Saiba como foi a primeira noite; hoje tem mais, antes do evento seguir para Parauapebas/PA, Rio de Janeiro/RJ e Belo Horizonte/MG
TEXTO E FOTOS: ZEMA RIBEIRO

Os acordeonistas Bebê Kramer e Lívia Mattos inauguraram a programação musical do Festival Plural Instrumental ontem (17), no Teatro João do Vale (Rua da Estrela, Praia Grande), em São Luís. Era uma noite de estreias, como ela salientou: do festival, do encontro dos dois instrumentistas no palco e de sua sanfona nova, “Cesária, la negra”, como batizou.
Esbanjando talento e versatilidade, gaúcho e baiana trocaram elogios mútuos – merecidos –, num repertório que ia do autoral a influências, notadamente as de Hermeto Pascoal e do argentino Astor Piazzolla (1921-1992). Muito simpáticos, cumprimentaram a “família de sanfoneiros” presentes à plateia: Rui Mário e Andrezinho, craques maranhenses do fole.
Bebê Kramer falou de uma inusitada parceria com Moacyr Luz, a quem reputou como um dos maiores compositores do Brasil. “Eu gravei um vídeo com essa melodia, na época da pandemia e uma madrugada postei em uma rede social e o Moacyr fez a letra, mas eu não vou cantar hoje. E ele colocou um título que eu não colocaria, mas ele colocou: “O sanfoneiro é bom””, disse, para deleite da plateia.
Entre os elogios que fez à colega de palco e instrumento, disse que ela era uma força da natureza e que já a viu tocando sanfona pilotando um monociclo e descendo por uma corda a muitos metros do chão. Ontem não teve nada disso, mas teve referências ao axé baiano.
Antes de tocar “Tuk Tuk”, um dos pontos altos do show, ela contou a história da música. “Eu estava no Cairo, no Egito, uma cidade de um trânsito muito louco” – o título se refere àquelas espécies de motocicletas cobertas –, “e tentava explicar para uma amiga, parceira, a relação da Bahia com o Egito”. E cantou um trechinho de “Faraó” (Luciano Gomes), sucesso de Margareth Menezes. O público ludovicense entendeu de cara, ao contrário da egípcia. Ela foi adiante e mandou ver outro trechinho, à capela, desta vez do É O Tchan: “essa é a mistura do Brasil com o Egito”. “Tuk Tuk” reflete sonoramente a loucura do trânsito do Cairo. “Não tentem fazer isto em casa”, advertiu Bebê, antes da execução.

Por falar em referências, Lívia estreou também a inédita “Forroguti”, em homenagem ao sanfoneiro Toninho Ferragutti, outra referência. E outro destaque da apresentação de ontem foi quando ela e Bebê Kramer abraçaram a mesma sanfona e tocaram um único instrumento ao mesmo tempo. Era “Vou Lá”, em que ela abriu uma exceção ao instrumental que dá nome ao festival e cantou a letra, convidando a plateia a perder a timidez e cantar o “uh, uh” de seu refrão.

O segundo show da noite marcava o encontro dos gaitistas Gabriel Grossi e Maurício Einhorn, também acompanhados, como no primeiro, por Eduardo Farias (piano, teclado e efeitos) e Cassius Theperson (bateria). Quando a dupla foi anunciada, Grossi, idealizador do festival, subiu ao palco sozinho – Einhorn subiria em sequência, após alguns números do discípulo. Ele abriu o show com “Samba pro Toots”, homenagem ao belga Toots Thielemans (1922-2016), e “Acalanto pro Einhorn”, ambas de sua autoria, revelando seus dois pilares no instrumento.
Quando o homenageado subiu ao palco atacou uma sequência de Tom Jobim (1927-1994), com “Corcovado” e “Garota de Ipanema” (parceria com Vinícius de Moraes [1913-1980]) – “que eu dedico também às garotas de São Luís”, gracejou. A cada música tocada, fazia questão de indicar os compositores e, quando possível, o ano de seu lançamento. “Para lembrar Ary Barroso (1903-1964) e Lamartine Babo (1904-1963), “No Rancho Fundo”. Essa é de 1931. Eu ia nascer no ano seguinte. Estou ficando velho”, disse. Uma mulher gritou da plateia: “lindo!”.
“Dizem que eu sou o rei dos detalhes. Mas eu não acho justo a gente omitir os compositores”, afirmou. Tocaram “Minha Saudade” (João Donato [1934-2023]/ João Gilberto [1931-2019]), em homenagem a João Donato, que estaria completando 90 anos ontem. Tocaram ainda “Asa Branca” (Luiz Gonzaga [1912-1989]/ Humberto Teixeira [1915-1979]) e “Carinhoso” (Pixinguinha [1897-1973]/ João de Barro [1907-2006]). E emendou outra história (com uma pequena variação na metragem da distância, quando contou-a em entrevista a este repórter no Balaio Cultural de ontem, na Rádio Timbira): “por pouco eu não gravei com Pixinguinha; eu ia gravar, fiquei a cinco metros dele, mas faltou energia na Rádio MEC e dispensaram a gente. Eu não dormi àquela noite”, lamentou, ele que tocou com todo mundo.
“Vocês querem mais uma?”, perguntou Grossi, ao fim do show. Ao sim da plateia, respondeu: “a gente vai pular aquela parte daquele charme de sair e voltar e faz logo o bis”. Voltou a elogiar Einhorn, lembrou o público o fato de ele ser um dos inventores do samba jazz, muito próximo de grandes nomes da bossa nova, e anunciou “Batida Diferente” (Durval Ferreira [1935-2007]/ Maurício Einhorn), com que fecharam o show.
Quando o quarteto foi se abraçar e fazer o gesto de agradecimento ao público presente, Einhorn disse: “é um prazer estar em São Luís pela primeira vez; muito obrigado pelo carinho e presença de vocês. Que venham mais algumas oportunidades antes de eu chegar aos cem, porque aos cem eu estarei “gagaita””.
Serviço – Hoje (18) a programação do Festival Plural Instrumental começa às 18h, com o encontro dos baixistas Arismar do Espírito Santo e Vanessa Ferreira; às 19h30 é a vez do trompetista Sidmar Vieira e o pianista Amilton Godoy, lenda viva, fundador do Zimbo Trio. A entrada é gratuita, com retirada de ingressos na bilheteria do teatro, uma hora antes do espetáculo. A programação completa do festival pode ser acessada no instagram.







