A tristeza alegre de Itaercio Rocha

Foto: Guta Amabile
Foto: Guta Amabile

Ao ouvir a expressão “Ralando o cotovelo no asfalto” penso imediatamente em Lupicínio Rodrigues (1914-1974). Mas não há nenhuma música do gaúcho no coeso repertório do show que o cantor e compositor Itaercio Rocha voltou a apresentar, ontem (5, ocasião em que assisti) e anteontem (4), no Auditório Ulisses Manaças do Solar Cultural da Terra Maria Firmina dos Reis (Rua Rio Branco, 420, Centro).

Chamar-lhe cantor e compositor é pouco: o multi-artista é autor do lindo cenário, ornado por corações bordados. Acompanhado por Chico Neis (violões, arranjos e direção musical) e Gabriela Flor (percussão), Itaercio Rocha inverte a equação: em um show intimista (por isso no auditório em vez de na área aberta da casa), faz o público vibrar ao percorrer canções que falam de amor, solidão, traições, abandonos e desencontros, aliando seu canto potente à sua veia de ator.

Itaercio sobe ao palco sozinho e manda “Cão sem dono”, de Sueli Costa (1943-2023) e Paulo César Pinheiro, à capela: é a senha para mergulharmos num universo misto de dor de cotovelo (o repertório) e alegria (poder testemunhar um artista de sua envergadura no palco, ao vivo).

A costura do medley que une “Pra dizer adeus” (Edu Lobo e Torquato Neto [1944-1972]) e “Serra da Boa Esperança” (Lamartine Babo [1904-1963]) é coisa de gênio. Tom Jobim (1927-1994) dizia que difícil era fazer o simples e imediatamente, ao ouvi-las juntas, me peguei pensando: como é que ninguém havia pensado nisso antes?

Entre momentos em trio ou sozinho no palco, Itaercio Rocha, sempre fugindo do óbvio, desfilou ainda temas de Caetano Veloso (“Do cóccix até o pescoço”, lançada por Elza Soares [1930-2022]), Luiz Gonzaga (1912-1989) (“Juazeiro”, parceria com Humberto Teixeira [1915-1979]), João do Vale (1934-1996) (“Bom vaqueiro”, parceria com Luiz Guimarães) e o megahit “Alvejante” (Céu Maia), um dos momentos em que o público cantou junto. No bis mandou a autoral “Ele me ama”, talvez seu maior hit.

Não era a estreia do show, já apresentado em outras ocasiões e palcos e é curioso pensar que um espetáculo dessa magnitude não consiga ficar em cartaz por mais tempo em São Luís, mesmo tendo sido feito às próprias custas s. a., como diria Itamar Assumpção (1949-2003).

O pequeno auditório estava lotado e espero sinceramente que surjam novas oportunidades a quem, por um motivo ou outro, não tenha conseguido assisti-lo desta vez. Antes mesmo de os cotovelos se recuperarem das cicatrizes e de se desfazerem os sorrisos extasiados com que a gente costuma sair de um show irretocável.

Elza na tela do Maranhão na Tela

Elton Medeiros conta que João da Baiana foi preso diversas vezes pelo simples motivo de andar nas ruas com um pandeiro na mão. No início do século XX isso era sinônimo de vadiagem. Até que um dia, um senador seu amigo deu-lhe um pandeiro e escreveu uma dedicatória no couro, indicando quem tinha sido o autor do mimo. O pandeiro passou a, além de instrumento, servir de documento a João da Baiana.

Elza Soares revela que um dia sonhou ser prostituta. Na inocência de criança ou adolescente, ouvira a mãe de uma conhecida acusá-la de e ouvir um “sou. Sou prostituta, sim. Sou linda, gostosa, maravilhosa”. Para a futura cantora, ser prostituta era isso. “Era tudo o que eu queria ser. Eu achava que tinha encontrado minha profissão”, conta, divertindo-se e a todos nós.

Estes são dois depoimentos marcantes em Elza [documentário, 2008, Brasil, 82min., direção: Izabel Jaguaribe e Ernesto Baldan], que conta ainda com nomes como Caetano Veloso, Maria Bethania, Jorge Benjor, o violonista João de Aquino, o antropólogo Hermano Vianna, Mart’nália, Paulinho da Viola, José Miguel Wisnik e outros.

Bela homenagem a uma das maiores cantoras brasileiras de todos os tempos, o filme poderia ser menor, sem prejuízo ao conteúdo. O encontro com Maria Bethania, em que elas desfilam sambas de roda acompanhadas de um pandeiro, é longo e cansativo, com uma troca de elogios quiçá desnecessária. Noutro momento, Jorge Benjor canta Jorge de Capadócia sozinho, com Elza Soares entrando apenas ao final.

O filme foi exibido ontem, dentro da programação do Maranhão na Tela, no estacionamento da Praia Grande. A exibição foi prejudicada pela iluminação normal do lugar, o burburinho dos passantes, um dos pagodes que infestam o lugar irrompendo antes do fim do filme, a falta de cadeiras e o início antecipado da sessão – quando cheguei, pouco antes das 19h30min, horário anunciado nos folders com a programação, o filme já havia começado. Vi todo o resto em pé.

Penso que a produção poderia potencializar o uso das duas salas onde também está acontecendo o Maranhão na Tela: o Cine Praia Grande, que tem uma programação mais cheia, e o Teatro Alcione Nazaré, que não mais terá sessões a partir de segunda-feira – o festival acontece até sexta (16).

Hoje tem Natimorto [drama, 2009, Brasil, 92min., direção: Paulo Machline], baseado no livro de Lourenço Mutarelli, com o próprio de protagonista.

Vamos amar

Há uns dias caí num programa da TV Brasil que exibiu o clipe abaixo (que eu não conhecia, confesso). Sempre gostei dessa música, Façamos (Vamos amar), versão do genial Carlos Rennó para música de Cole Porter, magistralmente gravada por Elza Soares e Chico Buarque em Do cóccix até o pescoço, excelente disco da diva.

O apresentador do programa falava algo acerca da “safadeza” da letra e comentava como caíram bem as ilustrações de mestre Angeli para o videoclipe. Concordo. Tirem suas próprias conclusões: