entrega de tal maneira, que ela encarna a personagem à perfeição. É convincente e surpreendente, além de ousado: trata-se da estreia de Hugo Prata na direção cinematográfica, encarando logo um furacão cujo apelido era Pimentinha.
O filme se concentra entre a chegada de Elis Regina ao Rio de Janeiro para tentar o sucesso, no exato instante em que os militares tomavam o poder através de um golpe, até a morte da cantora, passando pelos casamentos e seus altos e baixos na carreira artística e na vida doméstica, além dos embates à direita e esquerda – Henfil (Buce Gomlevsky), cartunista dO Pasquim, desenhou-a cantando em um túmulo, quando a mesma, com medo, cantou nas Olimpíadas do Exército, a que acabou obrigada após críticas ao regime em entrevista a jornalistas durante uma turnê no exterior.
O cartunista e seu irmão Betinho, o sociólogo Herbert de Souza, então exilado, seriam homenageados em O bêbado e a equilibrista, parceria de João Bosco e Aldir Blanc, um dos maiores sucessos de Elis Regina até hoje.
Elis orbita em torno de personagens fundamentais para a carreira da artista: Ronaldo Boscôli (Gustavo Machado), Miéle (Lúcio Mauro Filho), Lennie Dale (Júlio Andrade), Nelson Motta (Rodrigo Pandolfo), Jair Rodrigues (Ícaro Silva) e César Camargo Mariano (Caco Ciocler), entre outros. É feliz ao reconstituir a atmosfera de uma época em que brigavam entre si a bossa nova, a jovem guarda e uma miríade de gêneros abrigada pela genérica sigla MPB, em cuja consolidação Elis Regina teve destacado papel, participando de festivais e programas de tevê.
Compositor que Elis Regina ajudou a projetar, Belchior abre e fecha o filme, com as interpretações da cantora para os clássicos Como nossos pais e Velha roupa colorida, ambas gravadas por ela no disco Falso brilhante [1976], após o sucesso da turnê homônima. Desaparecido há alguns anos, reside aí bela homenagem ao cearense – e mais um bom motivo de emoção para o espectador.
Elis terá sua última sessão no Cine Praia Grande hoje (15), às 18h. Os ingressos custam R$ 16,00 (metade para estudantes com carteira e demais casos previstos em lei).
A partir de amanhã (16), além da programação normal, entra em cartaz a mostra O cinema por elas, inteiramente composta por filmes dirigidos por mulheres – com ingressos promocionais a R$ 6,00 para todos/as –, que exibirá os seguintes títulos:
Amanhã (quinta, 16) 16h20: A cidade onde envelheço, de Marília Rocha
18h20: Às cinco da tarde, de Samira Makhmalbaf
Sexta (17) 16h20: As patricinhas de Beverly Hills, de Amy Hackerling
18h: Selma, de Ava DuVernay
Sábado (18)
16h: Olympia – Volume 1, de Leni Riefenstahl
18h: Point break: caçadores de emoção, de Kathryn Bigelow
Domingo (19)
16h20: Tomboy, de Céline Sciamma
18h: Encontros e desencontros, de Sofia Coppola
Segunda (20)
16h20: Pasqualino Sete Belezas, de Lina Wertmuller
18h15: Psicopata americano (versão da Diretora), de Mary Harron
Terça (21)
16h20: Um divã em Nova Yorque, de Chantal Akerman
18h: Fogo sagrado, de Jane Campion
Quarta (22)
16h20: Maldito coração, de Asia Argento
18h: Sessão Especial Coletivo Salé (entrada franca)
O Imparcial ouviu três cineastas maranhenses para saber: qual o filme favorito no Oscar? Conheça as opiniões de Raffaele Petrini, Joaquim Haickel e Breno Ferreira
As apostas estão a toda, seja pelas redes sociais, mesas de bar ou almoços de família. Quais as suas apostas para o Oscar desta noite? Seja qual for o resultado da tradicional premiação da academia será impossível esquecer a injustiça do governo ilegítimo de Michel Temer (PMDB) para com Aquarius, de Kléber Mendonça Filho.
Unanimidade em qualquer lista de melhores filmes nacionais de 2016, o filme do pernambucano foi boicotado pelo Ministério da Cultura para ser o representante brasileiro no tapete vermelho, logo mais à noite. Uma reação às críticas que o diretor, Sônia Braga (que interpreta a protagonista, Clara) e toda a equipe de Aquarius dirigiram ao processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT) em Cannes. Aquarius teve ainda a classificação indicativa do Ministério da Justiça para 18 anos – para efeitos de comparação, O som ao redor, longa anterior de Kléber Mendonça Filho, tem classificação indicativa de 16 anos.
De férias na Itália, o cineasta e crítico Raffaele Petrini, diretor do Cine Praia Grande, no Centro de Criatividade Odylo Costa, filho (Praia Grande), conversou com a reportagem e apontou suas apostas para a premiação de hoje à noite. “Amo La La Land [deDamien Chazelle], por ser uma homenagem contemporânea a uma maneira de fazer cinema que não existia mais: um cinema romântico, sonhador, bonito de ver, divertido e emocionante. Meu favorito entre os indicados é Até O Último Homem, de Mel Gibson, que dificilmente levará estatuetas. Como melhor filme estrangeiro eu adoraria ver o alemão Toni Erdmann [de Maren Ade] ou o iraniano O Apartamento, de [Asghar] Farhadi, já vencedor do Oscar pelo belíssimo A Separação; inexplicável a ausência de filmes como Julieta, de [Pedro] Almodóvar ou de Elle [de Paul Verhoeven], um dos últimos grandes filmes de sempre, sem comentar o caso Aquarius”, declarou.
La La Land tem 14 indicações ao Oscar. Entre os prêmios possíveis, Petrini acredita que ele tem possibilidade de levar nove estatuetas: melhor filme, melhor diretor, melhor trilha sonora, melhor canção original [City of stars], melhor figurino, melhor montagem, melhor edição de som, melhor som e melhor direção de som.
O também cineasta Joaquim Haickel, diretor do Museu da Memória Audiovisual do Maranhão (Mavam), concorda com Petrini quanto ao filme de Mel Gibson: “Dos indicados a melhor filme é o meu favorito”, declarou, referindo-se a Até O Último Homem, que ele classifica como “um drama de guerra baseado em fatos reais, dirigido pelo sanguíneo Mel Gibson”.
E La La Land? Para Haickel não tem todo este mérito: “coisa da indústria que quer prestigiar um musical. Ora, para fazer um documentário você usa 10 pessoas; para fazer um drama, você usa 200 pessoas; para fazer um musical, você tem 600 pessoas, querem valorizar isso”, declarou.
O cineasta Breno Ferreira aposta sabendo que muito provavelmente perderá na bolsa. “Eu acredito que vá dar La La Land, apesar do Moonlight [de Barry Jenkins] estar chegando nesse momento final com força, mas o meu voto seria para Lion [de Garth Davis]”.
Numa coisa os três concordam: La La Land deve levar a estatueta de melhor trilha sonora. “Para La La Land devem ir também os prêmios de melhor trilha sonora e melhor canção original”, aposta Haickel. Breno é taxativo: “trilha sonora é impossível não dar La La Land”, afirma, colocando-se ao lado de Petrini, que já havia incluído a estatueta entre as possíveis do filme de Damien Chazelle.
“É melhor acreditar em algo utópico que levar uma vida sem sentido”, diz Teresa (Elizabete Francisca Santos), recém-chegada de Portugal, em uma cena de A cidade onde envelheço [drama, Brasil-Portugal, 2016, 99 min., classificação indicativa: 12 anos]. Adiante, respondendo a Francisca (Francisca Manuel), afirma, utopicamente: “eu não vou envelhecer nunca!”.
As frases resumem bem o filme de Marília Rocha, rodado em Belo Horizonte, com inspiração na própria história da atriz que interpreta a personagem que mora há mais tempo no Brasil. Recém-chegada, Teresa é recebida por Francisca, que já tem algumas opiniões formadas sobre o Brasil e o brasileiro e, de certo modo, já está de saco cheio disso aqui. A tensão entre ficar e voltar é um dos fios condutores da trama.
É uma história bem humorada sobre amizade, saudade, decisões e as reviravoltas que a vida e o mundo dão. E também sobre estranhamentos: as diferenças culturais entre Brasil e Portugal são evidenciadas, por exemplo, na crítica de Francisca ao hábito “folgado” de os jovens da periferia “darem uma bola”, isto é, “filar” uma tragada do cigarro alheio – no meio da história tinha um cachorro.
Se os pensamentos de Teresa podem resumir A cidade onde envelheço, filme que levou os prêmios de melhor filme, direção, atriz e ator coadjuvante no 49º. Festival de Cinema de Brasília, ano passado, a sinuca também pode ser uma boa tradução: o ambiente é divertido, bebe-se, mas também se pensa sobre o futuro, metaforizado na melhor tacada para a próxima bola.
As paisagens de Belo Horizonte tornam o filme ainda mais bonito. Se o hábito incessante de fumar das protagonistas nos faz pensar em um filme de época, Jonnata Doll e os Garotos Solventes nos localizam no contemporâneo. Merece destaque à parte a trilha sonora: a banda cujo vocalista interpreta a si mesmo no filme, entre cerveja, rapé e passeios irresponsáveis, e o Jards Macalé do compacto de estreia, de 1970, com Só morto (Burning night) e Soluços.
A letra da última parece traduzir – num filme, afinal, de traduções, cujo português de Portugal falado pelas protagonistas é legendado – uma briga entre as protagonistas: “quando você me encontrar/ não fale comigo, não olhe pra mim/ eu posso chorar”. Mas que amigos não brigam para depois reconciliar-se? A cidade onde envelheço é, também, um filme sobre recomeço.
Serviço
A cidade onde envelheço estreia hoje (9), às 16h20, no Cine Praia Grande (Centro de Criatividade Odylo Costa, filho, Praia Grande), inaugurando a Sessão Vitrine Petrobrás, que exibirá mais de 15 títulos nacionais ao longo de 2017. Os ingressos custam R$ 12,00 (6,00 para estudantes com carteira e demais casos previstos em lei).
Everaldo Pontes e Sabrina Greve em cena de Clarisse. Still. Reprodução
Clarisse (ou alguma coisa sobre nós dois) [Brasil, 2015, drama, 85 min.; classificação indicativa: 16 anos; estreia amanhã (2), no Cine Praia Grande] não é um filme fácil, com suas metáforas sobre a morte e o capitalismo. Melhor longa-metragem cearense de 2016 de acordo com a Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine), entre vários outros prêmios, o drama de Petrus Cariry tem como protagonistas os fantasmas da infância da personagem-título (Sabrina Greve), que a perseguem numa viagem para encontrar o pai (Everaldo Pontes), um milionário da indústria da mineração em fase terminal – da vida, não de seu “sucesso” capitalista.
Pragmático, apesar do hobby de taxidermista, um dos orgulhos do pai de Clarisse é tê-la casado bem, com um estrangeiro (David Wendefilm) que, afinal, acabou por ingressar nos quadros de sua empresa – pouco importa se a filha não é/parece feliz, como demonstra claramente a primeira cena de sexo do filme.
Atormentada, Clarisse sangra, como se o sangue que jorra de qualquer parte de seu corpo, espécie de suor a livrá-la das toxinas da alma, dependendo da ocasião, a aliviasse da companhia dos fantasmas – a mãe e o irmão mortos em sua infância, seguida da transferência para Fortaleza e os estudos na Europa, pagos com o dinheiro do negócio do pai, como ele alega numa das conversas à mesa.
O pai de Clarisse parece não ter tempo para sentimentalidades e o espectador percebe que foi assim a vida inteira. Ela se ocupa das lembranças, entre fotografias e gravações, cujo acesso é facilitado pela empregada (Verônica Cavalcanti), que cuida de tudo: da comida ao banho no velho, passando por matar um porco – os barulhos, aliás, merecem destaque, o grunhido do porco, a explosão da pedreira, causando incômodos.
Os personagens de Clarisse parecem ter a compreensão da finitude da vida, mas parecem não se importar. “Está fazendo o que sabe de melhor: ganhar dinheiro”, devolve Clarisse ao pai, sobre seu genro, talvez criticando estes tristes tempos, talvez soando socialista, comunista ou coisa que o valha, talvez tão somente buscando ser feliz, quando decide demorar mais do que o previsto longe de Fortaleza e do marido, em Maranguape – o filme foi rodado entre as duas cidades –, onde vive o pai e onde, em busca de lucro, ele aos poucos foi destruindo seu próprio meio ambiente – que importa? O importante é lucrar, acima de tudo e em nome de qualquer coisa, parecem ecoar os sinais destes tristes tempos.
Penetrar o desconhecido e mágico território do sagrado. É o que faz o documentarista Denis Carlos em Iemanjá pela última vez [Brasil, 2016, 31 min.], que conta a história de Allana Karoline, que durante alguns anos vestiu-se para celebrar Iemanjá, nas festas devotadas à divindade no Terreiro da Fé em Deus, conduzido por Mãe Elzita – fotografada por Márcio Vasconcelos em Zeladores de voduns.
A pequena e febril Karol teve uma visão. Era um chamado e logo o mal-estar foi embora. A partir de então, uma demonstração prática e bonita de sincretismo cultural e religioso: a procissão de Nossa Senhora da Conceição, além de anjos, tinha agora a rainha do mar.
Denis Carlos faz valer a máxima que se tornou um clichê – e seu filme passa longe de qualquer clichê –, uma câmera na mão e uma ideia na cabeça, para acompanhar o último ano de Karol como Iemanjá, como entrega o título. Não é um salto no escuro, o documentarista tem domínio da situação, deixa suas personagens à vontade – inclusive um gato que encara a câmera para depois se afastar como se nada tivesse acontecido –, num filme bonito em sua simplicidade, como o terreno pelo qual se aventura.
O toque de mina, o cântico católico, o samba “profano”, a banjo, saxofone e trombone, e a prova de que é possível o convívio harmônico entre os diferentes, num tempo em que o ódio é uma espécie de vírus propagado pelo ar e pelas ondas.
Há solenidade e emoção quando outra garota assume o papel de Iemanjá. Onde às vezes tudo o que se exige é respeito, Denis Carlos vai além e dá uma importante contribuição para o cinema do Maranhão, as religiões de matriz africana e a superação de preconceitos, sem ser panfletário, com a beleza e leveza que queremos ver quando vamos ao cinema.
Serviço
Iemanjá pela última vez será lançado em sessão hoje (27), às 19h, no Cine Teatro da Cidade de São Luís (antigo Cine Roxy, Rua do Egito, Centro), com entrada gratuita.
Quase nunca me arrisco em listas de melhores do ano. Apesar dos olhos e ouvidos atentos ao que rola no mundo da arte/cultura/entretenimento, sei que ando longe de ter lido/ouvido/assistido a tudo, ou ao menos a maior parte, além do fato de o Maranhão ser um tanto fora de rota (apesar de louváveis esforços mais ou menos recentes) e as coisas (livros, discos, shows, filmes, peças etc.) demorarem (ou nem) a chegar(em) até aqui. O fato é que sempre acho que minhas listas estão aquém do que poderiam/deveriam ser. E nisto, certamente os poucos mas fiéis leitores concordarão comigo. E concordarão mais ainda os que discordarem da lista, vocês entendem.
O fato é que Marcelo Costa, um dos pioneiros do jornalismo cultural na internet brasileira, editor do Scream & Yell, convidou-me (baita honra!) para votar nos Melhores de 2016 de seu site. Ele esteve em São Luís em novembro passado, participando do Festival BR 135/ Conecta Música, ocasião em que mediei uma mesa com ele, Alexandre Matias (Trabalho Sujo) e Roberta Martinelli (Cultura Livre, Som a Pino).
Até o final de janeiro Scream & Yell publica seu resultado final, compilando os votos de cerca de 100 formadores de opinião de todo o Brasil – esta sim, a lista que vale a pena. Torno públicos, a seguir, meus votos, tendo deixado algumas categorias incompletas e outras sem preencher – ambos os casos frutos do exposto no parágrafo inicial.
MELHOR DISCO NACIONAL
Só vou chegar mais tarde. Capa. Reprodução
1. Só vou chegar mais tarde, Edvaldo Santana – O cantor e compositor de São Miguel Paulista já citava São Luís e o tambor de crioula na letra de Jataí, faixa-título de seu álbum anterior, com cujo show (no formato voz e violão) passou pelo Cine Teatro da Cidade de São Luís em novembro daquele ano. Neste novo disco volta a surpreender: o bolero Ando livre cita o Bar do Léo, que ele conheceu naquela viagem, e conta com a participação especial de Rita Benneditto. Mas ele não encabeça essa lista por puro bairrismo. Ouçam e entendam!
Tropix. Capa. Reprodução
2. Tropix, Céu – Perfume do invisível estava na trilha de Velho Chico, o melhor acontecimento da teledramaturgia brasileira em 2016. Orgânico e eletrônico, o disco tem produção do francês Hervé Salters (General Elektriks) e Pupilo (Nação Zumbi). Merece destaque a regravação de Chico Buarque song, da mítica Fellini.
Fábrica de animais. Capa. Reprodução
3. Fábrica de Animais, Fábrica de Animais – Não foi à toa “Fazendo do mundo um lugar mais legal pra viver” ter dado título à minha resenha do segundo disco da banda liderada por Fernanda D’Umbra, batizada por romance de Edward Bunker. Rock’n roll de alta voltagem poética.
Hóspede da natureza. Capa. Reprodução
4. Hóspede da natureza, Cátia de França – Disponível para download gratuito e legal na web, o disco novo de Cátia de França levou 10 anos maturando. Gravado em 2005, com músicos que tocaram com Cássia Eller, só foi lançado ano passado, revelando a força da autora de Kukukaya, gravada por Xangai e Elba Ramalho.
Bagaça. Capa. Reprodução
5. Bagaça, Bruno Batista – O quarto disco de Bruno Batista é o primeiro em que ele grava parcerias. Sempre que ouço o artista, em discos ou shows, me pergunto: quando é que Maria Bethânia e/ou Ney Matogrosso irão gravar suas canções?
MELHOR DISCO INTERNACIONAL
Day breaks. Capa. Reprodução
1. Day breaks, Norah Jones – O retorno da artista ao jazz.
You want it darker. Capa. Reprodução
2. You want it darker, Leonard Cohen – 2016 foi um ano de grandes baixas. A exemplo de Bowie, Cohen deixou um belo disco antes de partir.
Blue & Lonesome. Capa. Reprodução
3. Blue & Lonesome, Rolling Stones – Se o blues é o pai do rock, os vovôs Stones seguem na ativa com um belo disco na volta às origens.
Blackstar. Capa. Reprodução
4. Blackstar, David Bowie – A “necrofilia da arte” (como cantou o Pato Fu) em torno do camaleão ter previsto a própria morte não ofuscou (ainda bem!) a beleza e a importância de seu derradeiro registro.
I still do. Capa. Reprodução
5. I still do, Eric Clapton – Título autoexplicativo.
2. Di Melo, O Imorrível, Festival BR 135, Praça da Criança, São Luís – Outra noite mágica! O lendário Di Melo, pela primeira vez na ilha, acompanhado por instrumentistas locais. Show ao vivo não deixou nada a dever ao groove do disco inaugural de Di Melo, de 1975, um dos grandes álbuns do soul/funk brazuca. Apresentação misturou músicas daquele com faixas de O imorrível [2016], segundo álbum oficial de Di Melo.
Foto: Jotabê Medeiros
3. Tássia Campos, Encontrando Belchior, Odeon Sabor e Arte, São Luís – 2016 foi o ano do #foratemer e do #voltabelchior. O show que a cantora dedica ao repertório do cearense teve algumas edições. Esta, particularmente, contou com a participação especial de Jotabê Medeiros, que contou uma história, uma das muitas que conta/rá em Pequeno perfil de um cidadão comum, belchiorgrafia que publica este semestre. O jornalista esteve em São Luís participando da Feira do Livro, ocasião em que leu um trecho inédito do livro que está escrevendo.
Foto: Márcio Vasconcelos
4. Bruno Batista, Bagaça, Mandamentos Hall – “O melhor show de Bruno Batista (até aqui)”, anotei em texto sobre o show.
Fotosca: ZR
5. Alexandra Nicolas, Eu vou bulir com tu, Espigão Costeiro da Ponta d’Areia, São Luís – A cantora realizou sete apresentações em praças públicas de São Luís, com repertório baseado em ritmos consagrados no Nordeste, pitadas de duplo sentido e um pé também no carimbó paraense. Os shows serviram também de teste de repertório para seu segundo disco, provisoriamente intitulado Bulir com tu, que ela começa a gravar neste primeiro semestre, a ser lançado ainda em 2017.
Matheus Nachtergaele e Rafael Nicácio em cena de Big jato. Frame. Reprodução
2. Big Jato, de Claudio Assis – Baseado na autoficção homônima de Xico Sá, o filme tem Mateus Nachtergaele em dois papéis e a participação especial de Jards Macalé interpretando o príncipe Ribamar da Beira Fresca, espécie de louco da aldeia.
Lua em sagitário. Cartaz. Reprodução
3. Lua em sagitário, de Márcia Paraíso – Belo romance juvenil merece destaque por abordagem diferenciada em relação ao (quase) sempre criminalizado MST.
4. Trinta e poucos, Antonio Prata – Coletânea de crônicas publicadas na Folha de S. Paulo do melhor cronista em atividade no Brasil (sorry, Luis Fernando Veríssimo).
Os visitantes. Capa. Reprodução
5. Os visitantes, B. Kucinski – O autor confirmou seu nome entre os grandes da literatura brasileira já em seu livro de estreia (na ficção), K, de 2011. Os visitantes é uma espécie de errata literária: Kucinski faz um novo livro a partir de incorreções de obra anterior, com a ditadura militar brasileira como tenebroso cenário.
O MELHOR DA TV
Reprodução
1. Cultura Livre, TV Cultura – Roberta Martinelli conviveu alguns anos com Fernando Faro, o nome mais importante para a música na televisão brasileira. Após sete temporadas de resistência com o Cultura Livre, ela estreou o diário Som a Pino, na Rádio Eldorado e assina uma coluna com o mesmo nome nO Estado de S. Paulo. Martinelli é uma das mais atentas observadoras da cena musical contemporânea no Brasil. Fernando Faro não deixa lacuna e certamente se orgulha dos esforços e resultados da discípula.
2. Baile do Baleiro, Canal Brasil – O maranhense Zeca Baleiro transformou em programa de tevê a ideia simples e eficiente de um show/festa em que se une a nomes das mais variadas gerações e estilos musicais para cantar suas memórias afetivas. Primeira temporada teve seis episódios e em seu palco nomes como Blubell, Wado, Odair José, Maria Alcina e Luiz Ayrão, entre outros, entre música e conversa. Que 2017 traga outra temporada, tão inspirada quanto.
Foto: divulgação/ Canal Brasil
3. Transando com Laerte, Canal Brasil – Nos últimos anos, Laerte deu algumas guinadas em sua vida/carreira, mostrando-se bastante competente em todas. No programa, explora sua veia de entrevistador e segue como a cartunista que melhor traduz a tragédia brasileira em tempos de golpe.
4. Velho Chico, Globo – A novela merece destaques pelo elenco, fotografia, locação e trilha sonora. Quase naufraga com a tragédia que levou Domingos Montagner, o Santo dos Anjos, um de seus protagonistas, que morreu afogado nas águas do Rio São Francisco, cujo apelido batizou a trama.
Documentário traça rico painel da psicanálise no Brasil
[O Imparcial, ontem]
Hestórias da psicanálise. Cartaz. Reprodução
A princípio, o título Hestórias da psicanálise – Leitores de Freud [documentário, Brasil, 2016, 96 minutos; em cartaz no Cinépolis São Luís Shopping] pode afastar espectadores que não se julguem conhecedores da obra do pai da psicanálise, mas o que vemos no filme de Francisco Capoulade, ele também psicanalista, é um desfile de depoimentos sobre diversos aspectos da obra e vida do importante pensador austríaco.
Sérgio Paulo Rouanet, que empresta nome à controversa lei federal de incentivo à cultura, sancionada quando ele era secretário da Cultura do governo Collor, inicia aproximando o universo de Freud do de Machado de Assis, quando relata ter recomendado a alguém, ao fim de uma palestra, livros do bruxo de Cosme Velho, insistindo na dica quando é aprofundado o recorte: “mas eu estava falando de psicanálise”, disse sua interlocutora, ao que ele repete, “Machado de Assis”.
É uma espécie de senha para o elogio da linguagem em Sigmund Freud. Não são poucos os relatos dos que se apaixonaram pelo autor pela forma como ele escreve, a despeito de, a princípio, não terem entendido nada – não é um filme baseado em achismos, estamos diante de autoridades quando o assunto é o legado freudiano, uma espécie de mapa psicanalítico do Brasil, cujas belas paisagens, ao lado de Áustria e Alemanha, ligam os diversos capítulos que formam a película, passeando, além do personagem lido, por temas como cultura, história e tradução – não à toa o trocadilho do título do filme, que começa com o vai e vem da maré e vozes sobrepostas dialogando em alemão, língua em que Freud escreveu toda a sua obra.
É uma espécie de desnudamento de Freud – autor para o qual o sexo, “assunto popular”, é tão caro – para iniciados ou não, a partir de particularidades do pensamento brasileiro, em que o autor é, de algum modo, popular, mesmo entre os que nunca o leram ou nunca frequentaram um divã. Impossível não lembrar o “Freud explica” com que Zé Ramalho pontua sua Chão de giz, quase um dito popular.
Depoimentos, entre outros, de André Carone (filósofo e tradutor), Christian Dunker (psicanalista e escritor), Cristiana Facchinetti (psicanalista e historiadora da psicanálise), Hannes Stubbe (psicólogo e escritor), Joel Birman (psicanalista), Lúcia Valladares (psicanalista e historiadora da psicanálise), Luiz Alberto Hanns (psicanalista e tradutor), Lya Luft (escritora), Mário Eduardo C. Pereira (psicanalista e psiquiatra), Paulo César de Souza (germanista e tradutor), Ricardo Goldenberg (psicanalista e escritor) e Terêncio Hill (psicanalista e pensador) ajudam a compor um rico – e brasileiríssimo – painel sobre a importância, pluralidade, popularidade e atualidade de Freud.
É um documentário convencional e um pouco cansativo, os depoimentos seguindo-se, um após o outro, na montagem do rico painel. Necessário para, desta vez, em vez de algo ser explicado por Freud, tentar entendê-lo.
Creio ainda não ser possível mensurar se a polêmica envolvendo a equipe de Aquarius [drama, Brasil, 2016, 145 minutos; em exibição no Cine Praia Grande] em Cannes, que protestou contra o golpe que cassou a presidenta Dilma Rousseff, ajudou ou atrapalhou os números da bilheteria do novo filme de Kléber Mendonça Filho. Independentemente disso, trata-se de uma obra-prima do cinema nacional.
Dono de uma voz bastante particular, o cineasta pernambucano soa talvez profético em Aquarius. É a história de Clara (Sônia Braga), jornalista aposentada, que venceu um câncer e agora luta sozinha contra os tubarões da especulação imobiliária na grande Recife. É o prédio em que Clara mora, na praia de Boa Viagem, e do qual não quer sair, que dá título ao filme.
Quem assistiu O som ao redor certamente também o aprovará. Os filmes têm alguns paralelos: ambos têm Recife como cenário, repetem alguns atores da predileção de Kléber Mendonça Filho (Irandhir Santos e Maeve Jinkings, entre outros), são divididos em capítulos, têm mais de duas horas de duração, não possuem uma moral da história explícita – ao fim o espectador crê que a história não acaba ali e se pergunta que rumos tomam os personagens após os créditos.
No microcosmo de seu enredo o cineasta acaba trazendo à tona problemas brasileiros bastante comuns. Clara é quilombola, negra, indígena, ribeirinha, camponesa, quebradeira de coco, presidenta da República apeada do poder. Clara são todos os que significam algum obstáculo ao desenvolvimento, ao progresso, à modernização – mesmo que modernizar seja apenas botar um nome espalhafatoso (e ridículo) em inglês e instalar umas câmeras de segurança.
A protagonista representa todo esse povo sofrido, mas estamos longe de alguém sem instrução ou desprovida. Viúva, possui cinco apartamentos – poderia se mudar para qualquer um ou mesmo comprar outro em qualquer lugar com o dinheiro que lhe é oferecido pela construtora que, afinal de contas, já comprou todos os outros apartamentos do edifício Aquarius.
É uma questão não de birra, mas de resistência e memória. “Esse apartamento é onde vocês foram criados”, diz durante uma visita dos três filhos. Clara passa a sofrer as investidas de quem quer por força despejá-la, numa espécie de guerrilha psicológica – e biológica.
Aquarius critica as elites do país e os reacionários que acham que tudo pode se resolver na base do dinheiro. “A questão não é dinheiro”, diz Clara noutra cena, investindo na contraofensiva.
Drama com ares de suspense e uma trilha sonora também emocionante, que ajuda a contar a história – Clara possui uma invejável coleção de vinis, embora não nutra desprezo por mídias digitais. O tema, afinal, é mote para uma crítica ao jornalismo contemporâneo, quase sempre mais preocupado com manchetes sensacionalistas que com (a veracidade d)o conteúdo publicado – os jogos de poder travados nos bastidores do jornalismo também comparecem à trama.
A luta solitária de Clara não se encerra em si mesma, como nenhum problema brasileiro está isolado e o filme toca em questões sensíveis como a violência (o filho da empregada atropelado enquanto volta do trabalho) e a ausência (ou o desinteresse) de um debate sobre a questão das drogas (o pequeno traficante branco e classe média acima de qualquer suspeita), ingredientes de nossa barbárie cotidiana.
Independentemente de questões extra-cinematográficas – o protesto em Cannes, a classificação indicativa com tons de censura militar e/ou o boicote na indicação do título nacional ao Oscar – boicotar Aquarius, como de resto qualquer obra de arte, é burrice. Ou medo. De o cinema ser espelho e se ver refletido nalgum daqueles papéis. Ou de perceber que está errado e nem sempre quem fala bem ou anda arrumadinho é o melhor para desempenhar determinada função na imensa engrenagem chamada Brasil. Longe de ser panfletário, Aquarius é também um convite à luta pelo que acreditamos.
A pintura da fachada do edifício, autorizada por Clara que, afinal de contas, agora mora ali sozinha, é um novo ponto da guerra travada pela construtora, do qual a personagem precisa se defender, juridicamente inclusive. É também uma alegoria: há tanto para descascar em Aquarius que dificilmente uma resenha dará conta. Sobretudo nestes tristes tempos de Fla x Flu político, em que o filme tem sido injustamente reduzido ao que não é: Aquarius é maior que o protesto de sua equipe em Cannes e outros eventos cinematográficos mundo afora e bem maior que a minha e a sua opinião ou posição político-ideológica neste momento conturbado e sempre.
Melhor nome de banda desde a Isca de Polícia do saudoso Itamar Assumpção, a Fábrica de Animais acaba de lançar seu segundo disco, pelo mítico selo Baratos Afins, de Luiz Calanca. O álbum, a exemplo do de estreia, leva apenas o nome da banda, inspirado no romance que o ator e escritor Edward Bunker escreveu quando de sua passagem pela penitenciária americana de San Quentin.
A máxima dos Stones se aplica perfeitamente à banda paulista: é só rock’n roll, mas eu gosto. Na verdade é mais que rock: Flávio Vajman (gaita), Cristiano Miranda (bateria), Fernanda D’Umbra (voz), Caio Góes (contrabaixo) e Sérgio Arara (guitarra) fazem um rock vigoroso, com pitadas de blues e letras de alta voltagem poética.
Seguindo a trilha das referências, umas mais, outras menos explícitas – capa e ilustrações são assinadas por Angeli –, Hendrix é a primeira palavra que ouvimos no disco, em De quando lamentávamos o disco arranhado (Beatriz Provasi/ Fábrica de Animais), sua faixa de abertura. Um delicioso rock’n roll sobre o fim de um relacionamento e seus símbolos.
Jogo de dardos (Marcelo Montenegro/ Cristiano Miranda) também é sobre separação: “saca só o tamanho do estrago/ o que tá escrito na fita não é o que tá gravado/ pode levar o Crumb/ eu só quero ficar com esse jogo de dardos”.
Tudo errado (Fernanda D’Umbra/ Fábrica de Animais) é um blues visceral sobre um amor impossível e cita Roberto Carlos de raspão: “eu sei, eu tô acostumada a sair sem pagar/ voltar de madrugada pro mesmo lugar/ passar os dias latindo em frente ao seu portão/ tá tudo errado”.
Noite daquelas (Marcelo Montenegro/ Sérgio Arara/ Fábrica de Animais) dialoga com Diversão (Sérgio Britto/ Nando Reis), hit dos Titãs: “posso até te ligar pra te convidar/ mas só de ouvir meu alô, você vai sacar/ que hoje não tem jogo nem beijo de novela/ pois hoje o que eu preciso/ é de uma noite daquelas”. A atriz band leader encarna a personagem protagonista da faixa numa interpretação de total entrega, afinal uma marca da grande cantora que é, e precisa urgentemente ser descoberta por mais gente Brasil afora – torço para que De carona com Fábrica de Animais (veja trailer ao fim deste post), documentário de Edson Kumasaka (autor da foto da banda no encarte do disco), tenha sucesso no In-Edit Brasil e cumpra esse papel.
Se bem observarmos, o amor permeia todo este Fábrica de Animais, o disco. Erro (Sérgio Arara) talvez seja um de seus nomes possíveis, não dizem que ele é cego? “Tem um erro encravado na parede da sala/ que atravanca minha vida/ que me fode em nome do amor”, dispara a letra, para arrematar: “erro, tente esquecer/ aceite sua sorte/ encare sua morte/ tenha ele o nome que for”.
A esperançosa Tarde demais (Cristiano Miranda/ Rubens K), uma das mais “tranquilas” do álbum, é sobre o amor possível: “tarde demais você falou algumas coisas banais/ não importa o que aconteça/ tarde demais você falou algumas coisas legais/ e era o que eu mais precisava”.
A irônica Água salgada (Fernanda D’Umbra/ Fábrica de Animais) evoca melodicamente Raul Seixas e toda a pré-história do rock, de nomes como Carl Perkins, W. Penniman e Neil Sedaka, entre outros, lembrada pelo baiano em 30 anos de rock (1973). “No meio do mar não adianta chorar/ o que não falta aqui é água salgada”.
Em Ritalina (Fernanda D’Umbra/ Sérgio Arara) a quase homônima Rita Lee é citada: “não vou mais ouvir Rita Lee/ vou tomar ritalina”, diz a letra, citando a droga hoje bastante popular, em meio a “prestar atenção nos detalhes desse mundo chato” e suas coisas aparentemente simples.
Som cafona (Sérgio Arara) é uma espécie de blues abolerado, mais uma faixa sobre fim de relacionamento e o balanço natural a que normalmente são levados os que passam por isso.
Nervosa, Bossa nóia (Sérgio Arara) fecha o disco em meio a mais um fim de relacionamento, e talvez a vontade de voltar, dialogando com Malandragem (Cazuza/ Frejat), sucesso de Cássia Eller: “princepezinho virou sapo, tchau!/ tem chulé meu sapato de cristal/ no truco nunca serei ás de paus/ essa vida é engraçada/ quando alguém sonha com fadas/ tem-se a sensação de não viver/ só que a minha fada é foda”.
Fechar o disco é modo de dizer: uma faixa escondida, sem título, explode num rock alucinante, escancarando o modus operandi punk da Fábrica de Animais. “Eu não tenho dinheiro”, repetem o verso carma, o que nunca foi uma desculpa para deixar de fazer, enquanto desconstroem símbolos do conforto da classe média.
Violentar o status quo foi desde sempre uma tarefa que coube ao bom e velho rock’n roll. “Vou prestar atenção nos detalhes desse mundo chato”, voltamos à letra de Ritalina, a Fábrica de Animais subvertendo-os e ajudando a tornar este mundo um lugar menos chato pra viver.
*
Assista trailer de De carona com Fábrica de Animais, documentário de Edson Kumasaka:
Coprodução Brasil-Argentina, Lua em sagitário [romance, 2016, 100 min.], de Márcia Paraíso, é um comovente road movie adolescente. Embora não seja sua pretensão, a ficção ajuda a compreender o conturbado momento político que o país atravessa, em que ódio e preconceito jorram ad infinitum, sobretudo em redes sociais, mas não só.
Na pacata Princesa, em Santa Catarina, fronteira com a Argentina, praticamente nada acontece, e nem sinal de celular e acesso à internet são fáceis, o que é motivo de tédio para grande parte dos adolescentes que habitam o município.
Ana (Manuela Campagna, melhor atriz no Festival de Avanca, em Portugal, em 2016), uma delas, tem por diversão frequentar A Caverna, misto de sebo e lan house de um argentino apelidado LP (Jean Pierre Noher), por motivos óbvios. Ela se inscreve em um concurso de vídeos feitos no celular para disputar um par de passaportes para o Psicodália, um famoso festival de música psicodélica no Brasil – aliás, a trilha sonora de Lua em sagitário é um espetáculo à parte: Boogarins, Black Drawing Chalks, Repolho, Novo Código Genétigo, Charly Garcia, Skrotes (não confundir com Strokes), Jhonny Hooker, Serguei, Tulipa Ruiz, Niño Elefante e Zé Pinto, entre outros.
N’A Caverna, ela, filha de um comerciante local, a quem ajuda fazendo entregas em sua bicicleta, conhece Murilo (Fagundes Emanuel), assentado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra que toca bateria em uma banda e também fez um vídeo para concorrer aos ingressos para o Psicodália.
O pai de Ana (Chico Caprario) é uma caricatura da classe média que repete ad nauseam o discurso de clichês e preconceitos da big old midia sobre o MST. É nessa luta de classes que aflora a paixão proibida dos adolescentes, que viverão sua primeira aventura a bordo de uma velha moto rumo à capital catarinense, para ver o festival – quem ganha a promoção é Lara (Clara Ferrari), que presenteia o casal com o prêmio.
Em meio à aventura, Ana e Murilo hospedam-se na casa de Jones e Ula, interpretados respectivamente por Serguei e Elke Maravilha, esta em seu último papel no cinema.
O romance é feliz ao abordar a realidade de acampamentos e assentamentos do MST e o debate sobre a reforma agrária no Brasil, quase sempre escamoteada pela falta de vontade da classe política em geral e pelo comportamento agressivo de gente como o pai de Ana, mais comum fora da ficção do que se imagina.
Em determinada altura, ao serem destratados por um casal de playboys, Murilo desabafa: “a gente vive uma luta de classes, pensar diferente disso é pura ilusão. Sem terra é pobre e a elite da sociedade brasileira tem horror, tem raiva, tem nojo mesmo. Pessoas como aquela guria não pensam, ela só vomita o que ouve do pai, do avô. Eles podem não ter mais nada, podem estar tudo fodido, ter perdido tudo, mas vão continuar pensando como elite, por gerações e gerações”. A feição de Ana, raivosa pelo ocorrido, muda, ao murmurar em resposta um “eu te amo”.
É um filme de final feliz quase óbvio, mas deixar de vê-lo por isso ou por divergir ideologicamente do MST – ou, de resto, da esquerda –, é deixar de se emocionar com uma bela e bem contada história de amor. Eu ia escrever adolescente, mas o amor não tem idade. E vence a luta de classes.
Serviço
Lua em sagitário está em cartaz até o dia 14 (quarta-feira) no Cine Praia Grande (Centro de Criatividade Odylo Costa, filho, Praia Grande), com sessões às 16h40 e 18h30. Os ingressos custam R$ 16,00 (com meia entrada para os casos previstos em lei e para todos às segundas-feiras).
Realizadores, debatedores e professores ao fim da jornada cinematográfica da Estácio. Foto: divulgação
Na noite da última segunda-feira (5) participei, na condição de debatedor, de uma jornada cinematográfica promovida pela Faculdade Estácio de São Luís. A convite da professora Márcia Alencar, dividi a mesa com a antropóloga Rose Panet, o jornalista Gilberto Mineiro e o diretor do Cine Praia Grande – que abrigou o evento – Raffaele Petrini, sob mediação do jornalista Paulo Pelegrini, também professor da instituição.
Entre 20h e 21h30 vimos seis documentários de curta-metragem realizado por estudantes da Estácio – os filmes eram frutos de trabalhos acadêmicos apresentados à disciplina Linguagem e Roteirização para Audiovisual, ministrada por Márcia Alencar.
Os 120 lugares do cinema foram poucos para abrigar tanta gente que foi prestigiar os trabalhos. Cada filme abordou um aspecto diferente (de parte) da história (da ilha) de São Luís.
Comida de terreiro abordou o aspecto gastronômico, sua variedade, riqueza e delícia, como parte integrante e importante de rituais em casas de culto afro, com depoimento de pai e filha de santo, antropóloga e nutricionista.
No caminho do Piranhenga, com uma pegada de filme publicitário, revela um ponto turístico pouco conhecido pelos ludovicenses, apesar de bastante próximo do Centro da cidade e com acesso relativamente fácil, inclusive de ônibus: o sítio que dá nome ao documentário. São abordados aspectos históricos e arquitetônicos, perpassando as histórias dos proprietários e o período da escravidão – a equipe mostrou a casa grande, a senzala onde os escravos ficavam confinados e os poços usados para o abastecimento da propriedade, quando ali funcionava uma fábrica de cal.
Bondes de São Luís resgata a história do antigo meio de transporte, desde a tração animal até ser completamente abolido, dando lugar principalmente a ônibus, com todos os problemas do serviço de transporte público da capital maranhense, e carros novos – o transporte particular, quase sempre individual, acaba sendo uma das principais maneiras de se buscar fugir do caos, no entanto contribuindo para problemas como os constantes engarrafamentos em determinados horários e locais da ilha. Destaque para o depoimento do professor Henrique Borralho, do departamento de História da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Impossível aos espectadores não imaginar como seria hoje um passeio de bonde pelo Centro Histórico de São Luís, valorizando o turismo e colaborando para a solução de (parte dos) problemas de mobilidade urbana.
Timbuba – a vida no shopping guarda, já no título, uma irônica surpresa: antes de ver o filme o espectador é levado a pensar no ambiente climatizado de um shopping center, mas o shopping a que se referem os protagonistas é o lixão de Timbuba, na cidade balneária de São José de Ribamar. É como os próprios catadores de materiais recicláveis referem-se a seu local de trabalho, revelando o que Cesar Teixeira já havia cantado em Shopping Brazil [2004] e um bom humor inimaginável para quem trabalha em ambiente e com materiais e condições tão adversos. Personagem principal do documentário, o senhor Ribamar, xará do padroeiro, estava na plateia e foi aplaudido pelos presentes.
Casa das tulhas conta parte da história da secular Feira da Praia Grande, mais antigo comércio do tipo em São Luís. A equipe entrevista o folclórico Corintiano, feirante famoso por sua devoção ao Corinthians Paulista e ao Sampaio Correa – ele dá seu depoimento trajando uma camisa com os escudos dos dois times do coração – e pelas cachaças que ele mesmo tempera e batiza com nomes hilariantes: fogosinha, fogozada e fura-ferro, entre outras, que diz serem afrodisíacas. Junto a Timbuba é o documentário em que fica mais evidente o envolvimento das equipes na realização dos filmes, com pitadas de making of tornando-se, também, conteúdo emocionante. Casa das tulhas foi completamente filmado com o uso de smartphones.
Fotografia e barbárie parte do impacto psicológico causado por cliques em fotógrafos: como estes profissionais reagem a determinadas situações cruéis – em geral cadáveres de vítimas de homicídios, latrocínios, linchamentos, acidentes etc. – captadas por suas lentes, em nome do ofício. O filme tem depoimentos do professor e cineasta Murilo Santos, papa da área, e do fotojornalista Francisco Silva – poderia ter sido enriquecido com depoimentos de mais profissionais, o que deve ser aprofundado quando da realização do trabalho de conclusão de curso de uma das autoras, conforme ela revelou.
Saí satisfeito com a organização do evento – incluindo todos os professores citados mais Poliana Ribeiro, João Paulo Furtado e Lila Antoniere, coordenadora do curso de Comunicação Social – e a qualidade do debate e dos filmes apresentados – superaram em muito o “trabalho acadêmico” e, com uns ajustes aqui e acolá, podem ter êxito no circuito brasileiro de festivais, não se restringindo aos círculos universitários.
Que os estudantes peguem gosto e realizem mais. A julgar pelo que vimos na noite de anteontem, o cinema do Maranhão tem assegurada a manutenção da qualidade que marca a obra de Murilo Santos, Francisco Colombo e Frederico Machado, nomes fundamentais em qualquer antologia local de cinema que se preze.
Antes da fama mundial com Cidadão Kane [1941, 119 minutos], Orson Welles transmitiu, em 1938, uma adaptação radiofônica de A guerra dos mundos, de H. G. Wells.
Em outubro de 1971, a rádio Difusora, ao completar 16 anos, repetiu a experiência, com a diferença de que, nos Estados Unidos de mais de 30 anos antes, os ouvintes sabiam tratar-se de obra de ficção.
A invasão marciana anunciada pelos radialistas de cá, entre os quais o sonoplasta Elvas Ribeiro, vulgo Parafuso, em cuja insuspeita opinião Cidadão Kane é o melhor filme de todos os tempos, foi tratada como se fosse real, assustando alguns ouvintes.
A história é deliciosamente contada em Outubro de 71: memórias fantásticas da Guerra dos Mundos, organizado pelo professor Francisco Gonçalves da Conceição, hoje secretário de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular.
Lembro o episódio por conta da mostra Mr. Faker – Orson Welles e a autoria na indústria do cinema, que o Sesc/MA abre amanhã (12), às 18h30, no Cine Praia Grande (Centro de Criatividade Odylo Costa, filho, Praia Grande), de graça – os ingressos podem ser retirados na bilheteria do cinema, com meia hora de antecedência a cada sessão.
“Faker (impostor) é uma referência recebida por Orson Welles por criar um conceito estético em sua obra onde o falso foi utilizado como essência da própria arte para confrontar e desmascarar a realidade em busca da verdade”, explica o texto de divulgação da mostra.
Serão exibidos 11 filmes de Welles, a começar por sua estreia, Cidadão Kane, interpretado pelo próprio diretor. Indicado ao Oscar em várias categorias, o filme levou a estatueta de melhor roteiro original. O diretor tinha então, apenas 25 anos.
Cidadão Kane retrata a vida do fictício Charles Foster Kane, baseada na do real William Randolph Hearst, barão da mídia estadunidense, dono de uma rede com mais de 30 jornais, personagem fundamental para o conceito de imprensa marrom.
Entre os filmes da programação também está A marca da maldade [1958, 95 min.], misto de policial e suspense, digno de Hitchcock. Com música de Henri Mancini (autor do antológico tema de A pantera cor de rosa), a obra escancara a questão da corrupção e violência policial, com sua fábrica de provas contra quem deseja incriminar – mais atual, impossível.
Veja a programação completa da mostra Mr. Faker – Orson Welles e a autoria na indústria do cinema:
Amanhã (12) 18h30: Cidadão Kane
13 (quarta-feira) 16h: Grilhões do passado [1955, 93 min.]
18h: Verdades e mentiras [1973, 89 min., colorido]
20h: A marca da maldade
14 (quinta) 16h: Falstaff: o toque da meia noite [1965, 98 min.]
18h: O estranho [1946, 95 min.]
20h: Macbeth [1948, 89 min.]
15 (sexta) 14h: A dama de Shangai [1947, 87 min.]
18h: Dom Quixote [1992, 116 min.]
20h: Soberba [1942, 88 min.]
16 (sábado) 14h: O processo [1962, 107 min.]
18h: Cidadão Kane 20h: Verdades e mentiras
Matheus Nachtergaele e Rafael Nicácio em cena de Big jato. Frame. Reprodução
Big jato [Brasil, 2016, drama, 88 min.] é uma metáfora. A ficção autobiográfica de Xico Sá, na qual se baseia o novo filme de Claudio Assis, é um retrato das entranhas do Brasil profundo, sem saneamento básico, apesar de avanços em outras áreas, na qual, afinal, se assenta a obra do cineasta, autor de Amarelo manga, Baixio das bestas e Febre do rato, entre outros.
Francisco (Rafael Nicácio) acompanha o pai homônimo (Matheus Nachtergaele) em suas missões de limpar a merda alheia no caminhão que dá título à obra, um velho “fenemê”. Entrando na puberdade, o menino é admirador confesso de seu tio Nelson (também interpretado por Nachtergaele), locutor de uma rádio local, aspirante a artista, boêmio inveterado e anarquista convicto, que apresentou os Beatles ao pai, sua única diversão além da cachaça, espécie de desinfetante de seu ofício.
Entre a merda que os outros mandam embora e a cachaça que Francisco, o pai, manda pra dentro, não passam de rusgas o convívio com a esposa, vivida por Marcélia Cartaxo em destacada interpretação – é comovente a cena em que ela, revoltada, joga fora um punhado de vinis do velho na fossa de casa, dando origem a outra fossa, curada – ou prolongada – com mais cachaça.
Peixe de Pedra é cidade pacata, de poucas almas viventes – e menos ainda as preocupadas em não virarem fósseis –, de tranquilidade somente interrompida pelo ronco do Big jato, pelos arroubos poéticos do príncipe Ribamar da Beira Fresca, espécie de louco da aldeia interpretado por Jards Macalé, pelos impropérios do locutor de rádio ou pela chegada de Ana Paula, para desespero do coração (de poeta) do menino Xico.
Big jato é outra metáfora. Embora obra de ficção, a autobiografia de Xico revela o menino cearense que foi estudar jornalismo no Recife e dali partiu para São Paulo, Rio de Janeiro e onde mais houver notícia interessante, esta sua trajetória. Hoje comentarista esportivo e cronista de costumes de rosto fácil na tevê, ele já gastou muita sola de sapato atrás de corrupção em Brasília, de homens-gabiru no Nordeste (em premiada matéria para a revista Veja, sobre inanição na região) e da mudança de cenários a partir do Bolsa-Família (o livro-reportagem Nova geografia da fome, dividido com o fotógrafo Ubirajara Dettmar).
Francisco pai diz preferir perder um filho para qualquer coisa na vida que para a poesia. “Concentra na matemática!”, afinal é o que dá dinheiro, e tome bordoadas. Mas o menino está contaminado pelo vírus inoculado pelo tio, inventor de uma interjeição que periga pegar fora da telona: “lerilai”, muito repetida durante a película.
A trilha sonora de DJ Dolores, cantada em uma língua inventada, é mote para a revelação de um segredo inventado: a grande influência do quarteto de Liverpool foram Os Betos – cujo vocalista é interpretado por Lailson de Holanda, lenda viva do udigrudi pernambucano. No filme, a banda se completa com Erasto Vasconcelos (irmão de Naná), Xandinho (do Má Companhia) e Hugo Lins.
Big jato são várias metáforas: grande vencedor do 48º. Festival de Cinema de Brasília (prêmios de melhor filme, ator, atriz, roteiro e trilha sonora), ano passado, serve, no momento, para discutir a necessidade da existência de um Ministério da Cultura e de uma Lei Rouanet, mais uma grande obra do cinema nacional, realizada através de renúncia fiscal. E no desgraçado momento político em que vivemos serve para pensar que embora uns aparentem não “fazer” – o verbo é do menino, no começo do filme, indagando ao pai, na boleia do caminhão, se esta ou aquela personalidade “fazia” –, os atuais mandatários “fazem” bastante, literalmente falando ou não. O perigo é uns voltarem a não “fazer” por não comer.
*
Veja o trailer:
Big jato está em cartaz no Cine Praia Grande. Sessões às 15h (segunda, quarta, quinta e sábado) e 18h30 (todos os dias, exceto quinta e sábado). Ingressos: R$ 14,00 e R$ 7,00 (inteira e meia, respectivamente, de terça a domingo). Às segundas-feiras todos pagam meia.
Num clássico poema de sua lavra, o alemão Bertolt Brecht cravava: “o pior analfabeto é o analfabeto político”. Arrisco dizer, décadas depois: o pior analfabeto político é o que pede a volta da ditadura militar, tendo ou não passado pelo regime de trevas que subjugou o Brasil entre 1964 e 85.
A este tipo de analfabeto, literalmente jogando luz sobre o período, o Cine Praia Grande oferece, a partir deste domingo (27), a mostra Golpe nunca mais, fruto de parceria do cinema com a Cantaria Filmes, Petrini Filmes e Cineclub Amarcord. A partir de domingo, sempre às 18h, com entrada franca, quatro filmes sobre o citado período.
De resto, segue a programação normal da sala de cinema do Centro de Criatividade Odylo Costa, filho (Praia Grande), com Malala [EUA, documentário, classificação indicativa: 10 anos, 88 minutos, direção: David Guggenheim], sessões às 15h e 16h30, e Chico – artista brasileiro [Brasil, documentário, classificação indicativa: 10 anos, 115 minutos, direção: Miguel Faria Jr.], sessões às 20h (exceto terça-feira). Os ingressos custam R$ 14,00 (meia para casos previstos em lei). Às segundas-feiras, meia para todos. Alunos de cursos do CCOCf pagam R$ 5,00.
Útil para analfabetos políticos, Golpe nunca mais é aberta a qualquer apreciador/a de cinema nacional de qualidade que queira ver ou rever os títulos da mostra, de graça.
Mostra Golpe nunca mais – Programação
Domingo, 27
Batismo de sangue [de Helvécio Ratton. Brasil, drama, 2006, 110 minutos] São Paulo, fim dos anos 60. O convento dos frades dominicanos torna-se uma trincheira de resistência à ditadura militar que governa o Brasil. Movidos por ideais cristãos, os freis Tito (Caio Blat), Betto (Daniel de Oliveira), Oswaldo (Ângelo Antônio), Fernando (Léo Quintão) e Ivo (Odilon Esteves) passam a apoiar o grupo guerrilheiro Ação Libertadora Nacional (ALN), comandado por Carlos Marighella (Marku Ribas). Eles logo passam a ser vigiados pela polícia e posteriormente são presos, passando por terríveis torturas.
Segunda, 28
Cabra marcado para morrer. Cartaz. Reprodução
Cabra marcado para morrer [de Eduardo Coutinho. Brasil, documentário, 1984, 119 minutos. Narração: Ferreira Gullar] Início da década de 1960. Um líder camponês, João Pedro Teixeira, é assassinado por ordem dos latifundiários do Nordeste. As filmagens de sua vida, interpretada pelos próprios camponeses, foram interrompidas pelo golpe militar de 1964. 17 anos depois, o diretor retoma o projeto e procura a viúva Elizabeth Teixeira e seus 10 filhos, espalhados pela onda de repressão que seguiu ao episódio do assassinato. O tema principal do filme passa a ser a trajetória de cada um dos personagens que, por meio de lembranças e imagens do passado, evocam o drama de uma família de camponeses durante os longos anos do regime militar.
Terça, 29
O que é isso, companheiro? Capa. Reprodução
O que é isso, companheiro? [de Bruno Barreto. Brasil/EUA, drama, 1997, 110 minutos] O jornalista Fernando (Pedro Cardoso) e seu amigo César (Selton Mello) abraçam a luta armada contra a ditadura militar no final da década de 1960. Os dois se alistam num grupo guerrilheiro de esquerda. Em uma das ações do grupo militante, César é ferido e capturado pelos militares. Fernando então planeja o sequestro do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Burke Elbrick (Alan Arkin), para negociar a liberdade de César e de outros companheiros presos.
Quarta, 30
Retratos de identificação [de Anita Leandro. Brasil, documentário, 2014, 71 minutos] Na época da ditadura militar, os presos políticos eram fotografados em diferentes situações: desde investigações e prisões até em torturas, exames de corpo de delito e necropsias. Hoje, dois sobreviventes à tortura veem, pela primeira vez, as fotografias relativas às suas prisões. Antônio Roberto Espinosa, o então comandante da organização VAR-Palmares, testemunha sobre o assassinato de Chael Schreier, com quem conviveu na prisão. Já Reinaldo Guarany, do grupo tático armado ALN, relembra sua saída do país em 1971, em troca da vida do embaixador suíço Giovanni Bucher. Ele conta como foi sua vida no exílio e fala sobre o suicídio de Maria Auxiliadora Lara Barcellos, com quem vivia em Berlim. Com essas revelações e testemunhos, segredos de um passado obscuro do país voltam à tona.