Dadivosa música

Foto: Zema Ribeiro

 

SÃO PAULO – O Palacete Teresa [Rua Quintino Bocaiúva, 22, Sé, São Paulo/SP] abriga a Casa de Francisca, bar que rapidamente se tornou literalmente um templo da boa música. O respeito pela prática é tanto que o serviço de bar e cozinha é suspenso durante as apresentações musicais.

Resultado: conferi a seco o bom show da cantora e sanfoneira Lívia Mattos, com participação especial de Ceumar, que a casa recebeu no último sábado (24) – também é proibido fotografar e, do mezanino, tive que me tornar um contraventor para garantir a foto que ilustra este post, ossos do ofício.

A artista subiu ao palco em uma roupa que lembra o figurino da capa de Vinha da ida, título de seu primeiro disco solo, lançado no fim do ano passado pelo programa Natura Musical – na capa do disco, a sanfona, seu instrumento, é a extensão do corpo de Lívia Mattos, artista de origem circense, como comenta ao longo da apresentação.

Ela é acompanhada de Maurício Paes (guitarra baiana e violão tenor), Rafael dos Santos (bateria) e Jefferson Babu (tuba), formação inusitada cuja soma de talentos converte o palco em picadeiro, para deleite da plateia.

Logo no começo, após um tema instrumental para aquecer banda e público, bota este para fazer o coro “uh, uh!” do refrão de Vou lá (parceria dela com o acordeonista franco-português Loïc Cordeone). Lívia vem da Bahia, onde bebeu nas fontes do circo, da antropofagia, do Tropicalismo e do universo de Glauber Rocha, como ela mesmo revela.

Melodia-a-dia (Lívia Mattos) ela oferece a “todos os circenses”. A música é um tango (circense, frise-se) que versa sobre os ofícios do circo, com o charme da tuba lembrando bandas em coretos de praças de cidades do interior.

Dessa herança circense é que provavelmente vem a força cênica de Lívia Mattos. Sua música é versátil, no tema e na melodia. “Deixa passar o que tiver de passado/ deixa ficar o que restou de sagrado”, diz a letra do xote Deixa passar (Lívia Mattos). Antes de cantar Sabia pouco do sal, gravada com a participação do pianista pernambucano Zé Manoel, contou a história da composição: “a música é a cara dele, eu acho que eu só fiz o download antes. Eu achava que só tinha feito uma parte da música, mandei para parceria, ele disse que tava pronta. Aí eu o convidei pra gravar comigo”.

Sob o céu, sobre o chão (Lívia Mattos) fecha com incidental de Alguém me avisou (Dona Ivone Lara).

Ao chamar Ceumar ao palco, sua convidada especial da noite, lembrou o show que fizeram juntas em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, com repertório inteiramente dedicado a compositoras. Ao violão, Ceumar cantou Avesso (Alice Ruiz/ Ceumar), com Lívia Mattos na sanfona, dividindo os vocais. A banda volta a ser ouvida na segunda parte da música.

A anfitriã revela que o bolero Olhos de Teresa (Lívia Mattos) são uma homenagem à sua vó. “Na identidade o nome dela é Teresinha, mas meu avô a chamava de Teresa”, contou, lembrando algumas histórias de um funcionário do cartório local que “acabou com o mapa astral de muita gente”, para gargalhadas da plateia.

“Minha avó era um ano mais velha que meu avô, então na hora do casamento ele alterou a data de nascimento, por que era feio a mulher ser mais velha do que o homem. Um irmão meu nasceu no mesmo dia de outro, anos depois; ele pensou: aniversário no mesmo dia, vai dar confusão, vamos botar que ele nasceu uns dias depois”, contou, sorrindo e fazendo sorrir.

Xote inédito de Ceumar, composto em Petrolina/PE, Você e eu deu prosseguimento ao show, com ela e Lívia Mattos descendo do palco para cantarem dançando mais próximo ao público, ocasião em que a mineira brincou com a longa cauda do vestido da baiana. O público cantou junto o refrão: “ao som do coco, do reisado e do maracatu, maracatu, maracatu/ eu fui dançando e nessa dança eu só pensava em tu, pensava em tu, pensava em tu”.

Finda a participação de Ceumar, Lívia cantou Amarear (Lívia Mattos), faixa que fecha Vinha na ida, ali gravada com a adesão de Chico César – o paraibano, cuja banda a anfitriã integra, estava na plateia, prestigiando o show.

Não presente ao disco, ela cantou ainda Floricanto, da canadense Lhasa de Sela (1972-2008). Em Mais eu (Lívia Mattos/ Jurandir Santana), um provocante diálogo de sanfona e tuba, antes do retorno de Ceumar ao palco após os tradicionais pedidos de “mais um”. Encerrando o show, cantaram juntas O que eu quero levar (Lívia Mattos/ Loïc Cordeone) – cujos versos “viver é dívida/ promessa é dúvida/ o amor é dádiva” bem servem de sinopse do show e da própria dedicação da artista (bacharel em Ciências Sociais) à música – e Vou lá, com a plateia novamente fazendo coro.

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