Grandes encontros no Festival Plural Instrumental, ontem, em São Luís

Saiba como foi a primeira noite; hoje tem mais, antes do evento seguir para Parauapebas/PA, Rio de Janeiro/RJ e Belo Horizonte/MG

TEXTO E FOTOS: ZEMA RIBEIRO

Com show inédito, Bebê Kramer e Lívia Mattos abriram o Festival Plural Instrumental, ontem (17)
Com show inédito, Bebê Kramer e Lívia Mattos abriram o Festival Plural Instrumental, ontem (17)

Os acordeonistas Bebê Kramer e Lívia Mattos inauguraram a programação musical do Festival Plural Instrumental ontem (17), no Teatro João do Vale (Rua da Estrela, Praia Grande), em São Luís. Era uma noite de estreias, como ela salientou: do festival, do encontro dos dois instrumentistas no palco e de sua sanfona nova, “Cesária, la negra”, como batizou.

Esbanjando talento e versatilidade, gaúcho e baiana trocaram elogios mútuos – merecidos –, num repertório que ia do autoral a influências, notadamente as de Hermeto Pascoal e do argentino Astor Piazzolla (1921-1992). Muito simpáticos, cumprimentaram a “família de sanfoneiros” presentes à plateia: Rui Mário e Andrezinho, craques maranhenses do fole.

Bebê Kramer falou de uma inusitada parceria com Moacyr Luz, a quem reputou como um dos maiores compositores do Brasil. “Eu gravei um vídeo com essa melodia, na época da pandemia e uma madrugada postei em uma rede social e o Moacyr fez a letra, mas eu não vou cantar hoje. E ele colocou um título que eu não colocaria, mas ele colocou: “O sanfoneiro é bom””, disse, para deleite da plateia.

Entre os elogios que fez à colega de palco e instrumento, disse que ela era uma força da natureza e que já a viu tocando sanfona pilotando um monociclo e descendo por uma corda a muitos metros do chão. Ontem não teve nada disso, mas teve referências ao axé baiano.

Antes de tocar “Tuk Tuk”, um dos pontos altos do show, ela contou a história da música. “Eu estava no Cairo, no Egito, uma cidade de um trânsito muito louco” – o título se refere àquelas espécies de motocicletas cobertas –, “e tentava explicar para uma amiga, parceira, a relação da Bahia com o Egito”. E cantou um trechinho de “Faraó” (Luciano Gomes), sucesso de Margareth Menezes. O público ludovicense entendeu de cara, ao contrário da egípcia. Ela foi adiante e mandou ver outro trechinho, à capela, desta vez do É O Tchan: “essa é a mistura do Brasil com o Egito”. “Tuk Tuk” reflete sonoramente a loucura do trânsito do Cairo. “Não tentem fazer isto em casa”, advertiu Bebê, antes da execução.

Dois talentos ao mesmo instrumento
Dois talentos ao mesmo instrumento

Por falar em referências, Lívia estreou também a inédita “Forroguti”, em homenagem ao sanfoneiro Toninho Ferragutti, outra referência. E outro destaque da apresentação de ontem foi quando ela e Bebê Kramer abraçaram a mesma sanfona e tocaram um único instrumento ao mesmo tempo. Era “Vou Lá”, em que ela abriu uma exceção ao instrumental que dá nome ao festival e cantou a letra, convidando a plateia a perder a timidez e cantar o “uh, uh” de seu refrão.

Maurício Einhorn e Gabriel Grossi
Maurício Einhorn e Gabriel Grossi

O segundo show da noite marcava o encontro dos gaitistas Gabriel Grossi e Maurício Einhorn, também acompanhados, como no primeiro, por Eduardo Farias (piano, teclado e efeitos) e Cassius Theperson (bateria). Quando a dupla foi anunciada, Grossi, idealizador do festival, subiu ao palco sozinho – Einhorn subiria em sequência, após alguns números do discípulo. Ele abriu o show com “Samba pro Toots”, homenagem ao belga Toots Thielemans (1922-2016), e “Acalanto pro Einhorn”, ambas de sua autoria, revelando seus dois pilares no instrumento.

Quando o homenageado subiu ao palco atacou uma sequência de Tom Jobim (1927-1994), com “Corcovado” e “Garota de Ipanema” (parceria com Vinícius de Moraes [1913-1980]) – “que eu dedico também às garotas de São Luís”, gracejou. A cada música tocada, fazia questão de indicar os compositores e, quando possível, o ano de seu lançamento. “Para lembrar Ary Barroso (1903-1964) e Lamartine Babo (1904-1963), “No Rancho Fundo”. Essa é de 1931. Eu ia nascer no ano seguinte. Estou ficando velho”, disse. Uma mulher gritou da plateia: “lindo!”.

“Dizem que eu sou o rei dos detalhes. Mas eu não acho justo a gente omitir os compositores”, afirmou. Tocaram “Minha Saudade” (João Donato [1934-2023]/ João Gilberto [1931-2019]), em homenagem a João Donato, que estaria completando 90 anos ontem. Tocaram ainda “Asa Branca” (Luiz Gonzaga [1912-1989]/ Humberto Teixeira [1915-1979]) e “Carinhoso” (Pixinguinha [1897-1973]/ João de Barro [1907-2006]). E emendou outra história (com uma pequena variação na metragem da distância, quando contou-a em entrevista a este repórter no Balaio Cultural de ontem, na Rádio Timbira): “por pouco eu não gravei com Pixinguinha; eu ia gravar, fiquei a cinco metros dele, mas faltou energia na Rádio MEC e dispensaram a gente. Eu não dormi àquela noite”, lamentou, ele que tocou com todo mundo.

“Vocês querem mais uma?”, perguntou Grossi, ao fim do show. Ao sim da plateia, respondeu: “a gente vai pular aquela parte daquele charme de sair e voltar e faz logo o bis”. Voltou a elogiar Einhorn, lembrou o público o fato de ele ser um dos inventores do samba jazz, muito próximo de grandes nomes da bossa nova, e anunciou “Batida Diferente” (Durval Ferreira [1935-2007]/ Maurício Einhorn), com que fecharam o show.

Quando o quarteto foi se abraçar e fazer o gesto de agradecimento ao público presente, Einhorn disse: “é um prazer estar em São Luís pela primeira vez; muito obrigado pelo carinho e presença de vocês. Que venham mais algumas oportunidades antes de eu chegar aos cem, porque aos cem eu estarei “gagaita””.

Serviço – Hoje (18) a programação do Festival Plural Instrumental começa às 18h, com o encontro dos baixistas Arismar do Espírito Santo e Vanessa Ferreira; às 19h30 é a vez do trompetista Sidmar Vieira e o pianista Amilton Godoy, lenda viva, fundador do Zimbo Trio. A entrada é gratuita, com retirada de ingressos na bilheteria do teatro, uma hora antes do espetáculo. A programação completa do festival pode ser acessada no instagram.

“Acalanto” chega a Vila Socorro e Barra do Corda este fim de semana

Apresentações gratuitas do Trio Zamoma acontecem sexta (1º.) e sábado (2)

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Moisés Ferreira, Wilson Zara e Mauro Izzy, o Trio Zamoma. Foto: divulgação

Vila Socorro, no município de Governador Eugênio Barros, recebe nesta sexta-feira (1º.), às 20h, o show “Acalanto”, do Trio Zamoma, formado por Wilson Zara (voz e violão), Moisés Ferreira (guitarra) e Mauro Izzy (contrabaixo). O evento contará com a presença do poeta Salgado Maranhão, filho ilustre do lugar, que lança, na ocasião, seu 15º. volume de poemas, o livro “Pedra de encantaria”. Na mesma noite haverá ainda o lançamento do filme “Rio Itapecuru, a revolta de D. Zefa”, do cineasta Josimar Gonçalves, também natural de Vila Socorro.

“A parceria com o Zara começou de forma inusitada: há quase 10 anos ele foi convidado para participar de uma outra homenagem que me fizeram e ele mandou super bem de cover do Raul Seixas numa noite memorável. Daí surgiu uma amizade e admiração que só se fortalecem”, relembra Salgado Maranhão.

Parceiro de nomes como Elton Medeiros, Gereba, Ivan Lins, Moacyr Luz, Paulinho da Viola, Rosa Passos e Zé Américo Bastos, entre outros, Salgado Maranhão tem sua “Caminhos de sol” (parceria com Herman Torres), sucesso de Zizi Possi, no repertório de “Acalanto”. Em Vila Socorro a apresentação acontecerá na Praça Central.

A turnê “Acalanto” tem patrocínio da Potiguar e Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma), através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão, e tem levado a diversos municípios do interior maranhense um repertório de clássicos da música popular brasileira e do pop rock nacional e internacional, sempre dialogando com manifestações culturais locais.

“Muitos eugenio-barrenses já conhecem a arte do cantor Wilson Zara. Temos um carinho muito especial por ele e este projeto é de grande relevância para o Maranhão, por possibilitar a diversas comunidades apreciar música de qualidade. Esse show certamente irá proporcionar momentos muito agradáveis em Vila Socorro”, aposta a relações públicas Heracília Oliveira, que está na organização local do evento.

No dia 2 (sábado), “Acalanto” chega a Barra do Corda. O show acontece na Praça Melo Uchoa, Centro, às 20h. “Este projeto foi idealizado no momento da pandemia e foi desenvolvido para levar uma música mais tranquila, mais suave, para que chegasse às pessoas num momento tão difícil. É muito importante para nossa cidade receber um evento como esse”, afirma o músico Cabral Marán, guitarrista da banda Engenheiros Urbanos.

A apresentação do Trio Zamoma em Barra do Corda terá um sabor todo especial, pois marca o reencontro do cantor Wilson Zara com o público de sua cidade natal.

Serviço

O quê: shows da turnê “Acalanto”
Quem: Trio Zamoma – Wilson Zara (voz e violão), Moisés Ferreira (guitarra) e Mauro Izzy (contrabaixo)
Quando/onde: dia 1º (sexta), às 20h, na Praça Central em Vila Socorro (Governador Eugênio Barros); e dia 2 (sábado), no mesmo horário, na Praça Melo Uchoa, em Barra do Corda
Quanto: grátis
Informações: no instagram @wilsonzarazara ou facebook @trilhasetons
Patrocínio: Potiguar e Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma), através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão

Goleada

Macalé, Zé Renato, Moacyr Luz e Guinga: quatro craques Dobrando a Carioca. Foto: Fernanda Torres/ Divulgação
Macalé, Zé Renato, Moacyr Luz e Guinga: quatro craques Dobrando a Carioca. Foto: Fernanda Torres/ Divulgação

Foi encerrado em grande estilo o III São José de Ribamar Jazz e Blues Festival, ontem (6), na cidade balneária terra do padroeiro. Jards Macalé, Zé Renato, Moacyr Luz e Guinga cantaram – os três primeiros revezando-se entre violão e percussão; o último apenas ao violão – para o ótimo público presente à praça da basílica.

Um público equilibrado entre moradores do lugar – uns sequer tiveram o trabalho de descer de suas calçadas, as cadeiras pelas portas da vizinhança do santo que dá nome a boa parte da população maranhense – e aqueles que fizeram de Ribamar uma espécie de cidade satélite cultural no último final de semana.

“É tão raro no Brasil, numa cidade do interior, as pessoas estarem ouvindo música popular brasileira à meia noite. Isso aqui é o futuro!”, vaticinou Moacyr Luz. Corroborando de sua profecia, passei a imaginar o que será esta produção de Tutuca Viana daqui a 10 ou 15 anos. O festival está no caminho certo, primando pela qualidade. Seu crescimento e continuidade depende de elementos externos: patrocinadores precisam acreditar que sua marca será vista por mais gente a cada ano, o poder público investir em estrutura (a sinalização da Estrada de Ribamar é precária, por exemplo) e o comércio local acreditar no potencial do evento (não há, na cidade vizinha à capital, um hotel com estrutura para receber os artistas – isto é, eles precisam se hospedar em São Luís, a mais de 30 km do local em que se apresentam). De todo modo, aposto que o São José de Ribamar Jazz e Blues Festival tem tudo para se transformar em uma nova Guaramiranga, talvez o maior evento do gênero hoje no Brasil, também realizado numa cidade do interior em um estado do Nordeste.

O repertório do quarteto no palco é completamente baseado no recém-lançado Dobrando a Carioca – Ao vivo [Biscoito Fino/ Canal Brasil, 2016], comercializado pela primeira vez ontem, em São José de Ribamar – disco e dvd haviam acabado de chegar da fábrica e puderam ser adquiridos pelos fãs que enfrentaram a fila após o show para cumprimentar o timaço.

A metáfora futebolística é plenamente cabível: são quatro grandes craques de nossa música e, não à toa, abrem o show com Um a zero (Pixinguinha/ Benedito Lacerda/ Nelson Angelo), ao final da qual Macalé sopra um apito e aponta para o centro do gramado imaginário à beira do palco, para delírio da plateia e gargalhadas de Zé Renato, posicionado a seu lado.

Ao final de Favela (Padeirinho da Mangueira/ Jorge Pessanha), há tempos presente ao repertório de Macalé, o mais performático do quarteto, ele simula um trombone, imitando o som do instrumento com a boca e movimentando as mãos como se o soprasse; depois, tira um revólver de brinquedo de um penico e simula um tiro na própria cabeça, numa crítica à violência que ainda domina os morros, berços de tantos bambas, alguns deles lembrados no set list de Dobrando a Carioca.

O show é, em sua maior parte dedicado ao samba, mas grandes momentos surgem também quando fogem do gênero, casos, por exemplo, de Vapor barato (Waly Salomão/ Jards Macalé), que fez a plateia cantar junto, e Toada (Zé Renato/ Claudio Nucci/ Juca Filho), idem.

Em Como tem Zé na Paraíba (Catulo de Paula/ Manezinho Araújo), imortalizada por Jackson do Pandeiro, Zé Renato tira onda consigo mesmo, ao entoar o verso final, “mas o diabo é que eu me chamo Zé”, ao que Macalé emenda, aproveitando a ocasião: “de Ribamar”.

Díficil escolher um ponto alto do show, em que os quatro permanecem o tempo inteiro no palco. São sublimes momentos como as interpretações de Moacyr Luz para Cachaça, árvore e bandeira (Moacyr Luz/ Aldir Blanc), merecida homenagem ao mangueirense Carlos Cachaça, com citação de Alvorada (Cartola/ Carlos Cachaça), de Guinga para Catavento e girassol (Guinga/ Aldir Blanc), imortalizada por Leila Pinheiro, e de Macalé para O mais que perfeito (Vinicius de Moraes/ Jards Macalé) e Acertei no milhar (Wilson Baptista/ Geraldo Pereira), samba de breque cuja quebradeira faz novamente Zé Renato gargalhar.

“Até pinico dá bom som/ se a criação é mais, se o músico for bom”, dizem versos de Chá de panela (Guinga/ Aldir Blanc), em que, novamente para deleite e delírio da plateia e novas gargalhadas de Zé Renato, Macalé percute o penico que esteve a seu lado (portando seus instrumentos de percussão) o show inteiro. A música que encerra o show (e o disco e o dvd) é uma homenagem a Hermeto Pascoal, com fundo tetra-autobiográfico: nunca é demais lembrar que estamos diante de quatro gigantes. O Um a zero do bis é placar pequeno diante da goleada que foi o III São José de Ribamar Jazz e Blues Festival e, particularmente, seu encerramento com este já antológico Dobrando a Carioca.

 

Um quarteto fantástico dobrando na praça da basílica

Dobrando a Carioca - Ao vivo. Capa. Reprodução
Dobrando a Carioca – Ao vivo. Capa. Reprodução

Em meio a suas carreiras solo e outros projetos, o espetáculo Dobrando a Carioca já é apresentado há 17 anos. Zé Renato, Jards Macalé, Guinga e Moacyr Luz se apresentam hoje (6), às 22h30, na programação especial que celebra os 70 anos do Sesc, encerrando o III São José de Ribamar Jazz e Blues Festival, na praça da Basílica do município. Produção de Tutuca Viana, o evento tem patrocínio da Vivo, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão.

A ideia de Moacyr Luz, que convidou os demais, vingou e acabou enveredando pelo samba, faceta comum presente às obras dos quatro. A apresentação de hoje ganha um sabor especial: acabam de sair o cd e dvd Dobrando a Carioca – Ao vivo [Biscoito Fino/ Canal Brasil, 2016], gravado em dezembro passado no Teatro Sesc Ginástico, no Rio de Janeiro. São José de Ribamar será o primeiro município em que os fãs poderão adquiri-lo e pegar autógrafos.

O repertório equilibra-se entre temas autorais e músicas de artistas reverenciados pelo quarteto. Não faltam clássicos como Catavento e girassol (Guinga/ Aldir Blanc), Vapor barato (Waly Salomão/ Jards Macalé) e Toada (Zé Renato/ Claudio Nucci/ Juca Filho), sucesso do grupo vocal Boca Livre.

Também comparecem Pixinguinha (Um a zero, que abre o show, parceria com Benedito Lacerda, que ganhou letra de Nelson Angelo), Padeirinho da Mangueira (Favela, parceria com Jorge Pessanha), Manezinho Araújo (Como tem Zé na Paraíba, parceria com Catulo de Paula, sucesso de Jackson do Pandeiro) e Geraldo Pereira (Acertei no milhar, parceria com Wilson Baptista), entre outros.

Com o tempo espremido entre um último ensaio, num salão do hotel em que estão hospedados, e a saída para o almoço e a passagem de som, Homem de vícios antigos conversou com o quarteto. Em tempo curto, os quatro desataram a falar, esbanjando bom humor, tirando sarro uns com os outros, tornando quase desnecessárias as perguntas do repórter. A entrevista começou com uma declaração de Macalé.

Da esquerda para a direita: Zé Renato, Guinga, Moacyr Luz e Jards Macalé, o Dobrando a Carioca. Foto: ZR (6/11/2016)
Da esquerda para a direita: Zé Renato, Guinga, Moacyr Luz e Jards Macalé, o Dobrando a Carioca. Foto: ZR (6/11/2016)

Jards Macalé – Eu declaro a independência do Brasil.

Como é conciliar a agenda do Dobrando a Carioca com suas carreiras solo e outros projetos?
Zé Renato – A gente vem tentando incluir o Dobrando a Carioca na nossa história profissional, na nossa trajetória. A gente tem um carinho muito grande pelo trabalho, o que dá uma motivação maior ainda.
Moacyr Luz – Uma coisa que eu nunca pensei: o Dobrando a Carioca é um exercício de despojamento que cada um de nós tem. Cada um tem sua carreira solo, faz seus shows individuais, o Zé com as coisas dele, eu com meus sambas, o Guinga, o Macalé. Quando chega aqui a gente troca mais.

É um show devotado ao samba? Foi um desembocar natural?
Zé Renato – A gente exercita a percussão. O foco maior é no samba. Não foi feito com essa intenção. É samba assim, vamos considerar o Um a zero um samba do Pixinguinha. Tem samba-canção, Como tem Zé na Paraíba, tem música que foge.
Moacyr – Guinga é o cara que gravou com Cartola, As rosas não falam, gravou com João [Nogueira], Beth Carvalho, Clara Nunes.
Guinga – Compositor brasileiro que não gosta de samba não é compositor.
Moacyr – [para Macalé] Você fez o 4 batutas e 1 coringa [disco de intérprete de Macalé de 1987, dedicado ao repertório de Geraldo Pereira, Lupicínio Rodrigues, Nelson Cavaquinho e Paulinho da Viola].
Macalé – Sim.
Guinga – [para Macalé] Tem um elemento forte, virou disco [Jards Macalé canta Moreira da Silva, de 2001], o Moreira da Silva na tua vida.
Zé Renato – O Um a zero surge dessa ideia, a gente abre o show com Um a zero por causa dessa ideia de bater uma bola [a produtora Memeca Memeca Moschkovich adentra o salão com cds e dvds na mão].
Macalé [gritando] – Deixa eu ver! A gente sente saudade uns dos outros. Eu sinto saudades deles, eles dizem que sentem saudades de mim.
Zé Renato [para Moacyr Luz] – Você sente saudade do Macalé?
Moacyr [em tom de galhofa] – Não.
Guinga – [gargalhadas]
Zé Renato – [gargalhadas]
Macalé – Ele é um sincericida.
Guinga [rindo] – Eu odeio o Macalé. Nós estamos aqui para ver se a gente se mata. Quando Moacyr convidou a gente, isso é uma coisa engraçada, ele falou assim pra gente, “vê lá, vocês têm que ter paciência um com o outro”. Pô, criador de problemas zero [referindo-se a Macalé]. Nunca tivemos um problema. Nenhum problema.
Macalé – Como não? E quando a gente se desfez lá em Fortaleza?
Guinga – Você disse que ia seguir carreira solo [gargalhadas]. Esse filho da puta, saiu uma porrada de matéria em tudo quanto é jornal, com a foto dele na capa, ele ficou nervoso. Eu me lembro que foi muito engraçado, a gente estava no café da manhã e ele não se uniu com a gente.
Macalé – Mentira!
Moacyr – A gente tava no lobby do hotel e ele chega [imita Macalé puxando uma mala com rodinhas e gargalha]
Guinga – [gargalhadas] Dois dias depois a gente chega no Rio de Janeiro, tinha saído uma foto dele nos jornais, com a perna cruzada, com uma meia preta, quadriculada. Dois dias depois, quem está sentado no calçadão, pernas cruzadas, com a mesma meia da fotografia? Esse maluco! Eu digo, não é possível! Mas você pode perguntar uma coisa a ele: essa galera aqui, tudo amigo, não cria problema, tudo humilde. Não é, Macalé?
Macalé – [enfático] Não! [gargalhadas gerais]

Você também é um sincericida?
Macalé – Eu amo esses caras.
Moacyr – Outra coisa engraçada, a gente foi fazer o primeiro ensaio, fizemos o primeiro show, começamos a viajar e a primeira coisa que eu via era hotel e horário, pra não chegar atrasado. E eu falei: “Macalé, olha você!” E o Macalé todo dia chegava 20 segundos antes do horário [risos], “eu sou o primeiro, hein? Cheguei primeiro”.
Macalé – Hoje eu cheguei primeiro.
Guinga – Você só é indisciplinado artisticamente. Mas como homem, como cidadão, é super sério. Por que artisticamente você não tem vontade de ensaiar, você esquece o tom da música. Hoje quando você perguntou [imitando Macalé]: “lá menor ou si menor?” Eu ri muito por dentro. Eu digo: há 17 anos esse filho da puta toca essa música sozinho. Você tem defeitos e tem qualidades. A gente pode falar bem da gente?
Macalé – Agora vamos à entrevista.

Claro! Além de todos já terem vindo aqui com outros projetos, qual a relação de vocês com o Maranhão?
Guinga – Eu conheci João do Vale muito jovem. Eu era aluno de Jodacil Damasceno e ele tinha um assistente, João Pedro Borges. Depois eu passei a ter aulas com João e esses caras mudaram a minha cabeça em 180 graus, impressionante. Me mostraram a música brasileira que eu não conhecia, me mostraram o violão que eu não conhecia. Eu não sabia quem era Leo Brouwer [violonista e compositor cubano], eu me formando em odontologia. Esses caras foram muito importantes. Isso influencia minha música até hoje. Eu passei a tocar violão por causa deles.
Zé Renato – Meu primeiro contato com a música do maranhão foi o Popó [o compositor Cláudio Valente] e o Sérgio Habibe [compositor, de quem o Boca Livre gravou Boi danado], quando eles se apresentavam com o Papa Légua [músico], no show Mostração.
Macalé – Eu trabalhei uma vida com João do Vale no Opinião [show que o maranhense dividiu com Zé Keti e Nara Leão]. Eu fui casado com uma irmã de Turíbio [Santos, violonista], você quer mais relação do que isso? Eu toco num violão que foi de Turíbio, com que ele ganhou prêmio internacional na França. Até hoje ele pergunta: quanto você quer no violão? João Gilberto tentou roubar, mas eu recuperei. Ele foi fazer um concerto no Rio de Janeiro e estavam procurando um bom violão. Eu emprestei, com a condição de que no dia seguinte à apresentação o violão estivesse de volta no meu apartamento. Depois eu fiquei lendo as manchetes sobre o espetáculo, passaram dois dias e nada, eu fui bater no hotel. Comprei umas goiabinhas e fiquei comendo ali embaixo, até que apareceu o Otávio Terceiro [empresário de João]. Ele disse: “João adora goiabinha”. Ele subiu, entrou no quarto e trouxe o violão. Eu troquei meu próprio violão nas [aumenta o tom de voz] minhas goiabinhas [Zé Renato gargalha]. Nesse violão só tocaram Turíbio, Paulinho da Viola, João Gilberto e eu.