Chorografia do Maranhão: Juca do Cavaco

[O Imparcial, 13 de abril de 2014]

Juca do Cavaco virou bordão em programa de choro. Cavaquinista do Instrumental Pixinguinha, o músico é o 30º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Quando a realização de sua entrevista para a Chorografia do Maranhão foi previamente anunciada nas redes sociais, Juca do Cavaco foi saudado como um chorostar. Não é à toa: o músico virou um bordão no dominical Chorinhos e Chorões, apresentado há mais de 20 anos por Ricarte Almeida Santos na rádio Universidade FM (106,9MHz). “Eu sinto uma alegria muito grande, eu fico satisfeito em chegar o domingo, escutar o programa numa rádio de respeito, com um pesquisador fantástico, escutar o nosso nome. Já começo o domingo de uma forma 10. É uma honra!”, revela o torcedor do Fluminense, de longe o mais adjetivado de nossos instrumentistas, entre chorografados e chorografáveis.

Fora o instrumento que lhe deu o sobrenome artístico, Emilson Pires dos Santos não sabe a origem do apelido que ganhou na infância. “Eu perguntei várias vezes para mamãe, mas ela vacilava e nunca soube responder”, confessa. Titular do cavaquinho do Instrumental Pixinguinha, o músico nasceu em 26 de julho de 1958, em Bacuri, então Cururupu, “perto de Valha-me Deus, Lençóis. Da família sou o único que não conhece minha cidade”, conta o ex-bigodudo que veio ainda menino para a Ilha capital.

Formado em Medicina Veterinária, Juca do Cavaco é filho de Doralice Rodrigues Pires dos Santos, autonôma, dona de casa, e Cândido Machado dos Santos, com quem não teve convívio. É o mais novo de três irmãos, em time que se completa com os quase homônimos Edilson e Enilson. Casado com Maria da Conceição Souza, ele deu seu depoimento à chororreportagem, o 30º. da série, após a feijoada sabática do Hotel Pestana, onde toca com o Regional Feitiço da Ilha.

Regada a chopp, a conversa foi ilustrada musicalmente por Você, carinho e amor, Minhas mãos, meu cavaquinho, Chiquita e Pedacinhos do céu, todas de Waldir Azevedo, “o rei do cavaquinho”. Na última simulou o jargão de Ricarte ao apresentar o Chorinhos e Chorões: “Olá, são nove horas, está no ar Chorinhos e Chorões, o seu café instrumental de domingo”.

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

Além de músico, qual a tua outra profissão? Atualmente eu vivo só de música. Fiz um concurso nacional, aqui em São Luís, concorrendo a uma vaga para cavaquinho e tive a felicidade de passar nesse concurso, que fez com que eu abandonasse todas as minhas outras funções, de professor de inglês e matemática nos principais colégios daqui. Eu fiquei como tempo integral e dedicação exclusiva, tive que largar todas as outras coisas e estou até hoje, graças a Deus, na Escola de Música [do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo].

De onde vem o apelido Juca? Olha, nem mamãe soube me explicar. Eu andei perguntando pra ela. Ela vacilou e não soube me explicar, eu curioso… é uma pergunta que todos me fazem, principalmente os amigos íntimos, como vocês. Eu perguntava, ela não soube me responder direito. Eu não sei a origem desse apelido.

Quando você veio para São Luís, você veio morar onde? Eu lembro que morei num quarto com mamãe na Praia Grande, perto da Escola de Música. Às vezes eu passo lá, fico olhando, “eu morei aqui”, dá vontade de entrar, curiosidade mesmo. Depois desse quarto eu fui morar na [rua] Pereira Rego [também conhecida como Rua dos Craveiros], entre a Rua da Paz e a Rua do Sol, nunca asfaltaram até hoje, até hoje os paralelepípedos estão lá.

Qual era o seu universo de vivências musicais, o que fez você optar por essa carreira? Na verdade, quando eu morava nessa Rua Pereira Rego, meus irmãos, principalmente o mais velho, tinham amigos que tocavam violão, se encontravam, estudavam no mesmo colégio, aquela amizade. Eles se reuniam para tocar violão e eu ficava olhando. Nunca pensei na minha vida em ser músico. Eu os olhava tocando, achava bonito, o tempo foi passando. De repente quando me vi, estava morando na Rua do Norte, nº. 129, perto do Caneco Bar, até hoje existe, inclusive eu fui o bebedor da primeira cerveja do Caneco Bar, e o Martins [proprietário do bar] não deixou que eu pagasse a cerveja. Na Rua do Norte meus irmãos continuavam a tocar violão, por brincadeira, por hobby, nada profissional. Eu já fazia faculdade nessa época. Lá tinha uma roda de samba, e aí que eu comecei a entrar no âmbito da música sem eu saber.

Você fazia faculdade de quê? Primeiramente eu fiz a faculdade de Medicina Veterinária, formei. Depois eu fiz Matemática, incompleto. Larguei pela metade, não tinha mais tempo mesmo. Eu entrei na Escola de Música, tinha muita tarefa, estudava inglês, depois a Escola me contratou para ser professor e eu aceitei. Na Rua de São Pantaleão tinha uma roda de samba que eu gostava muito. Eu nem tocava cavaquinho nessa época. Dava final de semana, o pessoal se encontrava: Cotia [Jorge Henrique], que hoje mora em Natal, violonista, cavaquinista; Vadeco, que era a grande expressão daqui do Maranhão, me ensinou muita coisa, era solista e centrista, depois virou percussionista; era um exímio cavaquinho, tenho-o como um dos mestres, eu tenho muitos mestres, na verdade. Tinha essa roda de samba, que tinha o grande Armand como violonista, irmão de Gerude [cantor e compositor]. Aí eu comecei a tocar cavaquinho e aprender os acordes, pedia muita consulta pra Vadeco. Quando ele solava um choro eu ficava extasiado: que coisa bonita!

Falando em Bar do Caneco, é verdade aquela história de que você foi chamado de Juca dos Teclados? Essa história foi uma grande brincadeira do, se não me engano o nome dele é Alessandro. Uma vez na Rua de São Pantaleão, ele gostava de tocar saxofone, e eu virei para ele e disse: “grande baterista!” [risos]. E ele virou pra mim e disse “você é um grande tecladista!”. Depois eu estava no Clube do Choro [Recebe], quando ele contou essa história. Mas não tem nada a ver, eu nunca fui… não foi no Caneco, foi no CC, no Canto da Comunicação, ali onde tem uma funerária, em frente à antiga sede da [escola de samba] Flor do Samba, o grande reduto destes meus mestres. Essa história é brincadeira, uma brincadeira bem saudável, todo mundo gosta, eu gosto. Tudo isso é alegria, é saúde.

Você é uma das pessoas que mais enriquece esse anedotário, além do espírito didático-pedagógico, de cumprir uma função de interagir com o público, o que é, quem é, uma história sobre a música, sobre o compositor, você sempre cumpriu esse papel de maneira bem interessante. Eu fico feliz com estes adjetivos.

Por que você escolheu o cavaquinho? Por que é um instrumento que tem um timbre muito bonito, agradável. A beleza do próprio instrumento, a facilidade. Não por que ele é pequeno, eu poderia muito bem tocar piano, ou violoncelo, mas o cavaquinho está dentro da linha do samba, dentro da linha do choro, da música brasileira, apesar de sua origem portuguesa. Eu olhava meus amigos tocando e achava tão bonito que isso me influenciou, a beleza deles tocando. Quando eu fazia faculdade foi a época em que eu passei a tocar cavaquinho. Foi lá pelos anos de 1980, 81. Nessa época já rolava essa roda de samba e Vadeco era o único solista que eu conhecia aqui. Depois eu fui conhecendo outras pessoas, o Paulo Trabulsi [cavaquinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 22 de dezembro de 2013], exímio solista, principalmente de choro, domina bem, depois vieram outras pessoas, Adelino Valente [bandolinista], foi meu professor [de matemática] no Colégio Batista. Eu fui me juntando com essas pessoas, sempre aprendendo, fazendo perguntas, tirando dúvidas. Eu comprava muitos vinis, principalmente do Waldir e do Jacob [do Bandolim]. Mais ainda do Waldir por que era o instrumento que eu me engracei por tocar. Os vinis quando chegavam em São Luís, era perto da casa da minha mãe, onde eu morava, tinha uma loja lá que eu comprava muito, Arpasão, eu era federal [frequentador assíduo] no Arpasão.

Com o advento da tecnologia e a facilidade que a internet proporciona, você continua um grande comprador de discos, de cds? Eu procuro muito cd, muitos vinis. Não tenho uma grande coleção. Os vinis que eu consegui comprar ainda estão na casa da minha mãe. Uma grande parte está na casa de um grande amigo meu, a gente fez um trabalho de transformação de vinil para cd. Eu uni meus vinis com os dele. Na minha casa, atualmente, eu não tenho nenhum, na verdade. Eu tenho já passado tudo para o computador. Mas é muito interessante as pessoas terem esses vinis como relíquias. Nos vinis é que estão as verdadeiras histórias dos músicos. Por isso é que eu sei contar muitos casos, hoje nos cds tem algumas histórias, mas nos vinis vinham as histórias de cada músico, sambistas, chorões, e muitos casos, na capa do vinil. Eu lia muito isso, relia, e se eu olhar um vinil hoje eu continuo lendo. É muita cultura!

Você falou há pouco de Vadeco e Adelino e disse que tinha muitos mestres. Quem são os outros? O Cotia também, [César] Jansen, bandolinista, Natan, violonista que me ensinou muita coisa de cavaco, tocava cavaquinho esporadicamente. É principalmente essa turma. Sem falar nos percussionistas, que acompanham os sambas, os choros. Até hoje, toda vez que eu vou tocar com qualquer pessoa que seja, eu sempre estou observando, aprendendo. Se eu toco um choro e a pessoa toca outro, são praias completamente diferentes. Eu sou muito observador, às vezes eu vejo o jeito de a pessoa tocar, a dinâmica. Eu fui conhecendo as pessoas ao longo da minha vivência. Primeiro Vadeco, depois Paulo Trabulsi, Cotia. Nessa roda de samba eles invertiam os instrumentos: quem tocava cavaquinho depois pegava violão.

Quando é que o [Instrumental] Pixinguinha entra na tua vida? O grupo Instrumental Pixinguinha foi criado e formado na Escola de Música. Quando eu entrei lá eu já conhecia muitos dos integrantes do grupo. Quando eu entrei para estudar, pra me aprofundar, pra aprender a ler, a escrever a música, tinha esse grupo de choro, com uma deficiência muito grande no instrumento cavaquinho. Ora passava um, ora passava outro, passou muita gente. Uma vez, eu dentro de um ônibus, encontrei Marcelo Moreira [violonista], grande músico, grande amigo meu, a gente começou a conversar. O grupo estava num momento de crise, aquela coisa de grupo, até os Beatles acabaram, não é? Ele sentado, eu em pé, eu perguntei: “Marcelo, no Pixinguinha eu vejo muita deficiência em termos de cavaquinho. Por que vocês não botam uma pessoa fixa pra tocar cavaquinho? Eu me disponho a tocar com vocês!”. Certo tempo depois, me convidaram: “Juca, tu não quer tocar no grupo?”. Eu já tocava alguma coisinha, depois daí não parei mais. Eu já tinha tido passagens pelo [regional] Tira-Teima, meus amigos de longa data, os do Pixinguinha eu fui conhecer na Escola de Música.

Quem tocava cavaquinho? Era Raimundo [Luiz, bandolinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 15 de setembro de 2013], era Biné [do Cavaco], o Athos [Lima], houve muitas passagens. Quirino…

Athos virou roqueiro depois. Muitos roqueiros vêm do rock pro choro. Athos fez o movimento contrário. O Ronaldo [Rodrigues, bandolinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 1º. de setembro de 2013], sobrinho de Solano [o violonista sete cordas Francisco Solano, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 26 de maio de 2013], veio do rock pro choro, João Neto [flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 2 de fevereiro de 2014]. Tinha um aluno na Escola de Música, chamado Ricardo [Foca], toca um bandolim de prima, era roqueiro. Continua roqueiro, mas toca muito choro.

Não está na hora de o Pixinguinha gravar um disco novo? Essa é uma história sobre a qual eu tenho observações.

Eu soube que você não gosta de gravar. Essa história está totalmente errada. Vamos tirar isso a limpo [gargalhadas do entrevistado e dos chororrepórteres]. Quando eu me propus, como integrante do grupo, a gravar o primeiro cd [Choros Maranhenses, de 2005], eu disse, “olha, eu vou gravar com várias condições”. Eles: “quais?”. Primeiro, temos que ter um produtor, quando forem fazer o cd, capa, encarte, letras grandes, toda pessoa que se interessa, vai ter que ler. Eu vejo tanto cd com letra miudinha, letra preta em fundo azul, gente! Isso é uma falta de respeito com o leitor, com o ouvinte, o consumidor. Tem que ter uma foto bem produzida, realmente a foto foi bem produzida. Outra: depois que gravarmos o cd, vamos contratar alguém para gravar entrevistas, contratos musicais, trabalhar em cima do cd, fazer shows de divulgação em São Luís, no interior do Maranhão, e depois rodar o Brasil. Isso não aconteceu. O único show que a gente fez foi quando tocávamos no Por Acaso [bar na Lagoa da Jansen]. A gente lançou o cd ali. Depois disso não houve nada. Por isso quando se pergunta: “vamos gravar o cd?”. Eu posso gravar o segundo, o terceiro, o quarto e ficar encofado.

Tuas condições são plausíveis. Choros Maranhenses cumpriu um papel muito importante: é o primeiro disco de choro gravado no Maranhão, com repertório autoral, de membros do grupo e mestres do passado. Neste aspecto há alguma discussão, de um eventual segundo disco manter essa linha? Já houve conversas, de se manter a mesma linha. Pesquisar e fazer uma seleção.

O Caderno de Partituras de Zezé [Alves, flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013] seria um orientador da pesquisa de vocês? Eu falei pra ele também: “Zezé, esse teu caderno é muito bom, uma iniciativa muito boa, mas leva teu projeto pra frente, pega um apoio, um produtor, que te leve com esses cadernos para o interior, divulgar teu trabalho”. O trabalho está parado. Ele me convidou para gravar o caderno dele [um cd encartado, para que o estudante de música possa tocar acompanhando as partituras], eu, Carbrasa [percussionista] e Domingos Santos [violonista sete cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 16 de março de 2014], mas o caderno está parado! A única coisa que foi feita nesse livro, em termos produtivos, foi quando chega músico de fora, ele dá, entrega. Mas tem que ter um trabalho direcionado, estratégico, educacional, música nas escolas.

Pra você, o que é o choro? O choro é, como diz meu amigo João Pedro Borges [violonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 14 de abril de 2013], a espinha dorsal da música brasileira. É a música que abrange todos os gêneros. A pessoa que toca choro tem maior facilidade em tocar os outros ritmos, fica mais fácil. É a primeira música brasileira, tem que ser respeitado. É onde começa todo o desenvolvimento musical da história da música brasileira. O choro é a base.

Você se considera um chorão? Assim como eu me considero também um sambista, assim como eu gosto de vários estilos musicais. Ser chorão é como se eu estivesse dizendo que toco só choro. Eu toco outros estilos. Eu me identifico muito com a música de boa qualidade. Eu posso dizer que sou um chorão dentro das minhas limitações. Não conheço tudo, mas sinto muito prazer em tocar.

Além do Instrumental Pixinguinha, de que outros grupos musicais você participou? Eu toquei muitas vezes com o Tira-Teima, eu andava muito com eles. Fixo mesmo foi com o Pixinguinha. Em relação a grupos de samba toquei em muitos grupos: Amigos do Samba, que inclusive é um choro de Waldir Azevedo, toquei no Sambando na Praia, toquei com Serrinha [e Companhia]. Hoje em dia São Luís está cheia de grupos. O grupo Ébano até hoje me convida para tocar, de vez em quando eu toco com eles. De choro eu tenho vários grupos formados: o Duo Chora Cavaco, eu e Domingos Sete Cordas [Domingos Santos]; o Triângulo Escaleno, eu, Domingos e Lazico [o percussionista Lázaro Pereira]; grupo Éramos Seis, que era o Pixinguinha, Garrincha [baterista] saiu. Atualmente, fixo, eu estou tocando com o Feitiço da Ilha, que sou eu, Vandico [percussionista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 2 de março de 2014] e Chico Nô [cantor, compositor e violonista], e com o Instrumental Pixinguinha.

Você esteve em duas iniciativas que ganharam prêmios Universidade, Choros Maranhenses e Rosa Secular [o show Noel, Rosa Secular, que celebrou o centenário do compositor de Vila Isabel, com vários artistas]. O que isso significou para você? Significou muito para mim. Houve muita produção, a gente estudou vários arranjos, a produção de cada música, tocar, ensaiar. Foi um ganho muito bom, me sinto recompensado, alegre e satisfeito de ter participado destes dois momentos. Quem não fica satisfeito em ser reconhecido? Em produzir um trabalho e ganhar determinado prêmio? Agora, o prêmio maior é a convivência com os envolvidos. Puxa, quando eu lembro que no primeiro Rosa Secular não tinha mais como entrar no Daquele Jeito [bar no Vinhais]. Foi apoteótico, essa é a palavra. A gente passou vários meses ensaiando, e nunca havíamos pensado em chegar a este patamar de sucesso.

Para você, o que é sucesso? Sucesso é o fruto de um trabalho bem feito, feito com muito esforço, com muito estudo e muita participação. Acima de tudo, estar tocando uma música bem tocada. No momento em que a gente começa a tocar errado, a gente já vira insucesso. Sucesso é a gente tocar bastante, se esforçar, ter gratidão às pessoas que ajudam a gente, de uma maneira geral. Isso gera o sucesso. Se fizer bem feito o sucesso chega. Tem que tocar por amor, mesmo. Dinheiro é consequência.

Ano passado você esteve envolvido em um episódio importante, quando o Tira-Teima e o Pixinguinha subiram juntos ao mesmo tempo em um palco da Aldeia Sesc Guajajara de Artes, promovida pelo Sesc. O que aquele momento significou para você? Foi um encontro onde reunimos os grandes chorões e onde houve um encontro de muita musicalidade e entrosamento. Dois grupos tocarem o mesmo repertório juntos é complicado, mas conseguimos. Um detalhe interessante, muito difícil: no Pixinguinha eu me responsabilizei por montar o repertório, e Paulo Trabulsi por montar o do Tira-Teima. Fizemos os repertórios, mandamos um pro outro, eram músicas diferentes. Foi tão difícil fazer esse repertório, em cima da hora mudamos [risos]. Quando eu desci de lá, duas pessoas vieram: “gente, vocês devem ter ensaiado muito, saiu tudo perfeito”. Foi um reconhecimento a essa cultura instrumental.

Uma questão fashion: por que você tirou o bigode? É o seguinte: cabelo branco eu acho lindo, agora bigode branco, eu não acho legal. E eu fiquei mais jovem [risos]. Agora, esse lance de bigode, toda semana eu recebo comentários interessantes: “Juca, depois que você tirou o bigode, é tipo o cabelo de Sansão, tu não faz mais aquele negócio”; “Juca, agora tu tá o cara!”. Eu fico em cima do muro [risos].

Como você avalia o choro que se pratica no Maranhão hoje? Temos duas faculdades de música, a Escola, grupos de choro, grupos de estudo. Como você enxerga isso, comparando o hoje com o que era anteriormente? É uma evolução muito grande, acima de tudo do interesse pela música. Nas escolas, nas faculdades, a gente vê pessoas interessadas em aprender, não só para entrar no mercado de trabalho, mas produzir uma música que é estudada, a pessoa se esforça para fazer uma coisa bem feita. É altamente positivo. Vivemos um bom momento no choro, assim como no samba, que está num momento incrível em São Luís.

O choro do Maranhão tem futuro? Só tem! Basta a gente querer e ter o apoio de pessoas sérias.

Chorografia do Maranhão: Domingos Santos

[O Imparcial, 16 de março de 2014]

Violonista sete cordas do Instrumental Pixinguinha, o “miritibano” Domingos Santos é o 28º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Quando Domingos da Silva Santos nasceu, em 3 de julho de 1955, Miritiba já passara a se chamar Humberto de Campos, em homenagem ao escritor maranhense nascido ali. Miritibano, como se chamavam os que nasciam na cidade, dá nome à faixa de abertura de Choros Maranhenses [2005], disco de estreia do Instrumental Pixinguinha, do qual é titular do violão sete cordas.

O músico deu seu depoimento à Chorografia do Maranhão na Sala Turíbio Santos [violonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 29 de setembro de 2013], em que dá aulas na Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo [EMEM].

Filho do saxofonista e comerciante Raimundo Nonato Amaral dos Santos e da dona de casa Maria José da Silva Santos, o músico é bacharel em Geografia, mas nunca atuou na área. “A música bateu mais, não foi preciso andar atrás de emprego, me agarrei com ela”.

A seu lado, dos outros professores da EMEM com que forma o Pixinguinha, e de outros mestres já saudosos, seu falecido pai figura na lista de compositores de Choros Maranhenses. Seu grupo gravou Não se esqueça de mim.

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

Como era o universo em casa, familiar, era propício à música? Eu morava numa casa de festa. Papai era músico. Ele tinha uma orquestra que tocava as festas de Humberto de Campos, das redondezas, não era só da cidade. Eram bateria, banjo, tuba, trombone, saxofone, trompete e pandeiro. Tocava a região inteira lá.

E o que se ouvia em casa? Papai tocava choro. Na verdade a gente não tinha nem rádio. A gente só escutava as festas. Mamãe fazia essa festa de Santo Antônio, lá o pessoal amanhecia. Amanhecia tocando choro, cantando.

Teu pai além de tocar era professor de música? Ele deu aulas para alguns lá. Já morreu com 94 anos, até 80 e pouco ainda andou dando aula para uma criançada lá. Nada foi assim pra diante.

A vida dele era só música ou ele tinha outra profissão? Ele tinha um comércio. Lá, Humberto de Campos, era uma região muito pobre, a história é farinha e peixe, só isso [A pedido do flautista Paulinho Oliveira, também professor da EMEM, Domingos Santos conta uma história:]. Eu estudava aqui na Escola de Música, tinha um professor de piano que falava assim pra mim: “rapaz, faz de conta que tu estás pegando uma laranja”. E eu: “rapaz, lá no interior só tem manga” [risos dos chororrepórteres e do entrevistado]. Mamãe fazia remédios caseiros, e comprava remédio em São Luís e revendia lá.

Teu pai era saxofonista? Saxofonista. Tocador mesmo! Lia partitura que era uma beleza. Inclusive quando o Pixinguinha, depois que acabou, a gente fez uma nova formação, eu, Marcelo [Moreira, violonista], Zezé [Alves, flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013], Paulinho, a gente foi tocar na festa de Cururupu, e ele estava lá e tocou com a gente.

Com que idade você veio para São Luís? Eu vim fazer o ginásio no Liceu, em 1973.

Vocês são quantos irmãos? Nós somos nove. Morreu uma. São quatro homens e cinco mulheres. Aí morreu uma.

Quando teu pai ia fazer festas, você garoto, acompanhava ele nessas festas? Não. Eu vim acompanhar depois, nas rezas lá de casa. Tinha as ladainhas, aí eu passei a tocar. Ele tocava as ladainhas lá com esse grupo. Depois de muito tempo é que eu comecei. Eu tenho a [gravação da] ladainha tocada com eles, com essa formação. A gente estudava música lá em casa e outro dia descobrimos que papai tinha um violão dentro do guarda roupa. Alguém comprou no comércio, não tinha dinheiro para pagar e deu esse violão. E ele tocava um pouco de violão também. Aí ensinou um acorde para outro irmão meu, eu aprendi, ele que já me ensinou. Aí eu comecei a tocar. Passei a tocar no Ginásio Bandeirante, na época, festas de dia das mães, dia das crianças. Lá também funcionou o Clube Alvorada de Leôncio Rodrigues, e ele fazia show de calouros. E eu passei a tocar nesses shows, com 12, 13 anos.

Foi essa a idade com que você começou a tocar em ladainhas? Com 12, 13 anos eu comecei a estudar música com papai. Depois, com uns 13 anos, a gente descobriu que ele tinha um violão, ele sabia um pouco de violão, começou a ensinar pra gente, e a gente começou. Aí passamos a tocar, só de ouvido. Engraçado que o primeiro solo de violão que eu fiz, eu aprendi com minha vó, que tocava violão. Meu avô também tocava, a parte materna toda tocava.

Você vindo dessa linhagem musical, teu filho seguiu na música? Meu filho mora com a mãe dele, não mora aqui. A gente inclusive tem pouco contato.

Você vindo dessa tradição de família musical, seu pai tocava sax. Como é que você optou pelo violão? É por que todo mundo lá em casa tocava um pouquinho. Foi a época em que eu vim para cá para São Luís. Joaquim [Santos, violonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 8 de dezembro de 2013] morava na casa da minha tia, na Rua do Ribeirão [Centro], era muito amigo de Viriato Gaspar [poeta maranhense radicado em Brasília], que é meu primo. Em 1981 eu vim estudar na Escola de Música. Aí eu participei em 1985 do Festival Viva [de Música Popular do Maranhão], Fátima Passarinho, que tem esse nome por causa da música [Canto de Passarinho]. Na época Gerô [o artista popular Jeremias Pereira da Silva] botou como se fosse minha e do irmão dele, ele participou com várias músicas e só podia parece que duas [pelo regulamento]. É minha e de Gerô, poucas pessoas sabem disso. Inclusive a gente participou de festival na UFMA, há poucos dias eu estava folheando uma revista e olhei uma música, minha e de Gerô, que eu nem sei como é, a melodia eu não lembro.

Essa música que Fátima [Passarinho] defendeu no [Festival] Viva, você tocou? Toquei no Festival. Na gravação é [o multi-instrumentista Arlindo] Pipiu que toca.

Quem foram teus principais mestres? De música foi papai. Partitura musical. Mas professor de violão mesmo foi Marcelo. Só tinha ele na Escola de Música quando eu cheguei.

Quando você deu o salto do seis cordas para o sete cordas? Foi uma necessidade. O Instrumental Pixinguinha, na primeira formação, era Carbrasa [percussionista], Solano [Francisco Solano, violonista sete cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 26 de maio de 2013], Marcelo, eu, Paulinho [flautista] e [o bandolinista César] Jansen. Era a primeira formação, ensaiamos seis meses para tocarmos dois shows [a Suíte Retratos, de Radamés Gnattali, maestro e compositor gaúcho]. Depois teve a gravação do disco de Rosa Reis, Estrela, música de Joãozinho [Ribeiro, compositor]. Aí começou uma história que Marcelo disse que o bandolim de Jansen estava desafinado, a flauta de Paulinho estava desafinada, tinha que refazer. Aí Jansen entregou a partitura dele para Marcelo. Inclusive Marcelo fez no violão a parte do bandolim nessa gravação de Estrela. Ah, esqueci do nome de Biné [do Cavaco], tocava cavaquinho. Aí acabou o grupo. Paulinho não foi refazer, Rosemary [Fontoura, pianista] fez no teclado, Jansen não foi refazer, Marcelo fez no violão.

Quem é o grande violonista que mais te inspira? Eu, na verdade, passava o ano todo esperando Turíbio e João Pedro Borges [violonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 14 de abril de 2013] virem tocar aqui. Eram só eles quem tocavam aqui. Eu não conhecia outra pessoa. Tudo o que eu aprendi de violão foi com Marcelo. Marcelo é um cara… mas eu fiz curso com João Pedro, com Joaquim, com Turíbio, e viajei. Eu fiz cursos em Londrina, em Brasília, com Eustáquio Grilo, aqueles cursos de verão, e Henrique Pinto. E as outras coisas é assistindo mesmo por aqui, o que aparece.

Teu pai, além de músico, instrumentista, mestre de banda, também era compositor. Papai tem cento e poucas músicas. Eu vou editar, até falei com Zezé. É um acervo significativo, muita música. Uma vez eu fui para Pindaré, fui tocar com Osmar [do Trombone, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 23 de junho de 2013]. Papai tocava suas próprias músicas em festas. Ele tocava forró, tocava samba. O pai de Osmar [José Furtado, saxofonista] passou uma meia hora tocando uma música. Aí ele perguntou: “e o senhor não termina essa música?” Aí ele disse: “não, rapaz, acabou a música e eu fui inventando”. Outro dia Maurício Carrilho [violonista] veio aqui e disse que Pixinguinha fazia isso. As músicas tinham a primeira, a segunda e a terceira parte, e geralmente ele improvisava outra música. Papai faliu o comércio dele por que ele levava músicos para lá e ficavam tocando, eles tocavam dentro do comércio, faliu o comércio dele. As primeiras pessoas com quem eu toquei, aqui em São Luís, na noite, foi com Hamilton Rayol [cantor] e Antônio Vieira [compositor e percussionista]. Eu estudava com Hamilton na Escola de Música, a gente estudava na mesma turma. Um dia ele me viu tocando violão, Fernando Cafeteira [violonista] viajava e toda vez que ele viajava ele me levava. Era ali no Petisco, que era de Biné [Aranha], ali na Fonte do Ribeirão, tocando acústico.

Que linha predominava na composição de teu pai? Choro. E tinha música que tinha letra, letra dele.

E você compondo? Eu tenho 20 e poucas músicas. Eu faço choro e valsa, não sei fazer outra coisa.

A música de teu pai foi gravada pelo [Instrumental] Pixinguinha. Foi. Não se esqueça de mim. Essa música eu tenho uma gravação antiga, a gente tocando lá em Cururupu, ele mesmo tocando. Papai deixou de tocar por que mamãe morreu. Ele tava com 92 anos, não quis mais viver. Abandonou instrumento, perdeu a vontade de viver.

Dá para viver de música? Eu vivo de música. Eu não preciso de muito dinheiro para viver bem. O dinheiro que eu ganho dá pra viver legal. Eu dou aula aqui [na EMEM], eu dou aula particular, eu toco, não toco mais por que não quero. Carnaval, por exemplo, eu não quero mais tocar.

De que grupos musicais você já participou? O primeiro grupo foi quando eu fazia o bacharelado em Geografia, lá no grupo eu tocava cavaquinho, no Geosamba [risos dos chororrepórteres]. Eu abandonei total o cavaco, hoje em dia eu só pego. Eu participei do Amigos do Samba, do Cacuriá de Dona Teté e do Pixinguinha. Tinha dia que eu tocava nos três grupos no mesmo dia. O em que eu passei mais tempo foi o Pixinguinha.

O que significa esse grupo para você? Significa tudo. Na verdade eu sou o único componente da primeira formação, que fiquei. Tem uma pergunta que eu não respondi, né? O negócio do violão…

Sim, o pulo do violão de seis para o sete cordas. Quando a gente terminou os dois shows, acabou a história da primeira formação. Aí nós tentamos fazer, éramos eu, Zezé, Paulinho e Paulo Akomabu, tocou pandeiro na segunda formação. Sempre foi complicado pandeiro e cavaquinho. Era Athos [Lima] no cavaquinho, mas ele dormia até 12 horas e não tocava de manhã. Depois ele virou roqueiro. Quando a gente ia tocar de manhã, a gente ia sem cavaquinho. Ubiratan [Sousa, multi-instrumentista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 12 de maio de 2013] também tem essa história. Uma vez eu pedi uma corda do violão sete cordas, Ubiratan mandou um recado por Paulinho. Aí eu liguei para ele, ele dormindo, a mãe dizia que ele não estava. Aí ele me disse: “rapaz, quando tu vier do pagode tu me liga”, era de madrugada, nessa época eu tocava num pagode.

O Pixinguinha já tem mais de 20 anos e demorou bastante a gravar o disco de estreia. Não há vontade do grupo de gravar um segundo disco? Já teve essa ideia, essa história. Nesse livro de Zezé [Choros Maranhenses – Caderno de Partituras, organizado pelo músico] era para ser feito, só que alguns componentes, Juca [do Cavaco], por exemplo, é um cara que não gosta de gravar. Eu não sei por que, ele é um cara que saca muita coisa de choro, é um cara que lê muito.

Além do disco do Pixinguinha e do de Rosa Reis, há outros discos que têm teu sete cordas? Toquei no de Zeca Tocantins [Terreiro de Todo Canto].

O que significa o choro para você? A melhor música brasileira. Eu quando chego em casa, eu não digo que é choro, é a música instrumental. A música instrumental é muito bacana.

Que nomes você admira nesse meio? Eu tenho admiração pelo Serra [de Almeida, flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 3 de março de 2013], ontem encontrei-o, fazia tempo que não o via, é um baita dum flautista. Os violões vocês sabem, a primeira vez que eu vi Agnaldo [Sete Cordas, violonista sete cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 17 de março de 2013] tocar eu fiquei admirado, os baixos que ele faz, não aprendeu com ninguém, aprendeu com Dino [o violonista sete cordas Horondino José da Silva, do Conjunto Época de Ouro]. Gordo Elinaldo [violonista sete cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 27 de outubro de 2013] toca muito bem, Solano. A nossa música instrumental melhorou demais.

Isso deve-se a quê, esse avanço de grau, de qualificação? Ao estudo. Antigamente a gente não via o choro tocado bem aqui. O pessoal só olhava a televisão. Maurício Carrilho está vindo por aqui, sempre, na Escola. A gente conhecer as outras pessoas, a gente aprende olhando os outros tocarem.

Você acha que a internet também contribui para isso? Eu acho que tudo contribui, Youtube, aquela coisa toda.

Você é refratário à tecnologia? Você baixa música? Eu não sou muito da tecnologia, mas eu acho que é importante. Baixo. Até pouco tempo eu não sabia. Eu tenho um sobrinho que é craque, me ensinou.

Como você tem observado o desenvolvimento do choro no Brasil? A história do Radamés, aquele divisor, dali pra cá todo mundo passou a estudar. Antigamente era um solista e os outros acompanhando, também é bonito. Eu escuto umas coisas modernas, acho legal, mas o choro, eu quando escuto Vibrações [o disco de Jacob do Bandolim], com aquele [conjunto] Época de Ouro, eu fico arrepiado.

Há quem diga que é o melhor disco de choro da história. É uma das gravações que eu mais gosto, aquela gravação deles. O lado moderno eu acho bonito também, não pode ser todo tempo do mesmo jeito. Sem a tradição o moderno não existiria.

Você se considera, a si e ao Pixinguinha, moderno, tradicional ou as duas coisas? Eu me considero tradicional. Eu quando vou escrever uma música é muito romântico. Hermeto [Pascoal, compositor e multi-instrumentista] durante um ano escreveu uma música por dia. Eu passei um tempo com um caderno de partituras, tinha uma ideia, anotava. Tenho uma porrada de músicas que, se eu quisesse fazer hoje a segunda parte, eu podia fazer.

O que te inspira para compor? Às vezes eu penso numa música, eu acordo, naturalmente. Eu penso num tema e vou desenvolvendo ele. Qualquer coisa.

Como você observa o choro no Maranhão hoje? Se o Clube do Choro não tivesse parado estaria melhor. O projeto Clube do Choro [Recebe] deu um pontapé inicial na história. Se não tivesse, não tinha hoje um monte de garoto tocando choro.

Dessa gurizada quem te chama a atenção? Tem um monte de gente tocando bem. Robertinho Chinês [bandolinista e cavaquinhista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013], Wendell [Cosme, bandolinista e cavaquinhista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 24 de novembro de 2013].

Onde o Pixinguinha está tocando hoje? Só aqui na Escola. Temos viajado por projetos da Escola para o interior.

O que você ainda sonha em fazer com a música? Um cd com minhas músicas.

[O músico posa para fotos tocando, com arranjo de choro, Essas emoções, do recém-falecido Donato Alves, do Boi de Axixá] Você acha que o nosso repertório de música popular pode ser chorificado? Pode. Eu mesmo estou procurando isso. Nem tudo poderia virar choro, mas o lado instrumental sim, os arranjos para violão.

Você acha que ajuda o músico de choro tocar música popular e vice-versa? Acho que sim. O instrumentista tem que tocar a música popular. Tem muita música bonita, muita toada de bumba meu boi.

Chorografia do Maranhão: João Neto

[O Imparcial, 2 de fevereiro de 2014]

Tendo integrado praticamente todos os grupos de choro de São Luís, o flautista João Neto é o 25º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Um chuvisco anunciava a noite em São Luís do Maranhão. A tradicional e pacata quitanda de Seu João, na Rua do Ribeirão, já abrigara, aquele dia, um ensaio fotográfico da cantora Alexandra Nicolas – o casarão lhe serviu de cenário ao encarte de Festejos, disco de estreia lançado ano passado. Ao fim dos trabalhos, ela degustava uma cerveja gelada por ali, na companhia da amiga e designer Raquel Noronha.

Era mais uma feliz coincidência das tantas que a Chorografia do Maranhão já proporcionou aos chororrepórteres que logo se juntariam a elas, mais próximos do balcão. O entrevistado da ocasião era o flautista João Neto, de passagem pela Ilha para curtir as férias de virada de ano – atualmente o músico mora em Belo Horizonte/MG, onde cursa mestrado em Música na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Alexandra Nicolas preparava a primeira edição da temporada de Festejos na Praça, show que apresentou 18 de janeiro no coreto da Praça Gonçalves Dias. João Neto deu uma canja na abertura, compondo o grupo Cantinho do Choro, que tem ocupado aquele logradouro em fins de tardes de sábado.

Raimundo João Matos Costa Neto nasceu em São Luís em 3 de julho de 1978, ano em que seu tio Josias Sobrinho [compositor] teve gravadas suas quatro primeiras músicas por Papete, no antológico Bandeira de Aço, lançado pela Discos Marcus Pereira. Ainda criança João Neto engatinhava entre instrumentos musicais na casa da avó Ingrácia, onde aconteciam os ensaios do grupo Rabo de Vaca, formado por Josias e outros bambas.

Ao tio Josias ele afirma dever as maiores influências, desde antes de ter se decidido pela flauta – passou por violão e toca também flautim, pífano, clarinete, cavaquinho e percussão. É filho do dentista Francisco Carlos Guterres Costa e da dona de casa Francisca Tereza Morais Silva.

Ano passado graduou-se no curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) com a monografia Um panorama histórico-cultural sobre vida e obra de compositores de Choro da Baixada maranhense: breve análise musical de obras já editadas.

A entrevista que ele concedeu à Chorografia do Maranhão foi musicalmente ilustrada por Língua de preto (Honorino Lopes), André de sapato novo (André Victor Correia) e Rosa (Pixinguinha/ Otávio de Souza), que começou com a voz de Alexandra Nicolas e terminou com um coral formado por todos os presentes à quitanda, que aquela noite teve o expediente aumentado.

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

Como era o ambiente musical em tua casa, na tua infância? Minha infância, de zero aos seis, sete anos, ela foi meio assim, dinâmica, em relação à casa em que eu estava. Eu ficava um tempo na casa da avó, um tempo na casa da outra avó. Uma dessas avós é dona Ingrácia, mãe de Josias. E lá rolavam os ensaios do Rabo de Vaca. Então eu já estava ali com dois anos, fui conhecido por Zezé [Alves, flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013], por Beto Pereira [cantor e compositor], desde criança eu estava ali naquela história. A família, muito musical, além de Josias, meu tio Armando tocava clarinete, meu tio Paulo toca violão, nada profissionalmente. Só quem seguiu profissionalmente foi Josias, compositor. Mas sempre em casa teve música, desde a infância até hoje, as festas são regadas a muita música. Sempre teve esse contato, em casa, minha mãe escutando Elis Regina, Chico Buarque.

Quando foi que você percebeu que iria encarar a música profissionalmente? Foi em Campina Grande. Fui morar em Campina Grande e lá tem um cara que hoje está nascendo aqui, o Madian [cantor e compositor], estudava lá. Eu fui pra lá, sabia que ele morava lá, morei numa república, pra fazer vestibular pra João Pessoa, um vestibular mais ou menos, na malandragem, já tocando violão. Eu fui pra Campina Grande pra tentar o vestibular para Odontologia em João Pessoa, meu pai é dentista e eu queria ser igual papai. Ele não queria. Eu cheguei e comecei a tocar violão pra caramba, Djavan, Chico Buarque, e foi uma escola muito legal. Foi a primeira vez que eu ganhei dinheiro tocando, foi com Madian e uma ex-mulher dele, uma grande cantora, de uma família de músicos lá da Paraíba. Eu tocava um tempo e Madian tocava outro tempo. Eu falei: “pô, dá pra ganhar dinheiro!”, tomando uísque, puta churrascaria lá, buffetzão. “Eu quero é isso pra mim!” Fiz vestibular, não passei, voltei pra cá, depois de seis meses em Campina Grande, vi o surgimento do [grupo] Cabruêra, um movimento musical muito forte.

Aí você voltou para São Luís. Veio fazer o quê? Eu tinha que estudar alguma coisa, acabei entrando no Ceuma, fiz dois anos de Direito. E paralelo, depois de um ano de Direito, passei em Filosofia na UFMA, e ao mesmo tempo tocando violão.

Você concluiu Filosofia? Que nada! Nenhum dos dois. Abandonei e fui para São Paulo, essa época já tocando flauta.

Significa dizer que tua profissão mesmo é a música? Não tem outra profissão? Não. Ter, tem outras coisas, meu pai tem uma clínica, eu trabalhei na parte administrativa coisa de cinco, seis meses, só. É difícil falar em profissão músico, pra mim, principalmente. Eu nunca toquei pra ganhar dinheiro. O dinheiro vem em consequência de minha arte. Eu vejo minha carreira como uma coisa da minha vida. Se eu for displicente com minha carreira eu estou sendo displicente com minha vida.

Mas cada vez mais você é cobrado para tocar profissionalmente. Isso! É uma consequência.

Não dá para dizer que você não é músico profissional. Não dá. Eu vivo da música.

Quando você fez essas outras tentativas. Odontologia, chegou a fazer vestibular, depois Direito, depois Filosofia. Elas eram, de algum modo, uma imposição da família? Eram. Eu tinha que corresponder a alguma coisa, eu não podia ficar ali. A gente deve uma satisfação. Músico é [visto como] vagabundo, né, cara? Principalmente flauta, flauta é luxo, entre aspas. O grupo tem violão, o grupo tem baixo, tem bateria, cavaquinho, mas a flauta vem muito depois. E depois que eu conheci flauta, eu larguei violão assim de uma forma. Virou meu amigo, parceiro, vez ou outra eu falo com ele.

Quando e como é que se deu a passagem do violão para a flauta? Há 12 anos, quando eu peguei a flauta transversal.

O que te motivou? Quem foi a pessoa que fez com que você se decidisse a tocar flauta? Foi um cara chamado Fabiano, que já tá lá com papai do céu já. Morreu muito novo, um cara que eu conheci em Campina Grande, era de Maceió. Era um cara surpreendente, tocava violão, baixo, teclado, bateria, trabalhava com tudo isso, e flauta também. Certa vez a gente na casa dele, eu e Madian, tocando lá, Djavan, um monte de música, ele pegou a flauta, começou a destruir, tocando um monte de coisas, tinha várias flautas doces na casa dele. Eu fiquei encantado e falei: “pô, Fabiano, como é que a gente faz aqui?” Ele falou: “não tem segredo, é só ouvido”. Eu fiquei mais encucado ainda, meio com raiva dele. Eu pensei: “esse cara toca pra caramba, não quer ensinar, dar um toque pros amigos”. Quando eu peguei a primeira flauta doce, que eu fui entender o que ele quis dizer lá atrás. Esse cara, esse encontro, esse dia foi que [interrompe-se]. Depois disso eu cheguei, fui pesquisar os flautistas, fui ajudado por muita gente.

Quem são os mestres que você considera essenciais? Na música, em primeiro lugar, para mim é Josias. Quando viu que eu estava tocando já chegou, me abraçou, eu tava tocando violão, me botou no palco, num show dele, eu já toquei violão com Josias, quando viu a flauta a mesma coisa. Musicalmente foi um cara que eu devo até hoje, até hoje é um parâmetro que eu tenho. Em relação à flauta o primeiro foi Zezé.

A família sempre te apoiou na decisão de buscar a música como caminho? A família da minha mãe sim. É muito musical, minha avó, que é um lance matriarcal forte pra caramba na família, meu avô morreu muito novo, com cinquenta e poucos anos, ela que segurou a onda toda. Lê muito, 86 anos, não assiste novela, passa o dia lendo, fazendo crochê. Escreve, no aniversário de 80 anos ela deu um presente à família, fez um livro de poemas. Toda uma espiritualidade muito forte. Tenho tios que me apoiam financeiramente, compram instrumentos, dão força, “taí, pega essa grana”, não é só “ah, é lindo!”, apoiam, investem. Tem incentivo da família.

Você falou de uma fase violão que rolava muito Djavan, Chico Buarque. Como é que foi a aproximação com os grupos de rock, principalmente a Mandorová? A Mandorová nem é um rock, a gente tocava rock. Tinha umas músicas que eram rock, mas a gente misturava, bumba boi, Josias, muita música nossa. A gente misturava isso por causa das influências de todo mundo. Veio uma galera de Campinas, Madian fez parte um tempo. Ela começou meio que um monte de gente, a gente conseguiu gravar umas coisas, eu já não tocava violão, já tocava flauta, pífano e percussão. Violão eu não tinha como meu instrumento, eu tinha como meu amigo. Eu gostava de cantar, mas essa voz, só nariz [risos]. Tudo que eu tocava eu cantava. Teve uma época que eu tinha o songbook de Chico Buarque, eu tocava mais de 60 músicas do Chico Buarque, aquelas melodias empenadas, ficava em casa, estudava. Mas a flauta veio e chegou e “peraí”, ela que me capturou, eu não escolhi.

Como é que foi a tua chegada ao universo do choro? Logo depois da flauta transversal, que eu comecei a tocar, Zezé pirou. Eu morei ali na época do Rabo de Vaca, ele “pô, sobrinho de Josias, tocando flauta!”. Não, vem aqui, vem aqui, me botou na Escola de Música [do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo], eu nem tinha feito prova, fiz Escola de Música, todas as percepções, ele me dava aula, “traz a flauta aqui”, me dava aula. Teve um tempo que se passava um ano e meio pra pegar em instrumento, só tendo aula de teoria, era algo meio maçante, o cara doido pra pegar no instrumento, hoje mudou isso. Então, Zezé foi um cara fundamental, até hoje é.

A música pra você é uma importante fonte de renda? Dá pra viver de música? O viver de música, viver de tocar. Eu não penso mais num futuro artístico pra mim. Eu penso num futuro acadêmico, que é uma coisa que vai me segurar, eu vou poder escolher o que quero tocar.

O professor pagando as contas do músico. Mais ou menos isso, mas pra mim é muito difícil separar o professor do músico. Tem gente que é um puta músico e não sabe ser professor, tem gente que é um puta professor e não toca porra nenhuma. Essas duas coisas são muito ligadas, eu amo ensinar, um projeto do Sesc que eu fazia parte, eu me coço todinho lá em casa, sem poder ensinar pra garotada, eu olho as fotos, aquilo era muito importante, 10 alunos tocando flauta. Minha vontade de estar lá é tão grande quanto minha vontade de voltar para cá e ir dar aulas na UFMA, na UEMA, crescer. Essa coisa da educação musical é uma coisa fundamental pra gente, pra definir um gosto musical. É tão grande essa nossa riqueza cultural, ao mesmo tempo a gente se submete a outras culturas impostas. Chega pra juventude, ninguém sabe quem é Coxinho, Mestre Felipe, Dona Teté [mestres da cultura popular, representantes, respectivamente, do bumba meu boi, tambor de crioula e cacuriá]. Isso é uma coisa que eu tenho como objetivo, além da vida artística, que é um sonho, uma coisa utópica, viver, ter filho, só tocando como flautista. O professor é um pé no chão, uma coisa palpável pra caramba, é uma coisa que eu estou construindo e com o choro, choro no Maranhão, na Baixada maranhense.

Houve um tempo aqui em que você tocava em 11 dos 10 grupos de choro que existiam. Teve um período em que o choro estava na crista da onda. Como é que você avalia o mercado de trabalho para o músico instrumentista em São Luís e em Belo Horizonte, se é que é possível algum tipo de comparação? Teve uma época que, por conta de uma efervescência do ritmo, ou uma influência do que estava acontecendo no Rio de Janeiro, do choro na Lapa, essa coisa de eu estar em vários grupos aconteceu exatamente concomitantemente com o projeto Clube do Choro Recebe, que propiciou a formação de outros grupos, além dos bares, cerca de cinco anos atrás, tinha o Por Acaso que tinha choro toda terça, o Antigamente toda segunda, o Feijão de Corda, na Ponta d’Areia, sexta-feira tinha no Tropical Shopping Center, o Clube do Choro Recebe todo sábado, vários lugares tinham choro. O fato de eu tocar com um monte de gente, quando eu estava chegando do Rio de Janeiro, Zezé fez um viaduto de safena, três pontes, ele falou, “ó, te vira aí”. Eu já fiquei no lugar dele no [Instrumental] Pixinguinha, na Escola de Música dando aulas no lugar dele, na Escola Municipal, e com o Xaxados e Perdidos.

Você está onde quer, fazendo mestrado hoje em Minas. Dá pra falar em saudade dessa cena de São Luís? Lógico! Faz com que surja os grupos, o movimento. Hoje, onde é que a gente tem choro? Só no Brisamar [hotel]. Fixo, só no Brisamar, pra reunir o pessoal que toca choro. Se não tem movimento, não tem avanço, não tem jeito. A efervescência desse movimento em São Luís fez surgir o Choro Pungado, Os Cinco Companheiros, os Madrilenus, que foi formado para acompanhar seu Eudes [Américo, compositor]. Em relação a Belo Horizonte, lá tem choro todo dia. Todo dia tem lugar onde tem choro, de segunda a segunda. O dia em que eu cheguei foi uma segunda-feira que eu fui pro Salomão [bar]. Nesse mesmo dia ele falou: “ó, toda segunda-feira vem pra cá!”, a galera na roda. Lá são dois dias, segunda e quinta. Toda segunda eu tenho ido. Pedra Azul [o cantor e compositor mineiro Paulinho Pedra Azul] tá toda segunda lá com a gente, já levou Fabiana Cozza [cantora], Silvério [Pontes, trompetista]… é um bar que a galera vai mesmo.

Além do Mandorová e do Choro Pungado de que outros grupos musicais você já participou, de choro ou não? Mandorová, Xaxados e Perdidos. Artistas que já toquei: Josias, toco até hoje, Rosa Reis, Cacuriá de Dona Teté, Omar Cutrim, Carlinhos Veloz, Alexandra Nicolas… De choro, o grupo Um a Zero, toco no [Instrumental] Pixinguinha, estou de férias nessa temporada, Tira-Teima, uma temporada, de reserva, de substituto, Choro Pungado, Urubu Malandro, Quartetaço, Os Cinco Companheiros eu fiz uma participação, o Não Chora que eu Choro, que era meu, Azeite Brasil.

E discos que têm tua flauta? Tem alguns. Que eu lembre assim, tem a Lena Machado [Samba de Minha Aldeia, 2010], Rosa Reis [Brincos, 2009], agora o que saiu do Osmar [do Trombone, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 23 de junho de 2013; Cinco Gerações, 2013], Gildomar Marinho [Olho de Boi, 2009]. Tem algumas produções de bumba meu boi daqui, muita coisa, “pô, vem gravar uma faixa”, às vezes sai, os caras nem me dão o disco. Grupo de samba tem o Vamu di Samba, que eu gravei os dois dvds dele, tem algumas produções que eu já fiz parte. O cd do Cláudio Leite, não sei se já saiu.

Há um grupo no cenário chorístico que deu o que falar, tanto do ponto de vista estético quanto das relações internas. O que significou para você o Choro Pungado? Não significou: significa. O Choro Pungado é mais ou menos assim um ideal. Eu acho que tanto pra mim quanto pra maioria dos que participavam, eu levo a sério mesmo. A gente conseguiu, assim de uma forma legal, descontraída, conseguimos compor, brincar com a música maranhense e choro, fundidos, de uma forma legal, livre, pelos integrantes terem uma desenvoltura musical muito avançada, eu acho, as coisas ficam mais fáceis, fluem mais rápido. Tanto que em pouco tempo de grupo a gente já tinha conseguido, pela crítica, vocês, Ubiratan Sousa [multi-instrumentista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 12 de maio de 2013] falou da gente, conseguimos vários elogios. Mas como você falou das relações, dentro do grupo, acontece, foi uma coisa muito rápida, o grupo teve uma vida curta, fatores extramusicais, agenda, por exemplo, Rui Mário [sanfoneiro, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 7 de julho de 2013], trabalha muito em estúdio, Luiz Jr. [violonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 4 de agosto de 2013] toca com todo mundo, eu também toco com muita gente, então foi assim desgastando a história dos compromissos. Mas eu acredito que musicalmente falando foi um passo à frente nesse cenário musical do choro no Maranhão. Foi uma experiência muito válida em relação à inovação, à fusão, à hibridação, tentar misturar essas coisas que estão muito dentro da gente. Pra mim é uma pena ter acabado, ter terminado cedo assim. A gente podia construir mais coisa, avançar muito mais. Teve meio que uma pressa em fazer sucesso, faltou uma perseverança, faltou mais trabalho, mais sentar e conversar, não querer logo fazer um dvd, por exemplo. Foi uma coisa legal, mas não foi legal, em relação a produto. O amadurecimento já estava vindo justamente nas nossas composições, sentados, ensaiando, e compondo.

Hoje em dia você participa de algum grupo? Lá em Minas você está só nas rodas? Não. É muito prematura minha chegada em Minas. É muito difícil você chegar e já conquistar um espaço. Eu cheguei há quatro meses e vou ficar só mais quatro. Tem muitos flautistas bons, os caras tocam pra caramba. Você chegar e já pegar um espaço, se inserir no mercado, é muito difícil, tem que ser extraordinário.

Como é que você tem conciliado a atividade acadêmica com a atividade musical? Tá sendo muito difícil. É uma transição bem peculiar. A parte acadêmica exige muito tempo, parar para ler, lá na UFMG não brincam, os professores são alto nível, minha orientadora é formada em Sorbonne, tem doutorado em Sorbonne. Eu suei a camisa pra conseguir conciliar.

Qual a discussão da tua dissertação? Eu vou tentar fazer uma mescla da musicologia histórica com a etnomusicologia. Isso da etnomusicologia eu fiz agora, numa cadeira que eu fiz, fiz etnografias da III Semana Seu Geraldo [de Música], em São Paulo, do Bandão [da Escola Portátil de Música], lá no Rio, eu fiquei meio que apaixonado por etnomusicologia.

Fala um pouco de tuas pesquisas, tanto na graduação como no mestrado. O que você fez e o que vai fazer? Na graduação, no trabalho de conclusão, eu tentei mostrar que na Baixada maranhense tem compositores de choro. Peguei alguns compositores de choro, o Josias, o Osmar, um cara que eu descobri, que ninguém conhece, que eu descobri lá em Guimarães, seu Moisés Ferreira, um cara que era teatrólogo. Esse cara é que foi assim a válvula, o estopim, de dizer, “pô, tem!”. Eu estava meio em dúvida sobre o que fazer. Eu pensei também nessa fusão do choro com a música maranhense, nos arranjos de Ubiratan no disco do Biné do Banjo [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 31 de março de 2013; Visitação, 2011], que ficaram muito interessantes, eu pensei em falar deles. Eu percebi que a dimensão do choro, dos compositores de choro na Baixada maranhense é muito maior que um trabalho focado. É um trabalho que eu posso levar, posso pesquisar a minha vida toda. No meu TCC eu peguei o escopo de que existe, uma comprovação, fiz entrevistas com Osmar, Josias, seu Raimundo Abreu, lá de Cajari, um grande professor de música de lá. Tive como suporte teórico, suporte de pesquisa, a obra de João Mohana [padre, médico e escritor], aquele livro A grande música do Maranhão. Ele começou em Viana. É o único registro que a gente tem escrito disso. Joaquim Santos [violonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 8 de dezembro de 2013] colaborou. Osmar, o avô dele, seu Macico [Marcelino Fernandes Furtado, flautista] foi um puta mestre de banda, fez arranjos de choro, foi um cara que recebia as partituras e fazia arranjos. Essa parte do mestrado eu quero justamente fazer isso, além da continuação do que eu fiz no TCC eu quero pegar material, do acervo João Mohana também.

Além de multi-instrumentista você desenvolve outras habilidades no campo da música? Arranjos, composição? Eu tenho composições. Na Mandorová a gente tocava umas duas, no Choro Pungado a gente gravou uma, um baião chamado Vim de lá, pá-pá-ri-ra-ri-pá-rá-rá [cantarola o ritmo], que eu fiz no pífano, depois a gente adequou para a flauta.

A Mandorová foi uma experiência boa? Foi fundamental. Com ela eu fui para São Paulo, passamos dois anos tocando, abrimos shows, saímos em jornal, passamos em matéria nacional do Jornal Hoje [da Rede Globo de Televisão], fizemos coisa de 10 interiores em São Paulo. Tocamos muito aqui no Canto do Tonico [extinto bar, na Rua Portugal, Praia Grande].

Pra você, o que é o choro? Se a gente vir pela história do choro, ele já começa importante. Começa como uma maneira de tocar, uma coisa que foi trazida, aquele amálgama da brasilidade no século XIX, meio que fez surgir aquela história toda de uma forma brasileira de tocar, depois virou dança, depois virou maxixe, depois virou tudo isso. Eu encaro isso como uma identidade brasileira, musical, mas além, social: uma identidade social, o choro. Se você leu O Choro [O Choro – Reminiscências dos Chorões Antigos], do Alexandre Gonçalves [Pinto], que fez o primeiro registro, em 1936, ele falou dos caras que tocavam, que faziam parte daquela história, que estavam na roda. Pra mim o choro é essa identidade brasileira, que por mais que mude a moda, que venha dessa transição de uma coisa pra outra, do violão pra isso, da jovem guarda pr’aquilo, o choro está sempre ali de alicerce. Desde a sua gênese, de sua aparição, seu apogeu, 1920, 1930, desde ali, ele pode ter caído mercadologicamente, financeiramente, tudo, esse campo artístico em volta do choro, mas ele nunca deixou de ser produzido. Se a gente falar na década de 1980, o rock’n roll, os melhores discos de Raphael Rabello [violonista sete cordas] foram lançados na década de 80, Baden Powell [violonista], Camerata Carioca.

Há quem ache que o choro é uma coisa estática, estagnada. Você acha que o choro é uma música fechada ou uma música aberta? A música em si é aberta. O que fecha é a cabeça das pessoas. Eu posso chegar numa roda de choro falando de choro, tocando do jeito que eu gosto, a galera pode não gostar. Yamandu Costa [violonista sete cordas], Hamilton de Holanda [bandolinista], Pixinguinha [Alfredo da Rocha Viana Filho, compositor e multi-instrumentista], na época dele, “esse cara é doido!”.

Você se considera um chorão? Não. Eu amo o choro, amo tocar choro, mas eu não me enquadro numa especificidade, num estereótipo. Mesmo dentro do choro, da linguagem choro, do gênero, você vê o ritmo baião, maxixe, tango, flamenco, é um universo. Como é que se vai dizer que é só uma coisa? É o mesmo que dizer “eu sou roqueiro”, eu acho que limita. Eu sou músico!

Obituário: Omar Cutrim

Faleceu nesta madrugada o músico Omar Cutrim (30 de junho de 1958 – 6 de janeiro de 2015), vítima de um câncer de próstata – o velório acontece na Pax União (Rua Grande, Centro, próximo à caixa d’água).

Conheci-o há alguns anos, provavelmente no saudoso Bar de Seu Adalberto, onde começou A Vida é uma Festa, evento semanal capitaneado pelo poeta-músico ZéMaria Medeiros, do qual Omar era habitué. Em uma rede social o colega lamentou a perda: “Triste com o falecimento do companheiro […]. A música está triste”, declarou o guitarrista e saxofonista.

Admirava-me de sua simplicidade, ele autor, entre outras, de Fé no santo (parceria com Costa Neto), gravada por Betto Pereira, e Tempo de guarnicê (parceria com Gerude e Ronald Pinheiro), também gravada por Betto, além de Alcione, entre outros. É dele ainda o choro Candiru (parceria com Zezé Alves, seu companheiro de Rabo de Vaca), gravada pelo Instrumental Pixinguinha em Choros Maranhenses. Só estas três já lhe valeriam lugar na galeria dos grandes.

Cumprimentamo-nos algumas vezes, a última numa manhã de sábado, quando ambos devorávamos um delicioso caldo de ovos em uma lanchonete do Mercado Central. Depois ainda o veria tocar na Companhia Circense de Teatro de Bonecos, na Praia Grande, há algum tempo palco dA Vida é uma Festa.

Confiram Omar Cutrim em ação em Remelexo (de sua autoria) no Carnaval de 2009:

Chorografia do Maranhão: Wendell Cosme

[O Imparcial, 24 de novembro de 2013]

O cavaquinhista e bandolinista Wendell Cosme é o 20º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

São Cosme e São Damião têm duas datas no calendário religioso. Uma para a Igreja Católica, outra para a gurizada, que faz as festas pelas ruas, à cata dos bombons de promessa. Nascido em 27 de setembro de 1988, Wendell Cosme Vieira Pires levou o nome do primeiro no batismo. Evangélico, enverga no braço direito uma enorme tatuagem onde se lê “Jesus Cristo”.

Filho de Sonia Regina Correia Vieira e Everaldo da Paixão Pires Filho, mecânico falecido, o cavaquinhista e bandolinista ingressou recentemente no curso de Música da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Iniciou os estudos musicais aos 14 anos, quando aprendeu a tocar cavaquinho, após descobrir sua paixão por blocos tradicionais e a cultura popular do Maranhão, época em que ingressou na Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo (EMEM).

Casado e esperando o primeiro filho, o músico integra os grupos Argumento e Quarteto Cazumbá e já passou por vários outros, incluindo o Chorando Callado, que o revelou nas noites do saudoso Clube do Choro Recebe, no Bar e Restaurante Chico Canhoto.

Wendell Cosme recebeu a chororreportagem no estúdio de Júlio, no segundo piso de uma residência na Camboa. Na ocasião, tirou uma foto e postou no Instagram, relatando a felicidade em ser um dos entrevistados da série Chorografia do Maranhão. Também no celular mostrou em primeira mão a gravação do Argumento para Flanelinha de Avião, de Cesar Teixeira, com participação do sambista carioca Moyséis Marques. O entrevistado de hoje assina o arranjo.

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

Com que idade você começou a tocar? Acho que com 14 anos.

Isso fora já? Não. Eu comecei tarde mesmo. Poderia ter começado mais cedo.

O ambiente na tua casa favorecia o aprendizado da música? O que te estimulou? Todo domingo na casa da minha vó tinha confraternização, aquelas coisas de família e de vez em quando tinha um samba. Eu olhava, mas ainda não tinha muito interesse. Mais na frente teve um bloco, chamado Pierrô, lá no Cohatrac, quando eu estava morando já no Cohatrac Araçagy, por ali, mas também ainda não tocava, acompanhei. Já vim começar a tocar, eu comecei tocando retinta. Foi de onde eu comecei.

Nesse samba do quintal de tua vó tinha algum parente que tocava? Meu tio. Tio Erinaldo. Ele é irmão de meu pai. Ali eu já acompanhava, ele já saia pra tocar. Mas eu ainda era muito criança.

Como é que você foi parar na Escola de Música? Começou tocando antes de ir para a Escola, como é que foi? Nesse tempo eu fui morar na Cohab, já depois de ter conhecido o bloco tradicional, já tinha me chamado a atenção. O bloco Os Vampiros ensaiava na frente da minha casa. Eu comecei a gostar, todo mundo já participava, eu pedi pra meu pai uma retinta. Ele mandou fazer uma pra mim e eu comecei a tocar. Lá n’Os Vampiros tinha Chico Newman, um cavaquinhista que virava bicho tocando ali, tocava muito, muito mesmo. Eu ficava olhando e aquilo me chamou muito a atenção, “rapaz, esse cara toca muito, isso é bonito”. Aí um amigo meu, Eduardo, eu falei pra ele, “rapaz, eu quero começar a tocar cavaquinho, eu quero aprender”. Ele sempre ia lá, não tocava, ia levar o cavaquinho pra Chico Newman. Ele tinha um cavaquinho, me emprestou. Uma situação engraçada. Eu peguei o cavaquinho, fiquei fazendo zoada, mas não tocava. A primeira vez em que eu fui pegar aula de cavaquinho, o dono do cavaquinho apareceu, eu fiquei sem cavaquinho. Aí deu aquela travada. Fiquei sem instrumento, não tinha como continuar. Pouca grana, praticamente zero, minha mãe não trabalhava, meu pai era mecânico, aquela renda era mais pra ajudar em casa mesmo. Aí eu dei um tempo e tinha ganhado um celular de minha tia, comprou na loja, eu, “celular pra quê?”, naquela época ainda estava começando, eu vendi pra meu pai. Aí eu fui ao Centro com uma prima minha, que andava sempre comigo, a Natália, aí eu digo, “rapaz, eu vou comprar um som pra mim” – gostávamos muito de música, ficar escutando em casa –, “ou um cavaquinho?”. Comprei o cavaquinho e foi o início de tudo.

Você lembra que ano era isso? 2001, por aí. 2000.

O lance de cavaquinho veio do bloco. Podemos dizer que tua entrada na música tem um pé na cultura popular? Isso se mantém hoje? Isso. Se mantém! Eu sou louco por bloco tradicional.

Você já tocou em diversas outras manifestações. Toquei muito tempo no Boi Pirilampo, viajei muito com o Pirilampo, até pra fora do Brasil. Toquei essa temporada com o Nina [o Bumba Meu Boi de Nina Rodrigues]. Toquei com o [bumba meu boi] Brilho da Terra, um boi da Madre Deus que agora eu não lembro o nome. Já estava começando a gravar algumas coisas de bumba boi.

Qual a importância da ponte entre a cultura popular do Maranhão e a música instrumental que se produz aqui? Pra mim é superimportante. A cultura popular, a gente tem o bumba boi, o bloco tradicional, principalmente, que eu gosto demais, a tribo de índio, o divino [espírito santo]. Falando sobre isso eu já digo que fomos participar de um festival em Recife, Tremplin Recife Jazz, a gente chegou lá pra tocar, eu vou te falar a importância. A gente sempre achou superimportante montar um trabalho com os ritmos do Maranhão, é o sotaque daqui, uma coisa diferente, ninguém faz, chegamos para tocar lá, tinha um pessoal da França, uma orquestra de jazz da França, começamos a tocar tribo de índio, tam tam tam tam [imita com a boca o andamento percussivo], uns temas meus, rapaz, esses caras ficaram “o quê que é isso?”. Antes teve um grupo de choro da Paraíba, que tocava choro puxando pro forró, já é normal, o cara já está acostumado a ouvir choro com andamento de baião. Quando a gente tocou a tribo de índio, um jurado se levantou da banca e foi lá pra frente do palco para ver o que estava acontecendo, “que ritmo é esse?”. A gente tem que valorizar, tentar encaixar o máximo na música instrumental, no choro principalmente, a gente tem que explorar um pouco mais, acho que tem sido pouco explorado esse lado.

Nesse festival, no Recife, quando você fala a gente, era o Quarteto Cazumbá? Como é que está o quarteto hoje? Era o quarteto. Deu uma parada, todo mundo correndo pra um lado e pra outro. Mas temos uns convites, de Recife mesmo, do grupo Saracotia, um projeto de rodar o Nordeste, e a gente vai abrir pra eles, quando eles passarem por aqui, já no começo do ano que vem. Eles fazem muita coisa lá.

Quem foram teus mestres no cavaco? É importante eu falar do Eduardo, o Dudu. Foi ele quem me emprestou o cavaco, que nem era dele, na hora o dono apareceu. Ele foi um cara que me ajudou muito no início. Eu não digo que ele foi meu professor, ele falava “o dó é assim, o mi é assim”. O Chico Newman foi uma grande inspiração pra mim, não chegou a ser meu professor, não me deu aulas, mas me inspirava vê-lo tocar. Quando eu estava começando a engatinhar no choro, eu vi Juca [do Cavaco, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 13 de abril de 2014] tocando na televisão, no Canal 20, no programa de César Roberto [radialista]. Tanto é que quando eu fui fazer a prova [de seleção] da Escola de Música, eu falei, parecia o ídolo mesmo, assim na frente, “rapaz, eu te vi tocando”.

Você foi aluno dele na Escola? Fui aluno do Juca. Ele foi meu principal professor na Escola de Música. É uma pessoa que eu sempre tirava dúvida de choro com ele, e fui correndo atrás.

Você falou que considera ter entrado um pouco tarde no ramo. Mas em compensação, parece que você pegou tudo muito rápido, se lembrarmos dos tempos do início, do Chorando Callado no Clube do Choro Recebe, pra hoje… Eu agradeço, claro que a Deus em primeiro lugar, 80% ao choro. Foi o que me fez dar esse salto, em relação até a outros músicos. Quando eu comecei a tocar choro, eu lembro que a gente ia ensaiar, com João [Eudes, violonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 16 de fevereiro de 2014], Tiago [Souza, clarinetista], o início do Chorando Callado, eu tocava uns três, quatro choros, aí Wanderson [percussionista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 13 de outubro de 2013] chegou logo dando pressão: “não, tem que pegar choro”, e isso foi uma coisa que empurrou. Não tinha negócio de partitura, eu ainda não sabia ler. Eu tava engatinhando nisso, botava o cd em casa, ficava escutando, e começava a tirar as coisas.

Quando a gente se conheceu no Clube do Choro Recebe você tocava um cavaquinho cheio de fitinhas coloridas. Você se lembra das primeiras vezes em que tocou lá, com os nossos grandes mestres? Lembro sim. Aquilo foi um grande incentivo.

Depois do cavaquinho você se tornou também um grande bandolinista. Como é que o bandolim surge, em que momento passa a fazer parte dessa história? O bandolim surgiu depois de eu ter conhecido o Hamilton de Holanda, olhando ele tocando algumas coisas na televisão veio essa vontade de aprender. E pelo fato de não ter bandolinistas aqui. Tem o Raimundo Luiz [bandolinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 15 de setembro de 2013], poucos, poucos. Aí aparece um amigo meu, Dinho, querendo vender um bandolim velho e eu comprei da mão dele. Comprei e fui aprendendo só. Já sabia afinação, com a teoria musical que eu já tinha, eu peguei afinação e comecei a pegar os choros, a tirar alguma coisa de ouvido. De bandolim eu nunca tive aula com ninguém. Olhava algumas coisas na internet, olhava os grandes, Hamilton de Holanda, Jacob [do Bandolim].

Pra você, quem é a maior referência? Hamilton. Pra mim é o maior bandolinista de todos os tempos e não vai surgir um igual a ele tão cedo.

Maior do que Jacob? Eu sei que é uma pergunta escrota. É [risos], é escrota mesmo. Mas o Hamilton ele vê a música de outra forma, ele sabia que podia explorar muito mais o bandolim, abriu um leque.

Vocês já estiveram juntos? Eu assisti um workshop dele em Teresina, fui ao Rio assistir um show dele, fui ao camarim, conversei com ele, tenho um dvd autografado, “manda ver no 10 cordas aí”.

Você falou há pouco de pouca grana no começo e hoje é um cara que vive de música. Hoje eu posso dizer que vivo de música, tenho orgulho de dizer isso. No início foi barra, ia tocar pra ganhar cinco reais, pagava a passagem de ônibus, ficava com R$ 2,50, era o lanche ou pra jogar videogame. Vinha andando da rodoviária pra Cohab, ia tocar numa festa que não dava ninguém, a gente ia andando. Ralei, ralei, ralei mesmo.

Como era a reação dos familiares? No sentido de te mandar procurar fazer outra coisa. Minha mãe sempre me apoiou, meu pai também. Às vezes tinha uma tia que falava “mas não é melhor tu estudar?”. Aí eu botei uma coisa na cabeça, quando começou a dar certo, quando começou a caminhar, “rapaz, é isso que eu quero”. Aí eu comecei a focar, a correr atrás.

Mas você não chegou a ter outra formação. Não.

Você está na faculdade? Estou na UFMA. Faço música agora, graças a Deus! No início foi assim, mas graças a Deus eu tive o apoio da família.

É possível viver com dignidade, viver bem, com conforto, de música? Aqui em São Luís é difícil. Eu posso dizer que o grupo em que eu toco, o Argumento, me dá uma estrutura muito boa. É o maior grupo de samba daqui, uma referência. Todo mundo do grupo está vivendo dignamente.

Vocês só tocam no Maranhão? A gente vai muito em Teresina. A gente é muito tranquilo com relação a sair daqui, a gente vive o momento.

Como é a receptividade do público em Teresina? É legal. No início a gente foi várias vezes, a gente fez muitos shows legais lá.

Na tua cabeça tem algum conflito entre choro, samba e pagode? Ou você toca tudo com o mesmo gosto? Como é que você lida com isso? O choro a gente tem que estar sempre tocando, é muita nota, principalmente pra quem é solista. O samba, como eu faço só base, sou centrista, raramente faço solo. Se desse para conciliar os dois… Quando a gente vai tocar em festas, aniversários, a gente bota o choro, o pessoal é muito cabeça aberta. Esse lance de tocar em bloco, em boi, a gente se acostuma com várias vertentes.

Além do Argumento e do Chorando Callado, quais os outros grupos de que você já participou? Toquei muito tempo no Sob Medida, um grupo de samba, antes do Argumento. Antes do Sob Medida toquei no Palmares, grupo lá de Seu Riba, do Fundo de Quintal, já toquei com o Amigos do Samba, de Zé Costa, toquei no Fascinação, meu primeiro grupo de samba e pagode. Eu toquei com muita gente, fixo são esses, mas toquei com a Turma do Boneco, Samba Show.

E discos de que você participou? Muita coisa também. Deixa eu tentar lembrar algumas coisas importantes [pensativo]. Já gravei com Isaac Barros, Lena Machado, Madrilenus, estou produzindo o disco deles, Argumento, fiz arranjos, gravei o disco do Betto Pereira, com Camilo Mariano de batera, o Bóris fazendo arranjo, ele é uma grande referência no Rio, de samba e pagode, o Israel Dantas de violão. Participei de um projeto, acho que era do Sesc, também com Israel.

O que significou o Chorando Callado para você? Foi um divisor de águas. Foi onde tudo começou mesmo. Eu posso até arriscar a dizer, por todo mundo do grupo, a gente foi um grupo importante para a volta do choro aqui em São Luís. A gente começou a tocar e começou a surgir. Já tinha Pixinguinha e Tira-Teima, depois surgiram Um a Zero e outros, tocávamos direto. Foi na época em que o choro aqui deu uma levantada, tocávamos em aniversário, em bares.

Você considera que o grupo acabou? Eu acho que não, por que nós somos irmãos. João é padrinho de meu filho. Wanderson a gente está sempre se falando, é meu amigão. Tiago, a gente se fala pela internet, quando ele vem aqui a gente sai junto. Eu acho que o Chorando Callado não acabou.

Rola algum conflito entre a coisa religiosa e a música popular, ambiente de festas, bebida? Rola um pouco. Como eu nunca bebi, nunca fumei, isso foi uma coisa que sempre foi tranquilo, minha família, na igreja as pessoas respeitam minha profissão, sabem que eu vivo de música, ainda é meio complicado viver de música na igreja.

Você toca na igreja também? Ainda não. É um projeto. Eu acho muito sério. Eu não acho legal estar tocando na noite e estar tocando na igreja. Eu vejo dessa forma. Não tenho nada contra quem faz isso, mas acho meio complicado.

Cavaquinho e bandolim, os dois têm a mesma importância no teu fazer musical? Você tem preferência por algum? Não, não tenho preferência. Cavaquinho me acompanha mais, pelo fato de estar tocando samba todo o tempo, mas o bandolim também é importante, me abriu muitas portas.

Dessa geração mais nova, você e Robertinho [Chinês, bandolinista e cavaquinhista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013] são destaques, tanto no bandolim, quanto no cavaquinho. Vocês, com a pouca idade que têm, não deixam a dever aos grandes mestres, Raimundo Luiz, Juca, Paulo Trabulsi [cavaquinhista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 22 de dezembro de 2013] e companhia. Como é tua relação com Robertinho? Eu e Robertinho somos grandes amigos, estamos o tempo todo nos falamos. Ele tem uma grande admiração por mim e eu por ele. A gente se dá super bem, estamos sempre conversando, trocando material, a gente sempre se ajuda. Hoje ele está com meu cavaquinho, mandou fazer outro, pegou o meu emprestado. Ele me empresta coisas.

Você gosta de produzir? Gosto. Arranjar e produzir eu gosto, eu me sinto bem. Quando eu faço um arranjo, que tu pega e vai escutar, eu acho legal. Quero me qualificar para fazer mais isso.

Pra você o que é o choro? Qual a importância dessa música para a música brasileira? É superimportante. É o carro chefe da música brasileira, até por ter vindo antes do samba. O choro ajuda os músicos a pensarem um pouco mais, a querer fazer coisas mais difíceis, elaborar mais. O choro é um dos grandes gêneros da música brasileira.

Você tem acompanhado o desenvolvimento do choro no Brasil hoje, os novos nomes? Tem muita gente fazendo coisas. Tem o Messias Brito, da Bahia, grande cavaquinhista, tem o Márcio Marinho em Brasília. Tem muita gente fazendo som, os meninos do Saracotia em Recife fazendo um som bem legal. Tem muita gente se movimentando. Eu acho que aqui é que a gente está mais parado, mas acho que a música tem acontecido. O Hamilton de Holanda disse outro dia numa entrevista, que achava que o instrumental no Brasil está super bem.

Você se considera um chorão? Eu gosto de valorizar a essência do choro. Eu acho que não me considero um chorão por que eu não sou super tradicional, eu gosto do moderno. Se eu fosse falar que me considero um chorão… eu acho que não. Eu me considero um músico que toca choro.

Quais os grandes nomes do choro na tua opinião? O que tu ouve e te chama a atenção? Eu gosto muito de Hamilton de Holanda, como eu já falei, pra mim é um gênio. Gosto muito do Danilo Brito [bandolinista], Luiz Barcelos [cavaquinhista], lá do Rio de Janeiro. Gosto muito de [os cavaquinhistas] Messias Britto, Márcio Marinho.

E o choro no Maranhão, como você tem observado desde quando começou a participar das rodas até hoje? O choro aqui, naquela época em que a gente começou, estava bem forte, a gente empurrou, empurrou e começou a acontecer. Com grandes músicos, que a gente tem aqui em São Luís. Hoje em dia eu não sei o que aconteceu que o choro aqui caiu, em termos de visibilidade. Eu sempre gostei, acho superimportante acontecer mais, acho que incentivou muitos músicos como eu, Tiago, João, a crescer e a se tornar referência, não só no choro.

Não sei se você concorda, mas hoje parece haver mais gente tocando choro, mas o choro tem menor visibilidade. Como você acha que podemos resolver a equação, no sentido de uma retomada do movimento choro no Maranhão de uma forma mais organizada? Tem muita gente tocando choro, na UFMA. É isso mesmo. A gente não tem onde assistir. Eu acho que isso depende muito da gente mesmo. Hoje em dia os bares querem cada vez mais essa música que está acontecendo na noite aí. Mas se a gente, nós, chorões, nos organizássemos, ver um local para começar a se encontrar de novo, acho que a gente conseguiria fazer voltar a acontecer isso. Depende muito da organização dos próprios músicos. Eu lembro que a gente tocava na Cohab, em um bar, eu nem sabia que saía isso em jornal. A gente parou de tocar lá e o anúncio continuou no jornal com meu telefone e de vez em quando me ligavam: “onde é que vai ter chorinho?”

Chorografia do Maranhão: Zé Carlos

[O Imparcial, 10 de novembro de 2013]

Percussionista do Regional Tira-Teima, Zé Carlos, 19º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão, recebeu a chororreportagem no Bar do Léo

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Era uma tarde de sábado, véspera de uma data histórica para o choro no Maranhão. A chororreportagem encontrou Zé Carlos, percussionista do Regional Tira-Teima, no Bar do Léo, que diminuiu o volume do som do ambiente, seu museu particular, encravado no Hortomercado do Vinhais, garantindo a tranquilidade necessária para o papo e o posterior trabalho do responsável pela transcrição da entrevista – em alguns momentos de silêncio, entre perguntas e respostas, é possível ouvir as vozes de Cartola e Paulinho da Viola, que enfeitaram a conversa.

No dia seguinte (27/11), Zé Carlos, com seu grupo, subiria ao palco da Praça Nauro Machado, na Praia Grande, para a Noite do Choro, programação da 8ª. Aldeia Sesc Guajajara de Artes que reuniu, pela primeira vez, no mesmo palco, tocando simultaneamente, o Regional Tira-Teima e o Instrumental Pixinguinha, mais antigos e tradicionais grupamentos de choro em atividade no Maranhão. A noite teve ainda uma quase reedição do Recital de Música Brasileira, espetáculo em que desfilaram os talentos do violão de João Pedro Borges [violonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 14 de abril de 2013], o Sinhô, uma lenda viva do instrumento, e da voz de ouro de Célia Maria, diva ainda menos conhecida do que deveria, rima involuntária.

José Carlos Silva estava tranquilo e sereno e a grande responsabilidade parecia não o abalar. Nascido no Centro de São Luís – “numa maternidade que tinha ali na Rua Rio Branco” – em 5 de outubro de 1945, o percussionista é modesto, a ponto de não se considerar um percussionista. Filho de Rufina Silva, “a mãe verdadeira”, criado por Filomena Silva Freitas, “a mãe que criou”, irmã da primeira, e Raimundo Freitas, o Tibinga, comerciante de quem herdou o apelido. “Até hoje, no Monte Castelo, em alguns lugares, sou conhecido assim”, revela, ele que não se zanga com a alcunha.

Zé Carlos não bebeu durante a entrevista. Mas, elegante, dispôs-se a pagar a despesa dos chororrepórteres.

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

Você morava no Centro? No Centro, se você considerar a Vila Passos. Morei em três bairros basicamente: Vila Passos, depois Monte Castelo e estou na Cohama há mais ou menos 20 anos.

Além de músico, você tem outra profissão? Sou funcionário público estadual aposentado. Trabalhei no Departamento de Estradas de Rodagem por muito tempo, mas fui me aposentar na Secretaria de Educação. Lá me aposentei em 1998.

Então hoje você se dedica integralmente à música? Eu me considero um cara que compreendo a música. Eu não sou um músico didático, um músico acadêmico. Sou um músico prático, por que eu sou curioso. Eu com 10 anos de idade, lá na Vila Passos, começava a pegar coisas, fazer minha bateria, lata velha, panela velha, caixa, e ali eu fazia minha festa.

Por falar na tua infância: como era o ambiente musical em tua família? Tinha alguém que gostava de música? Isso aí eu não sei de onde veio, essa veia, por que eu tenho uma veia musical. Eu tenho facilidade pra compreender a música, é um privilégio que eu tenho, não sei de onde veio. Eu sei onde tá a complexidade da música, a coisa bonita. Eu não misturo a beleza com a complexidade da música. Muita gente, principalmente instrumentistas, só gosta daquilo que é complexo. A música que eu gosto é aquela que me toca, não importa quem seja o autor. Eu sou um cara que gosta de Kenny G, o pessoal detesta. Eu gosto, eu choro, a música é bonita.

Você fala que começou a, com 10 anos, fazer uma bateria, uma coisa meio instintiva. Teve algum professor? Tem umas histórias depois disso. Inclusive eu toquei clarinete por algum tempo. Eu quando servi o Exército, eu lá naquele negócio, me mandaram fazer opção entre um curso e frequentar a banda de música. O coração falou mais alto, eu não pretendia fazer carreira, escolhi a banda de música. Inclusive na formatura do ano, desfilei na banda tocando clarinete. Estudei com o pai da [cantora] Alcione, o João Carlos [Nazaré, maestro]. Assim que perceberam a minha vocação pela música, contrataram um professor, me deram um clarinete e eu comecei a estudar. Depois, meu próprio ouvido me traiu. Eu como tenho essa facilidade de ouvir, de interpretar a música logo pela audição, eu abandonei logo a partitura e comecei a tocar tudo de ouvido. Quando chegou aqui o primeiro disco de [o saxofonista soprano] Saraiva, foi uma febre, tocava em todos os lugares. Eu consegui tocar todas aquelas músicas que tinha naquele disco, tudo aquilo eu tocava. Fazendo minhas serenatas por aí, arranjei um amigo que tocava sanfona de oito baixos, outro tocava violão, eu pegava minha clarineta e saíamos por aí por essas ruas da cidade. Nessa época, São Luís era um pouquinho mais atrasada do que hoje, ela não avançou muito, mas havia a possibilidade de você sair por toda a cidade, andava, sem o perigo. A gente pegava a estrada de ferro, do Monte Castelo pro João Paulo, Floresta, Madre Deus, Coroadinho, Fé em Deus, não tinha isso [violência].

Tua família incentivou, na medida em que te deu presentes. Havia alguma restrição? Não tinha restrição, tanto é que facilitaram a minha entrada nesse mundo. Pagando professor, um sargento reformado da polícia. Depois teve um outro professor, Pedro Grombell. Depois cheguei a tocar, eles organizavam ladainhas. Ele foi meu mestre, tocava violino e eu tocava clarinete com ele. Ele é pai de um grande músico, Osmaro, tocava contrabaixo.

Desse grupo que você falou, havia um nome? Não, isso tudo era farra, era festa. Saíamos sexta-feira. Éramos perdidos. Hoje eu sou um cara direito [risos].

Você falou dos brinquedos de bateria, depois do clarinete. Quando é que se dá a volta à percussão? No meio desse caminho começou a minha paixão, eu descobri que gostava de harmonia vocal e comecei a trabalhar isso ainda nessa época em que eu tocava clarinete. Eu cantava com o acordeonista, o violão, o repertório de Nilo Amaro e Seus Cantores de Ébano. A música era Uirapuru: “Uirapuru, ô, Uirapuru” [cantarola]. Essa música era vocalizada…

Na linha do Tonga Trio? O Tonga Trio começou a partir daí, mas antes de chegar no Tonga Trio, quando eu saí desse grupo, alguma coisa não deu certo, se dispersou. Aí eu conheci algumas pessoas, trabalhavam no departamento [o Departamento de Estradas de Rodagem, de que era funcionário], [o cantor José Leonardo Gonçalves, o Léo] Spirro e Jorge Barros, que vocês não conheceram. Eles fizeram a dupla Ponto e Vírgula, que era Jorge Barros e Othon Santos, e nesse grupo eu entrei, no JB Trio, eu, Othon Santos e Jorge Barros. Nessa época, a gente em época de eleição, a gente ficava no estúdio. Outro dia alguém falando sobre o Sampaio Correia, a gente que gravou o Hino do Sampaio Correia. Eu, Mascote, os filhos de Mascote.

Mascote é muito falado por todo mundo. Através dele, inclusive, é que conheci outros vocalistas aqui. Nós fizemos o Samba Cinco, um grupo vocal instrumental. Os componentes eram os seguintes: eu, Spirro, Mascote [o violonista e percussionista Antonio Sales Sodré], Luiz Sampaio e Marcelo Carvalho, que tocava uma pianola, era bem novo, mas já tocava bem. Luiz Sampaio tocava aquele contrabaixo guarda roupa, Mascote tocava violão, Spirro tocava tarol e timbau, ficava bonito. Fazíamos vocal com quatro vozes.

Essa história do vocal, que vocês fizeram aqui e fizeram sucesso, pelo que nos disseram. Quais eram os grupos referência para vocês no cenário nacional? Eram Os Cariocas, o MPB-4 já existia, era referência também.

Isso era em que ano? Anos 1970, começo de 70. Interessante é que na nossa época, a gente não tinha nada. Hoje em dia eu vejo a preocupação de guardar fotografia, se perdeu, ninguém ligava pra isso. Tinha [o colunista social] Evaldo Melo, onde a gente tocava ele estava fotografando. Hoje não tem nada, se perdeu tudo. Nós éramos um trio que tocava em festas, eu me lembro duma etapa do [concurso] Miss Brasil, a escolha da representante do Maranhão no Lítero [o Grêmio Lítero Recreativo Português], não lembro se essa festa era feita aqui por [as colunistas sociais] Maria Inês Saboia ou se era Flor de Lis. O Tonga Trio entrava lá e era atração daquela festa, eu, [o violonista] Hilton Assunção e Spirro.

Além de Tonga Trio, JB, Tira-Teima, teve algum outro grupo? Sim, eu te falei do Samba Cinco, que era um grupo vocal com quatro vozes, difícil. Com três é fácil, com quatro você já tem que usar dissonâncias. Depois disso, que o grupo acabou, já muitos anos depois… [interrompe-se, exclamando:] Ah, rapaz, eu trabalhei também no [hotel] Quatro Rodas, passei uns quatro anos, depois Hotel São Francisco, eu trabalhei em todos os hotéis de São Luís, até com [o multi-instrumentista] Zé Hemetério.

Teve alguma fase em que você viveu de música? A música é pano de fundo da minha vida, em toda a minha trajetória de vida a música sempre esteve presente. Eu tentei tocar cavaquinho, isso eu não aprendi, antes de Zeca Buiú [Zeca do Cavaco, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 21 de julho de 2013] – ó, Zeca, tu é Buiú mesmo! [ri, mandando um recado ao colega de grupo] –, mas ele levou a sério a coisa. Tentei tocar contrabaixo, não consegui, também não levei a sério. Depois eu digo que o mais fácil mesmo, tocar tambor. Foi aí que eu comecei a tocar timba. No início do Regional Tira-Teima, na segunda formação, que a primeira formação é a de Ubiratan [Sousa, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 12 de maio de 2013] e companhia.

Você chegou a tocar na primeira formação? Não, que eu sou muito novo [gargalhadas]. Só Paulo [Trabulsi, cavaquinhista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 22 de dezembro de 2013], que fez uma viagem interplantetária, todo mundo envelheceu e ele continua novo [risos]. No Tira-Teima, eu tocava timba. Essa timba, tinha uma resistência. O cara que adotava, gostava da minha timba, era Gordo Elinaldo [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 27 de outubro de 2013]. Ele achava que a timba era uma marca da gente. Mas havia uma resistência: “não, rapaz, tu tens que tocar pandeiro”. Eu pra não sair do grupo, pra não ser dispensado, aí eu peguei pandeiro. Nem sabia pra que lado era, mas eu tenho facilidade pra percussão. Não sou percussionista por que não tive oportunidade. Percussionista é um negócio terrível, bateria, é aquela porção de coisa. Se eu fosse músico, levando a sério mesmo, eu tinha que tocar gaita: terminou ali, botou no bolso [risos]. Essa minha percussãozinha já dá um trabalho.

Quem te ensinou a tocar pandeiro? Aprendi sozinho. A princípio pegava um livro, comecei a fazer os movimentos. Eu queria aprender pandeiro, mas aprender corretamente. Depois internet. Hoje eu toco pandeiro por que fui assistindo vídeos, procurando vídeos, grandes pandeiristas, Jorginho do Pandeiro, mas eu tenho outras referências.

Quem são tuas referências? Tem um cara que eu admiro demais, o Léo Ribeiro. São dois Léos, um toca clarinete, o pandeirista é Léo Ribeiro. Marcos Suzano também é muito bom, mas o cara que eu procuro copiar não é ele. Léo Ribeiro é um cara novo ainda.

Você lembra em que ano entrou no Tira-Teima? Como pintou o convite? Não lembro. Eu já tocava, eu conheci o Paulo, músicos se conhecem, tocam num lugar, aquele entrosamento, as pessoas vão se conhecendo. E Paulo me convidou pra tocar com Anna Cláudia [cantora paraense radicada no Maranhão, ex-esposa de Paulo Trabulsi]. Nós tocamos por muitos anos, fazendo principalmente restaurantes. E a partir daí, criamos amizade e resolveram reestruturar o Tira-Teima e eu estava lá.

Eu já te vi tocando algumas vezes com a turma da nova geração. Como é essa relação? É boa. Essa turma está escrevendo [partitura] inclusive. Eu acho o seguinte: eu te falei ainda agora que eu sou um músico prático. É besteira você pensar que só aquele músico que lê partitura ele é capaz, ele é o tal. Às vezes é preciso, facilita. Uma hora seu ouvido manda fazer uma coisa, seu coração manda fazer outra, e como é que fica isso? Eles estão escrevendo com facilidade. Você vê Wendell [Cosme, cavaquinhista e bandolinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 24 de novembro de 2013], o próprio Robertinho [Chinês, cavaquinhista e bandolinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013], João Eudes [violonista sete cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 16 de fevereiro de 2014]. Esse pessoal está aí, está estudando.

Além de instrumentista, você desenvolve alguma outra habilidade na música? Não. Eu me atrevo a fazer arranjo. Outro dia estávamos tentando organizar um grupo, eu, [o multi-instrumentista Arlindo] Pipiu, Spirro, eu me atrevi a fazer um arranjo para quatro vozes. Eu sou perseverante, quando eu quero fazer uma coisa, eu luto, luto, e consegui.

E o canto? É outra coisa. Antes eu quero dizer o seguinte: atualmente, todo mundo que tem algum sentimento musical pode cantar. Não adianta você dizer “não, eu não consigo cantar”. Atualmente você tem ferramentas que dão condições, a chamada técnica vocal. Qualquer pessoa. Vocês já cantaram alguma vez? Não? Fala a verdade!

Em casa, no banheiro, em farras. Melhora muito, muito, a partir de começar a fazer os exercícios, vocalização. Cantar hoje você aprende. Eu tou vendo esses atores e atrizes globais, de vez em quando partindo pra cantar e cantando bem. “Ah, fulano canta? Canta!”. Eu, pelo fato de ter trabalhado muito, forçando, fazendo vocal sem nenhuma técnica, fumando, bebendo, eu perdi.

Das vezes em que te vi cantando no Clube do Choro [Recebe] gostei do resultado. É algo que você faz pouco. Por que você não canta mais? Por que eu não confio. Olha, eu tenho uma autocrítica. Eu critico a mim mesmo, por que eu não posso falar do meu amigo? Embora algumas pessoas digam “Zé Carlos, tu tem condição de cantar”, eu sei que eu não tenho. Além disso, ainda tem o negócio de decorar letra, como é que eu vou cantar todo tempo com uma coisa na minha frente? Se um vento der, eu perco? Tem isso, e minha voz… agora eu tou fazendo uns exercícios vocais, eu acho que já dá pra sair alguma coisa.

De quantas gravações de discos você já participou? Memórias [Memória – Música no Maranhão, antologia com vários intérpretes registrando a obra de compositores do Maranhão, em que Zé Carlos canta Zuza, de João de Deus, faixa que abre o disco], uma faixa, e o disco de seu Antonio Vieira [compositor]. Acho que não tem outro. No Antoniologia [disco produzido por Adelino Valente, seleção de composições de Antonio Vieira nas vozes de vários intérpretes] eu canto a música Ê saudade.

Você acha que o choro é uma música meramente instrumental ou ela pode ser também cantada? Há uma polêmica sobre isso. Tem o compositor de um tipo de música e tem o compositor de choro. O compositor de um tipo de música, boa música, ele faz a música, ele compõe, pensando em como vai ser o resultado daquele disco, como vai vender, pensa no lado comercial da coisa, pensa em agradar uma camada, pensa em vender milhões. Ele é diferente do compositor do choro: ele não compõe para o público, se você pensar, ele compõe para o outro músico. Quando faz o trabalho dele, seguramente, ele está pensando em levar o trabalho dele para o colega dele. Ele não pensa em vender esse disco. É a minha maneira de ver, o compositor do choro é diferente, ele faz o choro pensando no outro músico. Se outro músico diz, “poxa, tá legal”, ele tá realizado.

Você gosta de choro cantado? Tanto faz. Tem choro cantado bonito.

Quais são as tuas principais referências no campo do choro? Você falou há pouco no campo da percussão. Eu gosto de tudo o que é bom. Gosto de tudo o que me agrada. Encontro coisas que me agradam em todos os segmentos.

Mas quem são os compositores e instrumentistas de choro que te chamam mais a atenção? Quem lida com choro, o primeiro nome que vem à cabeça é o de Pixinguinha. Jacob do Bandolim. Eu não penso diferente, as minhas referências são essas.

Você tem acompanhado essa nova geração do choro no Brasil? Quem são os nomes dessa nova geração que têm te chamado a atenção? O que eu acho é o seguinte: Brasília tem um movimento muito forte nesse mundo do choro. Eles estão lançando muita gente. Você vê um Hamilton de Holanda [bandolinista], um cara desses. E não é só ele, muita gente igual a ele, Danilo Brito [bandolinista], rapaz, tem uma gente por aí, que tá tocando principalmente bandolim, Pedro Vasconcelos, no cavaco. Estão estudando, levando a sério.

Quais são os meios que você usa para acompanhar essa cena? Internet? Compra de discos? Internet. Não, eu não compro discos. Chorinhos e Chorões [programa dominical dedicado ao choro apresentado por Ricarte Almeida Santos há mais de 20 anos, sempre às 9h, na Rádio Universidade FM] eu ouço toda vez, vocês é que não sabem [risos]. Música é o meu gosto.

Como você está vendo o choro no Maranhão? Essa gurizada que está surgindo. Eu gosto, mas parece que parou. Eu não estou vendo articulação nenhuma. Há um desestímulo, você olha pra um lado, olha pra outro, se sente só, parece que está fazendo as coisas sozinho.

Em que pé está o disco do Tira-Teima? Os arranjos estão prontos, os arranjos encomendados para Ubiratan [Sousa] já foram entregues. Por enquanto quem está entrando em estúdio é Zeca [do Cavaco], pra fazer as bases.

Isso quer dizer que o repertório está definido, obviamente. É todo autoral? Tem três músicas nossas, mas são músicas daqui da região, de compositores daqui.

Entre instrumentais e cantadas? Sim. Está sendo gravado no estúdio de Gordo [Elinaldo].

Você se considera um chorão? A música que eu escuto hoje é só choro. Sim, eu sou um chorão.

Que recado você deixaria para os chorões, os mais novos e os mais velhos? O preço da perfeição é a repetição, o cansaço, você repetir exaustivamente. Se você repetir, você aprende.

Chorografia do Maranhão: Wanderson

[O Imparcial, 13 de outubro de 2013]

Dos ritmos da cultura popular do Maranhão ao choro, o passeio desenvolto do percussionista Wanderson, 17º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão

Foto: Rivanio Almeida Santos

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Wanderson dos Santos Silva iniciou sua trajetória artística no bumba meu boi mirim Capricho Sesiano, organizado por Dona Laura, professora de artes das unidades Lara Ribas e Ana Adelaide Belo do Serviço Social da Indústria, popularmente conhecidas como Sesi do Santa Cruz e Sesi da Alemanha.

Nascido em 11 de abril de 1980 na Maternidade Benedito Leite e criado por perto do primeiro, o percussionista até hoje mora no Conjunto Radional. Filho de Silvio Matos da Silva, farmacêutico falecido, e Maria Ribamar dos Santos da Silva, cabelereira, Wanderson seguiu as trilhas percussivas: do Capricho Sesiano passou ao Barrica, em paralelo aos estudos e ao esporte – chegou a disputar várias edições dos Jogos Escolares Maranhenses e formou-se em Administração.

Membro do Regional Chorando Calado, grupo que integrava o cardápio musical do Bar e Restaurante Chico Canhoto à época do Clube do Choro Recebe, o músico hoje se orgulha de já ter tocado com quase todos os chorões da cidade.

Professor da Banda do Bom Menino do Convento das Mercês, atualmente Wanderson está em estúdio, gravando um disco instrumental autoral, um passeio por toda sua formação musical, o que inclui bumba meu boi, tambor de crioula, tambor de mina e choro – um pé na modernidade sem tirar o outro da tradição. Ele conversou com a chororreportagem no Chico Discos, antes de seguir para o Teatro Arthur Azevedo, onde seu set percussivo já estava montado para mais um show de sua agenda.

Foto: Rivanio Almeida Santos

Como era a vivência musical na tua casa, na tua infância? Geralmente era aos fins de semana, meu pai só descansava aos domingos, então ele botava o som o dia todo para tocar. Eu escutava Altemar Dutra, essas músicas mais ou menos dessa época, Roberto Carlos.

Ele comprava discos? Comprava discos, cds, k7s. Até hoje eu guardo, tenho comigo.

Que outras vivências musicais você tinha? Em casa, praticamente foi assim, influências também de meus irmãos mais velhos, que eram quem botavam o som na época, tipo Titãs. Meu outro irmão que escutava bastante samba, por incrível que pareça, hoje é evangélico e não escuta mais nada. Eu via a turma de meus irmãos tocando. Lá onde eu moro a influência musical é praticamente zero.

Mas eles tocavam instrumentos? Brincavam de tocar percussão, atabaques, faziam aquela rodinha de samba.

Daí veio a tua vontade de aprender a tocar percussão? Também teve aquela influência da escola. Por volta da terceira série, por aí assim, eu cantei no Capricho Sesiano [grupo de bumba meu boi formado por alunos do Serviço Social da Indústria – Sesi]. Cantei lá, toquei durante uns três anos seguidos, Moça Laura [professora de artes], chegamos até a viajar para Belém.

Como você escolheu o estudo da percussão? Por volta de 14 anos de idade comecei a me interessar por tocar. Eu sempre escutei bastante música regional, bastante boi, sempre gostei de boi, das músicas daqui da região. Eu tinha uma irmã, Darlene, ela pegou e me levou pra Madre Deus. A gente foi, digamos assim, beber da fonte. Eu quero aprender, eu vou na Madre Deus, naquela época era assim, os melhores percussionistas tocavam na Madre Deus. Peguei minha mochila e fui com ela. Fui fazer o teste para o Bicho Terra, não era aquele alvoroço que é hoje, a gente ainda tocava como bloco tradicional, na rua. Fiz o teste e fiquei. De lá comecei a ter as influências de ritmo, comecei a pesquisar, ir pra Madre Deus, estudar percussão. Por volta de 1994, 95, por aí assim. Ainda não tinha nem projeto Viva [de revitalização e construção de praças em diversos bairros da capital] nem nada.

Você não chegou a buscar outra profissão? Na época eu fazia assim: eu tive influências também, depois, de canto coral. Eu cantei três anos no [Coral] Lilah Lisboa, de Chico Pinheiro [professor da Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo e membro das bandas da Companhia Barrica e Bicho Terra]. E paralelamente, na escola, eu fazia esportes. Normal, jogava basquete, JEMs [os Jogos Escolares Maranhenses], essas coisas tudinho. Mas sempre paralelo com o estudo da música. Em 2001, 2000 eu já fui trabalhar de auxiliar administrativo, no Laboratório Salomão Fiquene, aí eu saía de lá, quando era época de São João eu ia tocar, época de coral eu ia pro coral, era tudo ali perto, o coral era na São Pantaleão, o laboratório era no Apicum.

Você sempre recebeu apoio da família, da mãe, do pai, para trilhar o caminho da música? No começo foi difícil. Minha mãe ela queria que eu estudasse, como toda mãe, estudar, fazer vestibular. Meu grande passo para a música foi depois do falecimento de meu pai. Meus irmãos viram e disseram “vamos pra cá!”, por volta de 96, quando eu entrei na Escola de Música.

Quando você cita o falecimento de seu pai, ele era o mais radicalmente contra? Não. Ele era a favor de tudo. A mãe que geralmente era “não, é pra estudar”. Fazia parte de tudo, mas não podia largar o estudo. Por exemplo: se fosse pedir um livro de música, aí era difícil ela entender, hoje a gente já tem como garantir.

Antes da Escola de Música você já tocava profissionalmente? Eu tocava com o Barrica. Toquei com o Barrica 15 anos, cheguei novinho lá.

Que instrumentos você tocava lá? Todos os instrumentos de ritmo regional. Eu entrei pra tocar no Bicho Terra. De lá fiz um teste e passei pro Barrica. Eu fui o primeiro a ser de fora da Madre Deus a entrar pro grupo, de percussão. Era só gente do meio. Dessa forma foi que eu procurei a Escola de Música e outras fontes, por que por ser de fora tinha preconceito, botavam até o pé pra eu cair tocando.

Com quantos anos você entrou na Escola de Música? Eu entrei em 1996, com 15, 16 anos.

Pra estudar percussão mesmo? Pra estudar cavaquinho. Não tinha o curso de percussão.

E aí? Estudei, toquei cavaquinho durante uns quatro anos. Toquei nesses grupos de samba, tocava em rodas de samba, fui um dos primeiros cavaquinhos do Retoque, um grupo que tinha lá no Belira. E paralelamente tocava percussão no Barrica. Meu primeiro instrumento na Escola de Música foi violino. Só que quando eu peguei o violino eu não me adaptei e o instrumento era caro. Peguei uma poupança que eu mesmo fiz, naquela época mamãe não apoiava, a poupança eu fiz com um bolão da Copa [do Mundo] de 1994, ninguém acreditou que o Brasil ia pros pênaltis, eu ganhei o dinheiro todinho. Saquei o dinheiro e comprei meu primeiro cavaquinho, meu primeiro instrumento. Aí mudei de curso. Meu primeiro professor, na época, foi até Raimundo Luiz [bandolinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 15 de setembro de 2013]. Depois de Raimundo que eu fui ter aula com Juca [do Cavaco, professor de cavaquinho da EMEM]. Depois é que entrou o curso de percussão na Escola de Música. Mas paralelamente eu já tocava percussão no Barrica e estudava cavaquinho na Escola. Tinha essa coisa dessas influências do samba, e eu misturava essa coisa do samba com os ritmos regionais. Até no Barrica.

Quando você mudou para percussão na Escola? Eu fui da primeira turma. Acho que 1997, 98.

Nem terminou o curso de cavaquinho? Não, eu tranquei. Paralelamente eu fazia os dois. Depois me decidi pela percussão.

Quem são teus principais mestres da percussão? Na Escola era Jeca, meu professor. Dei uma parada durante uns dois anos, fiquei só no Coral, parei por conta de problemas familiares, tava jogando JEMs, quando eu retornei, já era Nonatinho [percussionista do Instrumental Pixinguinha] o professor.

Você disse que passou uns 15 anos no Barrica. Sua saída de lá é mais ou menos recente. A que se deveu? A eu me profissionalizar mesmo. A eu correr atrás do meu trabalho.

No sentido de que o Barrica é um espaço amador? Não, no sentido de que o Barrica tem um dono e eu resolvi ser meu próprio dono. Decidi virar um profissional da música. Lá são pequenos cachês, é de grupo. Lá você não é visto, é visto o grupo: a Companhia Barrica.

Hoje você consegue viver de música? Consigo. Hoje eu tenho outros trabalhos paralelos, mas eu consigo.

Quais são esses trabalhos paralelos? Eu tenho minha carreira acadêmica. Sou graduado e pós-graduado em administração. Estou pensando em dar aulas em faculdade. Justamente visando um futuro, por que a carreira musical tem certos limites, na minha opinião. Na Europa o cara é dentista e toca na orquestra, não tem essa história de ser músico e ser só músico, tu tem outra alternativa, tu pode fazer as duas coisas paralelamente. Eu bati muito de frente aqui, o cara é só músico, quer ser só músico. Infelizmente o nosso mercado não dá pra isso. Eu tenho amigos que moram fora, vivem de música e vivem bem. É o que eu sempre digo: tu quer viver bem ou tu quer sobreviver? São coisas bem diferentes.

Antes de formado, você conseguiu viver bem de música? Com música você sobrevive. Viver bem, bem, é difícil. São poucos os que conseguem.

Você não acha que no teu caso essa condição decorre de ser um cara novo? Tipo, daqui a 10 anos você poderia estar vivendo bem de música? Eu acho que o mercado, aqui em São Luís, é um pouco complicado. Talvez se eu fosse pra fora.

Quem são os percussionistas que você mais admira aqui em São Luís? [Carlos] Pial, meu amigo, me ajudou bastante quando comecei a tocar. O próprio Jeca, aquela história, a gente não descarta da onde a gente veio. Zé Pretinho, um cara bom pra poxa. E outros, os grandes mestres. No Barrica, quando entrei, como passei por muito preconceito, eu ia comendo de outras fontes, pra já chegar lá sabendo. Em vez de aprender só lá, como eles não queriam me ensinar, “não, tu é de fora, então eu não vou te ensinar, se tu quiser, tu olha, tu aprende”, eu ia por fora, eu ia na Liberdade, eu ia nos encontros que tinha no Reviver [o bairro da Praia Grande], eu participei dos primeiros Pungar, encontros de tambor de crioula, Leonardo [mestre de tambor de crioula] ainda vivo. Então a gente ia por esse caminho, observando, conversando com Zé Olhinho [mestre de bumba meu boi].

E no cenário nacional? Qual é o nome que chama tua atenção? [Marcos] Suzano, que hoje é meu amigo, Celsinho Silva, meu amigo também, fiz oficinas com eles, saí daqui, peguei meu ônibus, fui bater em Teresina, oficina com Suzano. Na linha do pandeiro eu digo que tenho umas cinco influências: Jorginho do Pandeiro, Celsinho Silva, Marcos Suzano, Bira Presidente [pandeirista do grupo Fundo de Quintal] e Jackson do Pandeiro. Fora também o estilo de tocar de pandeiro diferente aqui, do pessoal do Fuzileiros da Fuzarca [bloco carnavalesco da Madre Deus]. E influência assim que eu tenho da percussão geral, eu gosto muito do Gustavo di Dalva, que toca com Gilberto Gil, Leonardo Reis, são os grandes nomes de percussão mais ou menos nesse jeito que eu gosto de tocar. Por que tem várias linhas: tem o cara que é do axé, tem o cara que é do forró…

A gente sabe que a percussão é um mundo. Na falta de instrumentos, até numa mesa dessa aqui você vai fazer música. Em que instrumento você se sente mais à vontade? O que eu sinto mais à vontade são os instrumentos de percussão maranhense, por essa vivência toda que eu tive durante esses 15 anos lá dentro da Companhia [Barrica], eu colhi muito. Os próprios músicos, o próprio Zé Pretinho, o pessoal lá de frente da percussão, eles dizem que eu fui o único que soube pegar de lá e botar em outro lugar. Os instrumentos daqui, o pandeiro de couro, que eu estudei mais, e os instrumentos também de samba, que vem do tempo em que eu tocava cavaquinho.

Quais seriam esses instrumentos maranhenses? Zabumba, tamborito, pandeirão, tambor de crioula – a parelha, eu toco todos três –, vindo pro lado do carnaval, contratempo, retinta, particularmente todo instrumento maranhense eu toco. A própria caixa do divino, que é um instrumento tocado por mulheres, lá no Barrica quem tocava era eu.

Além de Barrica e Bicho Terra de que outros grupos você já participou? Quando eu saí, que eu decidi me profissionalizar, eu já toquei com quase tudo que é grupo de São Luís.

Mas como integrante? Como integrante praticamente só lá. Toquei em grupos de samba: toquei no Retoque, desde a época do cavaquinho eu tirava mais festa. Eu tava nesse processo: cavaquinho, percussão, nessa briga. Ou eu escolhia um ou outro. Podia chegar num ponto que eu não seria melhor em nenhum, eu seria mediano nos dois. Então eu decidi estudar.

E grupo de choro? Choro foi o seguinte: quando eu entrei na Escola eu vi o [Instrumental] Pixinguinha tocando e eu sempre me interessei. E eu tinha comigo que eu não sabia tocar pandeiro. Aí eu vi aquilo e disse: vou aprender isso aí. Comecei a estudar e o primeiro grupo de choro, formado, bonitinho, foi o Chorando Calado. Na época em que eu entrei, éramos eu, Jordani [percussão], Tiago [Souza, sax e clarinete], Wendell [Cosme, cavaquinho e bandolim] e João [Eudes, violão]. Depois Jordani saiu, ficamos só nós quatro.

Qual a importância do Chorando Calado pra você? A gente é uma família, nós quatro. Quatro irmãos. Através de muito estudo, muita repetição, ensaio, a gente conseguiu essa abertura no meio dos grupos grandes que já existiam aqui, de chorões. A gente recebeu, como éramos da Escola, muito apoio do Pixinguinha, a maioria eram nossos professores, botavam a gente pra tocar nos eventos lá. Às vezes a gente sabia só 10 músicas. Hoje quando a gente se junta, é só olhar um pro outro.

Mas o Chorando Calado nunca mais fez apresentações como Chorando Calado. O que está faltando? Tiago! Nós chegamos a botar outros, [os flautistas] Lee Fan, [João] Neto, até Zezé [Alves, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013], mas a gente decidiu não usar mais o nome. Até por que teve a história do Clube do Choro [Recebe] dar um tempo. Eu tenho esperança que volte, foi uma escola pra gente na época. Um projeto de suma importância, na época era o nosso palco. Ali que a gente começou a fazer nosso trabalho, a ter novidades no repertório.

Fora o Chorando Calado, você integrou outros grupos de choro? Eu já toquei com o Pixinguinha, um tempo em que o Nonatinho se afastou. Já toquei nOs Cinco Companheiros, com Osmar do Trombone [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 23 de junho de 2013]. Essa vivência [no Clube do Choro Recebe] fez com que eu tivesse o prazer de hoje já ter tocado com praticamente todos os grupos de choro daqui.

Daqui a pouco quando você terminar essa entrevista, vai participar da gravação de um dvd [o show Justiça de Paz e Pão, em que servidores do Tribunal Regional do Trabalho no Maranhão interpretaram obras de compositores maranhenses]. De que discos você já participou? Já, bastante discos. [O compositor Luiz] Bulcão, [a cantora] Teresa Cantu, cds e dvds. Várias bases de bumba meu boi. [O cantor] Mano Borges é um trabalho constante, uma das pessoas que na época em que fui tentar me profissionalizar foram pessoas que me deram apoio, começaram a me injetar nas coisas, Oberdan [Oliveira, guitarrista], Antonio Paiva [contrabaixista]. Outra influência de que lembrei agora, que eu tive na infância, bastante grande, foi a Casinha da Roça. Eu cresci naquilo ali.

A gente percebe essa vivência, essa tua natureza da cultura popular do Maranhão em tua base percussiva. Como você percebe a relação da percussão da cultura popular do Maranhão com a prática do choro? É possível fazer esse encontro? Você acha interessante? É possível, é bastante interessante, até por que essa questão do ritmo maranhense não é valorizado pelo maranhense, mas quando a gente viaja, que dá uma volta por outros ares, é o diferencial. É o que tu chega, é o que tu mostra, e o pessoal fica de boca aberta.

Cabe no choro? Cabe. Inclusive a gente lá no Chorando Calado botava muito boi, bloco misturado com choro. Cabe. É uma célula a mais. O choro em si é um gênero, então ele agrega um monte de ritmos. Eu sou um admirador da cultura popular do Maranhão. Meu set up tem um monte de instrumentos de fora, mas tem os instrumentos daqui pelo meio. Eu não me esqueço de onde eu vim. O Barrica, pra mim, foi uma escola. Quando eu viajava, eu sempre ia conversar com músicos, ia atrás de informação, sempre fui bastante curioso.

O que é o choro para você? Tanto quanto é o bumba boi é uma influência musical muito grande. É visto com preconceito, como música de velho, mas na verdade é uma música muito difícil. Eu digo pra meus alunos: todos os que vão pra linha do choro se tornam bons músicos. Os compositores de choro são grandes mestres da música. O choro não tem música feia. Até as mais atuais, a qualidade é lá em cima.

Com toda essa vivência já demonstrada na seara da cultura popular, você se considera um chorão? Considero. Até meus amigos dizem que quando vai pro lado do choro eu sou meio ranzinza. Eles, “não, Wanderson, é por que tu é chorão” [risos]. Eu me considero. Eu ouço choro todo dia: Zé da Velha, Silvério Pontes, Tira-Poeira, Época de Ouro, Zé Nogueira. Eu escuto tudo, os tradicionais, os modernos. As músicas de choro que eu mais gosto vêm daquele tempo que eu tocava cavaco: gosto muito de Naquele Tempo, de Pixinguinha, Minhas mãos, meu cavaquinho, de Waldir [Azevedo]. É essa linha que eu gosto mesmo de escutar, de sentar pra escutar.

Você tocou no disco inédito de Joãozinho Ribeiro [Milhões de Uns, disco de estreia do compositor, gravado ao vivo no Teatro Arthur Azevedo, em novembro de 2012]. O que significou para você? Você vê o quanto o trabalho do maranhense é esquecido. Ali eram só composições antigas, só que totalmente atuais. Tem muita música ali que eu nem sonhava em tocar, são atuais, podem tocar em qualquer lugar. Foi uma experiência muito boa, os músicos, todo mundo voltado pro show. Eu já escutava muito [a música] Milhões de Uns, quando eu me vi naquele local tocando, era uma coisa que eu almejava fazer e hoje eu faço parte. Pessoas com quem eu nem sonhava tocar.

Chorografia do Maranhão: Raimundo Luiz

[O Imparcial, 15 de setembro de 2013]

Diretor da Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo e titular do bandolim do Instrumental Pixinguinha, Raimundo Luiz é o 15º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão

Foto: Rivânio Almeida Santos

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Bandolinista, cavaquinhista, violonista, violinista. Músico, enfim. Raimundo Luiz está em São Luís a passeio. Quer dizer: ele nunca retornou à cidade natal depois de chegar à Ilha entre 1975 e 76, movido pela curiosidade de descobrir o que era “a cidade”. Atualmente, visita Cedral e a baixada a trabalho, difundindo o choro e pesquisando-o, num movimento de mão e contramão como o da maré que o trouxe para cá, numa época em que para se chegar à São Luís eram necessários dois ou três dias de barco.

Raimundo Luiz Ribeiro nasceu em 15 de junho de 1960 no povoado Jacarequara, em Cedral – então Guimarães –, Litoral Ocidental Maranhense. Sobre a origem do nome de seu lugar, ele explica: “tinha uns alagados, os jacarés quaravam, ficavam lá de papo pra cima, quando tinha um sol quente”.

Sua genética musical talvez se explique pelo fato de o pai, o lavrador e carpinteiro Lucílio Ribeiro, ter sido “uma figura que adentrou muito na coisa do boi de zabumba, na época era o Boi do Jacarequara. Ele fazia parte do cordão, era um brincante”. O pai construiu a maioria das casas do povoado e outros adjacentes, por onde andava, entre o boi e a carpintaria. “Segundo alguns documentários históricos, o boi da região de Guimarães nasceu por ali, outros interiorezinhos, Damásio”, remonta Raimundo. Edite Rosa Ribeiro, sua mãe, era também lavradora, primeiro campo em que atuou o bandolinista do Instrumental Pixinguinha, hoje diretor da Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo.

Raimundo Luiz recebeu a chororreportagem nos jardins da EMEM, quando findava a tarde. Durante a conversa, tocou Elegante, choro de sua autoria, gravado em Choros Maranhenses, disco de seu grupo que registra o que entrega o título, e Flor Amorosa, de Joaquim Callado.

Entre discos que já tocou, lembra, além do citado Choros Maranhenses, do primeiro disco do Cacuriá de Dona Teté, onde compareceu de banjo e violino, além de Hongolô, de Cláudio Pinheiro – é dele o violino em Tocaia, de Cesar Teixeira, vencedora do Festival de Marabá/PA, em 1994. Aos pais, já falecidos, deixou um agradecimento: “Eu queria deixar um recado a meus pais, que mesmo na labuta da roça, no seu dia a dia de lavradores, mesmo sem me propiciar grandes condições de educação, me propiciaram estar aqui agora. Isso pra mim é extremamente saudável, enquanto homem e enquanto músico”.

Foto: Rivânio Almeida Santos

Jacarequara já virou nome de choro? Ainda não [risos], mas há perspectivas pra isso.

Você ainda visita a região? Jacarequara eu estou tendo a satisfação de ir mensalmente. Nós colocamos no ano passado um projeto de interiorização do choro, eu e Zezé [Alves, flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013], e eu coloquei dentre as seis cidades de minha região, o município de Cedral, como coloquei Cururupu, Guimarães e outras pra cá [mais perto de São Luís]. Justamente pra tentar buscar essa coisa da música instrumental, que eu vi lá desde criança, molequinho, 10 anos. A minha cidadezinha, embora seja um povoado bem rural, tinha nem luz elétrica na época, tinha um quarteto de música na cidade, um quarteto de irmãos, um tocava trompete, outro a zabumbinha, pandeiro, a percussãozinha e um banjo. Esses homens adentravam em todas as manifestações folclóricas e religiosas dos povoadozinhos: festa de São Luís, Santa Luzia, São Sebastião, Santana, Divino, Pastor, até hoje é muito forte pra lá o pastoral. Eu adorava ver esses senhores tocando! Paralelo a essa coisa, a essa prática instrumental dele, também tinha as radiolas, que não são as radiolas de reggae de hoje. Eram pequenas radiolas de festa, que tocavam na época muita música instrumental, muito [o saxofonista] Saraiva, [o cavaquinhista] Waldir Azevedo, principalmente a música de sopro. Aquela coisa foi nascendo em mim esse desejo, esse sabor pela música instrumental. Daí eu comecei esse gosto musical.

Você se lembra de estar inserido nessas festas a partir de que idade? Acho que 12, 13, 15 anos. Até então a gente não ia pra festa, os pais não deixavam.

Dá para perceber nessas suas falas, a vivência musical na cidade, no povoado. Como era a vivência musical em casa? A vivência dentro da minha casa, não tinha. Praticamente assim, só rádio mesmo. Lembro que papai tinha rádio, escutava muito a Rádio Educadora de madrugada. Mas a gente não tinha radiola, não tinha nada de som na minha casa. Até pela própria carência mesmo, a gente morava em uma casinha de taipa, coberta de palha, não tinha luz, não tinha nada.

Com essa idade com que você começou a frequentar as festas já se interessou por querer aprender a tocar? A vontade de tocar era imensa, mas a condição, entendeu? Daí a primeira oportunidade que eu tive de vir morar em São Luís, até por uma curiosidade que eu tinha, de saber o que era a cidade. Só se viajava pra cá de barco, barco a vela. Eram dois, três dias pra chegar aqui, principalmente no inverno. Meus dois irmãos já moravam aqui, só os via de dois em dois anos. Eu ficava me questionando e aos meus pais, “pra onde meus irmãos tão?”, “tão pra cidade”, “e o que é a cidade?, eu também quero conhecer a cidade, como é que esse barco chega toda semana cheio de arroz, lata de querosene, onde é que se faz isso?”, eu ficava com aquela coisa em mim.

E o impacto com a cidade? Pode crer! Eu cheguei ainda na época dos jipes, achei uma coisa, a minha cabeça pirou. Tanto é que eu não voltei mais, já procurei meios de ficar por aqui mesmo. E fui buscando meu caminho musical.

Tua vinda, então, foi a passeio, e você não voltou mais? Eu tinha uma necessidade de ficar, uma necessidade pessoal mesmo. Eu queria fazer algo diferente. Essa coisa da música que eu tinha como raiz, lá não ia me proporcionar. Procurei alguns serviços, trabalhei em inúmeros locais, em casa de umbanda, como atendente, fazer os banhos, defumador. Vendi livros. Depois consegui um emprego de auxiliar de serviços operacionais numa empresa, e com esse primeiro emprego eu tive meu primeiro salário e comprei meu primeiro violão, novembro de 79.

Você chegou a trabalhar na roça? Literalmente na roça. Com 12, 13 anos. Capinando, abatendo, roçando, plantando, as mais diversas colheitas. Quando eu não ia pra roça, eu ia pra pesca, por que como eu já tava meio taludinho, como papai dizia e Luiz Gonzaga, que ele gostava muito de ouvir, enquanto ele ia pra roça eu ia pra pescaria, botar uma rede, tirar um sururu, de alguma forma, pra quando ele chegasse meio dia já ter o sustento [alimento].

Quais são as melhores lembranças desse período? Sinceramente, além desse sabor musical que eu adquiri na infância, mesmo sem saber tocar nada, essa cultura que eu tive, familiar, de respeito, de admiração pelo que eu sou hoje, por essa relação que meus pais me deram de entendimento, de família.

E na Escola de Música, você entrou quando? Trabalhando como operacional nessa empresa, eu tive o prazer de sair dessa coisa de rua, de office boy, e fui trabalhar numa sessão de fotocópias. Essa empresa ficava na rua Treze de Maio, que era próximo à Rua da Saavedra, onde era a Escola de Música. Sempre ia uma senhora lá, dona Maria José, chegava semanalmente com uma pilha de material de música pra tirar cópia. Eu tinha chegado na sessão na época e fiquei loucamente curioso pra saber que monte de coisa pretinha era aquela. “Ah, isso aqui é música, é partitura!”. Ela me levou à Escola de Música, em 1980, já fora do período de inscrição, me apresentou para a então diretora Olga Mohana. Ela já tinha esse sonho que nós temos até hoje, de ter uma Orquestra Sinfônica no estado. Ela já me viu tocando violino, já me ofereceu o violino pra estudar. Eu não tinha instrumento e queria isso mesmo.

Então você passou por violão, por conta própria… É, estudei esse violãozinho lá no bairro do Monte Castelo, morava lá com os parentes. Tive certa resistência por parte da família daqui: vim do interior, fui logo comprar um violão. Enfim, consegui mostrar pra todo mundo, que a partir do violão eu consegui chegar onde eu queria.

Você concluiu o curso de música por aqui? Me formei em violino. Comecei a estudar o violino, trabalhava fora também o violão, que eu tocava na Igreja da Conceição, no Monte Castelo, em grupo de jovens. Em 1984, sempre tinha em Brasília, Curitiba, esses festivais de verão, festivais de inverno, eu procurava sempre me aperfeiçoar no violino. Ia eu, várias pessoas aqui da Escola, pegava o ônibus, ia pra Curitiba, pra Brasília, fiz vários cursos, e consegui trabalhar o violino. Mas sempre, paralelo ao violino, eu estudava também o violão. Cheguei a estudar também cavaquinho, toquei em grupos de samba. Em 1987 eu peguei dois serviços com música, já era monitor na Escola de Música, de solfejo, teoria musical, e fui convidado pra ministrar aulas no [Colégio] Marista e nesse mesmo período fui convidado a fundar um coral com os funcionários dos Correios. Eu louco pra viver de música, aceitei os serviços. Trabalhava duas vezes por semana nos Correios e tinha uma carga horária no Marista também, trabalhando com educação musical em sala de aula, para o fundamental e também para o ensino médio. Passei quase 12 anos no Marista como professor de música, a [cantora] Flávia Bittencourt foi minha aluna lá.

A partir daí você passou a viver de música? Literalmente. Viver de música. O trabalho com o coral dos Correios foi tão bacana, viajamos vários regionais Norte e Nordeste. A Associação dos Correios, que na época era o [bandolinista] César Jansen, o [percussionista] Carbrasa, era todo mundo de lá, “vamos criar um grupo de samba”, e lá vem o professor Raimundo Luiz, criamos o Arco Samba, tocamos aí na época no Dunas Center [centro comercial, na Cohama], Maré Chic [próximo ao retorno do São Francisco]. Foi uma boa temporada também com a coisa do samba. Daí eu comecei a gostar do cavaquinho, viajei várias vezes para Brasília, estudei com [o cavaquinhista] Henrique Cazes, depois fiquei só com o bandolim.

Como se deu essa passagem, em definitivo, para o bandolim, que é o instrumento pelo qual você é mais reconhecido hoje?

Ele veio, acho que pelo gosto do choro, da coisa pequenininha lá do interior. Eu escutava o chorinho no bandolim, no cavaquinho, no saxofone, na sanfona e me identifiquei com a coisa do bandolim, abracei o bandolim. Embora eu nunca tenha abandonado o violino. Achei também mais vantagem financeira no bandolim, a gente estava sempre tocando o bandolim.

O sonho da orquestra vem desde a época de Olga Mohana. Como está esse processo hoje? Nós temos um núcleo de cordas que sustenta ainda esse sonho. Temos uma mini orquestra de 20, 25 músicos, uma pequena orquestra de câmara, sob a coordenação do professor Joaquim Santos [violonista]. O que falta para essa orquestra é vontade política. Pra que ela cresça, nesse ponto de vista da orquestra sinfônica, precisa ter muita força de vontade. Uma orquestra sinfônica eu a vejo vinculada à instituição, eu não vejo a Escola de Música tomando conta de uma orquestra, por que nós vamos deixar nossos afazeres didático-pedagógicos pra tomar conta de uma orquestra. Uma orquestra sinfônica, ela, em si, é uma instituição, e muito grande, por sinal. Muita gente pergunta por que a Escola não faz uma orquestra, não tem uma orquestra? Não tem que ter! A Escola já tem uma função, que cumpre muito bem. Eu acho, né? [risos].

Quando é que você passa a atuar como professor da Escola de Música? Em 83 eu já comecei a ministrar aula. Quando eu formei em 88, violino, eu fui nomeado. Nessa época não tinha concurso. Eu, [o violonista sete cordas] Domingos Santos, Zezé, Paulinho [Paulo Santos Oliveira, flautista], todo mundo trabalhava como monitor.

E o choro? Quando é que começou efetivamente? Minha participação no choro, eu entrei no Pixinguinha em 94, 95, o Pixinguinha começou em 90, eu entrei cinco, seis anos depois, comecei a trabalhar o bandolim no choro.

Você entrou no Pixinguinha tocando cavaquinho ainda, não é? Foi, no cavaquinho, fazendo base. O bandolinista era o Jansen. Carbrasa na percussão, depois entrou [o percussionista] Quirino, ou foi o contrário. Paulinho já foi do Pixinguinha, Zezé, [o violonista] Marcelo Moreira, Garrincha fez a percussão um bom tempo.

E a sua chegada à diretoria da Escola? Eu fui convidado em março ou abril de 2009. Ligaram da Secretaria [de Estado da Cultura, à qual a EMEM é vinculada] se eu aceitaria, passei umas horas pensando. Resolvi aceitar, não pelo cargo, mas pelos quase 30 anos que eu tinha, na época, de Escola de Música. Eu tinha na cabeça as necessidades que a gente desejava, enquanto professor. A gente já tem uma noção das perspectivas, acredito que eu já realizei algumas delas, estamos realizando outras. Há coisas muito boas que temos feito por aqui, sinceramente. Dentre elas a conclusão de nosso plano político-pedagógico. Não tinha! Era um documento antigo, metodologia antiga. Fizemos várias equipes, caímos para pesquisar, desde 2010. Terminamos em 2012, agora. Dois anos de pesquisa bibliográfica pra arrumar, adequar essa nova metodologia, novo padrão de ensino, baseado no currículo nacional.

Qual a diferença que hoje tem o processo de ensino-aprendizagem na Escola para o que era antes? O que significou a consolidação desse documento? Esse documento, diga-se de passagem, ainda não está aprovado no Conselho Estadual de Educação, embora já o estejamos utilizando. Ele traz de diferente uma série de fatores, entre eles as diversas metodologias de ensino que nós usamos hoje em sala de aula, tanto na teoria quanto na prática, os padrões de estudos, os novos métodos de teoria musical, ritmo, solfejo, que você aplica, estudos práticos em turmas coletivas, a descentralização dos cursos. Por exemplo, hoje nós temos cursos básico infantil, fundamental infantil, fundamental adulto e técnico profissionalizante, separou tudinho. Estamos reduzindo esse curso técnico profissionalizante, que era de cinco anos, para três anos.

Teoria e prática caminham juntas agora? Teoria e prática, não tem mais essa coisa de passar um ano na teoria para depois chegar na prática. Entrou, caminhando junto.

Durante muito tempo a Escola de Música teve um perfil erudito. Como está o espaço da música popular hoje, na formação? A gente sempre tem procurado acabar com essa linguagem, que é pejorativa. A gente tem que procurar fazer a música, a boa música. A Escola de Música está mais aberta, hoje a gente vê muito evento popular, dizem que “a música popular chegou à escola de música”; não é isso: não se trata de música popular ou erudita, é a música, o povo quer ouvir música de qualidade.

Mas durante muito tempo as escolas de música e os conservatórios meio que negligenciaram a música popular. Em Pernambuco o choro está tendo um papel fundamental no conservatório de música, o próprio Marco César [bandolinista] esteve aqui recentemente e disse que foi uma luta, uma conquista recente. Nós fizemos ano passado, isso também foi uma conquista, nós tínhamos aqui na Escola encontros que a gente denominava de semanas. Semana de piano, semana de canto lírico, semana de violão. A partir do ano passado, nós decidimos fazer encontros de música de câmara. Aí você junta, esse aqui do piano, com aquele ali do canto, com esse aqui do violão erudito e trabalha conjuntamente e no final da semana, você está trabalhando vários núcleos no mesmo período e no mesmo palco e fica a coisa camerística. Foi um ganho que a Escola teve. Para esse ano nós já estamos pensando, nesse segundo encontro, que será agora em novembro, dentro do Encontro de Música de Câmara, a primeira Oficina de Choro do Maranhão. Eu tive um contato há duas horas com [o flautista] Toninho Carrasqueira, ele já está fazendo contato com outros. Em breve teremos a definição desse grupo, da oficina que estará dentro do encontro.

Falando em choro, qual a situação do Pixinguinha hoje? E o que significa este grupo para você? O Pixinguinha, para mim, é minha identidade pessoal maior. É o que eu mais trabalho, o que eu mais toco, o choro é o gênero que eu abracei, com que convivo diariamente. O Pixinguinha tocou nove anos na Lagoa da Jansen e depois que eu assumi a Escola não tive mais tempo. Preocupado com a gestão, eu não tinha como sair daqui sete da noite, chegar lá, tocar até meia noite. Eles ficaram lá os quatro, depois resolveram deixar. De lá para cá temos tocado muito em eventos particulares. Ao menos duas vezes por mês a gente toca. Nossa perspectiva é trabalharmos o segundo cd.

O que significou para você o fato de o Pixinguinha ter sido o primeiro grupo a gravar um disco de choro no Maranhão, registrando músicas tanto de vocês, membros do grupo, quanto de chorões que estavam inéditos? Isso foi uma pesquisa muito interessante que a gente começou a fazer logo que pensamos em gravar. Saímos buscando as pessoas. O choro de Zé Hemetério [Viajando pra Carajás], eu pensei logo, eu morava próximo dele no Monte Castelo, próximo à Estrada de Ferro na época. Toquei com ele no Canta Nordeste [festival de música da Rede Globo], defendemos a música do César Nascimento. Zezé procurou outros e assim a gente saiu caçando, Nuna Gomes [Um Sorriso]. Esse registro, pra mim, foi fantástico, não pelo fato de ser o primeiro grupo, mas por registrar, ver a coisa acontecendo, colher a partitura, copiar, registrar.

Esse disco foi registrado nos estúdios da Escola de Música? Como está esse estúdio hoje? Tudo foi feito lá, masterização, uma parte foi feita com o Henrique Duailibe, que na época era técnico do estúdio. Hoje ele está um pouquinho a desejar, mas muito em breve, já estamos com os recursos alocados para dar uma recauchutada. Vamos trocar toda essa parte de informática e de áudio.

Choros Maranhenses. Capa. Reprodução

O [disco] Choros Maranhenses me parece ter tido um desdobramento com o Caderno de Partituras de Zezé. O que o Pixinguinha está pensando para o segundo disco? Há alguma relação com esse caderno? Com certeza! Esse segundo disco a gente vai tirar uma boa parte do que já pesquisamos por onde andamos, com esse projeto no interior, e buscar outras pesquisas, até pra fazer um segundo caderno, se for o caso, e ampliar esse repertório do choro, o qual já vai fazer parte do nosso acervo bibliográfico. A Escola de Música tem um projeto apoiado pela Fapema [Fundação de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Científico do Maranhão] de digitalização de todo o acervo. Todos os equipamentos já estão chegando, pra gente digitalizar tudo o que nós temos, fitas k7, VHS, LPs, tudo vai ser digitalizado e vamos criar também um banco de partituras de autores maranhenses. É bom que toda a cidade esteja sabendo, os artistas que não têm suas músicas copiadas, escritas, podem trazer que a Escola vai fazer isso. Já temos profissionais e bolsistas contratados para isso.

Como você está observando a cena brasileira do choro hoje? Cada dia que você põe um programa, assiste um canal, a gente vê coisa nova, impressionante, a gente pira. Novas invenções, novos retratos da música, do choro. Pra mim é extremamente inovador, criativo, interessante. É uma nova roupagem. É igual aquela capa do cd do Pixinguinha: aquele monte de tinta, vem a do meio, a de fora, é tudo se renovando.

Que nomes você destacaria? Pelo Maranhão mesmo eu falaria do Robertinho [Chinês, bandolinista e cavaquinhista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013], acho que é um grande nome que temos por aqui, tem uma pegada própria dele, tem uma versatilidade muito boa, acho muito interessante o trabalho.

E dos grandes mestres, de outras gerações? Quem é a sua grande referência? Não vamos falar do Jacob [do Bandolim], por que Jacob é Jacob e é de todos. Eu pessoalmente adoro o Joel [Nascimento, bandolinista], estudei três vezes com ele, em três oficinas. Foi o Joel quem me deu um laboratório de bandolim. Fui o bebezinho do Joel. É um cara que tem um jeito todo especial de lidar com o aprendiz.

Hoje os bandolinistas mais jovens, todo mundo cita, é quase uma unanimidade, o Hamilton de Holanda. Com certeza! O Hamilton é uma referência. Em 90 e alguma coisa eu era aluno do Joel e o Hamilton também era aluno do Joel. Nós éramos da mesma sala, nos encontrávamos. Nessa época o Hamilton já era o Hamilton. As palavras do Joel para o Hamilton eram “você já é músico, já faz o que faz, tem o domínio do instrumento, o que você faz é seu, é isso mesmo”, isso em sala de aula.

Se a gente observa bem o choro feito em São Paulo, Rio, Porto Alegre, Recife, Pará, tem estilos particulares. Você consegue identificar isso? O disco do Pixinguinha meio que deu uma mostra do nosso estilo. Você acha que temos um jeito próprio de fazer choro no Maranhão? Essa mistura, essa identidade do choro do Maranhão está nessa riqueza rítmica que a gente absorve, não tem como se livrar disso. Se você vai no Recife tem algo diferente, o Pará tá bem aqui, a gente tá nesse meião, sem falar nessa polirritmia que a gente tem aqui. O cd do Instrumental veio com essa cara.

Você se considera um chorão? Com lágrimas! [risos]. Eu gosto. Gosto muito de choro, mas eu não sou só choro. Mas eu diria que 90% do meu eu é choro.

Isso te faz um chorão. Isso me faz um chorão [risos].

Encontros e reencontros musicais na 8ª. Aldeia Sesc Guajajara de Artes

Noite dedicada ao choro promoverá reedição de recital com João Pedro Borges e Célia Maria, além do encontro inédito, no mesmo palco, dos grupos Regional Tira-Teima e Instrumental Pixinguinha

Realizado há cerca de 10 anos, o Recital de Música Brasileira protagonizou o encontro de um dos mais respeitados violonistas brasileiros em todos os tempos, João Pedro Borges, também conhecido pela alcunha de Sinhô, com uma das mais belas vozes já ouvidas na música popular brasileira, Célia Maria.

Na ocasião, o palco do Teatro Arthur Azevedo foi o escolhido para o espetáculo, em que ao par somava-se ainda um regional. A apresentação deixou saudades em quem esteve na plateia e/ou viu trechos pela internet ou pelas tevês Câmara e Senado, que reprisaram-na, colaborando para a aura mítica de que hoje goza o Recital.

Ainda que em menor escala, uma reedição do show será apresentada na Noite do Choro, domingo que vem (27), às 19h, na Praça Nauro Machado (Praia Grande), dentro da programação da 8ª. Aldeia Sesc Guajajara de Artes.

A Noite do Choro promete também ser um acontecimento inesquecível: além do Recital de Música Brasileira, o espaço destinado ao mais brasileiro dos gêneros musicais no evento promoverá o encontro inédito, no mesmo palco, tocando simultaneamente, dos mais tradicionais grupamentos de choro do Maranhão: o Regional Tira-Teima e o Instrumental Pixinguinha.

Certamente será também a noite dos encontros, dos reencontros. Nela o verso do poeta centenário ficará incompleto: só não haverá desencontros. Marque com seu amor, marque com seus amigos, e vá prestigiar este bom punhado de talentos do choro e da música brasileira produzidos no Maranhão. Como apregoa um radialista especializado no assunto: “pra gente de qualidade”.

Histórias – João Pedro Borges, também conhecido como Sinhô, é um dos mais importantes nomes do violão brasileiro. Foi professor de, entre outros, Cesar Teixeira, Josias Sobrinho, Guinga e Raphael Rabello. Integrou a Camerata Carioca, liderada pelo gaúcho Radamés Gnattali, grupo definitivo para a renovação do choro no Brasil, entre o final da década de 1970 e início da de 1980. Participou de discos fundamentais do gênero, como Tributo a Jacob do Bandolim [Camerata Carioca, 1979], Valsas e Choros [Turíbio Santos, 1979], Vivaldi e Pixinguinha [Camerata Carioca, 1980], Mistura e manda [Paulo Moura, 1983] e Noites Cariocas [vários, 1989]. Sua discografia inclui ainda A obra para violão de Paulinho da Viola [1985], em que executa repertório do autor de Sinal Fechado acompanhado do próprio e César Faria.

Conhecida como “a voz de ouro do Maranhão”, Célia Maria ainda é menos conhecida do que merece, seja no Maranhão ou fora dele, dado seu inegável talento. Nascida em São Luís, Cecília Bruce dos Reis, adotou o nome artístico para poder, então adolescente, cantar escondida dos pais. Sua carreira artística iniciou-se ainda na infância em concursos de calouros promovidos por emissoras de rádio em sua cidade natal. Morou no Rio de Janeiro onde respirou a efervescência cultural do famoso restaurante Zicartola, com cujos proprietários conviveu, Dona Zica e Cartola, além de nomes como Zé Keti e Nelson Cavaquinho, entre outros da fina flor do samba brasileiro. Em seu disco de estreia, de 2001, intitulado simplesmente Célia Maria, registrou obras de nomes como Chico Maranhão [Meu Samba Choro], Cesar Teixeira [Lápis de Cor], Antonio Vieira [Ingredientes do Samba], Bibi Silva [Lágrimas], João do Vale [Na asa do vento], Edu Lobo e Chico Buarque [Beatriz] e, entre outros, Joãozinho Ribeiro, que naquele ano levou o troféu do Prêmio Universidade FM de melhor compositor, por Milhões de Uns. A produção e os arranjos de Célia Maria ficaram a cargo de Ubiratan Sousa. Seu segundo disco está finalizado, tendo sido produzido e arranjado pelo violonista Luiz Jr., e deve chegar às lojas em 2014.

O Regional Tira-Teima é o mais antigo grupamento de choro em atividade no Maranhão. Suas origens remontam ao final da década de 1970, quando participaram do antológico Lances de Agora [Discos Marcus Pereira, 1978], de Chico Maranhão, gravado em quatro dias na sacristia da secular Igreja do Desterro, no bairro homônimo do centro histórico da capital maranhense. O único remanescente daquela formação é Paulo Trabulsi (cavaquinho). A atual completa-se com Francisco Solano (violão sete cordas), Zeca do Cavaco (cavaquinho), Serra de Almeida (flauta) e Zé Carlos (percussão). O Tira-Teima está em estúdio, gravando seu disco de estreia.

O Instrumental Pixinguinha foi pioneiro ao lançar, em 2005, Choros Maranhenses. O disco de estreia do grupo era o primeiro trabalho inteiramente dedicado ao choro gravado no Maranhão. E foi além: todo o repertório é de autoria de chorões locais, de membros do grupo e chorões fundamentais para a consolidação do gênero por estas plagas, a exemplo de Zé Hemetério e Nuna Gomes, entre outros. Formado nos corredores da Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo (EMEM), por professores da instituição, o grupo toma emprestado o apelido-nome artístico de Alfredo da Rocha Viana Filho, um dos mais importantes do choro em todos os tempos. Domingo sobem ao palco Raimundo Luiz (bandolim), Juca do Cavaco (cavaquinho), Domingos Santos (violão sete cordas), Nonato Oliveira (percussão) e Paulo Oliveira (flauta).

O compositor, cujo sesquicentenário de nascimento é comemorado em 2013, será homenageado em ambos os repertórios da noite

RepertóriosRecital de Música Brasileira – Choros e Canções, o primeiro espetáculo da Noite do Choro na 8ª. Aldeia Sesc Guajajara de Artes, foi pensado para mostrar ao público um momento de formação e afirmação da música brasileira, sendo dividido em duas partes. Na primeira, João Pedro Borges executa sozinho, choros de autoria de Heitor Villa-Lobos, Ernesto Nazareth, João Pernambuco e Garoto.

“Não são nomes escolhidos à toa, as peças destes compositores dialogam entre si: Villa-Lobos homenageou Nazareth, que homenageou João Pernambuco e Garoto acaba sendo meio que o resultado daquilo tudo que o choro se tornou”, explica Sinhô, também professor da EMEM.

Na segunda parte do espetáculo, Célia Maria, acompanhada pelo violão dele, desfila um repertório que vai de Azulão (parceria de Jayme Ovalle e Manuel Bandeira) a Piano na Mangueira (de Chico Buarque e Tom Jobim), passando por, entre outras, canções como Senhorinha (parceria de Guinga e Paulo César Pinheiro), O Velho Francisco (Chico Buarque) e Sinhá (parceria de Chico e João Bosco), além de um tema inédito de autoria de João Pedro Borges (Porto Errante).

O segundo show, a reunião inédita de Tira-Teima e Pixinguinha no mesmo palco, fará um passeio por clássicos do gênero. Serão 10 de nossos melhores instrumentistas executando uma espécie de “o melhor do choro”, aquelas que não podem faltar em qualquer roda – e discografia – que se preze.

“Faremos um repertório conhecido e popular, pra cima”, promete Juca do Cavaco. Raimundo Luiz antecipa alguns títulos: Vibrações (Jacob do Bandolim), Brejeiro (Ernesto Nazareth), Pedacinhos do Céu (Waldir Azevedo), Delicado (Waldir Azevedo), Naquele Tempo (Pixinguinha) e Doce de Coco (Jacob do Bandolim). “Isso é só para terem uma ideia”, afirma, em parte agradando antecipadamente aos chorões de carteirinha, em parte deixando algum mistério no ar.

Pelos momentos mágicos que certamente proporcionará, a noite de domingo que vem já está na história.

Serviço

O quê/ quem: Noite do Choro. Dois espetáculos musicais: o primeiro, o Recital de Música Brasileira – Choros e Canções, com João Pedro Borges (violão) e Célia Maria (voz); o segundo, o encontro inédito dos grupos Regional Tira-Teima e Instrumental Pixinguinha.
Quando: 27 de outubro (domingo), às 19h.
Onde: Praça Nauro Machado (Praia Grande).
Quanto: grátis.
Classificação livre. O espetáculo integra a programação da 8ª. Aldeia Sesc Guajajara de Artes.

Chorografia do Maranhão: Zezé Alves

[O Imparcial, 9 de junho de 2013. Cá no blogue um tantinho maior

Oitavo entrevistado da série Chorografia do Maranhão, Zezé da Flauta tornou-se Zezé Alves e investe na formação para a continuidade da cena.

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Estavam enganados os que pensavam que uma cirurgia cardíaca diminuiu a atividade e/ou a intensidade musical de Zezé Alves: ele apenas mudou o foco, trocando os palcos pelas salas de aula. Trocando, não, que o professor já dava aulas enquanto o artista apresentava-se nos bares e bailes da vida.

É o próprio músico, nascido no Maracanã, em São Luís, em 8 de dezembro de 1955, “dia de Nossa Senhora da Conceição”, ele emenda à data, quem faz a distinção entre o Zezé Alves de hoje e o Zezé da Flauta de outrora. Filho do paraibano José Alves da Nóbrega e da doméstica Inês Alves da Costa, ele chegou a morar em Bacabal, onde lembra de ter ouvido choro pela primeira vez na vida, ainda criança: “Palito, mestre Palito, José de Brito, que era dono de um conjunto em Bacabal. Saxofonista, dono do Brito Som Seis. Chegou a ser um dos maiores do nordeste. Era meu vizinho, morava de frente a minha casa. Eu saía, chegava na porta, ele estava tocando Saxofone, por que choras? [de Ratinho].

Sua mãe “fazia aqueles reisadinhos, aqueles autos, tocava cabaça, gostava muito de cantar, talvez esta seja a origem familiar”, afirma, sobre sua musicalidade. “Sempre fui muito musical”, continua. “Quando comecei, criança, eu cantava, eu era cantor, cantava Waldick Soriano. Talvez a coisa da minha musicalidade seja a seguinte, tem uma história muito interessante. Quando eu era criança eu era muito fraquinho das pernas, cheguei a ir a médicos, tomar remédios, pra ficar mais forte. E tinha um rádio e eu ficava sentado debaixo desse radio, num caixotezinho, um banquinho, um tamborete, ouvindo todas as músicas do rádio da época, da década de 1950, virando pra 60, Orlando Silva, Waldick Soriano, eu repetia todas essas músicas”, começa a contar antes mesmo da primeira pergunta.

Além de flauta, Zezé toca violão, para compor e estudar harmonia. Depois de ter ajudado a formar muitos músicos que hoje tomam conta da cena local, o professor da Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo considera-se uma espécie de “Bota pra Moer”, apelido de Antonio Lima, folclórico personagem ludovicense que carregou uma bandeira numa passeata contra o governador Eugênio Barros, em 1951. “Até aqui eu vim, mas daqui pra frente arranjem outro que seja mais doido do que eu”, teria afirmado, conforme relata Lopes Bogéa no raro Pedras da Rua (1988).

Zezé Alves recebeu os chororrepórteres em casa. Isto é, na Sala Leny Cotrim Nagy, na EMEM, a mesma que serviu de cenário para uma das fotografias do encarte de Choros Maranhenses, disco de estreia do Instrumental Pixinguinha. Estudantes de música em aula em duas salas contíguas garantiram a boa trilha sonora da conversa.

Além de músico, qual a tua outra profissão? Eu fui criado por outra família e essa família não queria que eu fosse músico, pois o pai desse pai que me criou não se deu bem, era saxofonista. Eles não queriam, eu tive que sair de casa. Eu comecei a tocar, tocar mesmo, com 22 anos já. Mas eu só vivia cantando. Na realidade me formei em contabilidade, sou contador, técnico em contabilidade. A outra profissão seria essa, por que eu trabalhei com meu pai por muito tempo num comércio, eu sei muito de comércio.

Você exerceu a profissão? Não, não exerci a contabilidade. Mas trabalhei junto no escritório dele muito tempo, ajudava nessa área. Aqueles irmãos do Six [o cavaquinhista Francisco de Assis Carvalho da Silva] eu conheci todos do Banco do Brasil por que eu ia pagar as duplicatas do comércio do meu pai e os via lá.

Quando tu falas que começaste a tocar com 22 anos, isso tu falas profissionalmente? É, por que eu cantava, eu já arranhava um violãozinho, tocava Eu só quero um xodó [de Dominguinhos e Anastácia, sucesso na voz de Gilberto Gil], tocava flauta doce, pra cima e pra baixo, pra cima e pra baixo [repete enfatizando]. Quando chega em 77, em 76 eu saí de casa, em 77 é que aí eu digo que é o meu marco: eu participei de um show chamado Boca do Lobo, de [o compositor] Sérgio Habibe. Esse show foi o primeiro com características de show, com banda, com [o violonista] Joaquim Santos, [o compositor] Ronald Pinheiro, e eu na flauta começando. Por que na realidade, meu professor de música, meu primeiro mestre de música, é o Sérgio Habibe, é meu mestre mesmo! Quando [o violonista] João Pedro [Borges, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 14 de abril de 2013] volta à São Luís, em 97, eu já o conhecia, ele de certa forma passou a ser o meu mestre, me convidou para trabalhar no Musiceuma junto com ele, aí foi que eu comecei a reforçar mais a ideia de ser educador musical. Ele reforçou isso. Eu comecei essa carreira, de 77 pra cá, comecei no show dele [de Sérgio Habibe], ele trouxe uma flauta do Rio de Janeiro, daqui a pouco eu tava tocando com todo mundo. Eu é que fui o “Bota pra Moer”, até enquanto surgiu o [flautista João] Neto, Paulinho, Lee Fan. O que eu quero agora é a função de educador. Até por que eu gosto de ensinar, sempre gostei de ensinar, eu ficava dando aula em mesa de bar [risos].

Se tu pudesses citar três músicos que foram bem influentes pra ti, do começo até agora… Palito foi o primeiro cara que eu ouvi tocar. Mas, claro: Sérgio Habibe, Chico Maranhão e João Pedro Borges. Por que Chico Maranhão também influenciou muito na minha vida, estive em São Paulo, acompanhando-o no Lances de Agora [1978]. As pessoas às vezes dizem [imita um cochicho] “ah, por que Chico Maranhão é um cara chato” [volta ao tom normal], quem é amigo dele não acha. Eu sou amigo dele, de ele ligar “vem comer aqui um tabule comigo”.

Esses três nomes que tu citaste, de João Neto, Lee Fan e Paulinho, seriam os nomes de destaque, na flauta, hoje, no Maranhão? Sim, sim. A gente não pode negar o Serra [de Almeida, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 3 de março de 2013], o grande Serra, pelo tempo, pela história dele, aquela qualidade que ele tem de tocar, lembrando Copinha, lembrando Carrilho, inclusive o Sérgio me disse isso uma vez, “Zezé presta atenção, toca igualzinho”.

Você vive de música? Vivo de música como professor de música. Sou funcionário do Estado e hoje, depois de uma pós-graduação, estou professor substituto na UEMA. Como instrumentista, o que eu ganhava era pra pagar a passagem no outro dia e tomar uma e tal. Então, sobrevivo de música, como professor, dou aulas particulares.

Tu tens uma preocupação muito grande com o registro da obra de chorões, seja no disco [Choros Maranhenses, de 2006] do Instrumental Pixinguinha, seja no Caderno de Partituras [2012]. A gente percebe que o registro ainda é uma fraqueza, mesmo com todas as tecnologias hoje disponíveis. A que tu creditas essa pobreza de registro? O pouco registro se deve a certo descaso nosso mesmo. Nós admiramos muito o que é dos outros, muita besteira. Se você ver pessoas como Cleômenes [Teixeira, compositor], Tomaz de Aquino, eram grandes professores, saxofonistas, mas não houve nenhum registro. As condições técnicas não havia, agora é que estão surgindo gravadoras com nível, mas na década de 70 não havia onde, edição de partituras era raridade. Agora é que a Escola de Música vai ter um banco de partituras, quer dizer, quase 40 anos depois [da fundação da EMEM]. O Rabo de Vaca foi um grupo que eu sempre disse que é uma escola, muita gente passou por ele: Ronald Pinheiro, [o compositor] Josias Sobrinho, [o compositor] Beto Pereira, [o contrabaixista] Mauro Travincas, todo mundo passou, mas tem pouco registro. Josias deve ter uns k7s. A gente não ligava para registrar, não havia recursos tecnológicos, nem apoio.

O Rabo de Vaca foi importante para o desenvolvimento da música do Maranhão. De que outros grupos você participou? O mais importante foi o Rabo de Vaca. O Rabo de Vaca é a cabeça de Josias. Ele tinha saído do Laborarte e eu entro no Laborarte, era muito amigo de Nelson Brito [ator e diretor teatral, ex-diretor do Laborarte], que trabalhava numa loja de discos de um tio dele, tava todo mundo debandando, e havia um departamento de artes, eu entrei, o período em que fiquei no Laborarte, Josias saiu, mas o [a peça] Cavaleiro do Destino ainda estava sendo encenado. Eu entrei para tocar violão nas peças. Em outubro [de 77] o Aldo Leite monta uma peça chamada Os Saltimbancos, e se não me engano, foi o segundo lugar em que foi feito com músicos ao vivo. No Rio de Janeiro era feito com músicos, depois no Maranhão. Nos outros lugares era playback. Na do Maranhão o Aldo Leite convidou Josias, “monta um grupo”, e se fez ao vivo. Josias convidou Beto Pereira, Mauro Travincas, acho que [o percussionista] Manoel Pacífico e Vitório Marinho, um cara que pouca gente fala, um moço cego que tocava violino. A gente tinha público. Foi um grupo muito importante para a música maranhense. Depois disso, Beto Pereira fez um grupo para tocar música maranhense em barzinhos, tocou muito, o Amor de Canela, era eu, [o percussionista] Carbrasa, Mauro, [o percussionista] Jeca e Beto, o banda líder [aportuguesa o band leader]. E no Maçaroca [1986], disco dele, ele gravou uma música nossa [Campo Cidade, parceria de Zezé Alves e Paulinho Lopes]. Depois teve outro grupo, eu, Omar Cutrim, Fazendo Mel, que era uma música dele…

E o [Instrumental] Pixinguinha? Aí sim, aí é que vem o Pixinguinha. A gente já era professor da Escola de Música, eu, Marcelo [Moreira, violonista], [o bandolinista] Raimundo Luiz, quando [Francisco] Padilha chegou, começou a ser diretor da Escola, teve essa ideia, junto com Marcelo, que era carioca, a escola precisava criar um núcleo de música popular, criaram a Big Band junto com Tomaz e Marcelo encabeçou, de certa forma, a criação de um grupo de choro. Por que um grupo de choro? Por que é a nossa música, com raiz no samba. Por que Instrumental Pixinguinha? Por que foi o maior arranjador e não sei o quê e não sei o quê. O Instrumental Pixinguinha vingou, tocamos em muitos lugares, fez um trabalho belíssimo, aquele cd, Choros Maranhenses, pioneiro, que esse caderno [aponta para o Caderno de Partituras] é uma continuidade dele, aqueles dez choros e mais alguns. Pra não falar dos compositores que eu acompanhei. Com [o cantor, compositor e violonista] Chico Nô e Lazico [o percussionista Lázaro Pereira] a gente teve um trio chamado Trio Tom, tocávamos Bossa Nova, é outro grupo de que participei. Toquei muito no Cacuriá de Dona Teté. De início era só caixa, depois tiveram a ideia de botar flauta, depois eu fiquei tocando, viajei o Brasil todo por conta do Cacuriá de Teté.

E atualmente? Atualmente eu sou titular, fundador do Pixinguinha. Emérito [risos]. Atualmente o que eu quero mesmo é essa coisa de educador musical.

Quando tu começaste a dar aulas na Escola de Música? Essa coisa da Escola de Música é interessante. Teve um governo, na época da Olga Mohana, ela foi ao Rio de Janeiro, e alguém escolheu para ela, uma porção de professores. Estes professores moravam no Seminário Santo Antonio, ela era irmã do padre João Mohana. Os caras ganhavam uma grana, na época coisa de 10 salários mínimos. Nós tivemos Watanabe, grande violinista, Emanoel Martinez, hoje regente do coral de Curitiba, Mércia Pinto, Cidinho Ornelas, então foi um naipe incrível. De repente foi todo mundo embora. Dessa leva o cara que ficou e hoje é uma figura importante é o Marcelo Moreira. Quando Padilha chega, pegou os alunos mais avançados e transformou em professores. Era eu, Raimundo Luiz e alguns outros.

Uma das críticas recorrentes à Escola de Música é a erudição, o distanciamento da pulsação de São Luís, uma coisa mais de cultura popular. Isso parece que vem sendo equacionado nos últimos anos. Vem sim. A Escola, quando ela foi lançada, na época da professora Olga, ela foi pensada nesses moldes, de formar músicos de orquestra. Ela era meio mãe, e dizia “tu vai estudar viola e tu vai estudar piano”, ela era quem dizia. Por um bom tempo ela ficou nisso, ficou nessa insistência. A primeira aluna formada aqui, grande pianista, com [o então governador do estado] João Castelo entregando diploma e tudo, foi a professora Rosimary Fontoura. Hoje em dia se forma muito aluno na área popular, violonista, baterista, cavaquinhista. Quando chega a música popular na escola, que é quando a direção chama Jayr [Torres] pra dar aula de guitarra, Diógenes pra dar aula de contrabaixo, Jeca chegou a dar aula de percussão, abriu concurso, hoje em dia Rogério Leitão é professor de bateria da casa. Essa vertente, chamada núcleo de música popular, ainda hoje em formação, com isso a escola se tornou uma coisa mais popular, encheu. O Jayr Torres faz toda sexta uma coisa chamada Sexta Musical, Sexta Jazz, enche. 90% dos alunos da escola são evangélicos. Isso mudou, se não a escola estaria do mesmo jeito.

Tu tocaste em alguns discos importantes, como Lances de Agora, Pedra de Cantaria [disco coletivo gravado em Belém, reunindo diversos compositores maranhenses, entre eles Chico Maranhão, Josias Sobrinho e Giordano Mochel], Maçaroca, Choros Maranhenses. Eu queria que tu lembrasses outros discos que têm tua flauta. O de Fátima [Passarinho, Voos, 2007] eu fiz uma flauta lá. Com Joãozinho Ribeiro eu participei daqueles shows do Samba da Minha Terra [temporada de 18 shows em bairros ludovicenses produzida por Vanessa Serra] e agora da gravação do Milhões de Uns [estreia de Joãozinho Ribeiro em disco, gravado ao vivo no Teatro Arthur Azevedo, a ser lançado em breve], em que ele gravou uma parceria nossa [a música Rua Grande, interpretada por Lena Machado]. De Sérgio eu nunca toquei em nenhum disco dele, ele gravava quase tudo no Rio. Fiz pontas em outros.

O que é o choro pra ti? Que importância tem para a música feita no Brasil? A visão que eu tenho é a que todo mundo tem: o choro como raiz dessa música popular urbana. Tem essa história toda que vocês já conhecem, da década de 30 pra cá, com Noel Rosa, com Pixinguinha. Como raiz dessa música, a mistura do batuque com a música que veio com o colonizador europeu, que criou a escola nacional, tocaram juntos com os músicos que vieram nas caravelas, e daí, teve o momento de renascimento, a partir do momento em que os caras vão estudar em Berkeley, depois a chegada da Odete Ernst Dias, que é uma mãe de todos os flautistas. O choro, a importância dele é inconfundível, inegável. Tem que estudar o choro para compreender a música brasileira. Aquela máxima de que tudo é choro, de repente vale, tudo é choro, tudo é baião. Luiz Gonzaga quando chegou no Rio, chegou tocando choro. Aliás, Gonzaga é nosso primeiro músico pop.

Como tu observas o choro hoje? Já está começando a se universalizar. Já está tendo outras influências, já estão fazendo choros mais modernos. Se você pegar o [violonista] Guinga, já faz choros mais elaborados, com a influência do jazz – Influência do Jazz [Carlos Lyra] é o nome de uma música da bossa nova [risos] – ele não tá parado, ele tá evoluindo. A pessoa hoje em dia já não estuda choro só pra tocar choro como antigamente. Ele está enriquecendo. O cara pega, estuda, vai atrás, vai fazer uma boa música.

Que nomes tu destacarias nessa cena? Gostei muito do [saxofonista] Eduardo Neves. Alguns que eu nunca mais ouvi falar, mas são muito interessantes, o [saxofonista] Zé Nogueira, o [saxofonista Mauro] Senise, assim, que eu conheço mais. Atualmente, que eu conheço, o Guinga, que a gente pode considerar um cara do choro. Tem aqueles já mais tradicionais, [o trombonista] Zé da Velha, [o trompetista] Silvério Pontes. É tanta gente que não dá para dizer um ou dois só, tem muita gente fazendo choro.

Tu disseste que tua obra como compositor é pequena. Saberias precisar em números? Quantas composições? Ah, poucas. Por que na realidade eu fiz esse choro, Candiru [parceria com Omar Cutrim gravada em Choros Maranhenses], tenho duas músicas só, mais, assim. O resto tudo tá no baú, eu toco quando me lembro. Choro é só essa. O resto são baladas, são músicas seis por oito. Com Paulinho Lopes eu tenho umas coisas que nunca foram gravadas.

Independentemente de compor choro, tu te consideras um chorão? [Pensativo, demora a responder] Não. Não. Essa resposta é meio doída, mas eu não me considero um chorão, não. Por que eu me interessei pelo choro quando foi criado esse grupo que eu tive que aprender a tocar, a mergulhar. Por que com o Rabo de Vaca eu tocava era os bois da gente, os baiões, frevo, xote, xaxado. Quando era criança, o primeiro cara que eu ouvi tocando Saxofone, por que choras?, mestre Palito, todos aqueles discos de Pixinguinha, Altamiro Carrilho na banda do Palhaço Carequinha, tudo aquilo eu ouvia.

Como tu observas o atual momento do choro no Maranhão? O choro no Maranhão, se for pegar na raiz, a gente tem sempre os antigos, por que eles tocavam choro mesmo, todo mundo tocava, tocou-se muito choro. Se você pegar, todo mundo, Cleômenes, Palito, seu Raimundo Amaral. Aqui em São Luís, a referência que eu tenho é o [Regional] Tira Teima, é Ubiratan [Sousa, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 12 de maio de 2013], Paulo Trabulsi. O Pixinguinha foi o segundo grupo. Depois do Tira Teima e do Pixinguinha, não demorou muito, o Pixinguinha reinou um pouco, aí começaram a surgir, por exemplo, o Chorando Callado, com Tiaguinho [o saxofonista e clarinetista Tiago Souza], hoje tem Wendell [Cosme, bandolinista e cavaquinhista], que tá um figura, indo gravar em Brasília, São Paulo, tem esse menino do bandolim, o Robertinho Chinês [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013], tem o João Eudes, os filhos de Osmar, tem Osmar [do Trombone], que eu fico muito feliz por ele, foi visitar o filho, os colegas adoraram, ele virou estrela, está gravando o disco lá em Minas. Quer dizer, continua aquela coisa, Clube do Choro sem sede, o povo se reunindo aqui, aqui, ali, mas tem uma geração boa tocando. Meus alunos, quando eu falo, dou o caderno pra todo mundo, “ah, tocar choro” e tal. Tá todo mundo tocando choro.

Nesse processo de pesquisa para o Caderno de Partituras, quais foram as principais dificuldades? Não houve muitas dificuldades. As 10 partituras do disco eu já tinha. Minha ideia foi recolher mais uma de cada. Eu editei, fui nos autores pra corrigir. Escolhi algumas que achava muito importantes. Cesar Teixeira não podia deixar de ter. Algumas partituras eu escrevi, mas a maioria os autores já me deram.

Quem são os teus compositores preferidos da música popular no Maranhão? Aí vão entrar as paixões. A ordem é aquela mesminha: Sérgio Habibe é um cara maravilhoso, o Chico, Josias, tem um cara que eu tenho lembrado muito dele agora, por causa dessa história do Bandeira de Aço, que é o Mochel. Cesar Teixeira inegavelmente, tem características muito próprias, de samba, tem aquela consciência política dele muito forte. É um cara muito especial.

Quais os teus próximos projetos no campo da música? Me aprofundar mais. Fazer um mestrado, se der. Aprofundar.

Qual é a diferença entre o Zezé da Flauta e o Zezé Alves? O Zezé da Flauta surgiu a partir do momento em que eu peguei uma flauta e comecei a tocar em shows, com todo mundo. É a história do “Bota pra Moer”, eu chegava e o pessoal, “olha Zezé!”, e eu onde chegava tirava, e tocava, de graça, toquei muito, tava aprendendo, toquei muito romanticamente. Esse é o Zezé da Flauta. O Zezé Alves é o educador, que começa a racionalizar mais as coisas. Todos dois são legais [risos]. As pessoas me chamam de Zezé da Flauta, gente que me reencontra depois de não sei quantos anos. As pessoas que me conhecem hoje já me chamam de Zezé Alves.

Essa distinção entre um Zezé e outro tem a ver com o consumo de álcool? Não. Por que Zezé Alves ainda bebeu pra poxa [risos]. Todo mundo que passa por essa cirurgia do coração muda muito. Eu acho que é por que o cara vai lá e volta [risos]. Mas não tem a ver não.

Você vê algum futuro para o choro no Maranhão? Não só para o choro. Teu programa [o Chorinhos e Chorões que Ricarte Almeida Santos apresenta aos domingos, às 9h, na Rádio Universidade FM, 106,9MHz], uma iniciativa como a do Alê Muniz, lembrar os 35 anos de um disco [o show em que o projeto BR-135 homenageou o Bandeira de Aço no Teatro Arthur Azevedo]. A música do Maranhão precisa se organizar. Elizeu Cardoso, Bruno Batista, há uma moçada nova muito boa, são mais organizados. A gente era mais romântico.

Tu hoje estás mais concentrado na função de professor. Mas o que te tiraria de casa para um palco ou um estúdio? O convite de grandes amigos, participar de um projeto interessante, com minha turma. Mas mesmo para pessoas de hoje eu não me nego. É só me ligar e marcar que eu vou.

Chorografia do Maranhão: Francisco Solano

[O Imparcial, 26 de maio de 2013

Sete cordas do Tira Teima é o sétimo entrevistado de Chorografia do Maranhão: acaso ou destino?

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Francisco Solano Rodrigues Neto nasceu em 1º. de fevereiro de 1953, no centro de São Luís do Maranhão, filho do bioquímico José de Ribamar Nina Rodrigues, falecido, e de Helena Simões Rodrigues, prendas domésticas. Aprendeu a tocar violão ainda criança, por influência do pai, que gostava de tocar em casa e sonhava montar um conjunto com os filhos, para confraternizações caseiras, sem quaisquer pretensões profissionais. Os dois – ele e o pai – chegaram a ser colegas de aula na Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo.

Técnico em equipamento médico, hoje empresário do ramo, Solano é músico por hobby, como ele mesmo afirma. Não sabe precisar a data em que passou a integrar o Tira Teima, mais antigo grupamento de choro do Maranhão em atividade, atualmente às voltas com a gravação de seu primeiro disco.

Atual presidente do Clube do Choro do Maranhão e titular do violão sete cordas do Tira Teima, o músico recebeu a equipe de O Imparcial/ Chorografia do Maranhão no terraço do Brisamar Hotel (Ponta d’Areia), palco do regional às sextas-feiras. A dança dos coqueiros ao vento e o vai e vem da maré fizeram parte da paisagem perfeita para a conversa, descontraída, regada a cerveja e camarões empanados. Era uma noite de terça-feira de clima agradável em São Luís.

Apesar da agenda musical intensa – com o Tira Teima Solano toca ainda às quintas-feiras no Barulhinho Bom (Lagoa) e aos sábados no Restaurante Tai (Calhau) – o músico confessou sua saudade do projeto Clube do Choro Recebe.

Como era teu universo musical familiar? Quem mais te influenciou em casa? Em casa foi meu pai. Ele tocava violão e começou a me ensinar um pouquinho, eu pegava o violão dele. Depois ele começou a tocar flauta, e a gente tocava choro, eu no violão, ele na flauta. Em casa! Fora de casa ele não tocava em lugar nenhum. Antes de eu sair pra tocar fora, de procurar aprender, foi essa minha realidade, só em casa. Ele gostava muito de [o flautista] Altamiro [Carrilho]; e no violão, de Dilermando [Reis]. Ele estudou na Escola de Música [do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo], nós estudamos juntos. Nós saímos quando o [ex-diretor da EMEM e ex-secretário de Estado de Cultura do Maranhão Francisco] Padilha resolveu colocar uma prova para ver em que lugar cada um estava. Por que tinha gente que estava no último período e não sabia nada, e tinha gente que estava no começo e sabia muito. Eu estava no terceiro ano, fizeram a prova e não deixaram eu voltar mais [risos].

Altamiro e Dilermando eram os preferidos dele. Era de quem ele mais comprava discos? De choro ele comprava tudo o que encontrasse, mas também gostava muito de samba, de jazz, tinha de tudo, música internacional e nacional, era música boa [risos].

Tua escolha pelo violão se deve a quê? Meu pai queria que nós tocássemos. Queria que a gente fizesse um grupo. Então ele incentivou meu irmão a tocar violão, ele ia tocar flauta e me incentivou a tocar acordeom. Aí ele comprou pra mim uma sanfona de 120 baixos, eu tinha 10 anos de idade. Contratou um professor ali no fundo do [extinto cinema] Eden [hoje loja Marisa, na Rua Grande], e eu morava na rua de Santana no fundo da [extinta loja de departamentos] Lobras. Pra eu carregar esse acordeom até a casa do professor eu acabei com a caixa, arrastando. E não aprendi nada [risos]. Resultado: larguei o acordeom, meu irmão não quis saber do violão e eu peguei o violão.

Até então seis cordas? Seis cordas, Del Vecchio.

Tinhas mais ou menos que idade? 10 anos, 11 anos… Não houve nenhuma evolução disso aí. Casei, larguei tudo, e fui retomar o violão, já com mais de 30 anos, 33 anos. Foi uma viagem que fiz ao Rio de Janeiro e lá eu conheci o Élcio do Bandolim, e ele me levou para assistir a um ensaio deles. Aí eu me invoquei pelo [violão de] sete cordas.

Teu pai tinha vontade de que vocês tocassem, isso na década de 1960. Não havia aquela preocupação com o estereótipo do músico? Boêmio, vagabundo, o preconceito da época? Tinha. Ele gostava, considerava que a coisa da música a gente levasse a sério, mas sem pensar em profissionalismo. Se desse, tudo bem. Mas a música como um motivo para a gente confraternizar, a finalidade que ele imaginava era essa.

Além de teu pai, quem foram os teus principais mestres no aprendizado do violão? Marcelo [Moreira, violonista, professor da EMEM; Solano se confunde com as datas em que tomou aulas com ele, inicialmente chutando a década de 70], anos 90.

Depois daquela viagem ao Rio? Sim. Foi em 1983 a viagem.

O fato principal de tua retomada à música foi essa viagem ao Rio?Brenha Neto tinha muita amizade com Raul [do Cavaco], com [o percussionista] Mascote. Eles se encontravam todo sábado, eles chamam de Navio, [um bar] ali perto do Nhozinho Santos. Eles começaram a me levar e isso mexeu comigo. Aprendi muita coisa ali. Eu conheci Raul lá. Eu tinha uma viagem para o Rio e ele pediu que eu levasse o cavaquinho dele para consertar. Era um Do Souto, eu nem sabia o que era isso. Levei, fui lá na Bandolim de Ouro [famosa luteria carioca], e conheci o Élcio. Aí é que foi a história!

Você nunca viveu exclusivamente de música? Pra te ser sincero, a única coisa que eu fiz com recurso de música foi comprar um violão. Eu fui convidado por Juca [do Cavaco] e [o cantor e percussionista] Zé Costa pra fundar o [grupo] Amigos do Samba. Nós estávamos ensaiando nessa época na minha firma, eu, [o bandolinista] Jansen, [o percussionista] Carbrasa, querendo fazer um trabalho. E Juca apareceu, querendo fundar, eles tinham saído do [grupo] Sambando na Praia. Eu resolvi aceitar. Eu disse: “olha, eu tenho um projeto aqui, que é de comprar um violão “João Batista”. Eu vou tocar até pagar meu violão, no dia que eu pagar, acaba”. Foi um ano certinho [risos], a gente tocando no Caneco [choperia na Rua do Norte, centro, hoje dedicada às serestas de teclado], samba. Aqui e acolá tinha um choro.

Tu estás no [Regional] Tira Teima desde quando? Não tenho a data assim bem definida. Eu comecei no Tira Teima por que Gordo [Elinaldo] sempre foi muito ocupado. Ele que era o violão do Tira Teima [antes de Solano], e ele arranjava os contratos e não ia. Aí ligava pra mim: “Solano, vai lá!”. Aí eu ia, quando estava pra terminar, ele chegava. Mas o violão era ele. Essa situação, nas reuniões ele não estava, aí o pessoal resolveu me assumir [risos]. Ele mesmo abandonou, muito trabalho, Boi Barrica, viagens. Não ficou definida a minha entrada na história.

Você conviveu com [o compositor e instrumentista] Zé Hemetério? Quem era ele? É um de nossos maiores nomes do choro do Maranhão? Convivi. Eu mesmo posso dizer que aprendi muita coisa com ele. Foi um dos maiores músicos que conheci. Era profissional de música. Tocava violino com uma técnica apurada, veio da Baixada [maranhense], estudou com os padres. Era um músico completo, lia partitura, tocava violino. Instrumento de corda ele tocava tudo: bandolim, violino, cavaquinho, violão… É realmente uma grande referência! E principalmente às pessoas a quem ele passou conhecimento. Gordo foi um discípulo de Zé Hemetério. Eles tinham um repertório monstruoso, tudo ensaiadinho.

Qual a outra grande referência para vocês, dessa geração, dos anos 70 pra cá? [Os violonistas] João Pedro [Borges, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 14 de abril de 2013], Joaquim Santos. A Escola de Música pra mim foi muito importante pelos encontros. A gente tinha muita oportunidade de trocar, de conversar. Foi muito importante, pra me trazer o que é a coisa do meio da música. Outra referência muito importante é o Tira Teima. O próprio Gordo, Paulo Trabulsi. O que eu consegui desenvolver com a minha pouca tendência musical eu devo muito ao Tira Teima, muito a Zeca [do Cavaco], muito a Paulo, Gordo. Essa troca, sem ser aquela coisa de sala de aula, a vivência. Isso pra mim foi a minha consolidação.

Tu consideras a roda de choro uma grande escola? Eu acho que é a maior. A escola do choro é a roda. Você pode ir para escola de música desenvolver técnica, mas a escola do choro é a roda, não tem outro caminho. É você sentar e o músico jogar o choro na tua cara e tu ir atrás. O choro nasceu assim e só tem valor se for assim, no meu entender.

Tu estavas na gravação do Tributo a Zé Hemetério [música de Gordo Elinaldo registrada pelo Tira Teima no disco Na palma da mão, estreia do grupo Serrinha & Cia]. Comente um pouco do clima. Eu estava fazendo seis cordas e Gordo sete. Ali eu vi uma coisa que eu já sabia de Gordo, o talento dele, a sensibilidade para dirigir em estúdio. Fiquei impressionado com a competência, era uma experiência que eu não sabia que ele tinha, dirigindo até os cantores.

De que outros grupos musicais tu fizeste parte? O [Instrumental] Pixinguinha foi o primeiro grupo que nós criamos. Fomos nós quem fundamos: eu, Jansen, Marcelo, aí nós convidamos [o violonista] Domingos [Santos] para fazer seis cordas. Nós fizemos um espetáculo tocando a Suíte Retratos [de Radamés Gnattali]. Antes disso nós fizemos o programa de Gabriel Melônio no canal 2, Teclas e cordas. Gravamos Estrela [de Joãozinho Ribeiro] num disco de Rosa Reis. Depois disso acabou o Pixinguinha, deixamos de ensaiar [o grupo existe hoje, com outra formação].

Além do de Serrinha, com o Tira Teima, e o de Rosa, com o Pixinguinha, tu participaste da gravação de outros discos? Toquei em quatro faixas do Memória [Música do Maranhão, 1997]. Botei violão no disco [Esquina da solidão] do Cabeh [Carlos Alberto de Sá Barros], que foi o primeiro diretor da Rádio Universidade FM. Ele deixou só a voz guia, morreu antes do disco ficar pronto. Botei violão em algumas faixas desse, ele queria que eu tocasse em todas, mas achei melhor não, e gravei também num outro disco dele.

Na entrevista anterior da série, Ubiratan Sousa [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 12 de maio de 2013] revelou estar em São Luís para trabalhar no disco de estreia do Tira Teima. Como está esse processo? Nós estamos pleiteando recursos, projeto. A intenção inicial era fazer um disco caseiro, até mesmo buscar um estúdio só para ter qualidade, mas fazer uma coisa nossa mesmo. O próprio Ubiratan conversando com Paulo sugeriu que a gente fosse atrás dos recursos.

Além de instrumentista você desenvolve alguma outra habilidade na música? Tive uma experiência de arranjador naquele show do Pixinguinha.

E composição? Uma música, por acaso o primeiro nome dela era Lembrando Élcio, que eu fiz baseado numa harmonia que ele me ensinou no Rio. Depois eu fiz duas partes e mudou o nome para Companheiro e Paulo fez uma terceira parte. É um choro que vai estar no disco [do Tira Teima].

O repertório dessa estreia do Tira Teima será autoral ou a regravação de clássicos? A nossa ideia é gravar nossas músicas. Há possibilidade de a gente ir buscar alguma coisa fora. Paulo tem três, fora essa que a gente tem em parceria, Serra [de Almeida, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 3 de março de 2013] tem quatro. A gente quer tocar alguma coisa de Cesar Teixeira, mas tudo música maranhense.

Qual a formação atual do Tira Teima? Hoje é eu, Zé Carlos [percussão], Paulo [cavaquinho], Zeca [cavaquinho e voz] e o João [Neto] tá fazendo a flauta. [O flautista] Serra está um pouco afastado, às vezes por problemas de saúde, cansaço. Mas a gente faz questão que ele participe do disco, embora ele não esteja tocando direto com a gente.

Como tu estás observando o movimento do choro no Brasil hoje? No Rio deu uma esfriada. Em São Paulo deu uma crescida. Brasília, acho que continua a mesma coisa, muita gente nova estudando, muita coisa que motiva. Em São Paulo há uma disputa entre os músicos, muito jovem tocando. É incrível, tudo lotado. É realmente impressionante. Eu acho que aqui deu uma melhorada agora, ultimamente. A gente mede por nós mesmos, mas a frequência de público é muito pouca. Eu acho que a gente tem que falar da época do Clube do Choro Recebe, realmente ali foi o auge. Nossa experiência hoje é lembrar daquilo. Com relação à meninada, aos que tocam choro hoje, devem àquela época.

Mas essa melhorada de que tu falas é na época do Clube do Choro Recebe [2007-2010] ou herança do projeto? O Clube do Choro, não só o Clube do Choro Recebe, desde a época que era na [Associação do Pessoal da] Caixa, estimulou muita coisa. Meninos novinhos tocando, da Escola de Música. Houve um estímulo. Você vai estudar um estilo de música pra fazer o quê com ela? A gente criou um palco, as pessoas podiam tocar, choro começou a dar dinheiro. Essa meninada que toca hoje, esses meninos que tocam muito, como [o cavaquinhista e bandolinista] Robertinho [ChinêsChorografia do Maranhão, O Imparcial, 3 de março de 2013], [o violonista sete cordas] João Eudes, João Neto, todos se estimularam muito com aquelas apresentações do Clube do Choro Recebe. Era um palco disputado, as pessoas tinham um cachezinho. Então eu acho que isso foi um negócio marcante para a situação atual do choro no Maranhão. Nós estamos numa entressafra, embora eu acredite que estejamos próximos de uma virada.

Qual o principal sete cordas da história chorística brasileira? E qual a grande referência pra ti, hoje, em vida? Pra mim a grande referência foi uma pessoa que eu tive o prazer de conversar, de ele me dizer muita coisa, que foi Dino. O Dino é a grande referência para o sete cordas. Eu acho que só existe sete cordas por causa dele, a forma de tocar sete cordas foi criação dele. Vivo nós vamos ter que dividir as coisas. Eu estive semana passada com Carlinhos, que é o luthier que recuperou esse violão, e ele me disse, “Solano, a gente fabricava 100 violões seis cordas para fabricar um sete cordas. Hoje em dia ninguém quer seis cordas”. Todo mundo vai pro sete. Meninos que estão estudando violão clássico estudam no sete cordas. Faz tudo o que o seis faz e mais alguma coisa. Tem meninos novos aí que eu gosto muito: Gian Correa, de São Paulo, o Rogério Caetano, uma monstruosidade, Zé Barbeiro, Luiz Filipe [de Lima], maravilhoso, o Carlinhos [Sete Cordas], que é mais pra samba. Se a gente for olhar, hoje, eu acho que o violão mais tocado no Brasil é o sete cordas. Pra onde você vai tem um tocando, e muita gente muito boa.

Além de trazer essa nova geração, de criar um palco para os chorões do Maranhão, que outra coisa importante tu observaste no Clube do Choro Recebe, em quase três anos de atividades? Foi um dos movimentos mais importantes musicalmente falando, com a grata satisfação de ser o estilo que eu gosto. Aquilo ali foi um negócio muito sério! A gente não podia ter deixado aquilo… a gente tinha que ter dado um jeito de continuar.

Que instrumentistas tu observas que merecem destaque do Maranhão? Eu vou ter que começar com minha casa: Serra, Paulo Trabulsi, esse tem espaço em qualquer lugar, eu conheço pouca gente que conhece choro como Paulo. Juca, eu adoro tocar com ele, é uma festa, a gente sai de lá alegre. A gente tem que falar de Robertinho, [o cavaquinhista e bandolinista] Wendell [Cosme] é muito bom. Tá enveredando por fora do choro, mas é um grande instrumentista. João Eudes é muito bom, tem futuro, já dominou o instrumento, é uma questão de evolução, de crescer. [O sanfoneiro] Rui Mário pra mim é um dos melhores, toca qualquer coisa.

O que tu achas que falta para o choro do Maranhão? A princípio falta a gente retomar o Clube do Choro Recebe, reabrir o Clube do Choro, retomar nossos projetos. Isso é o primordial. Estou terminando de regularizar a documentação [do Clube do Choro], a gente precisa retomar as nossas reuniões, para que surjam as ideias, debatermos e retomarmos essa situação.

Consolidar uma cena aqui passa necessariamente pela gravação de discos. Na criação do Clube do Choro, no estatuto, uma das coisas principais, é o Clube do Choro como selo musical. É um negócio interessante, se aproveitar essa situação, pegar toda essa moçada que está produzindo, dar uma orientada. Nós temos gente com experiência. Um dos melhores trabalhos, foi um marco, o disco Memória, mostrou a capacidade de João Pedro Borges [direção musical e arranjos], um trabalho totalmente isento, ele não quis nem tocar. Uma coisa que a gente poderia fazer, que é feito no Clube do Choro de Brasília, é gravar os shows, gravar tudo o que acontece no palco.

Tu fazes música por esporte. Dentro do que tu pretendes, tu te consideras um cara realizado? Não.

O que falta? Eu tenho um conceito: a pessoa que gosta de qualquer tipo de arte e se considera realizado é o que já morreu. Eu tou sempre insatisfeito com o que eu tou fazendo.

Chorografia do Maranhão: João Pedro Borges

[O Imparcial, 14 de abril de 2013; aos poucos mas fieis leitores do blogue um bonus track: a versão abaixo traz algumas perguntas e respostas que ficaram de fora da edição do jornal, embora isso ainda esteja longe de ser a íntegra da deliciosa conversa que Ricarte Almeida Santos e este que vos perturba tivemos, fotografados por Rivânio Almeida Santos, com o mestre João Pedro Borges, um papo longo em uma noite de segunda-feira; o violonista fala como professor que é, fazendo questão de deixar tudo bastante explicado para que não restem dúvidas aos alunos; orgulho de ter aprendido essa lição.

Este post é dedicado a Maria Pepê, cunhada de Sinhô]

Quarto entrevistado da série, João Pedro Borges é um dos mais importantes nomes do violão, do choro e da música brasileiros. Seu talento é reconhecido internacionalmente

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

João Pedro da Silva Borges nasceu em uma vacaria, espécie de pequena fazenda, onde hoje fica o edifício Clara Nunes, “olha que grata coincidência”, no Apicum, região central da capital maranhense, em 23 de junho de 1947. O apelido Sinhô ganhou da avó: “Minha avó, mãe do meu pai, eu nascendo numa fazendinha, nasceu o Sinhozinho, nossa herança coronelesca. Era o Sinhô, Sinhozinho. Aí pronto, pra distinguir dos outros irmãos, que eram muitos [onze], era Sinhô e acabou-se”.

Filho de Raimundo Felipe Borges e Marina Silva Borges; a mãe, professora normalista, o pai, técnico em eletrônica, especialista em rádio e televisão, um empreendedor que chegou a ter gráfica, trabalhava com o avô na Livraria Borges, de propriedade da família, a maior da São Luís da época, quando o menino João Pedro nasceu.

Ele é um dos maiores violonistas brasileiros em todos os tempos e participou de um capítulo fundamental para a renovação do choro no Brasil: a Camerata Carioca do gaúcho Radamés Gnattali, com que o maranhense chegou a gravar discos e fazer diversas apresentações Brasil afora. Seu talento é hoje reconhecido internacionalmente e o disco mais recente, Clássicos Latino-Americanos, foi gravado em 2005, em uma igreja na França.

Wilson Marques concluiu recentemente um perfil seu para uma coleção que pretende publicar em breve. Para a construção do livro, entrevistou o próprio João Pedro Borges além de figuras próximas, como Chico Saldanha, Arlete Nogueira da Cruz e Sérgio Habibe, entre outros. “É ele contando a história dele, não é uma minuciosa biografia, mas sobretudo um registro de sua trajetória e da importância do trabalho dele para a música brasileira”, adiantou o jornalista.

João Pedro Borges conversou com O Imparcial/ Chorografia do Maranhão no Chico Discos, acompanhado, na decoração do ambiente, de diversas personalidades da música: algumas delas ele chegou a conhecer pessoalmente e são citadas por ele ao longo da conversa.

Quando foi que tu percebeste que teu negócio era a música? Eu sempre tive certos indícios de sensibilidade. Por exemplo, eu ganhei, por ocasião de um natal, um violãozinho de plástico, e aquilo era o brinquedo que mais me encantava. Então eu simulava cantar com aquilo, com o passar do tempo eu buscava alguma forma de afinação. Lembro que na minha infância passava um deficiente visual numa carroça puxada por um burro, conduzida por um ajudante que provavelmente era filho dele, e tinha a peculiaridade de que este senhor  tocava cavaquinho. Então, eu guardava dinheiro pra ter o que levar pra ele, por que quando a gente chegava, ele dizia “a pedido é mais caro”. Lembro que quando ganhei esse pequeno violão eu queria imitar um pouco o homem cego que passava lá na minha rua, quase que todos os dias. Mas só mais tarde [consegui], meu padrinho José Silva foi meu primeiro professor de violão. Ele fazia parte da velha guarda das pessoas que lidavam com o choro. Foi ele o meu vínculo com o choro, era violonista, compositor. Ele era irmão adotivo, por afinidade, do famoso professor Custodinho, Custódio Zaqueu Coelho, que eu considero o grande violonista do Maranhão, anterior a[o violonista] Turíbio [Santos], por exemplo, como geração. Era um violonista extraordinário. Cheguei a ter aulas com ele.

A tua escolha por ser músico contou com o apoio da família? De uma parte da família, que me incentivou. Tinham muitos saraus na minha casa. Sistematicamente tinham reuniões de violonistas, de músicos na minha casa, onde o repertório era basicamente choro de violão. Esse meu padrinho era um pintor de paredes, mas era um homem autodidata, de uma intelectualidade muito grande, tinha um conhecimento extraordinário. Ele foi a primeira pessoa que me falou da cultura musical brasileira. Os personagens que ele citava para mim eram Pixinguinha, Ernesto Nazareth, falou de Agustín Barrios quando passou aqui, ele era amigo do pai de Turíbio, que era seresteiro, e frequentava um pouco esse grupo, que a gente chamava os velhos, na época. Nessas reuniões meu padrinho notou meu interesse em ficar ouvindo aquilo. Aí ele perguntou se eu não queria tocar violão e eu disse “quero!” Ele disse “então eu vou te ensinar”, e me ensinou um choro. Eu não comecei por acordes, fazendo assim, ele botou a minha mão e me ensinou um choro chamado Mariazinha [toca trechos ao violão, não sabe dizer a autoria]. Esse choro tem uma peculiaridade formal [fala enquanto continua tocando]: é que ele tem três partes, todas no mesmo tema, ele é uma síntese da forma do choro.

O choro, durante muito tempo, os músicos tocavam por diletantismo. Tinham geralmente outra profissão e tocavam choro nas horas vagas para se divertir e às vezes, como desenvolviam muita capacidade, habilidades, acabam se tornando músicos conhecidos, consagrados, mas não eram profissionais da música. Você é um profissional da música, vive de música, sempre viveu de música?Isso faz diferença? Sim. Faz diferença. Quer dizer, em termos. Se a gente levar em consideração que Jacob do Bandolim era escrivão, César Faria trabalhava numa repartição, há que se levar em consideração aí que há um impulso por detrás desse aparente amadorismo. Quer dizer, eles tinham profissões que lhes davam sustentação, mas grande parte da atividade deles era exercida em torno do choro. A diferença é a seguinte: uma carreira de concertos não é uma carreira convencional, é algo que vive de oportunidades que se inventam, que são criadas. Por exemplo, os concursos de violão são uma forma de atrair a atenção para jovens, têm limite de idade. Eu fui por outro caminho alternativo, me beneficiei da companhia dos meus professores. Depois de um ano que eu estudava com Jodacil Damasceno, ele me tornou assistente dele, eu tive como alunos Dori Caymmi, Guinga, Marlui Miranda, Durval Ferreira, Miltinho do MPB-4. Depois Turíbio me convidou para montar um curso no Rio de Janeiro.

Eu queria que tu contasse um pouco de tua participação em uma banda cover dos Beatles. Tinha a vizinhança próxima com os Saldanha, na Rua de São Pantaleão, Ubiratan Sousa, que gostava muito de choro, foi quem me falou pela primeira vez da bossa nova, me mostrou uns acordes e aprendia comigo a linguagem do choro, aquelas baixarias, que eu era especializado por conta de meu padrinho, que era craque na área. Nessa época surge a televisão por aqui e os irmãos Saldanha, principalmente o mais novo, Nena, falavam bem inglês. E surgiu essa coisa da televisão e todo mundo encantado com a música dos Beatles. Então eles fizeram um conjunto em que eu era apenas o acompanhador. Eu não aparecia no vídeo, e ficava com um violão de cordas de aço poderoso que eu tinha, que parecia uma guitarra, e acompanhava só com esse violão todo mundo. Era Francisco Saldanha, Nena, o Antonio Saldanha, Benedito, que eu não lembro o sobrenome, estudava também no Liceu, Chico Linhares, o Francisco Linhares, que também morava na Rua de São Pantaleão, Edson, também não me lembro o sobrenome e eu acompanhando. Mudou essa formação. Entra Ubiratan nesse conjunto, que muda de nome, de The Five Gems para Os Rebeldes, e ficamos vinculados à televisão, inicialmente através dos programas de Reinaldo Faray. Tava começando a Difusora.

Depois tu ajudaste a fundar a Escola de Música do Estado, que surge no momento em que uma nova geração de artistas começava a produzir com base nas linguagens da cultura popular. E eles tinham a esperança de que a Escola de Música pudesse ser a continuidade de um processo de absorção dessas linguagens, numa escola de identidade mais maranhense? Tinha esse desejo? Como é que era isso na época? A responsável intelectual por todo esse movimento é [a poeta e ex-secretária de Estado da Cultura] Arlete Machado. Foi ela quem concebeu e encomendou o plano da Escola de Música. O que aconteceu foi o seguinte: os primeiros professores, quer dizer, eu vim em 1974, da África, diretamente para cá para São Luís do Maranhão. Criou-se essa escola de música, a primeira diretora é nossa melhor pianista de todos os tempos, Maria José Cassas Gomes, e o resto eram professores que vieram de fora. Era Clemens Hilbert, um alemão que dava cursos de extensão nos seminários de música da ProArte, lá por Teresópolis. Tinha outro professor chamado João Solano, que era um pianista que também estudava relações internacionais, queria ser diplomata. Veio daqui do Ceará um pianista chamado Flávio, não me lembro agora também do sobrenome dele, mas um excelente músico, pianista, e Gilles Lacroix, que chegou a dar aula de música, de teoria musical, tempo em que ele estava se decidindo a largar a batina. Nesse contexto a Escola de Música foi organizada, ali no Apeadouro, e os primeiros candidatos que surgiram, por exemplo, [o compositor] Sérgio Habibe, que trabalhou também um tempo como funcionário lá da escola. Então surgiu [o compositor Giordano] Mochel, Zé Martins, Josias [Sobrinho] e [o compositor] Cesar Teixeira, sempre a gente tendo aquele cuidado de que eu não queria descaracterizar o trabalho deles, mas eles estavam em busca de formação. Eu tinha um discurso de fundamentação. Dizia “até para você fazer bem essas coisas nossas, você precisa de recursos, de técnica”. Sérgio Habibe é um caso flagrante de ter mudado o nível de composição a partir do estudo, ele próprio reconhece isso. Josias Sobrinho foi o meu melhor aluno de harmonia, eu dei um curso pra ele de harmonia aplicada ao violão. Eram alunos dedicados. Eu forneci uma espécie de subsídio pra eles, mas sempre com a recomendação, dizendo “olha, vocês não têm que estudar pra serem músicos eruditos, nem nada, é pra melhorar o que vocês estão querendo fazer”. Naturalmente da parte deles devia haver certas expectativas políticas, por que o movimento pra eles não era só artístico. Pra mim era um movimento artístico, pra eles era político.

Lá no Rio você teve uma convivência com uma nova geração de chorões, com gente da antiga, e você vivenciou o momento de renovação do choro, ali da virada dos anos 70 para os anos 80, convivendo ali com nomes como Paulinho da Viola, com a Luciana [Rabello], com a turma dOs Carioquinhas, Radamés [Gnattali]. Conte um pouco dessa história. Eu passei a ser habitué de todos os saraus que o Jodacil participava. Tinha um amigo nosso chamado Tonzinho, que na realidade é Milton Borges, eu chamava até ele de parente, morava em Niterói, tinha sido amigo pessoal de Jacob, de Six e de Jonas, e através das idas de Six ao Rio de Janeiro nós fomos parar um dia na casa desse Tonzinho e lá ele reunia Abel Ferreira, Copinha, Arthur Moreira Lima passou por ali, Paulinho da Viola, tudo o que era do choro, Ronaldo do Bandolim com os irmãos. O Raphael Rabello, que eu conheci tocando junto com Turíbio, tinha 12 anos, travou logo amizade comigo, tocava, tinha uma formação bem consolidada de música e ele tinha o que eu gostava, tudo em quanto dizia respeito ao choro tava consolidado na cabeça dele, não tinha que aprender nada. Ele era herdeiro de toda a tradição do Dino [Sete Cordas] e do Meira [Jaime Florence], que foi o grande professor dele, professor do Baden [Powell]. O Raphael, um dia assim, disse “olhe, aniversário da Nara Leão, nós vamos lá na casa dela, e eu queria te levar por que eu tenho uma pessoa que eu quero te apresentar”. Aí me apresentou pro Joel [Nascimento], estávamos tocando, quando ele me viu tocar, disse “olha, nós estamos iniciando um trabalho”, não existia esse nome, Camerata [Carioca], isso veio depois, “de tocar uma suíte que o Radamés tá transcrevendo”, acho que nem todos os movimentos ainda estavam transcritos, só tavam os primeiros, “você não gostaria de participar?”, e eu “gostaria”. Marquei um ensaio com eles, acho que na minha casa, e me encantei com o trabalho, aí começamos a montar a Suíte Retratos. A partir dessa nova abordagem com o choro, os saraus começaram a mudar de feição, num determinado momento eles abriam espaço, “vamos ouvir a rapaziada”, e ficavam encantados com aquilo. E aí esse trabalho começou a chamar a atenção, por que a gente começou a montar um espetáculo chamado Tributo a Jacob do Bandolim, foi considerado o melhor espetáculo de 79 no Rio de Janeiro.

Tu tens uma vasta discografia, tocando, integrando a Camerata Carioca, fazendo Valsas e Choros [1979] e Choros do Brasil [1977]… [interrompendo] Com Turíbio eu tenho três discos. Choros do Brasil foi o primeiro, Valsas e Choros, depois tem o Violão Brasil [1980], que a gente fez para um projeto, por que nessa época, disco instrumental dependia também muito desses projetos que eram feitos pra dar brindes de empresas. Por exemplo, eu gravei a obra de Paulinho da Viola [A obra para violão de Paulinho da Viola, 1985], não quisemos nem eu nem Paulinho editar comercialmente, por que sabíamos que os acordos não iam ser bons, apesar de que eu tinha muita consideração com a [gravadora] Kuarup, Mário de Aratanha [idealizador e proprietário da gravadora] praticamente me lançou como produtor, eu ganhei cinco prêmios Sharp como produtor de discos, e editor, fazia aqueles acabamentos todos, tem discos nossos inclusive que ganharam também prêmio na Europa, foram lançados lá pelo Chant du Monde, gravadora que substituiu a Erato francesa. Eu fiz o meu primeiro disco de forma independente em 1977. Logo depois daquela ideia lançada pelo Antonio Adolfo, do disco independente, alguns músicos eruditos descobriram que podiam fazer aquilo. E Jodacil me disse “por quê que tu não faz um disco?” Aí eu decidi fazer também um disco, isso em 1977, concomitante com a ideia do Choros do Brasil, com Turíbio, eu fiz esse disco, sozinho, gravei no estúdio do Museu da Imagem e do Som. O segundo disco [João Pedro Borges Interpreta, 1983] já foi proposta da Kuarup, como eu fiz muitos trabalhos com a Kuarup, Mário disse “olha, a gente tava querendo fazer um disco teu”. Foi um disco dedicado a violonistas espanhóis e clássicos. Depois deste, A obra para violão de Paulinho da Viola, o quarto que eu fiz já foi na França [Clássicos Latino-americanos, 2005]. Eu também nunca me entusiasmei muito com a indústria do disco especificamente, por que eu era muito criterioso, a gente tinha aquele medo de ser explorado, mesmo tendo a compreensão de que um disco não era uma forma de ganhar dinheiro, era uma forma de divulgar o trabalho.

Era o que eu ia perguntar: tem disco com a Camerata, com Paulinho da Viola, com Turíbio, tem disco em que tocas só em uma faixa, casos de Mistura e Manda [de Paulo Moura, 1983] e Shopping Brazil [de Cesar Teixeira, 2004], para citar apenas alguns. O que tu consideraria, ou por razões afetivas ou por razões de importância pra música do Brasil, uma discografia básica de João Pedro Borges? Pro pessoal ir atrás, baixar na internet. Tributo a Jacob do Bandolim [da Camerata Carioca, 1979], sem a menor sombra de dúvida. Por que na realidade eu era um mero componente, eu digo que fui testemunha privilegiada. O Hermínio Bello de Carvalho tinha a seguinte definição: “olha, essa Camerata vai dar certo por que tem o grande arranjador e compositor, tem o grande intérprete e tem o grande ensaiador”, por que eu tinha uma técnica de ensaio que nem Turíbio tem essa técnica, era tudo muito bem organizado, até Radamés eu enquadrava. O [jornalista] Aramis Millarch uma vez, num ensaio, eu discutindo com Radamés, mas discutindo assim numa boa, a gente tinha uma amizade muito grande, mas eu sabia o limite dele, já pela idade, ia até certo ponto, por que ele já queria sair para tomar chopp, comer alguma coisa, ele não tinha muita paciência de ficar ensaiando, como Turíbio também nunca teve, mas o resto do pessoal precisava de ensaio. Aí Radamés dizia “não, agora já tá bom”, e eu dizia, “não senhor, ainda não está bom, ainda tem uma partezinha que nós vamos limpar aqui”. Aí terminava o ensaio e eu dizia, “e aí, Radamés?”, “é, é, ficou melhor”, aí ele dava o braço a torcer.

Soubemos que você anda compondo. Eu fiz arranjos na época, na própria época do Valsas e Choros os arranjos eram assim coletivos, mas sempre prevalecia uma base. Como Turíbio tinha muita confiança em mim, sabia que eu tinha formação, lia música melhor do que todos os outros, eu dava muita colaboração nesse sentido dos nossos discos, assim a parte mais erudita. Agora a parte mais tradicional, mais dentro da linguagem do choro, imagine, com Jonas e Raphael, não dá nem… pelo contrário! Foi uma escola, foram meus mestres, o que aprendi com eles não tá no gibi. Aqui, depois que eu voltei à São Luís do Maranhão, minha amizade com [os poetas José] Chagas e Nauro [Machado], e as reuniões periódicas pra ouvir música, com Arlete [Nogueira da Cruz Machado, poeta, esposa de Nauro], o Chagas começou a me passar umas poesias dele não editadas. Me deu vários cadernos. E olhei aquilo, eu digo “rapaz, isso dá música!”.

Isso é recente? Mais recente, eu sempre tive minha ideia de compor, compor choro, compor valsa, sempre toquei valsas e choros que eu mesmo compus. Tem coisas que eu nem escrevi, que foi embora, Turíbio até brigava comigo por conta disso. Aí comecei a escrever essas canções de Chagas, musiquei dez poesias de Chagas, uma de Nauro e descobri mais recentemente, desse povo novo, que existe por aí, fora dessa geração, pra mim, na minha opinião, a melhor poeta que a gente tem chama-se Aurora da Graça Almeida. Ela me deu um livro, eu preciso dar esse livro pra vocês lerem. Ela me deu um livro e eu descobri coisas assim maravilhosas. Deixa ver se me lembro, sem compromisso [começa a dedilhar o violão]. Chama-se Mágoa. Um homem prevenido vale mais do que dois desprevenidos [abre o case e tira uma folha de papel em que o poema está anotado]. Olha a letra, diz assim [recitando]: “meu coração sem cor e sangue/ maldiz a mágoa renascida do tempo estilhaçado que vivi/ meu coração sem cor e sangue/ esconde a selva oculta do perdão/ esconde as palavras mais belas e fugazes que não disse/ no meu coração de veias seculares/ padece a solidão de antigamente/ maltrata-me a vida retalhada/ maltrata-me não ser o que eu queria/ maltrata-me deixar sem poesia/ os que previram minha dor, minha agonia/ meu coração sem cor e sangue/ repleto de veios de fervor/ resgata a duras penas o sentido/ de ser ao menos navegante nessa vida” [canta, acompanhando-se ao violão; ao final recebe aplausos dos chororrepórteres].

Ficou clara tua percepção sobre o cenário no Brasil, tanto no Rio como em Brasília, que são os dois focos. No Maranhão como é que tu observa a cena choro? Quais os fatos mais importantes, recentes? O choro tá presente desde o século XIX, a própria pesquisa que Maurício [Carrilho] e Luciana fizeram no acervo João Mohana, se identifica, desde quando nasceu no Rio, já existia choro aqui. Mas hoje, o cenário, pra onde aponta? O quê que tá faltando? Olha, o que acontece é o seguinte: eu digo que tem coisas que as brasas podem passar muito tempo só fumegando de leve mas não apaga completamente. Aqui sempre houve esse potencial, que fez surgir os primeiros conjuntos, tipo [o Regional] Tira-Teima, Rabo de Vaca, já com o advento da Escola de Música já surge a ideia do [Instrumental] Pixinguinha, todo mundo sempre com uma estética voltada inicialmente para a inovação. Aqui no Maranhão surgiu a ideia do Clube do Choro, todo mundo aqui foi testemunha do grande impacto que isso causou na sociedade. Eu vejo esse cenário que o choro se diversificou, atraiu o povo da nova geração, a gente vê agora o movimento Madre Deus, o movimento do Clube do Choro. Pra mim o grande impulso foi lá o Chico Canhoto, com o Clube do Choro Recebe, por causa da concepção inteligente, de compreender que o choro é mais do que ele aparenta ser, ele está presente nas coisas todas, está presente na música de Tom Jobim, Caetano Veloso fez choro, Chico Buarque faz choro, Cesar Teixeira. Então essa junção, primeiro da música instrumental com a música cantada, pra quebrar os preconceitos, e segundo, com o componente da música maranhense, foi a boa fórmula. Nós estamos vivendo ainda dos dividendos desse investimento, na minha opinião. Eu acho que está faltando o aspecto didático, ou melhor dizendo, pedagógico da coisa. O choro tem uma vertente de entretenimento, que ele agrada todo mundo, todo mundo vai, tem público sempre, quando a coisa é bem organizada, tem espaço; segundo, isso só não garante a subsistência do choro, os movimentos vão e vêm, as casas comerciais, os estabelecimentos, tem época que é moda aqui, tem época que é moda ali, tem muita oferta na cidade. Por isso que até hoje eu lamento que a ideia da casa lá [uma sede própria] do Clube do Choro não tenha dado certo, por que tinha um projeto social relevante envolvido.

Dessa nova geração tem alguém dos instrumentistas do choro que te enche os olhos, que tu vê como uma boa promessa? Tem. Robertinho [Chinês] eu acho que é um grande talento. Aliás, antes dele se projetar no choro, o pai dele me procurou na época da formação da Escola de Música do Município, quando a gente ainda tava dando aula lá naqueles camarins da [praça] Maria Aragão e o pai dele me procurou, são dois filhos, nem sei o que é feito do irmão. O que eu passei pra ele, na época, foi o seguinte: “olha, você tem que investir em formação. Teus filhos têm talento, mas eles têm que investir na formação, por que o que garante o desenvolvimento do talento, a formação é o adubo do talento, sem formação, sem você correr atrás do fundamento, se fundamentar, desenvolver”. Essa juventude, por exemplo, eles têm uma facilidade técnica pra tocar, mas isso só não garante. Eu vi muito menino prodígio que abandonou a profissão. Por que tem toda uma estruturação que é psicológica, por que na realidade você tá lidando com a própria vida. Às vezes ele pode se desenvolver no instrumento, absorver bem a coisa do choro e ser mais um chorão na cidade, muito bom. Mas é só isso?

Na tua entrevista diversas vezes tu citaste Turíbio. Na tua opinião, quem é Turíbio Santos? Turíbio Santos é o mais importante violonista brasileiro. Pra mim ele é uma espécie também de matriz fundadora. E é facílimo de explicar. Foi o primeiro violonista brasileiro que se destacou internacionalmente, o primeiro que ganhou um concurso que chamou a atenção pra profissão. Se Ronaldinho Gaúcho botou uma porção de meninos pra jogar futebol e querer ser Ronaldinho, Turíbio fez isso com o violão. A importância dele foi pelo seguinte: ele deu o exemplo, ganhou o concurso e projetou uma carreira internacional de respeito; segundo, foi o violonista brasileiro dessa geração mais generoso, montou curso de violão, criou movimentos sociais como ele fez lá com os Villa-Lobinhos, atraindo banqueiros para bancar a carreira de gente, tem gente que tirou a mãe do tráfico, da marginalidade, alugou apartamento, tá vivendo da profissão, toca na noite, estudaram lá graças a ele. O que pode se acrescentar à dimensão de um bom instrumentista é a dimensão social, o que ele faz em benefício dos semelhantes dele. Turíbio criou os dois cursos superiores, tanto na UFRJ como na UniRio. Foi o primeiro camarada que tirou o violonista de seu isolamento, por conta de criar a ideia de Orquestra de Violão, foi o primeiro violonista que pegou João Pernambuco e disse “isso aqui é música de qualidade”. Quer dizer, quem é o camarada que tá por trás de todos esses movimentos? São as ideias que ele gerou.

E a preocupação dele com a memória de Villa-Lobos, também, não é? Com a memória de Villa-Lobos. Que é um reconhecimento, por que Villa-Lobos projetou a carreira dele. A Mindinha Villa-Lobos [viúva de Heitor Villa-Lobos] quando encomendou dele os 12 estudos para violão talvez nem imaginasse a projeção que ia dar, foi o que facilitou a carreira dele lá fora, foi o primeiro violonista a gravar os 12 estudos de violão de Heitor Villa-Lobos.

Você ajudou fundar a Escola de Música, mas ajudou a fundar outras escolas, mostrando uma preocupação sua sempre com o processo de formação pedagógica. Ceuma, depois foi diretor da Escola de Música, fundou a Escola de Música do Município. Fale um pouco dessa tua preocupação com o processo da formação do músico. Eu acho que é uma questão de humanidade. Essa preocupação eu sempre tive. Eu raciocinei a seguinte coisa: se eu não tivesse tido certa ajuda, que me projetasse, que me ajudasse nos momentos em que eu precisei, numa família de 11 filhos, quais seriam as perspectivas que a gente teria aqui? É uma preocupação social, humana, de ver que a música pode ajudar uma pessoa a plantar ideias que podem mudar sua vida. Ela é uma porta de entrada, ela não é a solução pra tudo, mas ela é a porta de entrada. É como se você entrasse num ônibus e esse ônibus começasse a passar por paisagens que você não conhece e você pode nem saltar, mas você diz “olha, se eu quiser ir eu tomo esse ônibus e vou pra ali pra aquele lugar”, eu sempre tive essa preocupação. Quando eu digo que eu vim da África pra ser o primeiro professor, talvez as pessoas não dimensionem o que representou em termos de sacrifício pra mim. O caminho natural era ir pra França, e eu vim pro Maranhão. Uma coisa que eu fiquei consciente ao longo desse tempo: não dá pra fazer agora sacrifícios maiores esperando que as coisas que você constrói sejam mantidas se elas estiverem vinculadas ao processo político. A política é a coisa mais traiçoeira que pode existir na vida, por que uma hora tá, outra hora não tá, outra hora volta, outra hora não volta mais, não tem continuidade, esse é que é o grande problema.

Queria que tu deixasse registrada aquela história gostosa do carrinho de picolé. As lembranças que eu tenho da minha infância, eu vivia muito dentro de casa, por que minha família não me deixava sair muito. Nem pra praça, tinha a Praça da Misericórdia ali, minha mãe dizia que eu tinha que evitar “adjunto”. Antes mesmo de começar a estudar mais seriamente o violão, eu já tava começando, tinha um ouvido assim que apurava, eu gostava de ouvir rádio, meu pai consertava rádios, a gente dormia com aquele barulhinho de rádio, ele ouvia a BBC de Londres, A Voz da América, aquelas coisas, e eu gostava, tinha um rádio em casa, e de tarde, chegava da escola, almoçava, tirava uma sonequinha, e aquele calor danado, ficava esperando a hora do sorvete passar, picolé e sorvete, e tal. Antes era num tipo de carrocinha, que o sujeito abria, aquela coisa toda. E nesse dia, rapaz, um dia quente, eu ligo o rádio e tá tocando essa valsa de Nazareth [Coração que sente], na Rádio Ribamar, que coisa linda, e o cara do sorvete gritou, “sorvete!”, aí eu aumentei o volume pra não perder, e fui correndo, naquele calor, esbaforido, e disse “eu quero um sorvete de baunilha”, e ele disse “você mesmo escolhe, abre aí pra escolher”. Agora, você imagina a sensação de você sair de um calor danado, faz aquele esforço, eu nunca tinha olhado pro lado de dentro [do carrinho de sorvete], que eu abro, vem aquela brisa gelada, com todos os sabores que estavam ali dentro. Ai, que sensação maravilhosa. Peguei o sorvete, volto, continuei ouvindo a música. Passa-se o tempo, cada vez que eu ouço essa música, Coração que sente, Arthur tocando, o quê que vem no meu nariz?, no meu olfato? O cheiro de todos aqueles aromas e pode estar o calor que tiver que vem aquela brisa maravilhosa.

‘Chorões’ comemoram a vitalidade do gênero genuinamente brasileiro

Pixinguinha e o Choro brasileiro confundem-se no imaginário popular. Não é à toa que o dia escolhido para homenagear esse gênero musical (23 de abril) é também o aniversário de Alfredo da Rocha Vianna Filho, que ficou conhecido como Pixinguinha, um dos maiores compositores, arranjadores e instrumentistas da Música Popular Brasileira.

Genuinamente brasileiro, o Choro é tocado – e apreciado – no país todo. Zema Ribeiro, jornalista e produtor do projeto Chorografia do Maranhão, costuma dizer que há sotaques diferentes no Choro tocado em cada lugar, fruto das influências das culturas locais.

“A formação instrumental pode variar, mas não é por conta da geografia. Nos primórdios do choro, fins do século 19, início do século 20, a formação dos Regionais (nome dado aos grupos que tocam choro) era quase invariável, ficando entre flauta, cavaquinho, pandeiro e violão. Depois, outros instrumentos se somaram, como o violão sete cordas, o bandolim, a sanfona, o clarinete, o piano e tantos outros. O piano, inclusive, está nas origens do Choro, mas sem integrar grupamentos”.

O produtor também conta que, hoje, com o interesse das novas gerações, o Chorinho, como é também chamado, renova-se, ganha sobrevida, tem o advento de instrumentistas mais novos no tocar e apreciadores mais jovens no ouvir. “Por isso que dizemos que o Choro é, além de gênero musical, uma maneira de tocar”, afirma.O SaraivaConteúdo conversou com músicos e especialistas de várias partes do país. Eles deram dicas bacanas para quem quer ouvir e saber mais sobre o Choro.

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Trecho inicial da matéria que a jornalista Maria Fernanda Moraes escreveu para o SaraivaConteúdo sobre o Dia Nacional do Choro, para a qual dei um depoimento. Texto completo aqui.

Em São Luís, o aniversário de Pixinguinha será lembrado na AABB: organizado pela Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo, um show gratuito, a partir das 19h, reunirá diversos nomes da cena choro ludovicense, entre os quais o Instrumental Pixinguinha e o Regional Tira-Teima. Além do aniversariante do dia também será homenageado o flautista Serra de Almeida (que, na foto que ilustra este post, aparece sendo entrevistado para a série Chorografia do Maranhão por Ricarte Almeida Santos e este que vos tecla).

Tribo do Pixixita lembra seu legado de amizade e maestria

José Carlos Castro Martins (1/4/1952-12/4/2002), o Pixixita, ganha mais um tributo neste sábado (13), às 20h, no Trapiche (Ponta d’Areia). Mais que um tributo, aliás, a Tribo do Pixixita é uma grande festa que congrega amigos e admiradores do saudoso músico.

O nome parece mais apropriado, para além das feições indígenas do engenheiro civil de formação que tinha na música sua maior paixão e acabou se tornando professor da Escola de Música do Maranhão. Chegando em 2013 à sua 10ª. edição, a Tribo do Pixixita é um espaço plural que reúne música, fotografia, poesia e vídeo.

“O evento acontecerá mesmo em caso de chuva!”, exclama o material de divulgação do espetáculo, que tem confirmados os nomes de Afrôs, Ângela Gullar, Celso Borges, César Nascimento, Chico Maranhão, Chico Nô, Chico Saldanha, Flávia Bittencourt, Gerude, Instrumental Pixinguinha, Josias Sobrinho, Rosa Reis, Sérgio Habibe e Tutuca. Tudo pode acontecer – inclusive alguns dos nomes anunciados não aparecerem; ou aparecerem nomes não anunciados.

O que não acontecerá é a festa não acontecer. A Tribo do Pixixita já é uma tradição no calendário cultural da cidade que o músico tanto amou. “O Chico Nô e a Anne Martins, uma amiga e aluna, fizeram primeiramente uma homenagem para ele n’A Vida é Uma Festa [espetáculo poético-musical comandado desde 2002 todas as quintas-feiras na Praia Grande pelo músico e poeta ZéMaria Medeiros] em 2004, e a partir daí ficamos na pilha de realizar algo um pouco mais abrangente. No ano seguinte nos juntamos ao César Roberto, radialista que também tinha essa ideia, e fizemos o tributo no Armazém da Estrela [bar na Praia Grande, hoje fechado]. Foi o maior sucesso, lotamos o Armazém numa terça-feira chuvosa, todo mundo adorou. Depois fizemos no Dom Calamar [bar no Turu, hoje também fechado]. Novamente o evento foi muito bom, reunimos além do Chico Nô, Rosa Reis e Claudio Leite, que estiveram no ano anterior, Josias Sobrinho, Sergio Habibe e Chico Maranhão. Depois não paramos mais”, conta Nelsinho Brito, professor de capoeira, herdeiro de Pixixita, hoje vice-presidente da Fundação Municipal de Cultura de São Luís.

A Tribo do Pixixita tem, ao longo dos anos, reunido um bom público em suas edições. Para além do talento das atrações que se revezam no palco ano após ano, pela energia que contagia o evento, entre produção, artistas e plateia, pelo espírito gregário do homenageado. “Pixixita sabia ouvir muito bem todo mundo, sempre saía com palavras surpreendentes e adequadas. Para muitos era o guru da galera [risos], não discriminava ninguém, na vida e na música. A rapaziada do rock era apaixonada por ele. Era calmo e inteligentíssimo, e exageradamente metódico”, lembra Nelsinho.

Fazer amigos talvez seja o maior legado de Pixixita, cuja obra enquanto compositor é pequena. Amigos e alunos se confundem e não raro os dois substantivos consubstanciam-se na mesma pessoa, não poucas vezes. Não o conheci em vida, uma lacuna; mas é recorrente entre os que tiveram a oportunidade qualificá-lo como grande figura humana, amigo, professor, mestre. Místico, “acreditava muito na astrologia, sempre fazia o seu mapa astral e o meu também [risos]. Jogava tarô e adorava seus cristais. Eu os guardo até hoje”, lembra o herdeiro da simpatia e popularidade de Pixixita.

Chorografia do Maranhão: Serra de Almeida

[Primeira entrevista da série Chorografia do Maranhão, publicada em O Imparcial, 3/3/2013]

 

 

O flautista Serrinha inaugura série de entrevistas com grandes instrumentistas do Choro maranhense. Chorografia do Maranhão será publicada quinzenalmente aos domingos em O Imparcial.

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Mais conhecido pela alcunha de Serrinha, Serra de Almeida é um senhor tranquilo e elegante. Naquela tarde quente, típica de São Luís, estava mais à vontade, de bermuda, camisa e boné. E flauta em punho, tocada em alguns momentos do bate-papo, a ilustrar musicalmente a conversa, acontecida no bar e restaurante Cumidinha de Buteko (Cohajap, São Luís/MA). Sua imagem, uma espécie de Copinha timbira, contrastava o senhor de camisa e calça sociais, sempre muito bem alinhadas, quando de apresentações em espaços como a Serenata Caixa Alta, o Clube do Choro Recebe e as mais recentes rodas com o Regional Tira-Teima que têm ocupado as sextas-feiras do Hotel Brisa Mar.

Aos 76 anos, diz ser um velho sem muito tempo dedicado ao choro – para ele a música maior. Isso apenas para explicar que passou a maior parte da vida trabalhando com petróleo. Mas só no Tira-Teima já está há quase um quarto de século.

José Serra de Almeida nasceu em São Bernardo/MA, em 13 de novembro de 1936, filho de Francisco Coutinho de Almeida, comerciante que chegou a prefeito do município, flautista diletante, e da dona de casa Maria Magnólia Serra de Almeida. Ainda na infância o menino se apaixonou pela música. A seguir, os melhores momentos da entrevista.

Fale um pouco de suas experiências profissionais, além da música, com o petróleo e hoje trabalhando em cartório. Nesses 70 e poucos anos que eu tenho, já fiz muita coisa. Mas o trabalho que eu perdurei mais na vida foi quando eu fui petroleiro, petrolista, não sei como é que chama. Eu era auxiliar técnico de petróleo. A empresa investiu muito em mim, fiz vários cursos de petróleo: refinaria, terminal. Houve uma época em que eu passava muito tempo naqueles navios.

Você trabalhava no Maranhão? Não. Eu trabalhei na Bahia, todo esse tempo. 21 anos. De fevereiro de 1960 até 1980. Voltei novamente ao Maranhão, aí saí da empresa. Eu digo 21 anos, mas incompletos.

E quando o senhor saiu do ramo do petróleo, foi fazer o quê? Vim pra cá, fui ser comerciante, comércio de madeira, exploração de madeira, aqui em São Luís. A maior burrice que já fiz. Peguei um ramo errado na minha vida. Foi onde eu gastei quase tudo o que eu ganhei na minha vida, lá na Bahia. Terminei indo à falência. Aquela recessão de 1983, 84, eu comprei uma serraria ali no Anil. A maior serraria de São Luís era a minha, mas eu não tinha experiência. Passei a vida toda trabalhando na Petrobrás, cheguei aqui, fui me meter nisso, arranjei um sócio quebrado, meu irmão, o mais novo, que me induziu a esse tipo de coisa. Sempre muito humilde, eu aceitava tudo aquilo. Nunca tive a impressão que aquilo estivesse errado, sempre tocava pra frente, pagava tudo à vista, pagava os impostos rigorosamente como manda a lei, tinha empregados além do que precisava. Se eu precisava de oito, eu tinha 16. Tinha um caminhão trucado que eu puxava tora do interior pra cá, pra serrar.

E hoje, está aposentado? Eu tive que me aposentar. Foi aí que eu comecei minha vida de novo. Essa flauta aqui [está com o instrumento nas mãos], que eu tocava muito fraco [tinha pouco conhecimento] nesse tempo, ainda, que me ajudou a manter inclusive meus filhos no colégio.

Você se tornou um flautista respeitado em São Luís. Teu pai era flautista. Além do teu pai, qual era o universo musical de tua cidade? Tu conviveste com bandas? Como era o universo musical na tua infância e adolescência? Isso aí sempre teve muita influência por que eu era apaixonado por música. O padre de lá, Padre Nestor, que mataram lá em São Bernardo, não sei se você soube dessa história, ele era formado em música e conseguia tudo pra lá, instrumentos, tudo. A banda tocava em festas, em cidades vizinhas. Lá, só tinha mais do que em São Bernardo, só em Brejo. Brejo sempre foi uma cidade muito musical, histórica. Teve uma época que teve o Pedro Ambrósio, um grande músico, nascido em São Luís, que era muito amigo desse padre.

Havia algum músico, além desse padre, do Pedro Ambrósio, que tu observava em São Bernardo e tinha admiração por ele? Tinha. Não só um, mas vários. Tinha Chico Vaz, que tocava clarinete, o Assis, que tocava trompete e trombone, o Elpídio tocava cavaquinho, o Péricles tocava violão. Essa turma toda, eu menino ainda, convivia com eles. Eles gostavam muito de mim, eu só andava pelo meio.

O fato de tu ter um pai flautista foi o que te levou pra flauta? Nunca teve vontade de aprender outro instrumento? Em parte foi. Em parte foi essa herança de meu pai. A flautinha dele era uma flautinha de ébano, de sete chaves.

E ele foi quem te deu as primeiras aulas? Não, pelo contrário. Eu depois que comprei uma flauta na Bahia, que eu trouxe uma flauta dessas, ainda dei umas aulas para ele [risos].

Tu tinha que idade? Eu já era coroa, já tinha mais de 40 anos.

Teus pais, então, nunca apoiaram, essa iniciativa de tocar? Meu pai nunca desapoiou. Pelo contrário, ele gostava demais disso. Agora, ele não tinha bagagem assim, pra me ensinar. Ele foi aluno desse padre, do maestro Pedro Ambrósio, e lia música. Melhor do que eu. Eu leio muito mal.

O rádio teve alguma influência? Muita! Eu gostava daqueles programas americanos, jazz, aquele Benny Goodman, eu era louco por aquele cara. Eu tenho um dvd em casa que a maior parte é com ele. É um tributo a Louis Armstrong que parece muito com aquela época. A Orquestra Tabajara. Severino Araújo saiu aqui da Paraíba muito novo, mas já formado.

Fora esses, quem são os músicos que te influenciaram, flautistas ou não, brasileiros ou não? Depois que eu comecei a tocar flauta, Altamiro Carrilho. Minha maior referência sempre foi Altamiro Carrilho. Onde eu via qualquer coisa dele eu comprava. Até hoje é assim. Tudo o que passa [na tevê] dele eu gravo. O bom humor dele. Eu tenho um programa que eu gravei já perto de ele morrer, em que ele começava a tocar [imita o som da flauta com a boca] Mozart, um arranjo que ele fez [toca o trecho de abertura na flauta]. Isso ele começou a tocar e no meio da música parece que faltou alguma coisa na memória. Aí ele botou a flauta assim [põe a flauta no colo] e “quiá, quiá, quiá” [imita], caiu na gargalhada [risos]. Aí ele voltou e começou a explicar que a paixão dele era Mozart.

E hoje tu estando aposentado e tendo mais tempo para te dedicar à música, dá para dizer que tu vive ou já viveu de música. Ou é só prazer? Como aposentado eu não tenho muito tempo para música. Já tive. Mas aí eu saturei e tive que arrumar algo para fazer, se não ia ficar estressado, ia adoecer. Há muito tempo vinham me oferecendo uma vaga no cartório, e eu resolvi pegar, já tinha trabalhado com isso. Ele [o proprietário] morreu e eu assumi um compromisso com a filha dele. Sobre a questão de me sustentar com música, isso só nessa época que te falei, que a flauta me ajudou. Eu tava quebrado mesmo. Mas eu, pela ajuda de Deus, eu tive muita sorte, e na Caixa Econômica [Associação do Pessoal da Caixa] tinha uma seresta [Serenata Caixa Alta], e quem fazia, não deu certo. Paulo Trabulsi, Sadi, esse pessoal, não deu certo. Aí eu entrei. Entrei e como eu sempre respeitei muito tudo aquilo que eu pego pra fazer, eu não gosto de falhar, eles não ligavam para nada e eu comecei a mostrar que eu tinha interesse pela coisa. Aí os diretores me chamaram. “Serra, você é que vai ser o chefe do grupo”. E eu digo, “mas rapaz, Paulo é meu amigo”. “Não senhor, é você quem é o chefe do grupo, ou então nada feito”. Me encostou na parede, né?

Como era o nome do grupo? Era Chão de Estrelas. Anos 80. Durante três anos aquilo ali foi dinheiro. Era organizado. Sempre vinham grupos de fora. Eu conheci muita gente boa. Dominguinhos, por exemplo. Sempre que chegava gente, me diziam: “toma conta desse cara”. Aí eu ia andar com Dominguinhos, com outros.

De que grupos musicais você já fez parte? Você disse ainda há pouco que já tocou com Agnaldo [Sete Cordas, lenda vida do instrumento em São Luís]. Agnaldo era do grupo lá da Caixa. Paulo, cavaquinho, Agnaldo, violão [não consegue lembrar de outros nomes]. Ivone cantava, muito boa, Paulo deve ter alguma coisa dela gravada…

Esse era o Chão de Estrelas. Antes, tu já tinha tocado em outro regional? Antes disso aí eu tocava com Paulo mesmo. Era eu, Paulo e Zé Carlos [percussão]. Era esse trio.

Tinha nome esse trio? Não. Era o Tira-Teima mesmo. Por que ele [o regional Tira-Teima] varia muito a formação. O único original que ainda está no grupo é Paulo.

De que grupo você participou por mais tempo? O Tira-Teima mesmo. Do Chão de Estrelas foram quatro anos. No Tira-Teima eu estou desde 89.

Qual a sua opinião sobre o Tira-Teima? O que você acha desse grupo? É muito cheio de caracol, é muito enrolado [risos]. Mas pra mim, não é por que eu participo do grupo não, mas pra mim ainda é um dos grupos que toca tudo. Tudo o que você pensar o Tira-Teima toca. É um grupo genuinamente de choro, o nosso forte é choro, mas se você quiser valsa, baião, música clássica, se toca. Esse que eu toquei agora é um clássico. De Mozart. Minueto do divertimento, o nome dele.

Além de instrumentista, você desenvolve outros tipos de habilidades na música? Compositor, arranjador… Eu me meto a tudo, a compor, a arranjar, a ler música, que eu não sei. Mas quando eu quero eu faço. Faço e escrevo. Paulo fica admirado: “rapaz, como é que tu escreveu isso?” Quando eu tinha tempo, né? Agora…

Tu tens quantos choros, quantas composições? Três. Dom Chiquinho, um choro amaxixado. Eu fiz um choro, e eles [os músicos do Regional Tira-Teima] mudaram. Zé Carlos, com a batida dele, terminou ficando um maxixe. Tem o Choro nobre, que é o segundo. E tem Chorinho embolado, um choro muito bonito [toca um trecho na flauta]. Por aí você já vê que é um choro bonito. Mas mais bonita é a terceira parte [toca novamente; e a pedido de Ricarte, um trecho de Dom Chiquinho]. Eu comecei a cismar com ele [o choro Dom Chiquinho] por que quando eu fiz esse choro eu não conhecia um choro chamado Cheguei [de Pixinguinha], e a segunda parte dele tem muito disso aqui [toca um trecho de Cheguei]. Tem alguma coisa diferente, mas é quase todo igual. Parece demais! Mas eu nem conhecia esse choro. Depois que eu conheci, eu comecei a querer aleijar o Dom Chiquinho, mas já tinha pegado.

Serra, tu já participou da gravação de algum disco? Já. Tem um disco aí, Na palma da mão [verso de Uns e alguns, de Jorge Aragão, que dá título ao primeiro disco do grupo Serrinha & Companhia], que eu participei, no Tributo a Zé Hemetério [outra faixa do disco, de Gordo Elinaldo, executada pelo Regional Tira-Teima, em participação especial] e em Das cinzas à paixão [de Cesar Teixeira, cantada no disco por Zeca do Cavaco, membro do Tira-Teima; Serra de Almeida toca um trecho na flauta]. No cd de Anna Cláudia, num do Festival da Caixa na Paraíba, tem até uma música de Paulo [Trabulsi].

Quem são os compositores do Maranhão que tu mais admira? Da música em geral. Aqui do Maranhão Cesar Teixeira para mim é o melhor. Gosto muito de Ubiratan [Souza], também é um cara muito inteligente.

Na tua opinião, qual a importância do choro para a música brasileira? O choro é a única música brasileira, genuinamente brasileira. Se não fosse tão boa não era tão admirada lá fora. Não era invejada. Causa inveja em algumas partes do planeta. Alemanha, França, Espanha. E difícil! O choro é isso: ninguém consegue dominar com facilidade.

Tu acha que o choro, enquanto linguagem, influencia a música popular brasileira? Não deixa de influenciar. O samba, por exemplo.

Você tem acompanhado o desenvolvimento do choro no Brasil? Tem desenvolvido demais. Pelos contatos que tenho, alguns amigos, televisão, a gente vê. O [clarinetista brasiliense] Fernando Machado me conta muita coisa sobre a evolução do choro lá em Brasília, as novas gerações, todo mundo, os jovens entusiasmados tocando choro. Esse Dom Chiquinho ele levou a partitura. Depois esteve aqui e disse: “Serra, teu choro tá sendo tocado lá pelos garotos”.

Isso te alegra? Não deixa de me alegrar, né? Eu já tou mais pra lá do que pra cá e vou levar uma coisa que eu sei que agradou alguém.

Tu participou daquele show de Zé da Velha e Silvério Pontes [lançamento do cd Só Pixinguinha, da dupla, no Circo da Cidade, em 2006, produzido por Ricarte Almeida Santos, com participação de diversos nomes da cena local]. O que foi pra você dividir o palco com aquelas figuras nacionalmente reconhecidas? Foi um verdadeiro banho de orgulho, por estar tocando ali. Aquilo foi um orgulho pra mim. Esse orgulho que tenho não me diminui, não faz mal. Acho que sou capaz de fazer algo semelhante ao que eles fazem.

Eles disseram isso. Compararam com Copinha, que é um dos maiores. Isso também Turíbio Santos já me disse. “Rapaz, você até parece com o Copinha!” Apesar de eu não zelar como devia, pela desenvoltura ao instrumento. Se eu pegasse todo dia no instrumento, como músico tem que fazer.

Tu acha que o choro hoje é diferente de antigamente? Houve algumas modificações, mas em se tratando de choro, na essência, é a mesma coisa. Isso aí ninguém pode mudar.

Qual a tua avaliação do choro praticado no Maranhão hoje? Eu vejo muito pouca coisa. No Maranhão nós somos poucos. Destaque tem você [Ricarte], que é um homem que se dedica, tem que respeitar. Depois tem grupos como o nosso [o Regional Tira-Teima], o [Instrumental] Pixinguinha. Tem muita gente aí que toca choro, mas não é com a alma. Não é como nós, que tocamos e admiramos outras músicas, mas o choro é a principal.

Tu acha que falta, no Maranhão, um espaço de valorização da cultura do choro? Fora o programa de Ricarte [Chorinhos e Chorões, aos domingos, às 9h, na Rádio Universidade FM, 106,9MHz], o [projeto] Clube do Choro Recebe, que aconteceu no bar do Chico Canhoto. Eu acho. O negócio vai mudando muito devagar. Não é como em Brasília que a gente vê o entusiasmo. O Chico Canhoto foi importante, mas o vento levou. Aquilo deixou um resultado. A gente [o Regional Tira-Teima] tá tocando no Hotel Brisa Mar [Ponta d’Areia], toda sexta-feira, de sete e meia às 10 e meia da noite. O rádio tá divulgando, de vez em quando chega gente que era de lá [frequentadores do Chico Canhoto].

Quem são os maiores instrumentistas de choro no Maranhão hoje? Essa pergunta é um pouco difícil. Flauta, eu e João Neto. João Neto é um músico que toca choro. Eu sou chorão. Eu toco choro por prazer, não troco por nada, não desisto. João Neto não é um entusiasta do choro. A pessoa que eu admiro tocando choro aqui é Paulo Trabulsi. Ele é um entusiasta do choro. E não é por que seja meu colega, não.

O Tira-Teima é o mais antigo grupamento de choro em atividade no Maranhão. O grupo não já devia ter um disco gravado? O que falta para isso? Sim. Isso é um descaso. Uma falta de responsabilidade nossa, até. Falta unificar o pensamento e o interesse do grupo. Eu nunca perdi o ânimo, continuo na esperança de a gente gravar um disco. Quando o negócio tá pra se encaminhar, todo mundo esquece. Não é falta de condição financeira, é falta de responsabilidade mesmo.

Tu arriscaria dar um chute sobre como estará a cena daqui a alguns anos? Eu faço votos de que a gente esteja muito melhor. Nomes novos estão surgindo, mas não é a essência do choro. Eles mudam as coisas. Outro dia eu ouvi o Luizinho [Sete Cordas, músico paulista] dizendo: “gente, vamos respeitar o choro! Vocês estão querendo colocar o carro adiante dos bois”. É isso mesmo!