O Quinteto Violado no palco do Teatro Sesc Napoleão Ewerton, ontem (15) – foto: Zema Ribeiro
Ver o Quinteto Violado ao vivo no palco é confirmar o que atestou Gilberto Gil há mais de 50 anos: eles fazem o free nordestino, abreviando e aludindo ao free jazz, a sonoridade encorpada do grupo com liberdade total para a improvisação e para aglutinar elementos da música popular, da música erudita e de folguedos da região nordestina, celebrada pelos seis músicos no espetáculo “Sertão”, apresentado ontem (15), em São Luís, no Teatro Sesc Napoleão Ewerton.
Não, você não leu errado (como um deles disse, ontem, durante o show: vocês não estão vendo errado): com o reforço do violeiro Waleson Queiros, um “viola heroe”, o Quinteto Violado é, atualmente, um sexteto, o que só reforça o groove de seu free.
Em entrevista exclusiva a este repórter, Marcelo Melo, voz e violão firmes aos 79 anos, ressaltou a disciplina como elemento fundamental para eles terem chegado onde chegaram. O cantor, compositor e violonista é o único remanescente da formação original, com o grupo tendo chegado aos 54 anos de estrada — há 10 não vinham à São Luís.
O grupo se completa com Dudu Alves (voz e teclado), Deri Santana (flauta), Sandro Lins (baixo) e Roberto Medeiros (voz e bateria). Em determinados pontos do espetáculo todos têm a oportunidade de exibir seu virtuosismo aos instrumentos. No bis, quase uma jam session, o improviso uniu temas que foram de “Baião” (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira) a “O trenzinho do caipira” (Heitor Villa-Lobos, Ferreira Gullar e Edu Lobo).
Elegantemente vestidos em roupas cujos tecidos bordados fazem referência ao gibão de couro tornado famoso por Lampião (1898-1938) e Luiz Gonzaga (1912-1989), os músicos estavam super à vontade no palco, entre o repertório, causos, histórias da trajetória e um depoimento gravado do segundo destacando a importância do Quinteto Violado para a música brasileira (o que também tinha me antecipado Marcelo Melo).
Além de Gonzaga — “Asa branca” (parceria com Humberto Teixeira), “A volta da Asa branca” (parceria com Zé Dantas) e “Acauã” (de Zé Dantas, sozinho) —, o repertório trouxe temas autorais — “Vaquejada” (Toinho Alves, Marcelo Melo e Luciano Pimentel), “Palavra acesa” (José Chagas e Fernando Filizola) —, além de nomes como Gilberto Gil — “Lamento sertanejo” (parceria com Dominguinhos) —, Milton Nascimento — “Notícias do Brasil (Os pássaros trazem”, parceria com Fernando Brant —, Alceu Valença — “Morena tropicana” (parceria com Vicente Barreto) —, e Paulo Diniz — “Pingos de amor” (parceria com Odibar) —, entre outros. A última antes do bis foi “Leão do Norte” (Lenine e Paulo César Pinheiro), uma espécie de síntese da nordestinidade.
Merece destaque também a menção ao paraibano Geraldo Vandré, cuja importância Marcelo Melo destacou, lembrando do encontro com o conterrâneo na França, quando ajudou-o a gravar “Das terras de benvirá” (1973), seu último álbum. “A ditadura militar não gostava de suas músicas e ele, como muitos intelectuais, foi obrigado a se exilar”, lembrou, para ouvir gritos de “sem anistia!” da plateia, e depois cantar “Pra não dizer que não falei as flores (Caminhando)” e “Disparada” (parceria com Théo de Barros).
Um espetáculo impecável que dá conta de reafirmar a importância da região Nordeste para a música e a cultura brasileiras, propósito de “Sertão” (que vai virar o próximo álbum do grupo), além da força do groove do free nordestino do Quinteto Violado. Vida longa!
O instrutor Nosly, em sala de aula, durante oficina Trilhas e Tons – foto: divulgação
A Praça da Cruz, no Centro de Anajatuba/MA, será palco do show de encerramento da oficina Trilhas e Tons de teoria musical aplicada à música popular, realizada até esta sexta (18), no município, fechando a sétima temporada do projeto – o show acontece sábado (19), às 19h.
Ministrada por Nosly, com coordenação de Wilson Zara e assistência de Mauro Izzy, músicos de reconhecida trajetória no cenário cultural maranhense, a formação de 20 horas-aula certifica os cursistas e o show é um momento de culminância e celebração, entre a equipe do projeto e quem participa da oficina, além do oferecimento de um espetáculo musical à população local.
Como o material didático utilizado na oficina, o show também é gratuito, com caráter de formação de plateia e prática do aprendizado em sala de aula. As atividades têm patrocínio do Instituto Cultural Vale, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, com realização da Zarpa Produções e Ministério da Cultura (MinC), do Governo Federal.
Anajatuba foi o quinto município a que a oficina chegou em 2025. “A sensação é, ao mesmo tempo de dever cumprido, mas também suscita a necessidade de que cheguemos a mais municípios e retornemos a outros. A demanda é grande, como nossa disposição e nossa alegria em trocar conhecimentos com gente tão interessada no assunto que nos move: a música popular”, afirma Nosly.
O instrutor Nosly e alunos da oficina Trilhas e Tons em Arari – foto divulgação
O show de encerramento da oficina Trilhas e Tons de Teoria Musical Aplicada à Música Popular, com Wilson Zara, Nosly e alunos da oficina, será realizado neste sábado, 12 de julho, às 18h, na Praça Major Pestana, no bairro Cruzeiro. A entrada é gratuita. Trilhas e Tons tem patrocínio do Instituto Cultural Vale, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, e realização de Zarpa Produções, Ministério da Cultura (MinC) e Governo Federal.
“O projeto Trilhas e Tons não é só uma oficina – é um movimento de fortalecimento da nossa identidade musical. Ele mostra para Arari e para o Maranhão que nossa música tem valor, que merece estudo, respeito e investimento. Fico muito feliz com o retorno da oficina ao município e tenho certeza de que os frutos desse projeto vão ecoar por muito tempo por aqui”, afirma a poeta Samara Volpony, coordenadora local do projeto.
Na próxima semana, entre os dias 14 e 18 de julho, a oficina chega ao município de Anajatuba, onde será realizada na na Câmara de Vereadores (Manoel Rosa Mendonça). As inscrições e o material didático utilizado são gratuitos.
Formação em teoria musical aplicada à música popular tem 20 horas-aula e é oferecida gratuitamente
O instrutor Nosly durante abertura de mais uma turma da oficina Trilhas e Tons, hoje, em Arari – foto divulgação
Oficina Trilhas e Tons iniciou nesta segunda (7) em Arari – foto: divulgação
A oficina Trilhas e Tons de teoria musical aplicada à música popular terá duas edições nas próximas semanas, a serem realizadas nos municípios de Arari e Anajatuba. Com patrocínio do Instituto Cultural Vale, o projeto é realizado pela Zarpa Produções e pelo Ministério da Cultura (MinC), através da Lei Federal de Incentivo à Cultura.
A formação tem 20 horas-aula e é ministrada por Nosly, com coordenação de Wilson Zara e assistência de Mauro Izzy, todos músicos de reconhecida trajetória na música popular brasileira produzida no Maranhão.
Em Arari a oficina acontece no Centro de Ensino Arimatéa Cisne (Praça Major Pestana), de 7 a 11 de julho. Em Anajatuba será de 14 a 18 de julho, na Câmara de Vereadores (Manoel Rosa Mendonça). A cada município por onde passa, a oficina é encerrada com um show, que congrega os artistas que oferecem a formação, cursistas certificados e artistas locais, numa verdadeira mostra de talentos.
“É a culminância do projeto, onde a gente vê a aplicação prática daquilo que a gente troca em cinco dias. E a gente sempre lembra que não é preciso ser músico nem ter conhecimento prévio de música para participar. Desde as aulas até o show, o projeto Trilhas e Tons é pautado pela alegria destes encontros e destas trocas”, afirma o cantor e compositor Nosly.
As inscrições, o material didático utilizado nas oficinas e a entrada nos shows são totalmente gratuitos. Em seu sétimo ano, Trilhas e Tons já certificou mais de 1.500 cursistas nas cidades por onde passou, em todas as regiões do Maranhão.
O músico Nosly ministra a oficina Trilhas e Tons – foto: acervo do projeto
Em sua sétima edição, a oficina Trilhas e Tons de teoria musical aplicada à música popular chega aos municípios de Itapecuru-Mirim e Pindaré-Mirim, nas próximas semanas. Para o primeiro, as vagas já estão preenchidas; para o segundo, as inscrições seguem abertas. Em 2025 o projeto tem patrocínio do Instituto Cultural Vale (ICV) e realização do Ministério da Cultura (MinC) e Zarpa Produções, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura.
Em Itapecuru-Mirim a formação de 20 horas-aula acontece na Escola de Música Joaquim Araújo, de 2 a 6 de junho. A oficina é ministrada pelo músico Nosly, com coordenação de Wilson Zara e assistência de Mauro Izzy. As inscrições e o material didático utilizado são gratuitos.
“A oficina itinerante Trilhas e Tons é um projeto de extrema importância educacional e cultural, à medida em que une o estudo da teoria musical aliado à prática, tendo como foco a música popular em suas diversas vertentes. Acredito que os alunos de música do nosso município terão uma grande experiência com o professor Nosly”, acredita o professor Márcio Alves Pereira, coordenador local da oficina.
Em Pindaré-Mirim a oficina acontece no Centro Cultural Engenho Central, de 9 a 13 de junho, com coordenação local de Cosme Sat. “O Engenho Central de Pindaré realiza e recebe eventos culturais das mais variadas linguagens artísticas. Receber o projeto Trilhas e Tons, para nós, é potencializar o conhecimento e a prática musical, arte milenar e universal, no Vale do Pindaré. Aproveitamos a oportunidade para agradecer a oportunidade de sediar esta importante oficina e show musical com os artistas Nosly e Wilson Zara. Acrescentamos que estamos sempre disponíveis para possibilitar ao público da região do Vale do Pindaré projetos importantes como o Trilhas e Tons”, pontua Edilson Brito, gestor geral da U. V. Engenho Central de Pindaré.
Cada turma da oficina é encerrada com a certificação dos concludentes e um show que reúne Nosly, Wilson Zara e Mauro Izzy, além de cursistas e artistas locais, oportunizando intercâmbio e mostra de talentos. As apresentações também são gratuitas, oportunizando formação de plateia a cada município porque o projeto passa. Em Itapecuru-Mirim a apresentação acontece no Espaço da Criança (Rua João Pedro Pereira, 55), dia 7 de junho (sábado), às 19h; e em Pindaré-Mirim no Centro Cultural Engenho Central, dia 14 de junho (sábado), no mesmo horário.
A primeira vez que Wilson Zara participou de um festival foi no município; “Zaratustra”, música que defendeu e ganhou prêmio de melhor letra, acabou por lhe dar sobrenome artístico
Até a próxima sexta-feira (21) o Centro Educa + Integral, em Grajaú, recebe a primeira edição da sétima etapa da oficina itinerante Trilhas e Tons, de teoria musical aplicada à música popular. Ministrada por Nosly, com coordenação de Wilson Zara e assistência de Mauro Izzy, a formação tem 20 horas aula.
Trilhas e Tons VII tem patrocínio do Instituto Cultural Vale (ICV), com realização do Ministério da Cultura (MinC) e Zarpa Produções Artísticas, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, e conta ainda com apoio da Prefeitura Municipal de Grajaú, através da Secretaria Municipal de Cultura.
Como já é tradição nos municípios por onde passa, o encerramento da oficina, com certificação dos cursistas, será marcado por um show com Nosly, Wilson Zara e Mauro Izzy, além das participações de Luis Carlos Pinheiro e Jessé Zanara, entre outros artistas locais, inclusive cursistas que participaram da formação. A apresentação acontece na Praça Raimundo Simas, às 20h, aberta ao público.
Em Grajaú a apresentação terá um sabor especial: foi lá que Wilson Zara participou pela primeira vez de um festival. No final da década de 1980, sua “Zaratustra” (parceria com Gilvandro Martins e Bebé), inspirada em “Assim Falou Zaratustra”, do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, ficou em terceiro lugar e venceu melhor letra. “Foi a primeira vez que eu participei de um festival, a primeira vez que eu ganhei um prêmio. Eu fiquei feliz”, lembra Zara, que então era bancário e estudante de Letras e, a partir da música, adotou o sobrenome artístico.
Após Grajaú, a oficina passará ainda pelos municípios de Arari, Itapecuru-Mirim, Anajatuba e Pindaré-Mirim, em datas e locais a serem definidos.
O cantor e compositor Nosly ministra a oficina Trilhas e Tons de teoria musical aplicada à música popular – foto: divulgação
A primeira parada da sétima etapa da oficina itinerante Trilhas e Tons é o município de Grajaú. As inscrições para a oficina de teoria musical aplicada à música popular já estão abertas e podem ser feitas no Centro Educa + Integral (antigo Colégio Mecenas Falcão, localizado na Praça Hilda Falcão, Porto das Pedras), em horário comercial. Qualquer interessado/a pode se inscrever, tendo ou não conhecimento prévio de música. Menores de 18 anos devem ser inscritos por seus pais ou responsáveis legais.
Com 20 horas aula de duração, a oficina acontece de 17 a 21 de março, ministrada por Nosly, com coordenação geral de Wilson Zara, assistência de Mauro Izzy e coordenação local de Luiz Carlos Pinheiro – todos artistas reconhecidos na cena cultural maranhense.
Trilhas e Tons VII tem patrocínio do Instituto Cultural Vale (ICV), através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, e realização do Ministério da Cultura (MinC) e Zarpa Produções Artísticas Ltda.
Servidor da secretaria de cultura do município de Grajaú, o cantor e compositor Luiz Carlos Pinheiro, coordenador local da oficina, relembra passagens importantes da vida cultural da cidade e destaca a importância de o município receber um evento como a oficina Trilhas e Tons VII. “Grajaú é uma cidade centenária que sempre cultuou arte, inclusive com a influência dos frades franciscanos. Possui a Banda Municipal, fundada em 10 de janeiro de 1985, ainda em atividade, sendo também Escola de Música. O Projeto Trilhas e Tons vem iniciar alunos na leitura e prática musical e incrementar a didática dos alunos da Escola de Música”, afirma o artista, que lançou o cd “O Grajaú da gente” (2017) e tem três livros publicados.
“O projeto Trilhas e Tons VII tem grande importância para Grajaú por promover o intercâmbio cultural, a integração social e, sobretudo, revelar talentos musicais adormecidos ou mesmo invisíveis”, destacou o secretário municipal de Cultura de Grajaú Sérgio Limeira, que tem dado todo o apoio para tornar a iniciativa possível.
Após Grajaú, Trilhas e Tons VII passará ainda pelos municípios de Arari, Itapecuru-Mirim, Anajatuba e Pindaré-Mirim, em datas e locais a serem definidos.
O poeta Fernando Abreu e o guitarrista Lucas Ferreira em apresentação no Teatro Cazumbá, ano passado – foto: divulgação
Fã incondicional de Robert Nesta Marley e Robert Allen Zimermann, os dois “Bobs” mais influentes da música mundial, o poeta maranhense Fernando Abreu acalentou durante anos a ideia de fazer um recital com canções dos dois artistas entremeados com poemas de sua autoria que de alguma forma dialogassem com as canções. Na cabeça tinha o título e o repertório, faltavam apenas a hora e o lugar certos.
Há três anos, a convite da jornalista, produtora e DJ Vanessa Serra, o poeta levou da cabeça para o palco o recital “Bob & Bob – I and I”, na retomada do projeto Vinil e Poesia, voltado para as conexões possíveis entre o texto poético e a canção popular. O resultado foi animador o suficiente para garantir ímpeto para insistir na proposta.
A segunda apresentação se deu ainda em 2023, no Teatro Cazumbá, onde, tal como na estreia, Fernando Abreu subiu ao palco munido de seu próprio violão, acompanhado pelo jovem guitarrista Lucas Ferreira, sobrinho do poeta, compositor, factotum e vocalista da banda roqueira Babycarpets, ex-garotos de vinte e poucos anos ligados em psicodelia, experimentação, Stooges e – Bob Dylan.
Nesta quarta-feira, ainda no clima das comemorações pelos 80 anos de nascimento de Bob Marley (1945-1981), o showrecital está de volta, dessa vez como atração do projeto Quarta no Solar. Mas o que era uma dupla dessa vez ganha ares de banda folk, com a adição de contrabaixo, cozinha rítmica e um inusitado violino, fazendo referência ao clássico “Desire”, álbum lançado por Dylan em 1976 onde o instrumento pontifica em todas as nove faixas, pelas mãos da enigmática Scarlet Rivera. O “sarau” conta ainda com a participação especial de Aziz Jr., tocando “Negro Amor”, versão de Péricles Cavalcanti e Caetano Veloso para “It’s All Over Now, Baby Blue”, imortalizada por Gal Costa em “Caras e Bocas” (1977).
Durante cerca de uma hora, a trupe passeia por várias fases da extensa obra de Dylan e Marley, costurando canções e poemas pinçados dos livros do poeta, à exceção de dois inéditos que estarão em um novo livro, a ser publicado ainda neste ano. Além de “Negro Amor”, o repertório ganha também “Señor”, em versão despojada mais próxima da leitura de um Willie Nelson. Na “faixa-bônus” de encerramento permanece a cáustica “Babylon System”, de Marley: “We refuse to be/ what you wanted us to be/ we are what we are/ that’s the way it’s going to be”. (“Nós nos recusamos a ser/ o que vocês querem que a gente seja/ nós somos o que somos/ e é assim que vai ser”).
De um total de 11 canções, oito são cantadas no inglês original. As exceções são “Small Axe”, canção guerreira dos primórdios dos Wailers que virou “Machado Afiado”, na versão livre de Abreu em parceria com o poeta Celso Borges (1959-2023). O célebre refrão do hino imortalizado pela banda The Gladiators ganha sabor marcadamente regional, mas não menos ameaçador: “você me dá pão e circo/ querendo se dar bem/ mas o pau que dá em Chico/ dá em Francisco também”.
Da fase cristã de Dylan, “Um dia você vai servir a alguém” é a segunda canção entoada na língua pátria, versão de outro convicto dylanófilo, Vitor Ramil, para “Gotta serve somebody”.
A trinca se completa com a longa “Simple Twist of Fate”, onde a dupla de poetas se permitiu um nível tal de liberdade a ponto de homenagear o cantor Chico Maranhão, que aparece citado na música. Libertinagens à parte, os poetas acreditam ter se mantido fiel ao espírito da canção gravada por Dylan em “Blood on the tracks”, de 1975.
Além de reafirmar conexões entre poesia e música popular, o recital presta um despretensioso tributo a dois heróis culturais do século XX. Dylan, um dos construtores do rock como obra de arte, ganhador do Nobel, e Marley, o único superstar mundial egresso de um país na periferia do capitalismo, autor de “Exodus”, disco considerado o mais importante do século XX pela revista Time. “Não tenho conhecimento de nenhuma iniciativa que una a obra desses dois bardos pop, que tem muito mais a ver entre si do que seus primeiros nomes: uma obra capaz de despertar identificação com pessoas do mundo inteiro em gerações diferentes. É isso que celebramos sempre que subimos ao palco com essas canções”, pontua Fernando Abreu.
Roots, rock, reggae! – Quando o rasta diz “I and I”, está dizendo: eu, meu espírito em unidade com o sagrado e com todas as coisas. Quando Bob Dylan gravou “Infidels”, em 1983, levou dois rastamen da gema para o estúdio: os lendários Sly Dunbar e Robbie Shakespeare (1953-2021). A presença da dupla garantiu que o reggae se insinuasse por todas as oito faixas, a partir do baixo e da bateria, incluindo a clássica “Jokerman”. Quem tiver ouvidos que ouça. Mas não é tudo: o disco, que pode ser chamado (com algum exagero, claro), de o disco “rasta” de Bob Dylan, traz ainda uma canção de complexo misticismo, chamada justamente “I and I”, uma canção que ameaça se transformar em reggae a cada virada de bateria.
Dylan deve ter sacado que a expressão rasta traduz o mesmo sentimento de comunhão universal a partir da experiência individual experimentado, por exemplo, por Walt Whitman (1819-1892), e que resultou em “Folhas de Relva”, especialmente no poema “A Canção de Mim Mesmo”. O mesmo que termina dizendo “sou amplo, contenho multidões”. Pois não custa lembrar que o último disco do agora octogenário bardo, “Rough and Rowdy Ways”, lançado em 2022, traz uma canção calcada na obra de Whitman, chamada “I Contain Multitudes” (Eu Contenho Multidões). I and I. O Ciclo se fecha.
Certificação em Codó, após oficina realizada no município em edição anterior do projeto – foto: divulgação
A Oficina “Trilhas e Tons”, de teoria musical aplicada à música popular, após três anos, volta a percorrer municípios maranhenses levando formação prática a músicos e curiosos em geral.
Com patrocínio do Instituto Cultural Vale (ICV), através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, e realização do Ministério da Cultura (MinC), a oficina é ministrada pelo cantor e compositor Nosly, com coordenação do músico Wilson Zara e assistência de Mauro Izzy, todos eles artistas reconhecidos na cena cultural maranhense.
Com carga horária de 20 horas-aula, distribuídas em cinco encontros ao longo de uma semana, a oficina percorrerá os municípios de Grajaú, Arari, Itapecuru-Mirim, Anajatuba e Pindaré-Mirim, oferecendo 30 vagas em cada um deles.
O projeto retoma uma estrada comprida, que vem sendo pavimentada por experiências de trocas, entre sua equipe e cada um/a que se inscreve para uma nova etapa. Já foram mais de 50 oficinas realizadas, com mais de 1.000 cursistas certificados.
“Estamos muito contentes em poder retomar este trabalho, de voltar a levar uma formação rápida, que estimula o fazer artístico e aprimora o trabalho de quem já tem algum envolvimento com este meio. São números que nos dão orgulho, porque a gente sabe das dificuldades para torná-los realidade. A gente não quer lamentar o tempo em que ficamos parados por motivos de força maior, mas somar mais empenho por mais alunos concluindo esta formação, porque a gente já percorreu uma estrada grande e bonita, mas ainda há muito por fazer”, projeta Nosly.
A cada município, encerrando as oficinas, Nosly, Wilson Zara e Mauro Izzy apresentarão um show, gratuito e aberto ao público em geral, com a participação de artistas locais e de cursistas que concluíram as atividades, num momento de comunhão e demonstração prática dos conhecimentos adquiridos.
A primeira oficina desta nova etapa acontecerá em Grajaú/MA, entre os dias 17 e 21 de março – o local de inscrições e realização da oficina serão divulgados em breve. As inscrições, oficinas e material didático são gratuitos.
Hamilton de Holanda e Mestrinho no palco do Festival Ilha Sinfônica, ontem (29) – foto: divulgação
Os telões que ladeavam o palco do Ilha Sinfônica mostraram: coreiras do Tambor de Crioula de Mestre Felipe dançando tango, enquanto Hamilton de Holanda (bandolim) e Mestrinho (sanfona) tocavam “Libertango” (Astor Piazzolla). A imagem sintetiza a proposta do festival, que juntou música clássica e música popular, com um elenco que uniu a Orquestra Ilha Sinfônica (formada por músicos ludovicenses para o evento) aos dois citados, expoentes em seus instrumentos, além de nomes já bastante conhecidos da cena local, incluindo o homenageado da noite, o cantor e compositor César Nascimento.
A apresentação de Hamilton de Holanda e Mestrinho, que pela primeira vez tocaram juntos em São Luís, começou com “Canto de Xangô” (Baden Powell e Vinícius de Moraes) e baseou-se no repertório de Canto da Praya (Deck, 2020), álbum que lançaram juntos. Em aproximadamente uma hora de apresentação, desfilaram temas como “Escadaria” (Pedro Raimundo), “Te Devoro” (Djavan) – juntos cantaram o refrão, para delírio da plateia –, “Drão” (Gilberto Gil) – cantada por Mestrinho –, “Afrochoro” (Hamilton de Holanda), “Evidências” (José Augusto e Paulo Sérgio Valle), que o público cantou a plenos pulmões, “Isn’t She Lovely” (Stevie Wonder) e “Palco” (Gilberto Gil). No bis, “Te Faço Um Cafuné” (José Abdon).
Antes da dupla, o Quarteto de Cordas da Orquestra Ouro Preto preparou o terreno. Hamilton de Holanda e Mestrinho ainda voltariam ao palco com a Orquestra Ilha Sinfônica, regida por Jairo Moraes e pelo regente convidado Rodrigo Toffolo (maestro da Orquestra Ouro Preto); o primeiro solou “Bela Mocidade” (Donato Alves) e o segundo, “Engenho de Flores” (Josias Sobrinho). A apresentação da orquestra marcou também o lançamento de “Valsa Ludovicense” (César Nascimento), disponível nas plataformas digitais desde 8 de setembro, aniversário de São Luís.
A Orquestra Ilha Sinfônica acompanhou artistas como Nosly (que cantou e tocou violão em “June”, parceria sua com Celso Borges), o idealizador e produtor do evento Emanuel Jesus (“Filhos da Precisão”, de Erasmo Dibell), Adriana Bosaipo (cantora (e compositora) talentosa que errou a letra de “Eulália”, de Sérgio Habibe) e César Nascimento, que se emocionou ao relembrar “Ilha Magnética”, já um clássico de sua autoria, e “Corêro” (Josias Sobrinho), que encerrou a noite da orquestra com todos os participantes cantando junto, no palco. O Bumba Meu Boi Unidos de Santa Fé, sob o comando de Zé Olhinho ainda se apresentaria.
O cerimonial anunciou que ano que vem tem mais, encerrando o mês de aniversário da capital brasileira do reggae, do bumba meu boi e do tambor de crioula. Tenho certeza que todos os presentes à praça lotada ontem (29) já aguardam ansiosos.
O grupo SaGrama se apresentou sábado (27) em São Luís. Foto: Zema Ribeiro
Originalmente formado para um trabalho de uma disciplina no Conservatório de Música de Pernambuco, o SaGrama está há 28 anos em atividade e passou pela primeira vez por São Luís do Maranhão no último fim de semana.
Sérgio Campelo (flautas, arranjos e direção artística), Ingrid Guerra (flautas), Crisóstomo Santos (clarinete e clarone), Cláudio Moura (viola nordestina, violão, arranjos e codireção), Aristide Rosa (violão), João Pimenta (contrabaixo acústico), Antônio Barreto (marimba, vibrafone e percussão), Tarcísio Resende (percussão), Dannielly Yohanna (percussão) e Isaac Souza (percussão) fizeram duas apresentações impecáveis sábado passado (27) no Teatro Sesc Napoleão Ewerton.
A circulação que trouxe o SaGrama até a ilha, patrocinada pelo Instituto Cultural Vale, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, estava programada para 2020, mas foi adiada pela pandemia de covid-19. O grupo tornou-se nacionalmente conhecido ao assinar a trilha sonora de “O Auto da Compadecida”, filme/série de Guel Arraes baseado na obra de Ariano Suassuna (1927-2014).
Equilibrando-se na linha tênue entre música clássica e música popular, o grupo passeou por diversas fases de sua trajetória – sua discografia já inclui 10 álbuns, em apresentações marcadas pelo passeio por sua obra autoral, em que destacam-se as criações de Sérgio Campelo e Cláudio Moura, e de nomes como Dimas Sedícias (1930-2001) e Luiz Gonzaga (1912-1989).
A música do SaGrama tem uma carga dramatúrgica, com as notas musicais (que explicam a origem do nome do grupo) desenhando paisagens e evocando imagens e memórias. Quem ou/viu ao vivo a execução das peças da trilha sonora de “O Auto da Compadecida”, por exemplo, lembrou de cenas e personagens deste clássico do cinema nacional.
Mas a capacidade que o grupo tem de despertar a imaginação de seu público tem um quê de magia. Dois momentos da apresentação são ótimos exemplos disso. A suíte “Aspectos de Uma Feira” (Dimas Sedícias), que em três movimentos (“Alba”, “Ceguinha Jesuína” e “Maria, Maria, Mariá”) evoca o amanhecer em que uma feira vai se configurando no interior nordestino, com o barulho típico dos vendedores chamando a atenção para seus produtos (momento em que todos os integrantes do SaGrama cantam seus pregões), uma cega que canta pedindo esmolas (brilhantemente interpretada pela flautista Ingrid Guerra, com Cláudio Moura e Dannielly Yohanna depositando-lhe a caridade em sua cuia) e o ambiente dos repentistas e artistas de rua. E o “Boi Babá” (Dimas Sedícias), que além de demonstrar que o bumba meu boi está presente em outros lugares além do Maranhão, acompanha seu ciclo de nascimento, morte e ressurreição, no canto/aboio do percussionista Tarcísio Resende.
Antes da execução de “Boi Babá”, Campelo elogiou a beleza do bumba meu boi maranhense, falou da alegria de ter assistido à manifestação durante a passagem pela cidade e anunciou que o grupo cometeria a ousadia de tocar um boi em pleno Maranhão – o repertório do grupo passeou por cirandas, guerreiros, cocos, maracatus, baiões e frevos. Ao final da música, perguntou, modesto, para gargalhadas e aplausos da plateia: “presta?”.
Do repertório, é possível destacar ainda temas como “Eh! Luanda” (Capiba [1904-1997]) – um raro maracatu, de 1952, do compositor, mais conhecido por seus frevos – e “Palhaço Embriagado” (Sérgio Campelo), ambas do primeiro disco do grupo, lançado em 1998, além de “Mundo do Lua”, um pot-pourri que costura sucessos de Luiz Gonzaga, e “Vassourinhas” (Matias da Rocha/ Joana Batista Ramos), já no bis, encerrando a apresentação em alto astral, clima de carnaval e deixando um gosto de quero mais no público presente.
Na maior parte do espetáculo, manter-se sentado era um exercício difícil: aqui e acolá o espectador era transportado aos ciclos carnavalesco e junino pernambucanos, numa demonstração inequívoca do poder da música do SaGrama. Em setembro a circulação chega a Belém do Pará.
Grupo pernambucano chega à São Luís este mês, com oficina e espetáculo musical em duas sessões
O grupo pernambucano SaGrama, um dos mais importantes da música instrumental brasileira em atividade, chega à São Luís nos próximos dias 26 e 27 de maio, em circulação originalmente programada para 2020 – quando completou 25 anos de atividade –, interrompida pela pandemia de covid-19.
A circulação inclui espetáculos musicais e atividade formativa, e é patrocinada pelo Instituto Cultural Vale, com incentivo do Ministério da Cultura (MinC), através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, e apoio do Sesc Maranhão, Rádio Universidade e Rádio Timbira. A realização é da Atos Produções, Ministério da Cultura e Governo Federal – União e Reconstrução.
História – O SaGrama surgiu em 1995, por iniciativa do flautista e professor Sérgio Campelo, no Conservatório Pernambucano de Música. O grupo se equilibra na linha tênue entre a música erudita e a música popular, valorizando as tradições culturais nordestinas.
Em 1998 o grupo gravou a trilha sonora original da série/filme “O Auto da Compadecida”, de Guel Arraes, baseada na obra de Ariano Suassuna (1927-2014), veiculada pela Rede Globo. O SaGrama realizou diversas outras trilhas sonoras, dividiu palcos no Brasil e no exterior, com artistas como Alceu Valença, Antonio Nóbrega, Maestro Spok, Silvério Pessoa, Quinteto Violado e Elba Ramalho – cujo cd/dvd “Cordas, Gonzaga e Afins” (produzido por Sérgio Campelo e Tostão Queiroga), de 2015, venceu o 27º. Prêmio da Música Brasileira nas categorias melhor álbum e melhor cantora no ano seguinte e foi indicado ao Grammy latino na categoria Música de raízes em 2017.
Formação – O grupo tem 10 cds lançados, sendo o mais recente “Na Trilha de Uma Missão” (2022), com o cantor Gonzaga Leal, com canções baseadas na pesquisas das Missões Folclóricas (1938) do escritor e musicólogo Mário de Andrade (1893-1945). Atualmente o grupo é formado por Sérgio Campelo (flautas, arranjos e direção artística), Ingrid Guerra (flautas), Crisóstomo Santos (clarinete e clarone), Cláudio Moura (viola nordestina, violão, arranjos e codireção), Aristide Rosa (violão), João Pimenta (contrabaixo acústico), Antônio Barreto (marimba, vibrafone e percussão), Tarcísio Resende (percussão), Dannielly Yohanna (percussão) e Isaac Souza (percussão).
Programação em São Luís – Dia 26 de maio (sexta-feira), das 15h às 18h, o percussionista Tarcísio Resende ministra a oficina “O mundo da percussão reciclável”, no novo prédio do Curso de Música da Universidade Estadual do Maranhão (Uema, Rua da Palma, 316, Praia Grande).
Dia 27 (sábado), é a vez de o SaGrama fazer duas apresentações musicais, no Teatro Sesc Napoleão Ewerton (Condomínio Fecomércio, Av. dos Holandeses, qd. 24, s/nº, Jardim Renascença II): às 16h e às 20h. A primeira sessão é exclusiva para escolas públicas e instituições que trabalhem a inclusão social através da cultura; a segunda, aberta ao público, com o ingresso sendo trocado por um livro (para doação a bibliotecas comunitárias), a partir de duas horas antes do início do espetáculo.
Após a primeira sessão, integrantes do grupo conversam sobre ritmos nordestinos com a plateia (professores e alunos de escolas públicas e instituições que trabalhem com inclusão social através da música), permitindo um maior mergulho do público na obra do SaGrama e nos diversos ritmos tocados pelo grupo. Serão abordados ainda a trajetória, as fontes de referência e a diversidade e riqueza dos ritmos musicais do Nordeste brasileiro. A conversa é, obviamente, ilustrada musicalmente, para identificação e assimilação dos referidos ritmos – o encontro foi pensado como contrapartida social do projeto.
Serviço – SaGrama em São Luís
O quê: Oficina “O mundo da percussão reciclável” Quem: Tarcísio Resende, percussionista do SaGrama Quando: 26 de maio (sexta), das 15h às 18h Onde: novo prédio do Curso de Música da Universidade Estadual do Maranhão (Uema, Rua da Palma, 316, Praia Grande). Quanto: grátis
O quê: apresentações musicais Quem: SaGrama Quando: 27 de maio (sábado), às 16h e 20h Onde: Teatro Sesc Napoleão Ewerton (Av. dos Holandeses, qd. 24, s/nº, Jardim Renascença II) Quanto: primeira sessão gratuita (para escolas públicas e instituições que trabalhem a inclusão social através da cultura); segunda sessão, troca de ingresso por um livro (para doação a bibliotecas comunitárias) a partir de duas horas antes do início do espetáculo.
Patrocínio: Instituto Cultural Vale, com incentivo do Ministério da Cultura (MinC), através da Lei Federal de Incentivo à Cultura Apoio: Sesc Maranhão, Rádio Universidade e Rádio Timbira Realização: Atos Produções, Ministério da Cultura e Governo Federal – União e Reconstrução.
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Ouça “Na Trilha de Uma Missão”, de SaGrama e Gonzaga Leal:
Operador de áudio da emissora desde 2011, ele produzirá e apresentará “Tambores do Maranhão”, que vai ao ar aos sábados, às 21h
Luiz Barreto volta à programação da Rádio Timbira. Foto: Leno Edroaldo. Divulgação
Neste sábado (5), às 21h, a Rádio Timbira AM (1290KHz) estreia, em sua grade, mais um programa voltado à cultura. Trata-se de “Tambores do Maranhão”, que marca o retorno do operador de áudio Luiz Barreto ao microfone da emissora da Rua da Montanha Russa.
O programa se soma aos esforços de valorização da cultura pela emissora, que já tem em sua grade “Coisa Nossa” (de segunda a sexta, às 17h, com José Raimundo Rodrigues), “Balaio Cultural” (aos sábados, das 13h às 15h, com Gisa Franco e este repórter), “Baião de dois” (domingos, ao meio-dia) e “Forró para todos” (domingos, das 13h às 15h), estes dois últimos em cadeia com a Educadora FM baiana e outras emissoras públicas nordestinas, repetindo molde e êxito do Giro Nordeste, com foco na música popular produzida na região.
Luiz Barreto começou a trabalhar na emissora em 2011, como estagiário da Faculdade Estácio São Luís, onde estudou jornalismo. Firmou-se na função e desde 2012 ele apresentou o “Timbira Amanhece”, depois “Viva nossa gente” e finalmente “Maranhão especial”, até meados de 2015. Vem daí o apelido-bordão “o seu camarada”, que o acompanha até hoje.
No programa de estreia, Barreto entrevistará o violonista e cantor Roberto Ricci, que aproveita a ocasião para lançar seu novo disco, “Mágica visão”. O programa terá ainda um quadro, intitulado Poesia à beira-mar, dedicado a poetas consagrados e revelações e deve ir além de manifestações como o bumba meu boi e o tambor de crioula, abrindo espaço para nomes da nova geração, dos mais variados estilos.
Também cantor e compositor, com experiência em grupos de bumba meu boi e blocos tradicionais, Luiz Barreto conversou com exclusividade com Homem de vícios antigos.
ZEMA RIBEIRO – O que significa para você, operador de áudio da Rádio Timbira, voltar a apresentar um programa voltado à cultura popular do Maranhão? LUIZ BARRETO – É motivo de grande satisfação e alegria, já que tenho 20 anos dedicados à cultura popular como cantor e compositor, ou seja, me identifico bastante com nossas manifestações, além do que, o tempo em que apresentei o “Viva nossa gente”, que depois passou a se chamar “Maranhão especial”, foi um momento importante, quando novamente pude contribuir com a cultura de nosso estado, desta vez na comunicação social. Vejo essa nova oportunidade como um reencontro com os apreciadores e fazedores de cultura popular no Maranhão.
ZR – “Tambores do Maranhão” é um ótimo nome. Como você chegou a ele? Alguma influência d'”Os tambores de São Luís”, clássico de Josué Montello? LB – Sim. Teremos um quadro de poesia no programa, apresentando poetas maranhenses já consagrados e abrindo espaço para novos poetas mostrarem seu trabalho. Sem falar que nossa cultura tem enorme influencia dos tambores indígenas e dos negros escravizados, portanto, “Tambores do Maranhão” me pareceu um nome bastante sugestivo.
ZR – Roberto Ricci é o entrevistado do programa de estreia, uma estreia com o pé direito. Qual a importância deste inspirado violonista para a cultura popular do Maranhão? LB – Ricci é um ícone da nossa música e da cultura popular maranhense. Um cara que já cantou nos principais grupos de bumba meu boi, nos sotaques de orquestra e matraca, como Axixá e Maracanã. Vários blocos tradicionais já venceram carnavais com sambas compostos por ele. Enfim, fico muito feliz de poder entrevistá-lo no primeiro programa, oportunidade em que será lançado seu novo cd, intitulado “Mágica visão”.
ZR – O que mais o teleouvinte da Timbira pode esperar de “Tambores do Maranhão”? LB – Muita música, entrevista, poesia, dicas, sempre com muito alto astral. Teremos um quadro que já pensei, estamos elaborando para ir ao ar, mas não posso dar detalhes ainda. É surpresa, mas prometo que será muito bacana.
ZR – “Tambores do Maranhão” tem como foco a cultura popular do Maranhão, mesma pauta do “Coisa Nossa”, de José Raimundo Rodrigues. Qual será o diferencial, além do dia e do fato de ser semanal e da duração? LB – Zé Raimundo é um ícone da comunicação. Eu cresci vendo essa grande mestre se destacar em tudo que fez, ele é referência para muita gente, e não teria como não ser pra mim também. Aliás, sinto orgulho enorme em hoje em dia, tê-lo como colega de profissão, e estar ao lado dele de segunda a sexta no “Coisa Nossa” da Timbira, onde sempre tento colaborar com o repertório ou uma ideia. Para o “Tambores do Maranhão” estamos preparando um programa bem dinâmico, sempre com um entrevistado para falarmos de cultura popular e buscando, a cada sábado, novidades para atrair os ouvintes.
ZR – “Tambores do Maranhão” se alia a programas culturais consolidados, como o “Coisa Nossa”, apresentado por José Raimundo Rodrigues, o “Balaio Cultural”, que eu faço com Gisa Franco (e é invariavelmente operado por você), e os programas “Baião de dois” e “Forró para todos”, que a emissora realiza em cadeia com a Educadora FM baiana e outras emissoras públicas nordestinas. O Nordeste acabou se tornando um foco de resistência cultural diante do desmonte sistemático de políticas públicas para o setor pelo governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro, a começar pela extinção do Ministério da Cultura. O que você tem a declarar sobre o assunto? LB – É, de fato, lamentável a forma como nossa cultura tem sido tratada, mas como você mesmo disse na pergunta, o nordestino é resistente, e eu garanto que resistiremos, e permaneceremos, enquanto eles passarão.
Com carga horária de 20 horas, oficinas acontecerão em 12 cidades maranhenses. Informações sobre inscrições serão disponibilizadas via facebook
Os músicos Wilson Zara e Nosly em Pedreiras, durante primeira edição de Trilhas e Tons. Foto: divulgação
A partir de hoje (14), Dom Pedro, distante 319 km da capital São Luís, é a primeira a receber os músicos Nosly e Wilson Zara, com a segunda edição da oficina “Trilhas & Tons – teoria musical aplicada à música popular”. O projeto tem patrocínio da Companhia Energética do Maranhão (Cemar), através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura. A primeira edição, realizada em 2013, contemplou 10 municípios.
Para Wilson Zara, coordenador do projeto, a ideia é “proporcionar uma espécie de nivelamento musical a quem já começou, de algum modo, a prática da música popular, em aulas práticas e teóricas”. Cada oficina tem carga horária de 20 horas-aula, divididas em cinco dias (sempre de segunda a sexta-feira). Os participantes receberão certificado.
“Na primeira edição, em 2013, superamos a expectativa de público: a previsão era de 300 inscritos, foram 321. Ainda assim a demanda era grande, muita gente perguntando quando levaríamos o projeto para suas cidades”, comentou Zara, sobre a ampliação do alcance das oficinas nesta nova edição. Mantida a média, a expectativa é pela capacitação e certificação de 360 pessoas nas 12 cidades por onde o projeto passará, em datas a serem ainda definidas: Açailândia, Balsas, Carolina, Codó, Coelho Neto, Humberto de Campos, Pinheiro, Santa Inês, São João dos Patos, Vargem Grande e Viana, além de Dom Pedro, por onde se inicia o itinerário.
Nosly e Zara contemplarão ainda cinco das 12 cidades por onde o projeto passar com um show musical. O critério para a escolha das cidades que receberão suas apresentações musicais será a menor oferta de atividades culturais. Entre os objetivos do projeto estão o enriquecimento artístico-cultural do público contemplado, o fomento e o despertar de novos interessados no envolvimento com a arte da música e, entre outros, a inclusão social por meio do uso do lúdico, particularmente a música.
“Esta será uma forma de ampliar nosso contato com as cidades. Um show aberto e gratuito, em local público, para além das 30 pessoas que se inscreverem na oficina daquele município, mostrando um pouco, na prática, o que será passado na teoria em cinco tardes de convívio artístico”, entusiasma-se Nosly.
Interessados em se inscrever nas oficinas deverão ficar atentos às informações disponibilizadas na fan page do projeto no facebook (Trilhas e Tons).
Trupe que gravou o LP “Lances de agora”, de Chico Maranhão, em 1978. Da esquerda pra direita: Sérgio Habibe, Paulo Trabulsi, Ubiratan Sousa, Chico Saldanha, Rodrigo Croce, Chico Maranhão, Ronald Pinheiro, Valdelino Cécio, Zezé da Flauta, Antonio Vieira e Vanilson Lima. Foto: Reprodução de “Em ritmo de seresta” (de onde copiei a legenda)
Nos últimos tempos novos trabalhos sobre música popular e identidade cultural no Maranhão vão recolocando um tema que se tornou, aos poucos, incômodo entre os músicos e controverso entre comentaristas, apesar de relativamente aceito entre radialistas e produtores locais: a categoria música popular maranhense ou MPM. Uma referência obrigatória encontra-se ainda em 2004, no debate entre Ricarte Almeida Santos e Chico Maranhão, em dois artigos claros e densos, onde se colocou, de um lado, a inadequação restritiva do termo, utilizado a partir de meados da década de 80, considerado apenas uma receita de sucesso atrelada à estetização de ritmos populares com que se tentou reduzir a produção musical do Maranhão; de outro, foram enfatizadas as condicionantes históricas que teriam propiciado o seu surgimento, o sentido da “construção de uma canção maranhense moderna”.
Nas palavras do próprio Chico Maranhão: “Naquele momento, a afirmação de nossa identidade era mais importante, e a música popular um veículo significativo, embora naquela época inconsciente. (…) Isto continha um enorme peso estimulador criador na época. Demos a cara pra bater e ascendemos (sic) a fogueira que ainda hoje se vê a brasa arder. Éramos muito jovens e necessitávamos responder às ressonâncias que pairavam nos céus do país. Desta forma, qualquer análise sobre esta sigla MPM tornar-se-á vã se não tivermos clareza desses aspectos mórficos históricos de sua ‘adoção’”.
Em 2005, Roger Teixeira apresentou a monografia Xô do Mato, Boca de Lobo e Rabo de Vaca: a trajetória da música popular maranhense nos anos 70. Trabalho direto, sem trololó acadêmico, escrito acima de tudo por um ouvinte e admirador confesso dos compositores em questão, coloca de maneira sucinta, mas informada, praticamente todas as figuras em cena, com algumas histórias ótimas, daquelas de algibeira, onde afloram traços pessoais e situações emblemáticas do período.
Ao final, o autor afirma que as experiências ocorridas mais ou menos no mesmo momento no Ceará (Fagner, Belchior e Ednardo), no Recife (Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho) e na Bahia (Novos Baianos), além de Minas (Clube da Esquina), foram incorporadas à chamada MPB, tendo seus artistas rumado para o grande centro, o que não ocorreu no caso da geração laborarteana, seja por questões financeiras ou por convicções pessoais, pois “ir para o centro do país seria concordar que fazer música no Maranhão não poderia dar certo”.
O passo seguinte foram as monografias de músicos participantes do Rabo de Vaca. Em 2010, o trabalho do baixista Mauro Travincas, Rabo de Vaca: memória de uma geração musical, onde recupera a trajetória do grupo fundamental que existiu entre 1977 e 1982, capitaneado por Josias Sobrinho, dando continuidade nas experiências com ritmos e melodias levadas a efeito no Laborarte em meados da década e com uma postura decidida de tocar em praças e espaços comunitários na periferia, não ficando preso a apresentações em teatros. Curiosamente, o único show realizado no principal palco da cidade, o Teatro Arthur Azevedo, seria também o último do grupo.
Em 2011, o trabalho do flautista José Alves Costa, A Música Popular Produzida em São Luís na Década de Sessenta do Século XX, sobre o momento anterior ao Laborarte, quando a cena musical da Ilha era dominada pelos programas de auditório, no rádio e depois na televisão, e os grupos de acompanhamento eram no estilo “regional”, com violões, cavaquinho, baixo, percussão e algum instrumento solista, como o sax. Um pouco depois, conjuntos de baile, com formação básica dos grupos de rock, guitarras, baixo, bateria e teclados, como Nonato e Seu Conjunto e Os Fantoches, com vasta influência da Jovem Guarda, mas também de toda tradição dançante dos boleros e outros ritmos com toques caribenhos.
Bandeira de aço. Capa. Reprodução
No ano passado, foi a vez da monografia de Josias Sobrinho, Aquém do Estreito dos Mosquitos: a música popular maranhense como vetor de identidade. Para o compositor, a construção da música popular maranhense significa a inserção de sua cultura de raiz popular no universo da música popular brasileira, ou seja, os ritmos do bumba boi, principalmente, transplantados para o universo da produção musical brasileira. Em nota indica que “o site de vídeos online YouTube incorporou o gênero ‘boi music’ entre as categorias disponíveis para a classificação de vídeos enviados pelo usuário da plataforma”. A consagração do gênero bumba meu boi como categoria musical estaria no disco Bandeira de Aço, gravado pelo percussionista e cantor Papete, em 1978, com composições de Cesar Teixeira, Josias Sobrinho, Sérgio Habibe e Ronaldo Mota.
As células rítmicas do boi e do tambor de crioula e sua utilização nas composições é apontada por Josias como elemento distintivo e acompanhada em sua dificuldade de transposição para o disco desde os anos 60. Por exemplo, a toada de tambor de crioula Sanharó, de João do Vale e Luiz Guimarães, gravada por Marinês e Sua Gente, em 1963 ou a conhecida música Tambor de Crioula, de Cleto Júnior e Oberdan Oliveira, gravada por Alcione Nazaré e pelo Nonato e Seu Conjunto. Cleto Júnior explica: “ela não tem a pegada do tambor ainda… ela tem a letra do tambor, ela tem a ideia do tambor, ela tem a homenagem do tambor, ela tem aquela coisa toda do tambor, os versos do tambor (,,,) mas o acompanhamento não tinha ideia de como fazer”. O ritmo terminava sendo levado com toque de umbanda.
Em outros momentos a dificuldade já tinha se colocado. Na gravação do disco do I Festival da Música Popular Brasileira no Maranhão, na Toada Antiga, de Ubiratan Sousa e Souza Neto, realizada sem o acompanhamento percussivo do bumba boi ou em Cavala Canga, de Sérgio Habibe, ritmo do tambor de mina, gravada no primeiro disco do Nonato e Seu Conjunto, em 1974, também com tratamento diferente da forma original.
Lances de agora. Capa. Reprodução
Essa questão de trazer a rítmica para dentro das canções gravadas só seria resolvida com Bandeira de Aço, fruto direto da estética trabalhada pelos compositores no Laborarte e o disco Lances de Agora, de Chico Maranhão, que expressa uma aproximação de seu trabalho com as “influências de berço” (os ritmos do boi e do tambor de crioula). Depois disso, “daí em diante outros artistas e álbuns, com alguma relação com a cultura popular de raiz maranhense, foram sendo colocados no mercado nacional”, citando Papete, Ubiratan Sousa, Tião Carvalho, Betto Pereira, César Nascimento, Mano Borges, Alê Muniz, a dupla Criolina, Flávia Bittencourt e “Rita Ribeiro e Zeca Baleiro, que sempre apontam em suas produções um elo qualquer de identidade maranhense”.
Em setembro de 2011, publiquei no jornal Vias de Fatoum longo artigo, posteriormente incluído no livro Guerrilhas, abordando, a partir das questões colocadas nos textos de Ricarte e Chico Maranhão, o mal-estar e mesmo a indefinição e o desconhecimento que cercam a sigla MPM, pois indicava algo que parecia existir quando ainda não havia sido nomeada (década de 70) e se tornava uma incômoda indagação depois de batizada (década de 80). Afinal, quem além de nós utilizava ou compreendia o que era MPM?
O artigo acentuava a visível distinção do período de gestação, marcado pelo cruzamento das experiências dos três compositores que participaram do Laborarte (Cesar, Josias e Sérgio) com figuras também exponenciais no processo, como Chico Maranhão, Giordano Mochel, Ubiratan Sousa, Chico Saldanha, do momento seguinte, quando a rádio Mirante FM estava no centro de uma estratégia de propagação do que se passaria a chamar de MPM, trazendo uma nova geração de compositores, entre eles, Gerude, Godão, Mano Borges, César Nascimento, Tutuca, Carlinhos Veloz.
Ao contrário das linhas de continuidade, era enfatizada uma descontinuidade em relação ao empuxo inicial, tendo a aproximação com as agências governamentais e com o mecenato privado se verificado segundo os esquemas de patronagem de uma ordem social e política ainda em larga medida oligárquica, por onde terminariam se enredando quase todos os compositores, os novos e a maioria dos antigos. O texto, não por acaso, intitulava-se Antes da MPM, para enfatizar o momento da década de 70 e início dos 80, quando a sigla não existia. Soava, ao mesmo tempo, pois, como elogio e crítica.
O ataque que essa ambiguidade carregava não só à utilização do termo, mas ao próprio estatuto da coisa, colocada como uma experiência interrompida e redirecionada, resultando em pouco tempo numa projeção fantasmagórica sobre os músicos e a própria música que realizavam, não passou totalmente despercebido e foi objeto de um comentário de tom enviesado, meio truncado, mas com uma observação importante. Intitulado Música Para Maiores, de autoria de Lane Mosi, foi publicado no mesmo jornal Vias de Fato, na edição seguinte, de outubro de 2011.
Em linhas gerais, diz que o artigo estava “perfeitamente enquadrado nos moldes históricos – sociais – científicos da sociedade vigente” por comungar de uma mitificação da ação do Laborarte, principalmente na questão das experiências “para criação de uma determinada categoria de música maranhense elitizada”. Alertava então: “É evidente que a periferia a qual me refiro não é composta por aquele bairro privilegiado, pela sua localização estratégica perto dos casarios antigos, tão pouco àquele cheio de afilhados culturais, me refiro mesmo, aos não tão distantes e nem tão abastados, mas totalmente esquecidos e desconsiderados na influência da musicalidade desta cidade”.
Para a autora, a periferia a que o pessoal do Laborarte se articulava resumia-se ao Desterro e a Madre Deus. Sem indicar qualquer referência, de ontem ou de hoje, afirma que ¨existe todo um potencial na periferia que consegue escapar à ‘estratégia governamental de mercantilização da cultura’ mas que é renegado a (sic) pelo menos 30 anos, pouco tempo cronologicamente mas uma eternidade em se tratando de uma arte para libertar”. Surpreendentemente, no entanto, termina o texto falando em reviver os “momentos áureos da música maranhense que tanto gosto”, depois de exaltar programas de rádio com “o melhor da MPM” e “os bolachões (vinis) do Festival Viva”.
Afora o evidente desconhecimento do que foi a atuação do Laborarte, principalmente até o início dos anos 80, minimizando totalmente seu significado cultural e político, pensando o que ele era a partir do que se tornou, e a percepção do momento de diluição como se fosse o “momento áureo” (aí é aquela história, cada qual com seu ouvido…), o texto deixa a observação de que a incorporação da periferia na cultura da cidade ainda não se deu ou seria bastante incompleta, muito seletiva, não aceitando o marco que geralmente é atribuído ao Laborarte. Este momento ainda seria um porvir.
No ano seguinte, Ricarte Almeida Santos volta ao tema, desta vez através de uma dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade, da UFMA, intitulada Música Popular Maranhense e a Questão da Identidade Cultural Regional. Temos aqui um trabalho mais circunstanciado, com utilização de todos os textos então existentes, destacando trechos e depoimentos com argúcia, além de sua própria pesquisa, trazendo novos e interessantes depoimentos de músicos e jornalistas. De forma geral, define dois períodos: o de surgimento da música popular maranhense, na década de 70, e o de sua inserção nos mecanismos da “indústria cultural”, na década de 80.
O Laborarte teria configurado uma “ação cultural”, um processo “com início claro e armado, mas sem fim especificado”, onde avulta o papel dos agentes ou mediadores culturais, indivíduos que “num ambiente de heterogeneidade sociocultural, de preconceitos, cumprem uma ação de aproximação de grupos sociais, de pessoas de diferentes procedências”. Uma ação pensada para a prática de um novo teatro, terminou tendo numa nova estética musical seu resultado mais duradouro e “consequentemente, contribuiu decisivamente para a assimilação das expressões e manifestações da cultura popular, até então marginalizadas e negligenciadas, como símbolos da identidade cultural regional”.
Apesar de citar e conhecer todos os nomes principais que estavam envolvidos com a música popular nos anos 60 e 70, Cesar Teixeira, Josias Sobrinho e Sérgio Habibe são considerados “os três principais agentes culturais do desenvolvimento da música popular maranhense”. O disco Bandeira de Aço é colocado no texto como “marco de partida e de chegada” da MPM. Num dos vários trechos destacados de um rico depoimento, Cesar diz: “Bandeira de Aço é uma consequência do que foi sistematizado no Laborarte” (…) “esse paradigma musical incluiu ritmos de bumba meu boi, divino, tambor de crioula e de mina, entre outros, caracterizando-se como música percussiva e adotando uma poética enriquecida pelo vocabulário popular”.
Ou ainda, de forma mais precisa: “creio que o Laborarte serviu como um ponto de referência para a difusão de uma música popular que já vinha sendo gestada antes mesmo da criação dessa entidade cultural. Foram acrescentadas novas células rítmicas à MPB local, deixando transpirar as virtudes artísticas da nossa gente, das nossas raízes culturais. (…) No ponto de convergência estava a estratégia para a superação das dificuldades, habilitando uma essência rítmica – com base harmônica de violão e cavaquinho – alicerçada por instrumentos regionais: matraca, tambor-onça, pandeiro, cabaça, agogô, abatá, terno de crioula, pífaro etc.”
No capítulo seguinte, é olhada mais de perto, com depoimentos esclarecedores, a questão da criação da sigla a partir da ação decidida de Fernando Sarney em promover a “música maranhense”, através da Mirante e de sua posição como diretor da Cemar. É o momento da estetização, que define ao mesmo tempo uma expansão e a descontinuidade no movimento artístico, pois “a música popular em si, se reorienta em vista também de obter o apoio e a legitimação do campo político”.
Ricarte é um conhecedor de música popular brasileira, de suas raízes no choro e no samba, apreciador e incentivador dos compositores maranhenses, além de seu texto ter objetividade e fluência, oferecendo-nos, sem dúvida, uma rica análise do momento. Da sua exposição discordo, no entanto, da centralidade excessiva dada ao Laborarte (lembro, é claro, da observação feita por Lane Mosi, aproveitando-a em outro sentido), basicamente em dois aspectos.
De um lado, a própria definição da estética musical em questão, que passa, a meu ver de maneira significativa, por outros compositores, já indicados. Ameniza essa discordância o fato de que estamos falando de um movimento (ou de uma ação) cuja proposta inicial era de uma integração entre campos distintos e aberta a influências diversas. De outro, acho que a ação do Laborarte deve ser enfocada mais incisivamente como um dos elementos de um processo mais amplo de redefinição da identidade regional, a passagem da exaltação do passado letrado, centrado nos mitos de distinção expresso nas alegorias da Atenas Brasileira e da Fundação Francesa, para a exaltação da cultura popular, principalmente do bumba meu boi, antes excluído e alvo de perseguições. Algo que se efetivou mais como superposição, dado a direção do processo pela oligarquia dominante.
Claro que isto está referido lá, Ricarte sabe das coisas, mas um trabalho importante como o de Lady Selma Albernaz, O “Urrou” do Boi em Atenas: instituições, experiências culturais e identidade no Maranhão, uma tese defendida em 2004 na Unicamp, favoreceria o olhar para o movimento que se efetuava no campo das instituições governamentais em torno da cultura popular e do turismo desde o final dos anos 60. Assim, o encontro posterior com o guarda-chuva da oligarquia não era propriamente entre elementos estranhos.
O que se perceberia com clareza a partir daí era que o sentido da “ação cultural”, para manter o conceito utilizado, foi redirecionado para a ênfase na carreira profissional, aproveitando os caminhos que se ofereciam através dos favores oficiais. De maneira emblemática, o coletivo que se sobressaiu a partir do final dos anos 80 foi a Companhia Barrica, cujas principais atrações eram o Boizinho Barrica, no São João e, depois, o bloco Bicho Terra, no carnaval.
Ambos eram fruto principalmente da ação do compositor Godão na Madre Deus. No Boizinho Barrica elabora uma recriação cujos ritmos envolvem os vários sotaques do boi, os ritmos dos tambores de crioula e de mina, as ladainhas do Divino e até as batucadas dos blocos e tribos de índio do carnaval. É uma tentativa de síntese de vários elementos da cultura maranhense, da música, das danças, do artesanato etc. A Companhia tentou se colocar como movimento, mas terminou se definindo mesmo mais como atuação de empresa e desencadeou toda uma enorme discussão à época sobre grupos “parafolclóricos”. A outra ponta era a Marafolia, uma empresa de eventos vinculada ao Sistema Mirante, responsável pelo carnaval e as festas juninas “fora de época”, ambas com intensa participação da turma do Barrica. Para estes, a década de 90 significou os anos dourados.
Em ritmo de seresta. Reprodução
No final do ano passado, mais um trabalho tocou na questão da formação da MPM e, desta vez, por um ângulo inusitado. Trata-se do livro de Bruno Azevêdo, Em Ritmo de Seresta: música brega e choperias no Maranhão (Edufma, 2014), também fruto de uma dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, da UFMA. Inicia com uma relação entre a crise nas bandas de baile, determinada pelo aparecimento dos teclados eletrônicos polifônicos e a criação de um novo estilo, uma corrente da música brega que se desenvolveu nas regiões norte e nordeste a partir do final dos anos 80, conhecida como “seresta”. Muitos músicos migraram para o teclado com programação, pois barateava o show, eliminando instrumentos, como baixo e bateria. Era uma modificação na técnica acarretando alterações no estilo. “Músicos que por anos tocavam diversos instrumentos passaram para o teclado com programação, músicos que nunca cantaram passaram a emprestar sua voz para as serestas”.
O texto, bem articulado e bastante informativo, penetra fundo no universo das choperias, tendo como campo privilegiado duas grandes, a Choperia Marcelo, no retorno da Forquilha, e o Kabão, no Aterro do Bacanga. Bruno aqui está à vontade, passeando entre os nomes de destaque e suas imensas discografias, as nuances de estilo, a produção dos shows, o mercado de discos (que se apoia justamente na “pirataria”, subvertendo a lógica das gravadoras), o público consumidor etc. Consegue depoimentos incríveis de músicos, desencava vasto material fotográfico que traz muito do espírito do tempo, explorando as capa dos discos, os instrumentos e cenas de palco. Conta ainda com um ensaio do fotógrafo Márcio Vasconcelos, em flagrantes de campo, descortinando as cores, gestos e expressões em torno dos ritmos da seresta. A edição, vale frisar, é caprichada em seus detalhes, além de vir acompanhada de um cd. Tudo com a cara da Pitomba! (apesar de carregar o signo da Edufma, cujo padrão é justamente o oposto…).
Depois de analisar um estilo musical que alicerçou o boom das choperias e envolve milhares de pessoas, Bruno volta sua atenção para a (in)visibilidade dessa música e concentra-se na separação entre os músicos de seresta e suas canções e o que se poderia chamar de “identidade musical maranhense”, indicando a existência de uma marginalização nas “esferas discursivas de poder”, tanto no plano do acesso a financiamentos nos programas de cultura, quanto de legitimação nos meios de comunicação, carecendo de “reconhecimento”, pois a categoria não constaria nas listas de premiação, nem nos catálogos de cultura.
O bolero, a música romântica de “dor de cotovelo”, o brega, que dominavam as rádios, foram taxados de “música de velhos” ainda nos anos 60 e, apesar de constar das lembranças de formação de músicos e jornalistas, seriam deslocados da receita de mistura que definiria a MPM nas décadas seguintes. Nos seus próprios termos: “o processo de construção da tradição da música maranhense, corre em paralelo ao processo de exclusão de outros estilos e seus representantes”. O brega, formaria então sua linhagem à margem do que era reconhecido como “música maranhense”, dos grandes como Raimundo Soldado e Adelino Nascimento, à reinvenção com Lairton e seus teclados e depois continuando em transformação, com o aparecimento do arrocha e outras fusões, em aproximação com o sertanejo e o forró.
O trabalho dá uma guinada e passa a discutir então o processo de definição da MPM. Novamente nos deparamos com uma riqueza de depoimentos, até mais variados. O desenho interpretativo, em sua armadura mais geral, é similar ao já colocado, com a distinção de dois momentos, mas os detalhes levam a resultados distintos. Bruno estabelece uma contraposição entre a geração Laborarte e a geração Mirante. Enquanto a primeira estaria voltada para a pesquisa, a postura política de combate e o contato com bairros da periferia, a segunda centrava-se na busca do apoio de mídia, na proximidade com os grupos dominantes e na fetichização do registro fonográfico. Assim como no trabalho de Ricarte, os dois momentos privilegiados para a análise são o disco Bandeira de Aço e o aparecimento da sigla MPM.
No caso do disco e todo o imbróglio que ele gerou, com o problema dos direitos autorais, da omissão dos nomes nas rádios etc., existem depoimentos extensos de Cesar e de Papete, botando os demônios pra fora mesmo, pois, como diz este último, “é uma coisa que respinga até hoje, essa coisa rançosa, uma pena porque é um disco tão importante”. O disco foi gravado à revelia dos compositores, as músicas capturadas meio à distância, de forma enviesada e depois conseguida a autorização, apesar das resistências de Cesar e de uma certa desconfiança que pairava no ar. Mas foi um sucesso e chegou a vender na época, segundo Papete, 150.000 cópias.
Várias opiniões são reunidas, todas considerando o trabalho como referência fundamental. Como bem sintetizou Ribamar Filho, dono do Sebo Poeme-se, foi “a primeira vez que a gente se ouviu”. Ou Zeca Baleiro: “Bandeira de Aço foi um divisor de águas na música do Maranhão. Sei de cor e salteado, de trás pra frente, ouvi demais. Pela primeira vez pudemos ouvir em disco e com a qualidade de áudio (ao menos próximo) de um disco de grande gravadora, os nossos ritmos e autores. (…). Aquilo calou fundo na alma do maranhense. E abriu portas para que outros artistas se aventurassem naquela seara. Já havia outros discos feitos antes – Chico Maranhão etc. – mas aquele lá foi certeiro. Conjugou a excelência artística com o poder de fogo comercial”.
Quanto à questão da MPM, o contexto mais atual que a cerca, marcado por um certo “toma lá, que o filho é teu…”, ganha aqui contornos até mesmo hilários, dependendo da perspectiva. No geral os depoimentos descortinam ainda mais as engrenagens em operação, principalmente o papel da Mirante e dos favorecimentos pessoais concentrados na figura de Fernando Sarney. O radialista César Roberto, por exemplo, depois de dizer que “Fernando era o pai da nossa música, né? O padrinho, o ‘paitrocinador’”, afirma que ele foi “um dos criadores dessa expressão MPM”.
Pedro Sobrinho, também radialista, não concorda: “Foram os próprios artistas que criaram essa sigla, Betto Pereira, Gerude, acho que Godão do Boi Barrica também. Hoje eles não gostam, mas ele foi um dos grandes incentivadores. (…) Surgiu através dos artistas e a rádio (Mirante) abraçou, também porque houve um boom lá pela década de oitenta, um boom da música maranhense… foi a partir daí que neguinho resolveu ‘não, a nossa música é a melhor’ e criou a sigla, só que foi um grande, quer dizer, o tiro saiu pela culatra, porque não existe, foi um tiro no pé”.
Betto Pereira, por sua vez, devolve: “É do rádio. Não foi pelos artistas não. Rotularam pra diferenciar, fazer uma diferença do que é a MPB e o que é a MPM… Fez uma merda que até hoje a gente tá penando por isso, que eu não sou artista do Brasil, sou MPM”. Essa relação de estranhamento torna-se ainda mais curiosa com a afirmação de Papete, outra figura emblemática da difusão dessa música, com vários discos tendo compositores maranhenses como base, inclusive um deles intitulado Música Popular Maranhense, que a certa altura diz: “MPM não conheço não”.
Para Cesar Teixeira, “é uma discussão que surge no rádio, na verdade nos bastidores da Secretaria de Cultura, que eu acho que surgiu foi ali. Ou era pra reinaugurar uma geração que não tinha pesquisado coisa nenhuma na vida, tipo assim, legitimar uma geração que não foi lá na zona, que não foi no bumba boi, não pegou em matraca, não sei o que, pra legitimar o que eles tavam fazendo, e de repente vender aquele produto, como se venderia o reggae e outras coisas. E mais uma vez não deu certo”.
Bruno trata da programação das rádios Mirante FM e Universidade FM e de como elas cuidadosamente se apartaram dos boleros e do brega, envolvidas no processo de construção da identidade musical local baseada no bumba meu boi e, de forma mais ampla, representando-se como o moderno e conceitual. No decorrer das entrevistas ele sempre se defrontou com a posição dos músicos (de quaisquer vertentes) e dos jornalistas, todos contrários ao estabelecimento de uma relação entre a “música brega/seresta” e a “música maranhense”.
No modelo explicativo com que trabalha, isso seria fruto da internalização por parte dos agentes da construção da identidade musical maranhense como determinada pela aproximação com a cultura popular, sustentada num processo seletivo e excludente (“elitizante” é um termo várias vezes utilizado – lembro novamente de Lane Mosi). A posição das rádios seria, enfim, sintomática de uma “intenção de afastamento do popular”.
A conclusão a que chega é cruel, mas termina se tornando também uma caricatura do processo: “A MPM seria assim, um arremedo de movimento centralizado na rádio Mirante, que reuniu artistas de música popular inspirados no folclore, com o intuito de criar um elemento distintivo para a música dentro do mercado”. Para entender o que ele quer dizer é preciso não esquecer a maneira como foi colocada a dinâmica do processo, como dicotomia entre geração Laborarte e geração Mirante.
O termo geração Mirante é ótimo, basta destacar um depoimento dado por Mano Borges para um programa de televisão sobre os 30 anos da rádio, quando afirma: “30 anos que se confunde, na verdade, com a história da gente, da nossa música. Eu acho que é uma rádio que foi pioneira em mostrar essa música produzida no Maranhão, e isso nos deu muita visibilidade”.
No entanto, utilizá-lo como Bruno faz, a geração Mirante e a MPM como signos intercambiáveis, obscurece o trânsito que também houve da geração Laborarte para dentro da esfera de influência da Mirante e das secretarias de cultura. Talvez fosse mais simples falar, como Celso Borges, simplesmente em primeira e segunda gerações da MPM. Neste caso, o cuidado é para não esmaecer o fato crucial de que o termo é uma criação da segunda geração, quando a produção já não guarda a mesma qualidade, nem as mesmas características, voltando-se para o mercado fonográfico e as rádios, na busca de uma inserção que tinha ficado até então em segundo plano.
Por não se dar conta da rigidez que o esquema explicativo continha, o texto chega ao final escorregando em passagens surpreendentes ao afirmar que após o estabelecimento da sigla pela ação da rádio Mirante, “músicos da geração anterior como Sérgio Habibe passaram a ser reconhecidos como MPM por mais que não tomassem parte ativa em suas engrenagens”. Ou ainda: “Chico Maranhão se considera MPM, mesmo que a sigla tenha surgido depois da maioria de seus discos”. Em suma, aí ele opera uma disjunção total que torna a coisa toda um pouco confusa, na medida em que passa a configurar quase a existência de dois movimentos (mais do que dois momentos).
Não é possível dizer, por exemplo, que pela filiação à Mirante esta geração “é amplamente criticada pela geração anterior”. Salvo grosseiro engano, o único nome da linha de frente que permaneceu à margem dos canais que se formavam entre artistas, a Mirante e secretarias de cultura, foi Cesar Teixeira. Isso lhe valeu um certo ostracismo, uma distância que funcionou ao mesmo tempo como sua maldição e sua aura de identidade. Em graus variáveis, todos em algum momento participaram dos pequenos canais que se formaram para a produção de shows e gravação de discos de música popular. Basicamente era o esquema de financiamento que se formou aqui.
O trabalho de Bruno vai além da boa etnografia, ultrapassa a observação do fenômeno ao inquiri-lo em sua forma constitutiva, enquanto categoria socialmente legitimada, na trilha de Bourdieu, autor de quem pega as lentes para enquadrar os depoimentos dos músicos e agentes de mídia. Analisa um processo de construção simbólica e sua legitimação, insistindo na lógica da exclusão e sua introjeção, através da naturalização de noções como “cultura maranhense”, atrelando-a a um conjunto de signos retirados da cultura popular, mas filtrados pelas elites, no sentido mais preciso do conceito, portanto, incluindo o próprio Laborarte. Penso que a coisa pode ser encarada de outra forma.
Como é sabido, a discriminação acompanhou a música brega desde a formação do agregado que responderia pela sigla MPB a partir da segunda metade da década de 60. E isto só recentemente começou a se romper. No entanto, esta exclusão funciona mais como um recalque. E aqui não foi diferente, pois não dá para dizer que elementos do bolero e do brega não estão presentes na obra desses compositores, ontem e hoje. Me vêm imediatamente músicas como o bolero Babalu, que abre Emaranhado, de Chico Saldanha, seguido da cafonice fundamental de Mara, com aquele órgão hammond lá no fundo, ou ainda bregas escancarados presentes em seu disco anterior, Celebração, como Baby e Telma e Louise. Cesar e Josias não têm influência de brega? Acho que eles dificilmente negariam. Mas do velho brega, da cultura da zona, como enfatizou o primeiro.
E nem teria como ser tão diferente porque isso tudo rodava muito nas rádios. Quando Bruno analisa a questão da programação das duas FM e, através de vários depoimentos, mostra como o que era considerado muzak, de mau gosto, “brega” (Waldick Soriano, Roberto Carlos, Agnaldo Timóteo, Odair José ou Wando, por exemplo), não rodava, fala como se não estivessem presente direto nas rádios AM. Isso não invalida a percepção geral defendida no livro, principalmente a questão dos modos de incorporação e legitimação que culminaram na invenção midiática da MPM, mas abre um caminho para nuançá-la e olhar a persistência desses elementos, que estavam introjetados e não poderiam ser tão facilmente apagados.
Também na década de 80 a onda do reggae se colocava com força e o ritmo terminou sendo absorvido, não ficou à margem, passou a frequentar os discos dos compositores maranhenses. E igualmente parece ter criado um nicho próprio, com bandas, gravações etc. e ainda com a particularidade do negócio das radiolas, mas hoje faz parte do cardápio oficial e é vendido na prateleira da diversidade. O potencial de afirmação de diferenças parece ter se diluído sob o guarda-chuva da “maranhensidade” e a noção de Jamaica Brasileira foi incorporada de maneira a esvaziar o potencial crítico da ordem social e cultural vigente.
Toda essa conversa pode parecer uma ruminação de águas passadas, na medida em que o quadro atual, à primeira vista, tem características muito distintas. É o que pode ser percebido na leitura de dois instigantes e, até certo ponto, antitéticos artigos a respeito do recente festival de música do projeto BR-135 e seu significado no contexto das artes, publicados em 27 de dezembro e 3 de janeiro últimos no Caderno Alternativo do jornal O Estado do Maranhão. Refiro-me aos textos DR-135, do mesmo Bruno Azêvedo e Não há saídas (só pontes e avenidas), de Reuben da Cunha Rocha.
Para encurtar o que já vai longo, Bruno faz um comentário bastante elogioso do festival, por expressar a diversidade atual das bandas e pelo local de realização (a Praia Grande) e do projeto, por ser o resultado de uma “ação política” dos produtores (Luciana Simões e Alê Muniz), que indicaria “uma boa chance para mudança paradigmática dos produtores locais”. A existência de uma ¨cena” artística em plena ebulição, um modelo de produção viável e, por fim, a “mudança política” anunciada são os ingredientes principais do texto.
A questão a que o BR-135 apontaria uma “saída” é de como “fazer acontecer uma cena que já acontece”, identificada por duas características: 1) “a cidade anda cheia de bandas de estilos diversos”; 2) “essas bandas tão (sic) interessadas num som autoral e desamarrado dos medalhões de identificação da cidade/estado”.
Correlato a este processo, que vem de algum tempo, ocorre agora a alteração política com a derrocada do grupo que comanda o estado há décadas, abrindo possibilidades de romper a “organização feudal” em que se tornou a pasta da cultura. Para isso, diz, “espero muito que a nova gestão consiga desfolclorizar a Secretaria de Cultura ou que aja uma ação dos produtores nesse sentido”. E conclama os artistas em geral a se inteirarem das possibilidades abertas com as leis de incentivo e a “convencer as empresas da importância estratégica do investimento na arte”. No horizonte, a aposta de que a “efetivação de uma política pública para a cultura transparente e impessoal”, seja uma alavanca para as atividades artísticas, um caminho “em direção ao público, à cidade, ao seu próprio ofício”.
O texto de Bruno é muito bom, vibrante, tocando em várias questões referentes ao esgotamento de um padrão de política cultural que vigora há décadas. Uma semana depois recebeu um comentário forte de Reuben. Um artigo radical no melhor sentido, opondo logo no título à “saída” do BR as conexões das “pontes e avenidas”.
No geral, ampliava o escopo da ¨cena¨ referida, recusando qualquer viés de apresentação do festival como sua expressão. “O que discuto no texto de Bruno é a tentativa de sequestrar, para sua formulação do BR-135, certos traços da experiência mais ampla e mais ousada que tem borbulhado na panela da ilha. Nessa jogada, ele esvazia os aspectos mais radicais ou pelo menos mais inquietos”.
Reuben expõe a desconfiança com um esquema voltado para a “profissionalização”, que estimula a troca e a mistura, mas “capitaliza experiências radicais como se fossem ‘cases de sucesso’”. Não é propriamente uma recusa, antes uma observação que recupera a importância das formas de agrupamento não marcadas pelo viés “empreendedorista” e sim pelo caráter mais “autonomista e não hierárquico”, como a experiência do Sebo no Chão, no Cohatrac, “que nunca deixa de acontecer e se vale das melhores e piores condições com o mesmo empenho”, ou a da Casa Loca, “que além de boa banda é uma casa ocupada mesmo, e parece que é louca”.
Não tenho condições de comentar o leque que ele apresenta do cenário contemporâneo das artes na Ilha, mas mesmo para quem conhece tão pouco é possível sentir os ventos e a energia que começam a despontar desses sons e imagens, dessa nova gestualidade, do “trânsito de linguagens”, claramente impulsionados por “dispositivos que apontam para a autonomia: a capacidade de gravação, a coletivização do trabalho produtivo, o domínio dos meandros da captação de recursos”.
Neste sentido, o chão da experiência atual é realmente muito distinto, tanto no referente às possibilidades de produção e circulação quanto aos desafios estéticos e políticos a responder. Os anos 70 e 80 marcaram aqui a passagem de uma configuração cultural caracterizada pelo predomínio dos signos de erudição para a incorporação de signos extraídos da cultura popular. Tal processo atingiria seus contornos mais definitivos somente na década de 90, através da ação concertada entre agências estatais e agências de comunicação, e terminou propiciando um aprisionamento e até uma acomodação dos artistas. O que se põe hoje é a necessidade de recriar os canais e ativar outros para uma nova leitura da diversidade cultural, que não seja refém de uma visão asfixiante da identidade e permita ao Maranhão se ver refletido em outros lugares, além do casarão ou do bumba meu boi. Para isso, mais do que (re)ler o local, a questão é como absorver o estranho e deixar acontecer as vias de combinação, vale dizer, de destruição das fórmulas de exaltação predominantes.
Para Reuben (no que Bruno concorda), “uma evidente liberdade se coloca entre a geração mais nova e os mais longevos fantasmas da cultura maranhense. Já quase não se sentem os ecos de certa ideia de legitimidade antes pretendida sobretudo através da cultura popular. O Maranhão, na música mais nova que tenho ouvido, aparece em outro lugar”. Liberados de qualquer “acerto de contas” com o passado, “afinal os mitos deixaram poucos discos e tudo depende da memória hiperbólica dos que lá estavam”, essa geração estaria de certo modo, liberada de carregar o fardo da “preservação da cultura”, abrindo espaço não só para um leque mais amplo de gêneros como, principalmente, da perspectiva que ele se coloca, para a experimentação mais radical e subversiva. Na formulação feliz: “O jogo agora é com o estúdio e não com o histórico”.
O dilema é o que fazer com essa “liberdade”, pois se é possível dispensar “a demanda dos fantasmas históricos”, é necessário também fugir dos “acertos do mercado nacional”, ou seja, do velho sonho de “estourar”. O próprio Reuben alerta: “não adianta tirar onda dos velhos medalhões para acabar refém de outros lugares de poder”.
Se não estamos mais na posição de reféns da relação entre arte e cultura popular, é bom frisar que isto se deu antes pelo desgaste da fórmula e pelas possibilidades abertas com os novos meios de produção e comunicação do que por qualquer diálogo crítico com essa “herança”. Não é apenas “um papo desgastado entre nós”, como Reuben e Bruno parecem concordar, é uma limitação que essa nova geração vai carregar, apesar de ser também por onde vai tentar se livrar dos “fantasmas da cultura maranhense”, que poderia sintetizar na necessidade de ultrapassar a tônica do “Maranhão, meu tesouro, meu torrão…”, o canto de sereia da ordem vigente.
Não me refiro, é claro, à bela toada que Humberto deixou gravada na memória da cidade, mas ao narcisismo ludovicense historicamente enraizado, que sempre deu o tom de nossas mais duradouras representações e ajuda a entender como um momento tão rico de transformação da música popular, capaz de definir os contornos de uma estética regional na linha de experimentações do período, desembocou na caricatura pretensiosa que significou a sigla MPM.
*FLÁVIO REIS é professor do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Publicou Cenas marginais (ed. do autor, 2005), Grupos políticos e estrutura oligárquica no Maranhão (ed. do autor, 2007; 2ª. ed. 2013) e Guerrilhas (Pitomba!/Vias de Fato, 2011).