SaGrama celebra 25 anos (+2) com circulação musical e pedagógica

O grupo SaGrama. Foto: divulgação

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Grupo pernambucano chega à São Luís este mês, com oficina e espetáculo musical em duas sessões

O grupo pernambucano SaGrama, um dos mais importantes da música instrumental brasileira em atividade, chega à São Luís nos próximos dias 26 e 27 de maio, em circulação originalmente programada para 2020 – quando completou 25 anos de atividade –, interrompida pela pandemia de covid-19.

A circulação inclui espetáculos musicais e atividade formativa, e é patrocinada pelo Instituto Cultural Vale, com incentivo do Ministério da Cultura (MinC), através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, e apoio do Sesc Maranhão, Rádio Universidade e Rádio Timbira. A realização é da Atos Produções, Ministério da Cultura e Governo Federal – União e Reconstrução.

História – O SaGrama surgiu em 1995, por iniciativa do flautista e professor Sérgio Campelo, no Conservatório Pernambucano de Música. O grupo se equilibra na linha tênue entre a música erudita e a música popular, valorizando as tradições culturais nordestinas.

Em 1998 o grupo gravou a trilha sonora original da série/filme “O Auto da Compadecida”, de Guel Arraes, baseada na obra de Ariano Suassuna (1927-2014), veiculada pela Rede Globo. O SaGrama realizou diversas outras trilhas sonoras, dividiu palcos no Brasil e no exterior, com artistas como Alceu Valença, Antonio Nóbrega, Maestro Spok, Silvério Pessoa, Quinteto Violado e Elba Ramalho – cujo cd/dvd “Cordas, Gonzaga e Afins” (produzido por Sérgio Campelo e Tostão Queiroga), de 2015, venceu o 27º. Prêmio da Música Brasileira nas categorias melhor álbum e melhor cantora no ano seguinte e foi indicado ao Grammy latino na categoria Música de raízes em 2017.

Formação – O grupo tem 10 cds lançados, sendo o mais recente “Na Trilha de Uma Missão” (2022), com o cantor Gonzaga Leal, com canções baseadas na pesquisas das Missões Folclóricas (1938) do escritor e musicólogo Mário de Andrade (1893-1945). Atualmente o grupo é formado por Sérgio Campelo (flautas, arranjos e direção artística), Ingrid Guerra (flautas), Crisóstomo Santos (clarinete e clarone), Cláudio Moura (viola nordestina, violão, arranjos e codireção), Aristide Rosa (violão), João Pimenta (contrabaixo acústico), Antônio Barreto (marimba, vibrafone e percussão), Tarcísio Resende (percussão), Dannielly Yohanna (percussão) e Isaac Souza (percussão).

Programação em São Luís – Dia 26 de maio (sexta-feira), das 15h às 18h, o percussionista Tarcísio Resende ministra a oficina “O mundo da percussão reciclável”, no novo prédio do Curso de Música da Universidade Estadual do Maranhão (Uema, Rua da Palma, 316, Praia Grande).

Dia 27 (sábado), é a vez de o SaGrama fazer duas apresentações musicais, no Teatro Sesc Napoleão Ewerton (Condomínio Fecomércio, Av. dos Holandeses, qd. 24, s/nº, Jardim Renascença II): às 16h e às 20h. A primeira sessão é exclusiva para escolas públicas e instituições que trabalhem a inclusão social através da cultura; a segunda, aberta ao público, com o ingresso sendo trocado por um livro (para doação a bibliotecas comunitárias), a partir de duas horas antes do início do espetáculo.

Após a primeira sessão, integrantes do grupo conversam sobre ritmos nordestinos com a plateia (professores e alunos de escolas públicas e instituições que trabalhem com inclusão social através da música), permitindo um maior mergulho do público na obra do SaGrama e nos diversos ritmos tocados pelo grupo. Serão abordados ainda a trajetória, as fontes de referência e a diversidade e riqueza dos ritmos musicais do Nordeste brasileiro. A conversa é, obviamente, ilustrada musicalmente, para identificação e assimilação dos referidos ritmos – o encontro foi pensado como contrapartida social do projeto.

Serviço – SaGrama em São Luís

O quê: Oficina “O mundo da percussão reciclável”
Quem: Tarcísio Resende, percussionista do SaGrama
Quando: 26 de maio (sexta), das 15h às 18h
Onde: novo prédio do Curso de Música da Universidade Estadual do Maranhão (Uema, Rua da Palma, 316, Praia Grande).
Quanto: grátis

O quê: apresentações musicais
Quem: SaGrama
Quando: 27 de maio (sábado), às 16h e 20h
Onde: Teatro Sesc Napoleão Ewerton (Av. dos Holandeses, qd. 24, s/nº, Jardim Renascença II)
Quanto: primeira sessão gratuita (para escolas públicas e instituições que trabalhem a inclusão social através da cultura); segunda sessão, troca de ingresso por um livro (para doação a bibliotecas comunitárias) a partir de duas horas antes do início do espetáculo.

Patrocínio: Instituto Cultural Vale, com incentivo do Ministério da Cultura (MinC), através da Lei Federal de Incentivo à Cultura
Apoio: Sesc Maranhão, Rádio Universidade e Rádio Timbira
Realização: Atos Produções, Ministério da Cultura e Governo Federal – União e Reconstrução.

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Ouça “Na Trilha de Uma Missão”, de SaGrama e Gonzaga Leal:

“Marte um” e um inédito protagonismo negro no cinema brasileiro

Eunice (Camilla Damião) e Deivinho (Cícero Lucas) em cena de “Marte um”. Frame. Reprodução

Sob a égide do governo neofascista de Jair Bolsonaro (embora isso não comece exatamente com ele), vivemos um período em que a ignorância (vizinha da maldade, como já cantava a Legião Urbana) é cultivada, incentivada e orgulhosamente exibida. É um período em que mais que não ser racista é necessário ser antirracista, embora a mente escravagista de boa parte dos brasileiros se encontre hoje respaldada por exemplos e instituições do governo federal e, por isso mesmo, mais que nunca é preciso combater esse tipo de ideia.

Em “Marte um”, o nome do miliciano que tomou de assalto o Palácio do Planalto, embalado por uma sórdida rede de mentiras com que se elegeu e governa, é a primeira coisa que ouvimos. Mas a eleição e o desgoverno do ex-capitão servem somente para localizar temporalmente os acontecimentos desta ficção que tende ao documentário. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência, os dizeres clássicos que alertam os espectadores a cada filme, traduzem o Brasil real, com sua máscara de cordialidade disfarçando o racismo veladamente vigente ainda.

A opção primeira do diretor e roteirista (negro) Gabriel Martins salta aos olhos, para racistas e antirracistas: a negritude tem protagonismo inédito no cinema nacional, com quase a totalidade do elenco do filme formada por negros, numa inversão da equação costumeira: quantos filmes e novelas já não assistimos (e nos acostumamos) em que negros e negras não passavam de subalternos entre a cozinha e, no máximo, o volante?

Tércia (Rejane Faria) e Wellington (Carlos Francisco) em cena de “Marte um”. Frame. Reprodução

A trama habilmente costurada se desenrola em situações corriqueiras, que poderiam acontecer na casa ou na vizinhança do resenhista, do/a leitor/a, em qualquer lugar do Brasil, a partir de uma típica família de classe média brasileira, formada por um casal heterossexual (Wellington, zelador de um condomínio de luxo, frequentador do Alcoólicos Anônimos, vivido por Carlos Francisco, e a diarista Tércia, personagem de Rejane Faria), pais de uma estudante de direito (a lésbica Eunice, interpretada por Camilla Damião, que, num gesto de afirmação, decide sair de casa e ir morar com a namorada) e um garoto (Deivinho, por Cícero Lucas), que joga bola de óculos, projetando o sonho do pai, enquanto o dele mesmo é tornar-se astrofísico – de onde vem o título do filme.

Longe de qualquer panfletarismo, “Marte um” é agradável de se ver, um dos grandes lançamentos cinematográficos brasileiros deste início de século, daqueles filmes em que o espectador não percebe o tempo passar, e sobretudo brasileiríssimo (no que isso tem de bom e ruim), entre traquinagens infantis, fanatismo por futebol (o ex-jogador uruguaio Sorín faz uma ponta, interpretando a si mesmo), churrasco e cerveja em festa de aniversário no quintal, os dilemas típicos de quem está deixando a adolescência e entrando na idade adulta, o fosso que separa a elite de seus serventes e a dificuldade do brasileiro médio em empatar as contas ao final do mês.

Detratores do cinema nacional e operadores da guerra ideológica travada pelo bolsonarismo no pouquíssimo que restou da estrutura voltada ao cinema e à cultura em geral, num governo que destruiu estruturas como o Ministério da Cultura (e sucateou a Ancine até não poder mais), devem torcer-lhe o nariz, pois o filme é de afirmação: da população negra enquanto sujeitos de direitos, das possibilidades que dignidade e cidadania garantem a estes mesmos sujeitos e da transformação social realizada pelas políticas de cotas, algo negado somente por cínicos, mal-intencionados em geral e gente intelectualmente desonesta que acredita que reconhecer isto signifique perder privilégios.

Gabriel Martins convida à reflexão ao cavoucar o dedo na ferida. “Marte um” levou o prêmio de melhor filme no júri popular do Festival de Gramado e é o primeiro filme dirigido por um cineasta negro a ser escolhido para representar o Brasil no Oscar.

“Marte um”. Cartaz. Reprodução

Serviço – O filme será exibido na sessão de abertura do 45º. Festival Guarnicê de Cinema, hoje (23), às 19h, no Teatro Sesc Napoleão Ewerton (Condomínio Fecomércio, Av. dos Holandeses, s/nº., Calhau). Os ingressos, gratuitos, podem ser retirados na bilheteria do teatro, sujeito à lotação do local.

Veja a programação completa do evento.

O racismo nosso de cada dia

Foto: Adeloya Magnoni. Divulgação
Foto: Adeloya Magnoni. Divulgação

​O título é um spoiler: Traga-me a cabeça de Lima Barreto trata realmente disso. A peça foi apresentada ontem (22), no Teatro ​​Sesc Napoleão Ewerton (Condomínio Fecomércio, Av. dos Holandeses, Jd. Renascença II), integrando a programação do projeto Palco Giratório.

Interpretado por Hilton Cobra, o monólogo da carioca Cia. dos Comuns, livremente baseado nos livros Diário íntimo e Cemitério dos vivos, obras póstumas de Lima Barreto, simula um julgamento do escritor pelo I Congresso Brasileiro de Eugenia, realizado em São Paulo, em 1935, pela Sociedade Brasileira de Eugenia, fundada por Renato Kehl, um racista que se supunha cientista. O ator em cena dialoga com áudios e textos projetados na tela, remontando falas do citado congresso e trechos de seus anais.

Ainda não se haviam completado 50 anos da abolição da escravidão no Brasil e as teses fundamentais do evento eram notoriamente racistas: defendiam abertamente a eliminação da população negra, quer pelo cruzamento de brasileiros com europeus (brancos), quer pela eliminação física de “degenerados” e “desgraçados”, para repetir aqui termos então usados.

Afonso Henriques de Lima Barreto, nascido exatos sete anos antes da abolição da escravidão no Brasil, autor de clássicos da literatura brasileira, entre os quais Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909), Triste fim de Policarpo Quaresma (1911), Os bruzundangas (1923) e Clara dos Anjos (1948), era pobre, preto, louco e alcoólatra.

A peça contrasta o horror do racismo infelizmente ainda vigente com a força da negritude que ousou contrariar as previsões da época, de que em 70 anos já não existiriam negros no Brasil, opiniões saídas das mentes e bocas, tidas por eles mesmos como superiores, de gente como Monteiro Lobato e Nina Rodrigues.

Um trunfo da montagem é certa desconexão cronológica: Lima Barreto, falecido em 1922, é julgado num evento de 1935 e chega a narrar a morte do próprio pai, ocorrida três dias depois da sua, o que permite também à dramaturgia trazer para dentro da cena o racismo bolsonarista, destilado pelo presidente da república e por seus fiéis e ferozes seguidores e eleitores (os ainda não arrependidos). É triste, cruel e preocupante saber que somos governados por alguém que apoia, se não todas, a maioria absoluta das teses daquele deplorável evento.

Apesar da tragicidade, há um quê de comédia, por exemplo na fina ironia com que Machado de Assis é tratado: “certamente minha obra seria outra se em vez de álcool eu me nutrisse de chá de camomila”, diz Lima Barreto a certa altura. “E eu estaria batendo papo às cinco da tarde com o inacreditavelmente imortal Merval Pereira”, ironiza.

O jornalista e o presidente da república não são os únicos contemporâneos lembrados no texto. Para comprovar que o racismo no Brasil de 2019 é o mesmo de 1935, o Lima Barreto da Cia. dos Comuns lembra Marielle Franco e Anderson Gomes, além de crianças assassinadas pela necropolítica de Wilson Witzel. É a população negra e pobre que continua a ser exterminada cotidianamente. “Anotem o que estou lhes dizendo: Conceição Evaristo jamais chegará à Academia Brasileira de Letras”, vaticina.

Em vida e obra, em 1935 ou 2019, Lima Barreto (ainda) tem razão. Infelizmente.