Doc didático reconta história do rock brasileiro, ainda que de forma superficial

Rock brasileiro – História em imagens [documentário, Brasil, 2009, 70min., direção: Bernardo Palmeiro], exibido ontem (9) no Maranhão na Tela, traça um panorama da cena rock no Brasil desde o seu início até os dias atuais. Do nascimento, entre a Jovem Guarda e a Tropicália, com Roberto e Erasmo Carlos, Gilberto Gil e Os Mutantes, passando por Novos Baianos e Raul Seixas – talvez o nome mais importante do gênero no Brasil até aqui –, até a falta de rebeldia e excesso de emotividade de nomes contemporâneos como Fresno e NX Zero.

É um filme linear e extremamente didático, perfeito para iniciantes no assunto – o filme foi feito para uso em escolas, fico sabendo depois da sessão. A montagem tem seus defeitos, com excesso de branco nos cortes e “colagens” das imagens anunciadas no título – fala-se, por exemplo, em Secos & Molhados, e fotos de Ney Matogrosso, João Ricardo e Gerson Conrad, integrantes do revolucionário conjunto, sobrepõem-se umas às outras, tentando em vão uma unidade. Incomodam também as capas de discos de Raul Seixas passando em frente ao depoimento de Charles Gavin (ex-baterista de Ira! e Titãs, responsável pelo relançamento em cd de discos fundamentais da música brasileira, hoje apresentador de programas sobre música no Canal Brasil).

Outro defeito pode ter sido justo a falta de recorte: impossível cumprir a promessa do título em pouco mais de uma hora de filme. O assunto dá muito pano pra manga e nomes importantes são esquecidos ou subestimados. Tim Maia, por exemplo, tem sua importância para o rock nacional, seja ao ensinar Roberto e Erasmo a tocar violão, seja ao influenciar Os Mutantes – “Qualquer semelhança com Tim Maia é mera coincidência”, nos avisam Rita e os irmãos Baptista no encarte do Jardim Elétrico (1971) –; Chico Science parece ser apenas mais um, surgido nos anos 1990. Não é. Francisco Ciência – como o chamaria um radical Ariano Suassuna – é o responsável pelo último movimento da música brasileira, o manguebeat, uma personalidade importantíssima no panorama da música brasileira recente.

Pitty, num depoimento que soa meio arrogante, diz algo como “não é por eu ser baiana que eu tenho que colocar um berimbau no rock”, referindo-se ao hibridismo que muitos tentaram, sem sucesso – ou com sucesso e sem qualidade. Acerta a moça ao dizer que na Nação Zumbi isso soa(va) natural, sem forçar a barra – eu acrescentaria aí o mundo livre s/a, para ficar apenas em mais um nome do movimento pernambucano. Lobão e Lulu Santos, gostemos ou não, são outros dois nomes simplesmente “esquecidos”. Vivas à lembrança de Júlio Barroso e sua Gang 90.

Embora o filme não traga imagens raras não deixa de ser pelo menos engraçado analisar o figurino de astros como Cazuza – com uma calça coladíssima num Rock in Rio – e/ou as bermudas e camisas coloridas d’Os Paralamas do Sucesso – noutro. Ou no mesmo. Ou num Hollywood Rock, sei lá.

Embora reconheçamos as dificuldades para se conseguir falar com determinados artistas, a voz em off do narrador é recurso que poderia facilmente ser dispensado com mais depoimentos. Os de Liminha são um capítulo à parte: tendo tocado com Os Mutantes, produziu discos d’Os Paralamas do Sucesso, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Nação Zumbi, entre outros. Ele, quase a própria história do rock brasileiro.

Malditos cartunistas, benditos Daniéis

Era de se esperar que boa parte da plateia (pequena) passasse quase todo o filme gargalhando. Malditos cartunistas [documentário, Brasil, 2010, 93min., direção: Daniel Garcia e Daniel Paiva], exibido anteontem (7) no Teatro Alcione Nazaré (Maranhão na Tela), conta com depoimentos importantes de cartunistas, chargistas, quadrinhistas, desenhistas, tiristas – “existe isso?”, um deles se pergunta –, ou tudo isso ao mesmo tempo. Ou, antes de tudo isso, simplesmente humoristas.

De Jaguar e Ziraldo (O Pasquim) a Ota (Mad), passando por Angeli (Chiclete com Banana), Adão Iturrusgarai (Aline), Allan Sieber (Vida de estagiário), Glauco (Abobrinhas da Brasilônia) em sua última entrevista (foi assassinado em março do ano passado junto ao filho Raoni; a eles o filme é dedicado), Laerte (Piratas do Tietê), André Dahmer (Malvados), Lourenço Mutarelli (creditado como o desenhista que abandonou os quadrinhos para se dedicar à literatura), Chiquinha (única mulher do grupo) e Maurício de Souza (Turma da Mônica), entre outros.

O pai de Cascão, Cebolinha e Magali, aliás, destoa dos demais da turma, por ter sido o primeiro a assumir um padrão industrial de produção: muitas das histórias de Maurício de Souza – para não dizer quase todas – hoje são criadas por profissionais contratados por seu estúdio, que há muito já nem se dedica mais exclusivamente aos gibis. Mas disso já sabíamos, antes mesmo de assistir o documentário. O que não tira o brilho do filme. Nem a importância do desenhista.

A maldição dos cartunistas sugerida pelo título é relativa: com Chiclete com Banana Angeli chegou a vender quase 200 mil exemplares da revista em bancas nos anos 1980 e hoje publica tiras na Folha de S. Paulo, como outros noutros jornais; Ziraldo é apresentador de tevê e teve diversos personagens seus levados à telinha (O menino maluquinho, Pererê), Reinaldo era Ótima Bernardes (entre outros personagens) no global Casseta & Planeta Urgente!, vários deles têm sistematicamente sido (re-)publicados em edições de bolso pela L&PM e vários etc.

Os depoimentos de Malditos cartunistas são hilários, constantes a auto-tiração de sarro, a auto-ironia, o rir da própria desgraça (antes de desenhar a própria e/ou a alheia). Os olhares sempre bem humorados acerca de diversas temáticas: a profissão em si, cultura, humor, política, poder, dinheiro, sexo, machismo, censura (engana-se quem pensa que acabou com o fim da ditadura)…

Mutarelli é o mais engraçado, mesmo que não quisesse. Confessa chutar “manicure” quando indagado sobre sua profissão ao preencher fichas em hotéis; e diz que convidado para um evento como cartunista “me pagaram 300 paus; pouco depois, fui como escritor, recebi um pau e 600”; o mais careta, sem graça e, por que não?, sério é Maurício de Souza, em uma imponente “mesa de chefe” – antes, a câmera passeia por seus estúdios, com uma funcionária explicando o passo-a-passo da feitura da Turma da Mônica até os gibis chegarem às mãos de seus filhos. Sobre os cenários, aliás, vale destacar: prestem bem atenção neles e nos trajes de nossas personalidades. Estantes, pilhas de livros, mesas e pranchetas de trabalho, computadores, lixo e camisas com motivos animados nos ajudam a entender um pouco melhor o universo dessas figuras.

São vários “humoristas” falando sobre as mesmas coisas, depoimentos em sequência, um aceso na bagana do outro, mas não acerta quem pensa em cansaço, enfado ou sono durante a sessão – isso seria como acreditar que “quadrinhos são coisa de criança”.  O doc mostra (explicitamente) que não.

Se nem os próprios cartunistas se levam tão a sério, imagine a sociedade em geral: quadrinhos ou são “coisa de criança” ou são apenas para serem vistos e lidos, uma risada rápida e acabou. Ledo engano. Muitas vezes um cartoon, uma charge, uma tira, nos fazem compreender melhor determinada situação, apesar de uma página ou mais, com matéria(s) sobre o assunto, no mesmo jornal. É a tradução risonha do “uma imagem vale mais que mil palavras” – se vier com legenda ou balões, então…

Levando a sério quem ri e tira sarro de si mesmo o tempo todo durante as entrevistas, Malditos cartunistas joga luz em personalidades importantes, quase sempre marginalizadas, em geral rotuladas de produtores de “sub-cultura” ou coisa que o valha. A estrutura do filme em si é simples: depoimentos, depoimentos e mais depoimentos, no melhor esquema “faça você mesmo”. Certamente muito material ficou de fora e as figuraças que desfilam pela tela bem poderiam falar mais e mais e mais. O filme não angariou recursos públicos – é dos raros em que não vemos as logomarcas de sempre no início da projeção – e deve ter saído barato. Entre aspas: seus realizadores também desenham e, fãs do elenco, o que deve ter facilitado um pouco as coisas, pagaram tudo do próprio bolso, às próprias custas s. a., mestre Itamar.

O doc resgata até mesmo um fato ocorrido em Porto Alegre, quando a prefeitura financiou uma revista de funcionários da municipalidade. Anos depois a cena é engraçada, um apresentador de tevê rotulando os editores de pornógrafos, defendendo a moral e os bons costumes, os “réus” nervosos, defendendo seu ponto de vista. Adão respondeu a processo durante anos pelo episódio. E a Prefeitura Municipal da capital gaúcha desde então não mais financiou a produção/publicação de quadrinhos.

Ainda durante a sessão impossível não lembrar de filmes, digamos, correlatos: Wood & Stock e Dossiê Rê Bordosa, baseados em personagens de Angeli. Bom seria um doc para cada um dos malditos entrevistados. Oxalá!

Deixo os poucos-mas-fieis leitores com o trailer do documentário.

A quem interessar possa, haverá outra sessão de Malditos cartunistas no Maranhão na Tela (programação completa aqui; chegar com meia hora de antecedência para retirada de ingressos, gratuitos, na bilheteria): dia 15 (quinta-feira), às 21h, no Cine Praia Grande.

Um assalto hilariante

Assalto ao Banco Central [Brasil, 2011, 104min., ação (comédia?) direção: Marcos Paulo] é um bom filme e justificaria sala cheia. Infelizmente, não é o que acontece – ou fui eu quem demorou muito a ir? Na em que vi, cerca de vinte almas riram bastante durante a sessão. Por que é um filme engraçado. Não faz apologia ao crime, tampouco termina com a moral de “o crime não compensa”.

“Conta”, “detalhadamente”, a história do plano, de sua execução e das investigações do assalto ao Banco Central, acontecido na capital cearense em 2005, o maior do século, como nos lembra o cartaz. Na ocasião foram levados 164 milhões de reais por quem o planejou durante meses, entre conseguir plantas, pensar e executar a obra do túnel, que começa na casa alugada pelos assaltantes e termina no cofre da instituição, fora do alcance das câmeras de segurança e dos sensores eletrônicos.

A riqueza de detalhes me faz crer que há muito de ficção ali, sem tirar-lhe o brilho. Como, aliás, outro filme nacional que narra outro assalto mui famoso: a versão cinematográfica dO Assalto ao Trem Pagador [Brasil, 1962, 102min., drama/policial, direção: Roberto Farias] não tem, por exemplo, Ronald Biggs, o pai do Mike da Turma do Balão Mágico, quem se lembra?: os assaltantes são favelados cariocas. E por lembrar do grupo de Jairzinho e Simony, Os Smurfs estão em minha fila de coisas por ver particular.

Mas voltemos à ficção baseada em fatos reais. Por exemplo, a mulher (Carla, interpretada por Hermila Guedes) do Mineiro (Eriberto Leão), que vira mulher do Barão (Milhem Cortaz, sempre um monstro em suas interpretações) – o líder da gangue – e depois volta ao Mineiro. Ou seu irmão evangélico (Devanildo, interpretado por Vinicius de Oliveira, o menino de Central do Brasil), que entra inocentemente na parada e acaba cometendo vários pecados, roubar o banco apenas um deles.

Tatu, personagem de Gero Camilo, "irado" após o "banho"
Tatu, personagem de Gero Camilo, "irado" após o "banho"

E tem Gero Camilo, que no papel de Tatu (nome mais que apropriado para um cavador de túneis), rouba a cena (como sempre, né?): a em que sua britadeira encontra um cano de esgoto no caminho e ele toma um banho de bosta é um dos momentos de risada geral, mesmo com pouca gente na sala. Ô, Léo! Toca aí Tatu, Engenheiro do Metrô, clássico de Bidu e Antonio Carlos, sucesso na voz de Alcione, que bem poderia ter entrado na trilha sonora da película.

O elenco é carregado de globais (Lima Duarte, Guilia Gam etc.), algo óbvio numa obra da Globo Filmes: mas não encontraremos ali as comédias sem graça do canal dos Marinho (e da empresa cinematográfica “afiliada”), em que A Grande Família é exceção, de onde um Tonico Pereira é pescado para ser um engenheiro “comunista” que vai gastar sua parte do roubo com vinhos em Paris. É possível até que os constantes forwards e rewinds da narrativa confundam algum espectador mais desavisado – recurso necessário: diz se você não acharia chato ver a história de um assalto que começa com o plano, tem a execução no meio e acaba com a condenação/prisão de parte dos envolvidos?

Assalto ao Banco Central não é nenhum Tropa de Elite – e penso que nem queria ser mesmo. Mas merece ser visto por bem mais gente.

(Só) até amanhã

Só mais hoje e amanhã aos que quiserem (e ainda não o fizeram) ver Maus hábitos, de Pedro Almodóvar, em cartaz no Cine Praia Grande. Sessões às 16h, 18h15min e 20h15min. Ingressos: R$ 10,00 (meia para estudantes). Só mais hoje e amanhã, repito, por que dia 14 começa o I Festival Lume de Cinema, mais uma “presepada” de Frederico Machado e cia.

Céu alcantarense

O lançamento de O céu sem eternidade em São Luís acontece dia 1º. de junho (quarta-feira), às 19h, no Cine Praia Grande (no cartaz acima, o restante da agenda).

O filme foi rodado em Alcântara, e contou com alguns estudantes/bolsistas da UFMA em sua realização. Por falar em UFMA, o pedaço ilheu da programação integra a programação de sua 11ª. Semana de Comunicação (o que me leva a crer que não será cobrado ingresso).

Após a exibição do mesmo haverá um debate, que incluirá questões como a base espacial de Alcântara e a vida de suas comunidades tradicionais, entre outras, com atores do filme, membros da equipe de produção e sua diretora Eliane Caffé. Pra quem não tá ligado, ela dirigiu o ótimo Narradores de Javé.