Num intervalo do último ensaio

Sábado passado (27) o Reviver Hostel (Rua da Palma, Praia Grande) foi palco do show de lançamento de “O Homem Que Virou Circo” (2023), novo álbum do cantor e compositor Marcos Magah, produzido pelo conterrâneo Zeca Baleiro.

O trabalho encerra uma trilogia, iniciada com o álbum de estreia “Z de Vingança” (2012) e continuada com “O Inventário dos Mortos (Ou Zebra Circular”) (2015). “O Homem Que Virou Circo” conta com participações especiais de Odair José (em “Estação Sem Fim”) e Bárbara Eugênia (em “As Coisas Mais Lindas do Mundo”, parceria dele com Celso Borges [1959-2023]).

Entre a doçura e a revolta, como salienta o produtor, o terceiro álbum de Magah preserva suas características essenciais, que tem marcado sua trajetória solo – o cantor integrou a banda Amnésia, com que ajudou a consolidar uma cena punk em São Luís, a partir do bairro do Cohatrac – com seu passeio desenvolto entre o punk, o rock e o brega, com letras inteligentes e instigantes.

Na véspera do show de lançamento, que acabei perdendo (por motivos de força maior), acompanhei um pedaço do último ensaio no Estúdio 2F Sonato (Vinhais). Na ocasião, a convite da produção, conversei com Marcos Magah e Zeca Baleiro – e por motivos idem, só agora consigo postar a conversa.

Fotos: Patrícia Castro
Fotos: Patrícia Castro

ENTREVISTA: MARCOS MAGAH E ZECA BALEIRO

ZEMA RIBEIRO: Antes de Baleiro ir se aventurar em São Paulo em busca do sonho de viver de música, teve uma trajetória aqui por barzinhos na noite de São Luís, que era mais ou menos a mesma época em que o Magah ajudou a consolidar ali a cena punk, a partir do Cohatrac, com a banda Amnésia. Naquela época vocês já se encontravam? Como é que era essa relação na década de 1980?
MARCOS MAGAH: Rapaz, a gente se via, cidade pequena, a gente chegou inclusive a dividir palco, acho que em 1990. É 89, 90, no festival São Luís Rock Show e a gente dividiu no Coqueiro [bar], que era o festival muito louco de rock and roll [risos], e a gente dividiu o palco lá uma vez, nesse festival que eu me referi agora. São Luís, cidade pequena, todo mundo acaba se olhando em algum momento. Lá na frente, a gente acabou se encontrando novamente no filme do Neto Borges, que foi o “Ventos Que Sopram”, quando a gente começou a pensar em trabalhar junto.

ZR: Baleiro, você sempre teve uma atenção muito grande, voltada sobretudo para artistas do teu lugar, São Luís, do Maranhão, e ao longo desses anos de carreira, 26 já, isso se contarmos só a partir do disco de estreia, e você sempre deu uma força, colaborou, produziu, enfim, ajudou também a colocar nomes aí no radar. O que te chamou a atenção na obra de Magah que você resolver produzi-lo?
ZECA BALEIRO: Bom, e aí, Magah? Falo a verdade ou minto? [risos]. Só te corrigindo: não era sonho, não, era desespero mesmo. Quando eu saí daqui para São Paulo era uma tentativa de alargar os horizontes, e falo isso sem desabonar a cidade que eu amo, que eu adoro e tal, mas eu tava num momento pessoal muito confuso, muito conturbado e numa vibe muito sexo, drogas e rock and roll, mais drogas do que sexo na verdade [risos]. Eu fui para buscar outros caminhos, para me aventurar, para buscar crescimento, desenvolvimento para mim, como pessoa, como artista e por outras demandas também que não vêm ao caso. Lá no meu bairro, no Monte Castelo, tinha uma turma também, Ricardo, me ajuda aí a lembrar [pede para Magah], que eram de uma banda, ali perto da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, a turminha que se reunia ali se correspondia com Arnaldo Baptista. Tu [apontando para Magah] era da Amnésia, tinha a Ânsia de Vômito, os nomes eram maravilhosos [risos], e eu era amigo deles, assim, amigo de bairro, da gente se encontrar e tal. Naquele tempo, não só em São Luís, no Brasil de uma maneira geral, essas prateleiras da música eram muito essa segmentação, era até de uma natureza mais social, a galera do rock não se misturava com a galera do samba, que não se misturava com a galera da chamada MPB, que quiseram chamar de MPM aqui, e eu era aberto. Eu gostava de música popular, me interessava por música popular de uma maneira geral, então eu era tanto amigo de Joãozinho Ribeiro, que é um cara que cultua a Velha Guarda, Noel [Rosa, compositor (1910-1937)] e tal, como podia ser amigo de Ricardo e de Magah, de outros caras. Masa gente não foi de fato, assim, amigos. A gente era ali contemporâneo, olhava ali com o interesse aquela cena, a gente esteve juntos nesse festival, eu lembro até que eu entrei com a minha banda, todos pintados, e todo mundo ficou “estão pensando que são os Secos e Molhados?”.Mas era uma brincadeira, uma provocação. Depois, o Magah esqueceu de contar, que ele perambulou por São Paulo e nessa época o Fernando Abreu, parceiro, poeta parceiro comum dos dois, escreveu: “Zeca, te lembra de Magah? Ele tá em São Paulo”. Eu tava na época viajando muito, a gente não conseguiu se encontrar, mas ele mandou três letras por e-mail. Uma delas virou a nossa primeira parceria, “Eu Chamo de Coragem”, está no “O Amor no Caos – volume 2“, aí veio o documentário, a gente se aproximou, ele mostrou umas canções e eu falei “pô, vamos fazer repertório”, e foi assim.

ZR: Agora depois dessa tua ida para São Paulo tu acabou te tornando uma espécie de embaixador, né?
ZB: Eu detesto esse negócio de embaixador.

ZR: É, detesta, mas assim, é porque tu nunca negou a mão a quem precisou.
ZB: É porque é amor mesmo, cara. O cara pode ser capixaba também, e eu aliás fiz, por sinal, com a obra de Sérgio Sampaio. Naturalmente, tem que ter um entendimento da vivência do cara, que pode ser Magah ou pode ser Antonio Vieira (1920-2009), da dificuldade dos meios de produção, que mesmo hoje São Luís ainda é uma cidade com muita dificuldade, como é Aracaju, como é Maceió, como é qualquer cidade menor assim, né? Não é uma metrópole como Rio, São Paulo, Belo Horizonte. Agora essa coisa de embaixador, desculpa, até posso ter sido descortês, mas é porque isso de embaixador passa um pouco uma ideia de oficialidade, sabe? E eu detesto qualquer tipo de oficialidade [risos]. Eu não sou embaixador de nada. Eu posso gostar do cara sendo maranhense, piauiense ou cearense. Naturalmente eu não me afastei, como outros artistas fizeram um afastamento, às vezes até normal, né? Por exemplo, Alcione, de quem eu sou muito fã, hoje é mais associada à cultura musical do Rio, à Mangueira do que aqui, embora ela nunca vá deixar de ser maranhense, profundamente maranhense. Por uma natureza minha mesmo, assim, pessoal, eu gosto de estar aqui, sinto um pertencimento, me sinto fazendo parte de uma coisa, me sinto inserido nisso aqui como o meu lugar, mesmo que eu vá morar na Romênia. Uma vez dividindo os microfones, o palco, a cena com Ferreira Gullar (1930-2016), um programa que o Tony Bellotto tinha, não sei se tem mais, na TV Cultura, “Afinando a Língua”, juntou o Ferreira Gullar e eu, e a gente conversando e o cara perguntou pro Gullar: “a origem importante, Ferreira Gullar?”, e ele falou: “rapaz, tudo que a gente tem, a única coisa que a gente tem, é a origem, é onde a gente nasceu, de onde a gente veio, o lugar ao qual a gente pertence, todo o resto é incerto, agora a origem é definitiva”. Eu achei isso lindo. Eu repito isso como um mantra. Eu nunca neguei minha origem.

ZR: Sábio Gullar. Esse reencontro no decorrer do processo feitura do documentário do Neto Borges, o “Ventos Que Sopram”, eu até acompanhei parte das gravações aqui em São Luís, é impossível a gente não lembrar de um parceiro comum também de vocês, Zeca até fez a devida homenagem no show de ontem, a Celso Borges. Queria um depoimento de vocês sobre essa figura tão importante para todos nós.
MM: Rapaz, eu conheci Celso quando eu tava em São Paulo, essa ida a que Zeca se referiu há pouco. Aquela história da cidade pequena, que todo mundo se vê e tal. Mas às vezes não tem contato, uma intimidade, então. E aí em São Paulo, eu fui chamado para fazer uns shows que era eu, ele e o poeta Reuben, o CavaloDada. E aí nós fizemos uma série de quatro shows juntos lá e nessa história de fazer show, o Reuben, eles estavam os dois trabalhando, eu me lembro bem dessa cena, principalmente esses dias aí, e ele me chamou, o Reuben, né? Eles iam fazer uma história lá que eles recitavam poesia e eu cantava as canções, aquelas divisões que se faz, né? E o CavaloDada falou para ele assim, “cara, tu precisa olhar as letras do Magah”, e ele falou para mim assim: “então recita aí alguma coisa”, aí eu falei uma dessas letras que eu faço [risos] e ele ficou assim, gostou muito, e aí era para ser só um show e a gente acabou fazendo quatro e surgiu o lance da amizade. E a amizade da gente era uma coisa muito bacana, porque Celso era muito mais novo do que [risos]. Ele tinha uma energia, um espírito assim, eu me lembro de uma vez a gente fazendo uma canção chamada “Camboa” e ele escreveu um verso, a gente escrevia um de frente para o outro, cada um com seu papelzinho assim, e ele escreveu um verso, ele ficou tão feliz, cara, que ele subiu na janela. E eu ficava dizendo “Celso, desce daí”, eu preocupado, era uma pessoa mais velha [risos]. Então era assim, cara, era uma relação realmente intensa, e também da mesma forma, tínhamos discussões maravilhosas. Para mim é bem complicado essa coisa de pensar que Celso não tá mais aqui. Ele foi um cara muito importante para mim porque ele nunca se dava por contente. Eu mostrava algo para ele, ele dizia “não, tu faz melhor, estica isso para cá, leva pr’ali”, ele tinha essa coisa, né? E aquela coisa de um bom humor, que jogava a gente para frente. E tava sempre disposto, qualquer projeto que eu dava o toque, vamos fazer, às vezes as minhas propostas absurdas para testar a paciência dele, ele falava “eu topo”, e eu dizia “pô, esse cara é mais maluco do que eu, mano”. É um amigo e parceiro assim, cara, que realmente… as nossas conversas, que iam para muito além das questões artísticas, de criação e tal, coisa de amizade mesmo, de falar sobre coisas, amor, dinheiro principalmente. A gente falava muito de dinheiro, porque a gente não tem nenhum. Quem não tem dinheiro geralmente só fala de dinheiro e a gente conversava muito sobre isso. Meu amigo querido, meu irmão.
ZB: Pra mim ainda é um pouco difícil falar sobre Celso porque ainda estou muito sob o efeito do choque. Toda morte é, de certa maneira, chocante, por mais até previsível que seja, e no caso da do Celso tomou todos nós de surpresa. Foi muito imprevisível e essas pessoas que têm uma vitalidade, uma intensidade muito grande no viver, a gente demora a acreditar. Eu perdi alguns amigos ao longo desses últimos anos e alguns deles eu até hoje não realizei, é difícil realizar. É difícil vir a São Luís, por exemplo, e imaginar que eu não vou encontrar Celso, que a gente não vai se provocar mutuamente, às vezes até brigar como a gente brigava, porque era uma relação de irmão mesmo. “Baleiro, esse disco aí eu tou achando ele meio repetitivo”, “ah, vai se foder, e esse teu último livro aí é o quê, porra?”. Então era assim, era amor mesmo, uma relação de amor, porque não era superficial, era profunda, a gente falava o que tinha que falar. Celso é muito importante na minha trajetória musical, do Nosly, de muita gente. O Celso era um fazedor, né? Quando ele foi diretor da Rádio Mirante ele criou um programa, eu ainda estudava, tinha 14 anos, estudava no Colégio Batista, e a primeira vez, 14, 15 anos, que eu toquei uma música minha. Eu era muito tímido. O Nosly, que era meu vizinho de bairro, ali, de rua, no Monte Castelo, era um pouco mais atirado, foi meu primeiro parceiro, falou: “Zeca, tem um programa na Rádio Mirante, chama “Contatos Imediatos”. Você vai, toca, aí três caras concorrem na noite, e aí as pessoas telefonam, anos 1980, 83, 84, e o vencedor, quem tiver mais votos ganha uma máquina tira-teima da Kodak e um ticket para comer na Churrascaria O Laçador. Aí eu fui, lembro que nessa noite Nosly foi me acompanhando, dois violões, um baiãozinho, chamava “Sem Pé Nem Cabeça”, foi a primeira vez, e Celso “pô, interessante essa pegada e tal, vamos encontrar”. Ele que coordenava, dirigia o programa, “vamos!”. E aí foi uma saraivada, a gente fez oito músicas em sequência, eu, ele e Nosly, que deu origem ao nosso primeiro show, “Um Mais Um”. É um cara que tá na origem de toda a nossa história. Eu lembro que a primeira vez que eu ouvi Fauzi [Beydoun, vocalista da Tribo de Jah] foi nesse programa, tocando “Neguinha”, nem era um reggae ainda, era uma balada. Acho que César Nascimento também, a primeira vez que eu vi o César foi assim. Era um cara que abria muitas portas, tinha essa coisa meio visionária. Quando eu comecei na música, Celso já tinha um certo sucesso, já era uma personalidade, já aparecia na tevê, já tinha uma aparição aqui e acolá, um programa, a Revista Guarnicê, ele já era uma personalidade pública e eu tinha simpatia pela figura dele, pelas coisas que ele fazia, nos aproximamos. Nossas histórias se cruzaram em São Paulo também, ele foi um pouco antes, quando eu cheguei em São Paulo, ele me falou: “Zeca, conheci um cara aí da Paraíba, não tem nada a ver contigo, mas tem tudo a ver contigo, tu vai entender. Chama-se Chico César, trabalha na revista Elle, a gente se conheceu aqui na Rádio Gazeta, ele veio gravar um programa, vocês dois vão se amar”. Aí eu cheguei em São Paulo. Fui de carro, com a Solange, minha companheira na época, e no caminho o amplificador, nos sacolejos das estradas do Piauí, a gente passou 20 dias viajando num Fiat Uno, chegou quebrado em São Paulo e eu precisei de amplificador. Liguei para os amigos e Celso disse: “rapaz, liga para aquele cara, ele deve ter, o Chico César, liga para ele”. Ele me deu o telefone, liguei para o Chico, nos encontramos lá na Paulista, na frente da TV Gazeta, fui até a casa dele, no meu carro, lá em Santo Amaro, que era longe para cacete, passamos a noite tocando, eu, ele e Celso tocando e ele me emprestou o amplificador. Enfim eu pude fazer o show, importante, passamos a noite tocando e realmente ficamos encantados um com o outro. Entendi exatamente o que o Celso queria dizer. Éramos diferentes, mas éramos muito afins. E ele estava tão certo que a nossa amizade permanece até hoje, inclusive vai resultar num disco até o fim do ano, início do ano, a gente vai lançar. Então o Celso é um cara muito importante, tem essa coisa de agregar pessoas. Isso é muito importante na cena cultural de qualquer lugar.

ZR: Curioso essa essa memória de vocês de Celso, essa intensidade com que ele vivia e produzia. Quer dizer, partiu fisicamente ainda no auge da capacidade criativa e está presente no disco mais novo do Magah, “As Coisas Mais Lindas do Mundo”. Queria agora focar um pouquinho no álbum, eu lembro que quando tu lançaste o “Z de Vingança”, há mais de 10 anos, já falava numa trilogia, né? Que depois veio “O Inventário dos Mortos” e agora “O Homem Que Virou Circo”. Acho que isso demonstra uma organização muito grande. Queria que você falasse um pouco desse processo, de criação do álbum, de composição. Como é que foi isso?
MM: Rapaz, eu vinha escrevendo. Eu tinha a ideia de lançar esse disco, inclusive Celso foi comigo uma vez no estúdio, até para registrar algumas canções. Eu tinha a ideia do disco, o tema, algumas canções como “Ela Nunca Teve Ninguém”, eu já tinha algumas canções, “O Homem Que Virou Circo” e tal. E eu tinha ideia de registrar, de fazer esse disco. O problema é que toda vez que eu entrava no estúdio eu não achava uma liga com um produtor. O cara achava esquisito aquilo ali, queria me propor uma outra coisa lá e eu falava: “não cara, eu quero fazer isso aqui, independente de [qualquer opinião que] não, que isso aqui não vai dar certo”. Eu falei: “não, cara, eu não eu não dei certo até agora, eu não estou preocupado com isso, não, velho. Eu tô querendo registrar o disco, não interrompe a minha felicidade” [risos]. E aí eu tentava sempre, três tentativas com produtores diferentes e tal, até que encontrei com o Zeca e a gente começou a falar sobre o disco, que tem uma coisa que eu e ele, a gente gosta de coisas parecidas, assim, a gente não vê muito fronteira de música e tal. E quando a gente começou a pensar o disco eu remodelei muitas canções. Essa parceria minha com Celso, eu adoro essa música, sabe?, eu gosto demais dessa música. Eu chamei ele, essas coisas do Celso, é impossível não contar alguma coisa, “eu quero fazer uma música assim”, e ele me perguntou pelo telefone “onde é que tu tá?”; aí eu digo: “cara, eu tô aqui na casa tal”; ele: “me aguarda que eu tô chegando aí!” [risos]. Isso era Celso. E aí eu comecei a remodelar as canções, ia amostrando para Zeca, algumas coisas, “isso aqui tá bom, isso aqui não e tal”. E acabou virando esse disco. Eu fiquei muito satisfeito assim com o resultado, porque eu gravei exatamente o que eu queria gravar, não sei se eu tô respondendo tua pergunta. Mas outro dia eu vi uma coisa engraçada, o cara disse que eu que eu me vendi e tal. Eu digo: “pô, eu preciso olhar o comprador”, não tenho ideia de quem me comprou até agora, que eu fiz concessão. Pô, cara, se tu for escutar o disco, eu não entendo, não tem concessão, ali eu fiz exatamente o que queria, a gente nunca conversou sobre “não, vamos mudar isso aqui”, não. A gente não é bobo, né,cara? Não faria sentido. Não tinha porquê. Umas coisas assim engraçadas, quando a gente tava fazendo o disco, talvez valha o registro, é que vem eu e Zeca dentro do carro e eu falei assim, “pô, Zeca, eu quero te dizer uma coisa; rapaz, eu gostaria que tu não cantasse no disco”. E ele falou: “bicho, eu estou pensando a mesma coisa” [risos].

ZB: Todo disco que eu produzo eu canto e eu desde o início falei: “Magah, acho que nada a ver, vamos buscar outras pessoas, tentar o Odair José, Fernando Mendes, alguém com quem você tenha uma afinidade”. Eu preferi tocar, toquei teclado, percussão, assobiei no disco, criei as linhas de baixo, mas cantar, não [risos]. Eu cantar era um caminho fácil, óbvio.
MM: Nós dois estávamos pensando a mesma coisa.

ZR: Como é que foi a costura das participações especiais de Bárbara Eugênia e Odair José?
ZB: O Magah mostrou as músicas e tal, eu mandei as quatro que tinham esse acento mais brega descarado, embora o brega do Magah seja muito sofisticado, mas tem esse flerte com essa música mais popular, então mandei quatro e falei: “ouve aí, Odair!”, e ele falou: “eu gostei dessa, essa aqui é a minha cara”. E o desgraçado do Odair é tão talentoso, bicho, é aquela coisa, a gente cola no clichê, na lenda que se forma em torno do cara, às vezes deixa de ver o real, o cerne da coisa. Ele mandou a música transformada. Para melhor! Ele deu uma melhorada, a música já era boa.

ZR: Quase vira parceiro.
ZB: Quase vira parceiro. É. Eu até falei: “Odair, você não quer? Você fez o arranjo”. “Não, eu não quero, é só como eu li a música. Eu gostaria que vocês gravassem assim”. O Magah falou: “porra, ficou demais”. Ele releu a música, se identificou, pegou o violão e fez. Mostrei, falei: “vamos fazer exatamente o que o Odair fez, só que com banda: bateria, baixo, guitarra e órgão”. Ficou aquilo. Gênio, né? O cara que tem um entendimento da música, da canção, como poucas pessoas. E a Bárbara eu tava produzindo o disco dela, calhou de, no mesmo tempo. O disco do Magah durou uns três anos, porque a gente começou em janeiro do ano da pandemia. 2020, né? A gente gravou as primeiras bases de voz e violão no Estúdio Zabumba aqui, levei. E aí a pandemia veio e ferrou tudo, né? Fez a gente postergar tudo. Aí fui fazendo devagarinho, voltei, fizemos mais uma bateria de canções, foi mudando também o repertório. Magah dizia: “ah, eu fiz uma nova safra aqui que eu acho que tem mais a ver” e assim foi. E a Bárbara estava justo em processo, ele falou: “adoro ela, cara, adoro o timbre dela. Vamos achar uma música?”. Quando ele mandou a parceria com Celso, eu falei: “é essa aí, vai ficar linda na voz dela”; ele não queria nem cantar [risos]; “tá tão bonita que eu não vou nem cantar”, ele me disse; o disco é teu, tem que cantar; e ficou lindona, né? Parece uma música assim, um folk americano dos anos 50, 60, tem um traço especial.

ZR: Quando a gente ainda estava esperando Baleiro, eu estava vendo um pedaço do ensaio e vocês falaram numa coisa de não fazer concessões, de não pensar na coisa de transformar o trabalho do Magah para ser palatável. E aí teve uma mudança na banda e, “ah, agora tá soando como Magah”; e eu disse: pode botar Magah com a Filarmônica de Berlim que sempre vai ter uma coisa brega e punk ali, que é o traço dele. Isso facilitou a produção do disco, essa coisa de não ter que repensar muita coisa?
ZB: Não. Dificultou [risos]. É o seguinte: tem dois tipos básicos de gente no mundo: o cara que mesmo certo tá errado e o cara que mesmo errado tá certo. Magah é do segundo time. Então, assim, musicalmente falando por exemplo, ele tem uma forma de respirar, uma compreensão do ritmo da música, muito particular. Tem outros artistas que são assim: Chico. Chico César, tocar com ele é super difícil, porque ele tem umas coisas que não são óbvias, de compasso, ele mete os compassos, e é intuitivo, coisa de origem, atávico, quebra a matemática, bota um compasso de 5 por 8 no meio de um 4 por 4, é um negócio assim, e Magah tem, a seu modo também, com essa viagem roqueira que ele tem, faz compasso muito louco. Teve uma música lá que eu falei assim: “essa aqui a gente não vai conseguir botar metrônomo, botar um clique para poder depois a banda gravar”. Então o que que eu fiz? É aquela “Eu Gosto de Ler a Bíblia”. Eu falei: “grava aí do teu jeito, respira do teu jeito, canta do jeito que tu acha, o povo lá que se foda, a banda lá”; aí a gente foi, passamos uma noite lá, o Kuka [Stolarski], baterista, ficou contando os compassos, “não, aqui tem um compasso de cinco, aqui tem um compasso de três”; eu falei: “escreve a partitura aí, bicho, trabalha”; aí ele fez todo o mapinha, mas ficou sensacional, porque ficou do jeito que ele faria mesmo. A gente não tentou fazer caber numa quadratura mais careta, mas conservadora, mais lógica. Não teve isso. O rock dele tá preservado. Agora, talvez até porque o cara tá ficando um senhor, as canções, tem uma canção ou outra com uma certa doçura, tem uma raiva, uma revolta aqui, mas tem uma doçura ali, faz parte também. Mas não tem esse negócio de concessão, isso é besteira. O rock precisa também, os amantes do rock, desse imaginário rock, precisam dessa coisa meio antissistêmica, assim, “você se vendeu”. Eu lembro, vou contar um episódio. Quando eu gravei o Charlie Brown Jr., que inclusive era rock, mas uma galera mais assim, ficou, teve um happening punk, assim, lá em Recife, o pessoal no carnaval se virou de costas na hora que eu toquei a música, eles queriam que eu tocasse “Vô Imbolá”, “Heavy Metal do Senhor”, essa faceta mais atrevida, mais rítmica, pós-mangueBit, aquela coisa. E quando eu toquei eles se viraram. E outro garoto em Londrina falou assim: “me decepcionei com você, bicho, você se vendeu para o mercado”. Aí eu falei: “cara, não, rapaz, você não tá entendendo o que é isso, isso é outra coisa”. Aí eu voltei lá três anos depois, ele tinha me perdoado com “Pet Shop Mundo Cão” (2002) [risos]. “Tá perdoado, tá perdoado”. Então tem essa coisa, faz parte, “o cara se vendeu”,a gente também tinha isso quando jovem, curtia uns caras, aí de repente, Rita Lee (1947-2023) era isso, era uma loucura com Mutantes, com o Tutti-Frutti, depois entrou Roberto de Carvalho, só com o tempo que você vai avaliar, aquela obra também é fantástica. Era mais pop, era mais radiofônica, era mais comercial. Mas ainda assim era brilhante, era sensacional. Então, essas avaliações fazem parte também desse imaginário do rock. É bom até, né? Tem uma cena maravilhosa no documentário do Jards Macalé. Perguntam ao [cantor e compositor Gilberto] Gil: “Gil, mas o quê que você acha, Macalé, esse artista que nunca fez concessão?”. “Nunca fez concessão, é? Eu não conheço ninguém que nunca tenha feito concessão”. Não tem como viver sem fazer concessão. Mas não é o caso aqui.

ZR: Magah em estado bruto, mas de algum modo também, lapidado.
MM: Bruto, porém nem tanto.
ZB: Os brutos também amam [risos]. Essa coisa da produção, eu não sou assim um produtor, no sentido tecnológico do termo, como Liminha é, como Brian Eno é e tal. Eu sou produtor no sentido de arregimentar, de orientar, de dar um caminho. E de respeitar o que o cara é, porque se for pra descaracterizar, então, ele que arranje outro. É para extrair o melhor dele, se eu puder fazer, ajudar nisso, eu tô dentro. Se for para estragar, arranje outro.
MM: Tem uma coisa que perde o sentido, porque o que, no caso, atraiu um produtor como Zeca, foi aquilo que os caras acham que você deveria como produtor, descaracterizar. Se o que te atraiu foi aquilo, é aquilo que deve ser preservado, é o coração.
ZB: Lapidação era um termo mais técnico, de fazer, de botar bons músicos tocando, bons técnicos mixando, masterizando, dando timbres, esse cuidado com timbres, mas eu acho um disco rock pra cacete. Você não acha, não?

ZR: Sim, acho. Baleiro precisa ir para o cortejo [parte do elenco de “Dom Quixote de Lugar Nenhum”, musical de Ruy Guerra com trilha sonora de Baleiro, faria um cortejo àquela tarde, na Praia Grande], Magah precisa continuar o ensaio. Vamos fechar falando do show de amanhã, o lançamento d“O Homem Que Virou Circo”, no Reviver Hostel. Banda, participações especiais, e reforçar o convite para a rapaziada que tá assistindo a gente [esta entrevista foi gravada em vídeo, mas problemas técnicos impediram o upload no youtube].
MM: Pois é, a gente vai estar lançando agora, sábado, 27, amanhã, né?, “O Homem Que Virou Circo”, cheio de participações especiais. Em primeiro lugar, eu quero citar aqui a minha banda, a Magahdelic Band, é uma banda assim, é quase a The Band, tu tá entendendo?, só que no Maranhão [risos], então acompanhado da minha banda, a gente vai ter a Vanessa Serra, DJ que eu gosto pra caramba, o amor que ela tem pelo vinil, as coisas que ela põe lá.

ZR: Fala os nomes da banda.
MM: Sim, citar os integrantes da banda. O Eduardo Pinheiro na guitarra, assim que eu olhei ele tocando, cara, primeira vez eu imediatamente chamei ele, “chega aqui, cara, vamos tocar ali”, ele já conhecia meu trabalho e tal e ficou contente para caramba, então o Eduardo na guitarra; o Gus Mendes que é um baixista também que eu olhei assim, garotão da noite. É só garoto, né? De idoso só tem eu. Eu só pego garoto!

ZR: A galeria do amor.
MM: [risos] Quando eu lancei o “Z”, a canção que abria o show era esta, né, “Galeria do Amor” [do repertório de Agnaldo Timóteo (1936-2021)], e ficou todo mundo assim, esse cara, e ficou muito bonito. Aquilo ali é rock, aquela linguagem maravilhosa, libertária, linda. O Gus Mendes no baixo, o Diogo nos teclados e efeitos e meu querido Taylor na bateria. Essa é a Magahdelic Band, uma banda que tem uma facilidade para fazer concessão, então é a banda perfeita pra mim.
ZB: Concession Band.
MM: É, Concession Band [risos], a gente vai mudar o nome. E é isso, cara, se eu estiver esquecendo alguma coisa o Baleiro vai completar aqui a parada de sucesso.
ZB: Nada mais a declarar. Só dizer que fico muito feliz de ter feito essa parceria com Magah. Peço desculpas pela demora na entrega do trabalho, mas a gente vai falar todo mundo ainda, que tem uma lista de agradecimentos. O show tem a produção de Aziz Jr., Samme Sraya, Tiago Máci, que também é nosso parceiro.
MM: A participação da Dicy, cantando comigo “As coisas mais lindas do mundo”. Também vai ficar lindo com ela, cara, também sou fãzão.
ZB: E é isso. Acho que a missão está cumprida, era fazer um disco, um disco genuíno, assim, não que os discos dele anteriores [não fossem], eu adoro os discos dele, mas quando eu ouvi as canções, falei, “poxa, eu sei exatamente o que fazer com isso, eu acho que sei exatamente o que fazer com isso”, sem também descaracterizá-lo, sem levar para um outro caminho, sem tentar fazer o que não é, porque as coisas são que são. O que não é o que não pode ser o que não é o que não pode ser o que não é, né? Aquela coisa lá [citando a música dos Titãs], então, eu ouço com o maior prazer esse disco, o que é um bom sinal, porque depois que eu produzo alguma coisa, eu passo um tempo assim, tenho um tempo de afastamento. Mas é um disco que eu ouço com muito prazer, boto, recebo amigos, boto para ouvir e as pessoas curtem muito as letras, né? Porque canção é mais do que só música, é a ideia também, né? E o Magah, nesse sentido, é um cara brilhante, tem ideias incríveis, originais e por isso ele é o que é.

*

Ouça “O Homem Que Virou Circo”:

Cristóvão Colombo da Silva

POR CESAR TEIXEIRA*

Um compositor que não precisou descobrir a América para ganhar fama, já trazia dentro de si a nau inspirada com que recriava o mundo todos os dias, e de improviso. Neste 12 de outubro, Dia das Crianças, completaria 100 anos, se estivesse vivo. O nome dele é Cristóvão / Sobrenome: Alô Brasil.

Alô Brasil no bar. Fotos: Acervo Cesar Teixeira. Reproduções

– Alô Brasil! Era a saudação de mouros e cristãos agrupados nas calçadas, nos botecos ou nas portas das casas quando ele passava, e logo respondia: “Aquele abraço!”.

Se fosse tempo de carnaval, transitava amanhecido com a fantasia da Turma do Quinto ou dos Fuzileiros da Fuzarca. De outra feita, era o chapéu de palha ou feltro, geralmente enfeitado com uma flor ou uma pena sobrevivente, quase um enxerto da batucada em sua cabeça. Era magro, de olhos graúdos e semiabertos que pareciam sonhar o tempo todo.

Caso estivesse fardado de funcionário da Secretaria de Transportes e Obras Públicas (Setop, hoje Sinfra) e sem o chapéu, podia-se ver sua cabeleira cheia, penteada rigorosamente à moda Orlando Silva, espécie de ídolo do compositor, daí o inseparável pente Flamengo no bolso de trás da calça.

O autor do perfil, ladeado por Cristóvão e Antonio Vieira

Invariavelmente, subia e descia as ruas da Madre de Deus todos os dias, obedecendo a um relógio interior, as longas pernas arqueadas como se cavalgasse uma nuvem, até finalmente encostar na quitanda do Seu Alfredo Louzeiro para a hora extra. Foi lá que eu conheci de perto, no início da década de 1970, a obra do compositor e amigo navegante Cristovam Colombo da Silva – conforme reza sua carteira de identidade –, que na gramática do samba foi rebatizado Cristóvão “Alô Brasil”.

O nome de pia era homenagem ao descobridor da América, e o apelido ganhou depois de ter na época participado do programa Alô Brasil, Aquele Abraço, apresentado por Lúcio Mauro na Rádio Globo, do Rio de Janeiro, depois de chegar com um dia de atraso para uma participação no Chacrinha.

Em 1982, foi ao programa de Flávio Cavalcante – Boa Noite Brasil –, da Rede Bandeirantes, em São Paulo, como convidado especial do produtor Renato Barbosa, que estivera em São Luís para ser apresentador do 1º Festival de Verão da Música Popular Maranhense, por ocasião dos festejos de 370 anos da cidade, em setembro daquele ano.

“Santo Cristo”, como era reverenciado por alguns familiares, então mostrou para todo o Brasil a sua arte de improvisar, o que fez aumentar mais ainda a sua popularidade, tendo no copo a sua cruz e o solovox da fraternidade. “Palavras que me comovem”, repetiria.

O compacto “Velhos moleques”, produzido por Chico Saldanha, Giordano Mochel e Ubiratan Souza. Capa. Reprodução
“Alô Brasil”. Capa. Reprodução

Ao lado de Caboclinho (José Assunção Gomes), integrou em abril de 1986 o Projeto Pixinguinha, do qual já havia participado três anos antes. João Nogueira e Marília Medalha estavam lá. No mesmo ano, gravou com Antonio Vieira, Lopes Bogéa e Agostinho Reis o compacto “Velhos Moleques”, e, em 1999, o cd “Alô Brasil”, com a participação de vários intérpretes maranhenses.

UNIVERSIDADE DE BAMBA

A quitanda do Alfredo, na Madre de Deus, era uma espécie de pontifícia universidade do samba, a cachaça tinha prioridade sobre os livros e não havia censura prévia, depois era entender-se com a medicina e tentar um fiado nas farmácias do bairro, restando as alternativas do boldo, espinheira santa e folha de mamão.

Entre os catedráticos que a frequentavam estavam Sapinho, Henrique Reis, Paletó, Luís de França, Caboclinho, Biné do Banjo, Vavá, Patativa, Dedinho e Veríssimo (Cuíte), todos compositores. Careca, Virador, Penicilina e Caraolho já eram falecidos.

Vez por outra, por lá passavam os violonistas Paquinha e Mascote, além de Nazinho, pescador e banjoísta que transformava segundas-feiras em domingos após longos dias no mar, entre charutos e doses de alcatrão para manter o voto de silêncio, enquanto Reinaldo mostrava a picardia na cabaça, Zé Leão no pandeiro, Dedinho na retinta…

Bem, na quitanda tudo virava instrumento: as portas, os mochos e até um inocente tonel de querosene encostado na parede, que servia de marcação. Sapinho fazia variações na bomba de lata que puxava o combustível, soprando-a como se fosse um saxofone.

Cristóvão ali era o coringa que iniciava o samba, com pulmão de Noel Rosa, outro artista que admirava. Dava o tom, descendo e subindo uma escala maior, para depois atacar com uma voz sibilada, devido aos dois únicos dentes na boca, segundo ele “para abrir as garrafas”:

Silêncio, vou ler um aviso:
É hora de começar a batucada…

O samba esquentava, convencendo Seu Alfredo a jogar uma pá de camarão seco sobre o balcão para absorver a aguardente do peritônio da rapaziada. “Se tivesse dinheiro, eu comprava um anel pra ser doutor de samba”, costumava dizer Cristóvão. Não sabia que já estava dando uma aula.

Cheguei a levar muitos desses compositores para um programa chamado “Pitacos” gravado e transmitido pela Rádio Timbira nos finais de semana, numa produção do Laborarte, entre 1972 e 1973. Não havia patrocinador, nem cachê. Às vezes partilhávamos uma garrafa e as passagens de ônibus, mas quase sempre a volta para a Madre de Deus era a pé. “Eu acho é bom!”, dizia Cristóvão.

Junto com o compositor participei de vários espetáculos nos palcos da cidade, e como já tinha o costume de acompanhá-lo no violão ou no cavaquinho pelas rodas de samba, quase não havia ensaio. Ele improvisava de lá e eu de cá. Lembro com saudade a apresentação que fizemos do Teatro Praia Grande [hoje Teatro Alcione Nazaré] ao lado de Henrique Reis e Patativa.

NOTÍCIAS DE JORNAL

Em 1984, Cristóvão foi fazer um show para ser gravado pelo Projeto Pró-Memória/SPHAN, que funcionava na rua das Barrocas, nº 125. Chegamos lá com uma garrafa de pinga embrulhada numa folha de jornal no horário marcado para as 19 horas. A secretária viu aquilo e não nos deixou entrar. “Pois bem, então vamos beber em outro lugar”, disse-lhe.

Já estávamos dobrando a esquina, quando um esbaforido Ivan Sarney, diretor do programa gritou da porta: “Voltem, voltem, o auditório está cheio! Podem entrar com a garrafa!” Foi uma noite memorável, com muito tema para improviso e estrondosas gargalhadas da plateia.

“Alô Brasil” costumava dizer, e cantar, que tinha samba na cabeça “como letra no jornal”. Isso denunciava o seu hábito pela leitura, que incluía os livrinhos de bolso. No final do expediente da Sinfra, onde foi contínuo e porteiro, ele reunia os jornais diários que por ali passavam, dobrando-os meticulosamente num pacote retangular amarrado com barbante.

Esse pacote ficava guardado debaixo dos balcões e prateleiras dos bares enquanto durasse a farra e a batucada, quando o carregava para casa. Lia até anúncio. No dia seguinte estava por dentro dos fatos, mesmo sem perceber as armadilhas criadas pelos feitores da informação, quase sempre ruins da cabeça e doentes do pé.

Cristóvão, porém, tinha um espírito puro, que através da música lhe permitia o dom da ubiquidade, assumindo as dores e alegrias dos outros. Fez samba para Dedinho (Eu moro no morro do Esqueleto / com a minha Nega Teresa…) e para Tabaco (Se você desceu de lá / por favor me dê notícias da mina Nega Joana…) como se fosse eles cantando. Mas fez também para si próprio:

Foi no dia 12 de outubro de 22
que nasceu na Madre Deus
mais um sambista,
o resto eu conto depois…

Nasceu no Dia das Crianças, que tanto adorava. Por isso, repetia que se pudesse nasceria de novo, pois estava ficando “velho e encolhidinho”. Aí conjeturava que alguém poderia pensar: “Será que ele está virando criança outra vez?” Quase chega lá, não fossem as complicações de uma hérnia, que o levou à morte em 20 de agosto de 1998.

Fui ver pela última vez meu grande amigo no Hospital Carlos Macieira, onde jazia sobre o mármore, embrulhado em lençóis. Lembrei-me do pacote de jornais, que ele não iria mais colecionar, nem leria ansioso a notícia da própria morte. Isso não seria mais necessário para quem tirou de letra a vida como um passeio distraído pela rua.

No cemitério, antes que o pedreiro vedasse com tijolos o mausoléu de família, consegui jogar-lhe uma flor, para que não esquecesse de por no chapéu quando encontrasse com os outros sambistas já embriagados de aurora.

O BATENTE DO SAMBA

Caricatura de Érico Junqueira

Cristovam Colombo da Silva nasceu em São Luís, na rua do Passeio, em 12 de outubro de 1922, numa casa ao lado do extinto Cine Rialto. De lá foi ainda criança para a rua de São Pantaleão, nº 1.275, próximo ao Hospital Geral, para onde também se mudou, em 1941, o bloco Fuzileiros da Fuzarca, fundado cinco anos antes na rua de São João, com o envolvimento de toda a sua família.

E não era pouca gente. Seus pais, José Bonifácio da Silva e Mercedes Ramos da Silva, tiveram oito filhos: Amélia, Sandoval, Astrogildo, Cristovam, Manoel, Lenir, Noca e Teresa, somando-se uma infinidade de descendentes. Dona Mercedes foi uma espécie de esteio dos Fuzileiros durante cerca de 20 anos, até o seu falecimento no início da década de 1960, quando o bloco se mudou para o coração da Madre de Deus.

Foi então que Cristóvão pode se dedicar à Turma do Quinto, escola de samba da qual foi um dos fundadores, mas tinha uma participação quase clandestina por causa da predileção da família pelos Fuzileiros da Fuzarca.

Quando a escola foi criada, em 1940, ele já era operário têxtil cardador da Fábrica São Luís, que processava fios de algodão, mudando-se dali para a Cânhamo, onde durante 28 anos ocupou como fiandeiro uma das máquinas que fabricavam sacos de estopa para a indústria e o comércio locais.

Depois do trabalho, Cristóvão ainda encontrava disposição e tempo para tocar pandeiro e cantar suas músicas em gafieiras, clubes e cabarés, sobretudo na Zona do Meretrício, onde se apresentava com a orquestra de Pedrão e no Jazz Irakitan. Assim, matava a sede da boemia e alimentava a magra renda.

Em 1968, conseguiu um emprego na Secretaria de Viação e Obras Públicas (SVOP), que depois se tornou SETOP, e, por último Sinfra. Lá exerceu os cargos de contínuo e agente de portaria, que para ele era o nome moderno de vigia. “Mas não vigio nada, nem ninguém”, dizia.

Na verdade, Cristóvão gostava de servir a todos e não se furtava de qualquer tipo de empreitada, desde as filas de banco até entregar no horário exato o almoço dos executivos, que o consideravam um funcionário exemplar. Era o primeiro a chegar e o último a sair da repartição, contrariando o estereótipo da malandragem que pesa sobre os sambistas.

Isso lhe valia uns bons trocados para as suas esticadas pelos botecos das redondezas, antes de chegar na Madre de Deus e de lá seguir para o Bairro de Fátima, para onde se mudara no início dos anos 1970. “Ele acordava às seis horas, tomava café e ia por um atalho até a Madre de Deus, e de lá para o São Francisco, atravessando a ponte, todos os dias”, conta Dona Vanda, a viúva, hoje com 72 anos [à época da publicação original do texto].

Vanderlisa da Silva relata que conheceu Cristóvão na porta da Cânhamo por volta de 1946, quando tinha apenas 14 anos e ele 24. Por ser muito branca, era chamada de “loura” ou “americana” pelos colegas operários. Logo chamou a atenção do compositor, que, a princípio, brincava muito com ela, mas era esnobado.

“A brincadeira virou coisa séria”, lembra Dona Vanda. Tiveram uma convivência de mais de 50 anos, no início cheia de altos e baixos, pois ambos gostavam de brincar – ela nos bailes e ele nas rodas de samba. Dessa paixão, em 1951 nasceu o único filho, Orlando Silva (poderia ser outro?), depois veio o neto, Rafael, herdeiros de uma grande fortuna: o samba inspirado e irretocável de Alô Brasil.

*Cesar Teixeira é jornalista e compositor. Perfil originalmente publicado no Suplemento Cultural e Literário JP Guesa Errante, nº. 66, em 2006, então quinzenalmente encartado no Jornal Pequeno, aqui reproduzido com pequeníssimas modificações

Confluência de talentos celebra a atualidade do universo de Aracy de Almeida

Aracy de Almeida – A Rainha dos Parangolés. Capa. Reprodução

 

Cronista de primeira linha e um dos artífices do samba, Noel Rosa (1910-1937) deixou vasta obra a despeito de ter morrido de tuberculose aos 26 anos.

Aracy de Almeida (1914-1988), sua maior intérprete, companheira de boemia, foi a responsável pela preservação da memória do Poeta da Vila nas décadas seguintes a seu falecimento.

Hermínio Bello de Carvalho, testemunha ocular de acontecimentos importantes do samba e da música popular brasileira, enciclopédia e lenda viva, produtor de rara sensibilidade – não à toa foi o descobridor de Clementina de Jesus, para ficarmos num único exemplo –, segue na ativa.

Foi ele o inventor do encontro de Marcos Sacramento (voz) e Luiz Flavio Alcofra (violão e arranjos) no espetáculo Aracy de Almeida – A Rainha dos Parangolés, que finalmente ganha o merecido registro em disco [Acari Records, 2018], ambos, a propósito, batizados por uma das alcunhas dadas à homenageada pelo próprio Hermínio.

O repertório não é dedicado exclusivamente à obra de Noel Rosa, embora ele seja o autor de nove das 17 músicas, registradas pela dupla (com a cuíca de Daniel Boechat em Triste cuíca [1935], de Noel Rosa e Hervé Cordovil, que abre o disco) em deliciosos medleys – somente Não sou manivela (Ary Barroso, 1953) e São coisas nossas (Noel Rosa, 1932) ganharam registro em faixas exclusivas.

Os arranjos caprichados de Alcofra e a interpretação vigorosa de Sacramento em um universo ao qual já está habituado – já havia gravado a faixa de abertura, por exemplo, no antológico Memorável samba [Biscoito Fino, 2003] – dão ideia da importância de Aracy de Almeida e seu legado para o samba e a música popular brasileira, embora costumeiramente ela seja lembrada simplesmente como uma jurada ranzinza de programas televisivos de calouros.

Aracy de Almeida – A Rainha dos Parangolés é um disco que faz justiça à sua memória e demonstra também a atualidade de inspirados cronistas, que versam sobre questões que ainda persistem no Brasil, que não consegue superar golpes e mazelas outras. Casos do Noel Rosa de Onde está a honestidade? [1933], sobre patrimônios sem origem em trabalho ou herança, e Século do progresso [1937], sobre o convívio brasileiríssimo de diversão e violência.

A alegria (apesar da miséria) do subúrbio é tema de Ganha-se pouco mas é divertido (Wilson Baptista e Ciro de Souza, 1941). Tenha pena de mim (Babahú e Ciro de Souza, 1937) torna ao tema da honestidade, essa espécie de atestado de otário em terra em que o crime compensa: “todos vivem muito bem/ só eu que vivo assim/ trabalho, não tenho nada/ não saio do miserê!”, lamenta a letra, arrematada pela perseverança (outra característica tão brasileira) do personagem em seguir no caminho certo: “eu vivo tão tristonho,/ fingindo-me contente/ tenho feito força/ pra viver honestamente”, finaliza.

*

Confira interpretação ao vivo para um dos medleys do disco: Engomadinho (Pedro Caetano e Claudionor Cruz, 1942)/ Ganha-se pouco mas é divertido (Wilson Batista e Ciro de Souza, 1941):

As visões de Chico Nô

Divulgação
Divulgação

 

Às margens do Rio Tocantins, Imperatriz tornou-se famosa por aglutinar um grupo de músicos, a partir de meados da década de 1980, responsáveis por uma estética particular. Nomes como o paraense Neném Bragança, o tocantinense – como entrega o sobrenome artístico – Zeca Tocantins, o potiguar Nando Cruz, o pernambucano Carlinhos Veloz e os maranhenses – nenhum nascido lá – Erasmo Dibell, Chiquinho França, Luis Carlos Dias, Wilson Zara e Gildomar Marinho, entre outros.

Dos mais simpáticos músicos já surgidos no Maranhão, Chico Nô é dos poucos de fato nascidos em Imperatriz, embora já há muito radicado na capital maranhense. Também já viveu no Rio de Janeiro, onde aprofundou os estudos e aproximou-se do universo de Noel Rosa, uma de suas mais importantes referências.

No entanto, ao contrário do carioca falecido pouco antes dos 27, engana-se quem pensar numa figura eminentemente boêmia, de vida desregrada ou coisa parecida. Apesar do sorriso constante e do jeito simples, Chico Nô é também um dos mais dedicados artistas militantes, figura em extinção num estado em que a política – sobretudo a cultural – é, ainda, fortemente marcada pelo clientelismo e pela troca de favores. Não é raro vê-lo envergando um boné do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), envolvido em eventos organizados pelo próprio, entre outros movimentos e organizações sociais.

Conhecedor de um invejável repertório de terceiros, capaz de fazer inveja a qualquer profissional da noite e do “som do barzinho”, Chico Nô é também um admirável compositor, dono de obra robusta, em volume e qualidade. Para ficarmos em poucos exemplos, citemos Chorinho de herança (com letra de Ricarte Almeida Santos) e Pequenininho, ambas gravadas por Lena Machado em Samba de minha aldeia (2009), além de Taperoá voou, homenagem ao genial e pouco falado Vital Farias, Baião dos excluídos, gravada em Regar a terra (2005), disco coletivo que celebrou os 20 anos de MST no Maranhão, e Visões de Lampião (as três em parceria com Bruno Gueiros e Vergara), que dá nome ao show em que ele faz o pré-lançamento do disco homônimo, dividido com o músico e produtor Zé Paulo.

Note-se o equilíbrio de seu repertório, tanto afeito aos problemas sociais quanto à festa, quando não às duas coisas.

Visões de Lampião, o show, acontece hoje (29), às 21h, no Barulhinho Bom (Rua da Palma, 217, Praia Grande), e terá participações especiais de Patativa e do grupo Xaxados e Perdidos, além de discotecagem de Girleno. Os ingressos custam R$ 20,00 e podem ser adquiridos no local.

A Real Grandeza de Edu Krieger

Impossível obedecer a recomendação de não fazer fotografias sem autorização prévia da produção (ou do espaço, sei lá). Fotosca: Zema Ribeiro
Impossível obedecer à recomendação de não fazer fotografias sem autorização prévia da produção (ou do espaço, sei lá). Fotosca: Zema Ribeiro

Sucessos é um nome bastante apropriado para o show que Edu Krieger apresentou sábado e domingo passados (6 e 7), de graça, no Espaço Furnas Cultural, na mítica Rua Real Grandeza, em Botafogo, Rio de Janeiro – este blogueiro assistiu ao segundo.

À frente do Edu Krieger Trio, como anunciado, acompanhado do irmão Fabiano Krieger (guitarra) e PC Castilho (flauta e percussão), Edu Krieger (voz e violão sete cordas) mostrou, em cerca de hora e meia de show, por que é um dos mais interessantes artistas da música brasileira da atualidade.

Completo, canta, toca e compõe como poucos e ouso mesmo dizer que Krieger é, apesar da pouca idade e tempo curto de carreira, apenas dois discos lançados – Edu Krieger (2006) e Correnteza (2009) –, um dos maiores cronistas musicais já surgidos neste Brasil de Noel Rosa e Chico Buarque, com quem sua obra dialoga diretamente.

Suas personagens e paisagens têm força e categoria para estar à altura deste e daquele. Basta ver os casos de Graziela, A mais bonita de Copacabana, Pole dance e Maria do Socorro (gravada por Maria Rita) – seus discos podem ser ouvidos na íntegra em seu site.

Aliás, para continuarmos às comparações a Noel e Chico, nunca o diminuindo, Krieger é um grande fornecedor de matéria-prima – ou obras primas, melhor dizendo – a nomes como a citada Maria Rita (Ciranda do mundo e Novo amor, além da citada), Roberta Sá (Novo amor), Aline Calixto (Saber ganhar), Pedro Miranda (Coluna social) e Ana Carolina (Combustível, Resposta da Rita e a citada Pole dance), entre outros, o que faz com que você muito provavelmente conheça-o, mesmo que (ache que) nunca tenha ouvido falar em seu nome.

“Eu gostaria muito que todos os políticos, tanto na esfera federal quanto na estadual, se sentissem homenageados com esta”, anunciou antes de tocar Coluna social, cujo verso inicial diz: “o Cinismo casou/ com dona Hipocrisia/ teve uma grande festança/ no apartamento da Demagogia”.

Como bom cronista que é, de língua ácida e afiada e pensamento ligeiro, o filho do maestro Edino Krieger sabe que sua opinião é importante e sobre determinados assuntos nos quais se quer e se deve meter o bedelho não dá para esperar disco. Assim vem pitacando sobre questões importantes se utilizando do youtube. São deliciosos e contagiantes seus hits Aos vinte e sete – decassílabo cujo mote afirma “rock’n roll pra valer foi Noel Rosa/ que partiu sem chegar aos vinte e sete –, Desculpe, Neymar – sobre a Copa do Mundo de 2014 –, e a Resposta ao funk ostentação – cujo ritmo foi marcado nas palmas pela plateia.

Ele cantou-as no show e comentou sobre as polêmicas geradas pelas duas últimas. “Me chamaram de coxinha, de reacionário. Até de eleitor do Aécio eu fui xingado”, disse entre risos, seus e da plateia. “O problema não é a ostentação do funk. O autêntico funk carioca, que mistura nossas raízes africanas ao eletrônico, é uma das mais importantes músicas surgidas no Brasil nas últimas décadas e eu mesmo quero aproximar essa relação da música brasileira com o funk”, afirmou. “De repente eu passei a ser chamado de comunista, marxista. O problema não está na ostentação do funk, mas na ostentação, seja ela no sertanejo, no camaro amarelo”, continuou.

Entre outras, Krieger cantou ainda Temporais (parceria com Geraldo Azevedo, “um cara que sempre foi meu ídolo, na MPB”, afirmou), Correnteza, Clareia e Rosa de açucena. No bis, uma versão eletrizante do afrossamba Canto de Ossanha, de Baden Powell e Vinicius de Moraes.

Edu Krieger está definitivamente entre os grandes.

Chorografia do Maranhão: Zeca do Cavaco

[O Imparcial, 21 de julho de 2013]

“A vida é a arte do encontro”, já ensinava o centenário Vinicius de Moraes. 11ª. entrevista de Chorografia do Maranhão marcou o encontro casual de Cesar Teixeira com um dos seus maiores intérpretes, Zeca do Cavaco, entrevistado pelos chororrepórteres no quiosque-bar de Dona Lulu, em pleno burburinho da Feira da Praia Grande

 

TEXTO: CESAR TEIXEIRA, RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

“A resistência Tira-Teima se apresenta toda sexta-feira no Brisamar Hotel, na Ponta d’Areia. Começa às 19h30min e vai até 22h30min”, anuncia Zeca do Cavaco, indagado, a quem interessar possa, quando e onde vê-lo e ouvi-lo.

A 11ª. entrevista da Chorografia do Maranhão foi marcada por uma feliz coincidência: na Barraca do Corinthiano, na Feira da Praia Grande, combinaram os chororrepórteres de se encontrar. Ali encontraram, bebendo uma “temperada”, o jornalista e compositor Cesar Teixeira, que acabou somado ao time.

“Se fosse combinado não daria certo”, afirmou Zeca do Cavaco, cumprimentando o ídolo confesso, de quem é, depois do próprio, o maior intérprete, na opinião modesta da chororreportagem.

A ideia era procurar, naquela quinta-feira abafadiça, um ponto silencioso na Casa das Tulhas, ou ir entrevistar o cavaquinho centro do Regional Tira-Teima noutro ponto da Praia Grande.

Nem tão silenciosa assim, acabaram conversando no quiosque-bar de dona Lulu, feirante simpática que regou a ocasião com cervejas geladas, como era merecido.

José Cândido dos Santos Silva, o Zeca do Cavaco, nasceu em São Luís em 11 de março de 1960. Mais precisamente no Monte Castelo, bairro em que começou a formar-se o chorão que não se considera. É filho dos já falecidos Jaime de Oliveira e Silva, militar, e Carmina Maria dos Santos Silva, doméstica.

Ao longo da entrevista, Zeca do Cavaco ainda tocou Sapo já foi na Lua (Cesar Teixeira), Adeus, batucada (Sinval Silva) e Das cinzas à paixão (Cesar Teixeira). Ao final, Zeca e Cesar, com este ao cavaquinho, cantaram juntos Folhas secas (Nelson Cavaquinho).

Além de músico, você tem outra profissão? Sou engenheiro eletricista de formação, é com o que sustento a família, é minha profissão. A música é minha paixão.

Quando começou essa paixão? Eu fui aluno da antiga Escola Técnica, depois Cefet, hoje Ifma. Lá, em 1976, eu tinha um irmão, já falecido, ele ouvia muito choro, Nelson Gonçalves, Paulinho da Viola. Aquilo ali já acendeu em mim o gosto por aquele tipo de música, Waldir Azevedo, Jacob do Bandolim… Foi ali que eu tive contato com o disco Vibrações, do Jacob, aquela maravilha de disco, e por aí vai. Ele tinha alguns amigos que já mexiam com música e a gente sempre estava perto. Mas, na verdade, comecei ouvindo. Depois é que comecei a conhecer as pessoas. Na [rua] Raimundo Correia, eu tinha um amigo, Zé Carlos, hoje pandeirista do Tira-Teima, ele fazia parte de um grupo em que ele tocava com [o violonista] Mascote. Eles tinham uma roda de samba na Vila Passos e o Mascote descia da Vila pro Monte Castelo, ali pra Raimundo Correia e iam tocar. E ali eu ia vê-los tocando e me admirava daquilo. Só ouvia e me arriscava uma coisa ou outra ao violão.

E quando foi que você começou a pegar em instrumento e a cantar? Ali já com 17 anos, em 77, eu comecei a pegar o violão e fazer ali os primeiros acordes, aquela coisa de principiante… A casa do sol nascente [The house of the rising sun, cuja versão em português teve intérpretes como os Agnaldos Rayol e Timóteo].

Você teve algum professor? Nenhum.

Sempre autodidata? Sempre autodidata. Mais tarde, com o conhecimento do choro, Waldir Azevedo, Jacob do Bandolim, ouvindo muito, é que eu me apaixonei pelo cavaquinho. Aí eu comecei a dar as primeiras palhetadas, e não parei mais. Daí pra frente fui só conhecendo as pessoas e olhando. A primeira oportunidade que me deram de participar de um grupo, não de choro, de samba, em que se tocava Geraldo Pereira, Ataulfo Alves, Noel Rosa, foi Mascote. Finado Mascote. Quem conhece a Vila Passos conhece Mascote, tocava violão de seis cordas, vocalizava, era uma figura! E ali tinha um cavaquinhista conhecido nosso, o Raul, que por um motivo ou outro se afastou do grupo. Aí Mascote me chamou. Eu ali ainda com três acordes, quatro acordes, fui pra casa dele, e ele começou a me passar coisas, acompanhamentos. Ali foi o começo.

Em teu universo familiar, além do teu irmão, teus pais te incentivaram à música? Nenhum incentivo. Só comigo mesmo.

Mas também nenhum desincentivo… Não, não. Nenhum. Eu aprendi olhando, arriscando, ouvindo. Às vezes a gente começa a pegar as informações e, de repente, cria uma própria personalidade instrumental, vamos dizer assim. Ninguém toca igual a ninguém.

A que se deveu a escolha pelo cavaquinho? A escolha pelo cavaquinho se deveu, e se deve, não é?, ao meu contato com o chorinho, o conhecimento que eu tive. Waldir Azevedo, Jacob do Bandolim, esses discos, e outros discos de cantores que se acompanhavam de regionais, como Nelson Gonçalves, Paulinho da Viola e outros.

Você já tinha conhecimento do Regional Tira-Teima? Não. Eu tive conhecimento do Tira-Teima através de um disco do Chico Maranhão chamado Lances de Agora. Aquele disco pra mim também foi um grande professor. Eu escutava muito e olhava naquele encarte Adelino Valente, Ubiratan Sousa [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 12 de maio de 2013], Paulo Trabulsi, Chico Maranhão, Vanilson, um flautista que foi embora daqui. Então ali eu lia Tira-Teima, mas só muito tempo depois é que eu fui ter contato com Paulo Trabulsi, a primeira pessoa do Tira-Teima com que eu travei amizade, conhecimento, por conta da música.

O Tira-Teima parece uma referência para o choro no Maranhão. Você concorda? O Tira-Teima é uma referência e mais importante: é uma bandeira. É uma baita de uma bandeira. Os grupos se formam, se reformam, várias formações, e o Tira-Teima está lá. Nós, enquanto Tira-Teima, eu vou falar por mim e pelos outros, a gente tem essa responsabilidade e sabe que tem. Daí o grupo não se desfaz, se renova, e está aí.

Nós já entrevistamos Ubiratan, que é de uma das primeiras formações do grupo, e já entrevistamos Solano [o violonista sete cordas Francisco Solano, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 26 de maio de 2013], da formação atual. Ambos falaram do processo de gravação do primeiro disco do Tira-Teima, até que enfim. Vocês vão deixar essa bandeira hasteada ou vão deixar a bandeira arriar? Não, a bandeira está hasteada. Já se tentou hastear várias vezes, já se chegou a meio mastro, aí bate o vento. O mastro tá fincado e a bandeira tá amarrada, é só uma questão de deflagrar o processo. Não tem mais volta: o Tira-Teima tem que fazer um registro!

Quem é o instrumentista que mais te influencia? Eu, particularmente, sou assim apaixonado por um sambista, que é o Paulinho da Viola, eu escutei muito, tem em mim muito da influência dele.

Ele é sambista e chorão. Sambista e chorão, uma grande figura da música brasileira.

Zeca, você já falou de sua porção instrumentista, primeiro o violão, depois o cavaquinho, que te deu sobrenome artístico. E o canto, quando foi que você começou a cantar? A história do intérprete já vem depois. Eu só vou completar um pouco mais para não cometer o pecado de não esquecer alguém ou alguma informação. Naqueles encontros da Vila Passos foi que eu conheci Solano, ele também começando no violão de sete cordas. A gente se identificou, ele gostava muito do Cartola e eu já cantava um monte de coisas do Cartola, eu tinha dois discos e cantava os dois de cabo a rabo, e por isso a gente travou uma amizade. Vamos voltar para a Raimundo Correia. Lá, no bairro do Monte Castelo, eu conheci ainda uma figura ímpar: seu Zé Hemetério. Eu conheci o Gordo Elinaldo, sete cordas, e por conta de Gordo eu conheci Zé Hemetério, que era professor dele. Pra lá desciam Biné Gomes, filho de seu Nuna Gomes, Bastico, e se criou ali uma forte célula de choro. Começaram a aparecer o bandolinista Carequinha, que tocava com o violonista Luiz Sampaio, depois apareceu Paulo Trabulsi. Ali foi um negócio forte de choro, e de samba. Mas nós estamos nos atendo mais ao choro.

Era o quê? Era uma quitanda? Era um bar, chamado Ângelo. O quê que era o Ângelo? Era um carioca, que tinha um restaurante de luxo lá no Calhau. Ele talvez tenha sido pioneiro nessa história de você entrar no restaurante, tem aquele moço de terno, tinha um piano-bar. Mas, por um motivo ou outro, ele faliu. O nome do restaurante era D’Angels, salvo engano. Ele saiu da elite e veio para a Raimundo Correia, alugou um negócio ali e botou um boteco fino, a que não estávamos acostumados. Ali se reuniam as pessoas. Mais tarde o professor Zé Luiz [saxofonista] começou a frequentar também, já trazia [o violonista] Luiz Jr., garoto, acompanhava [a cantora] Virna Lisi, irmã dele. Aos sábados se reunia aquela roda: Gordo, Biné, Solano, Chiquinho, um violonista sete cordas que já se foi… às vezes Agnaldo [Sete Cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 17 de março de 2013]. Então, virou aquela coisa.

A gente falou do primeiro disco do Tira-Teima e sabemos que algumas faixas serão cantadas. É por que no Tira-Teima a gente sempre trabalhou assim, a nossa cara é essa: a gente toca o choro, executa o choro e canta o choro, por que tem os choros cantados. A gente é isso. Eu vou cantar duas, Léo Capiba vai cantar duas, e o resto choros autorais, de Paulo, Solano, seu Serra [de Almeida, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 3 de março de 2013] da flauta.

O disco do Tira-Teima é importante, mas não vai suprir tua porção cantor. E teu disco? Eu quero gravar só inéditas. As pessoas regravam, tudo bem, é importante. Mas quero fazer com 10 músicas, gravando só inéditas. Já pedi música pra Cesar, estávamos até conversando sobre isso. Vai haver. Vamos fazer o registro.

Você já viveu de música? Já. Uma época da minha vida os dividendos da música eram muito bem vindos. Mas já passou e tá tudo certo.

De que grupos você já participou? Do regional de Mascote, um grupo que foi formado por mim, Biné Gomes, Gordo Elinaldo e Zé Carlos, que o Biné colocou, naquela impetuosidade dele, “Conversa de Gente Grande”. Ele botou esse nome, a responsabilidade é dele [risos]. Depois a gente formou outro grupo, eu, Gordo Elinaldo, Zé Hemetério, que ora tocava o bandolim, ora tocava o violino, e pela percussão ora passava o Marciano, ora Zé Carlos. Não nomeamos esse grupo, mas tocamos muito.

Existem sambistas que te influenciaram a cultura musical daqui do Maranhão? Cristóvão Colombo da Silva, Antonio Vieira, eu estou do lado de outro, Cesar Teixeira, Josias Sobrinho, Chico Saldanha. Essa turma já deu muito de si pra gente, e ainda tem muito que dar. Tá todo mundo trabalhando a música.

Este parece ser um momento interessante para o resgate de alguns nomes esquecidos de nossa música, além de Cristóvão, como Luís de França, Veríssimo, Sapinho, entre outros, por meio do seu trabalho. O que você acha? Eu lamento não conhecer, até por que eu não sei nem se existe esse material ou se está só na memória de algumas pessoas. Eu realmente não sei onde beber dessa fonte, eu não sei onde está essa fonte. Mas se soubesse seria uma coisa sensacional.

Vamos trabalhar em cima disso? Vamos! Conheço todos de nome, mas não sei onde buscar.

E para disco, shows e o repertório cotidiano, tocar em casa, nas casas dos amigos, qual é a fonte em que você bebe? Como eu ouço muito, já há muito tempo, eu geralmente bebo lá atrás. Ano passado, na época do mês de aniversário de Noel Rosa, eu fiz um projeto chamado Dezembro de Noel, e eu gosto muito de Noel, então, eu achava que sabia alguma coisa de Noel Rosa. Quando eu fui pesquisar, é muito… É uma coisa assim, entendeu? Conseguimos mostrar. Quem sabe nesse dezembro agora a gente não repita? O show está ensaiado, todo bonitinho, todo escrito. A fonte que eu bebo é essa, são os grandes sambistas, os artistas de música popular brasileira. Eu não ouço só samba, eu ouço tudo, choro, todos os ingredientes.

Há gente da nova geração que te chame a atenção? Tem. Não sei se a gente pode chamar de nova geração. Por exemplo, eu não falo mais em nível local, não se fala mais em MPM, a gente até aboliu isso, né? Cesar Teixeira, Josias Sobrinho… A gente tem certo, eu não diria nível de exigência, mas um gosto, que a gente acha que é bom gosto. Mas a gente é um pouco seletivo. Está se fazendo muita coisa por aí, adoidado, com aquela sede de chegar ao sucesso. Há quem me chame a atenção como intérprete, como compositor, não. Ou estou ouvindo pouco o novo.

E quem te chama a atenção como intérprete? De samba, de cantor de samba… de cantora, por que o Brasil é um país de cantoras. Se você vir, estão surgindo várias cantoras. Roberta Sá é um bom gosto, Mariene de Castro, Mariana Aydar.

De que discos você participou? Eu participei de um disco, lá atrás, do Serrinha & Cia. [Na palma da mão], eu gravei a música de Cesar, Das cinzas à paixão. Eu acho que a música se tornou conhecida ali, eu fui muito feliz, as pessoas gostaram, começaram a cantar. Eu participei de um disco, Antoniologia Vieira [vários intérpretes cantando músicas de Antonio Vieira], produzido pelo Adelino Valente, cantando uma música chamada Vou pro mar. Isaac [Barros] me chamou pra cantar um samba num disco dele, o Samba pra Rosana.

Existe uma aura positiva, um espaço para o samba do Maranhão? Existe um coração mais coletivo ou as pessoas continuam trabalhando o samba individualmente? Eu acho que hoje a gente está carente desse espaço, o Tira-Teima que o diga. Antigamente a gente saía, procurava um bar, sentava ali, e tocava o samba. Tá aqui, o exemplo está acontecendo aqui [aponta na direção de onde vem a música brega que, tocada em alto volume, ocupa as barracas próximas]. Então hoje, a gente se sente bem na casa da gente, na casa de um amigo, onde a gente sabe que as pessoas vão acolher a nossa música, o nosso jeito de tocar, o nosso repertório. Fora isso…

Pra você, o que é o choro e qual a importância desse gênero para a música brasileira? Eu costumo dizer que o choro nunca foi sucesso. A origem do choro, se a gente for buscar uma origem histórica que vocês conhecem, começa com a invasão portuguesa. Historicamente é isso, todo mundo conhece. Nunca foi sucesso, nem no tempo em que se vendiam partituras na feira, Antonio Calado, Chiquinha Gonzaga… Olha de onde viemos e onde chegamos! Nunca foi sucesso, por que naquela época era discriminado e rechaçado, nunca vai ser sucesso, mas sempre vai ser eterno. Pode até ser chamado de gênero marginalizado, no sentido de que está sempre ali à margem, passa ali aquele monte de coisas que vão, criam mais um ritmo, mais um sucesso, e vão embora. E o choro tá ali. Quero lembrar uma época, faço um filme, uma novela, uma série de época, aí vão buscar os chorinhos, tudinho.

Nunca vai ser sucesso e sempre foi à margem. Então qual a tua pretensão ao fazer choro? Nenhuma. Só perpetuar a música, só continuar trabalhando essa coisa, para ela continuar ali. É eterno, vai embora. E o que tá aqui pelo meio, o turbilhão de sucessos, vão e vêm, vão e vêm, e acabou.

Como é que você percebe o choro hoje no Brasil? Mudou um pouco. Evoluiu. O choro tinha aquela formação tradicional, cinco, seis músicos, às vezes dois violões. Começaram a se formar os músicos virtuoses e o choro foi evoluindo com isso. Antigamente a gente tocava Doce de coco [de Jacob do Bandolim] com um regional de seis pessoas. Hoje os músicos, graças a Deus, evoluíram tanto, que hoje se juntam dois e tocam tudo. Evoluiu nesse sentido.

Você se considera um chorão? Não, eu sou uma pessoa que gosto de choro.

Você é um cavaquinhista centro. Qual é o cavaquinhista que mais te influenciou? A gente toca, a gente é uma mistura, uma reunião de um monte de coisas. Tive a influência de Paulinho da Viola, Jonas [do Conjunto Época de Ouro]. Escutei muito aqueles discos de Jacob do Bandolim, Época de Ouro, muitos sambas de Paulinho da Viola. Hoje eu gosto muito do centro de Luciana Rabello, muito bonito, também. Essas pessoas todas me influenciaram.

Algum jovem da nova geração do choro que te chama a atenção? Vários. Hamilton de Holanda, Danilo Brito. Violonista a gente tem vários, o próprio Yamandu Costa, Alessandro Penezi, que a gente teve a oportunidade, enquanto Tira-Teima, de abrir o show que ele fez no Barulhinho Bom, Marcelo Gonçalves, e por aí vai. Mas a gente tem aqui também nossa resistência, nossos virtuoses, Solano Sete Cordas, Gordo Elinaldo, Paulo Trabulsi, [João] Neto da flauta, João Eudes, Luiz Jr., Robertinho [Chinês, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013], Wendell, Tiaguinho.

Existe choro maranhense? Um repertório de choro maranhense? Ou é tudo muito ocasional? Acho que a gente ainda não pode dizer isso, ainda não podemos dizer isso, mas vai ter. Tem choros de ocasião, alguém faz ali, outro faz aqui, mas acho que daqui pra frente a gente vai ter. Já se começou a trabalhar nesse sentido. O Zezé Alves [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013] produziu um livro de partituras, com um disco. É uma iniciativa brilhante e considero aquilo um começo, outras virão. Começou o caminho. Daí a ideia do Tira-Teima de fazer um disco todo autoral.

Quando você chegou, cumprimentou Cesar Teixeira como um ídolo, que também é nosso. Em que ocasião você o conheceu? Na verdade eu comecei a conhecer Cesar através de suas músicas, conheci sua arte. Muito depois a gente começou a travar, a conviver etilicamente, se encontrar, conversar, tocar. Uma vez eu fiz no antigo projeto Clube do Choro Recebe um show cujo repertório era de Cesar e Noel, uma de cada. Cesar é importante, tudo o que ele faz é maravilhoso.

Chorografia do Maranhão: Zezé Alves

[O Imparcial, 9 de junho de 2013. Cá no blogue um tantinho maior

Oitavo entrevistado da série Chorografia do Maranhão, Zezé da Flauta tornou-se Zezé Alves e investe na formação para a continuidade da cena.

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Estavam enganados os que pensavam que uma cirurgia cardíaca diminuiu a atividade e/ou a intensidade musical de Zezé Alves: ele apenas mudou o foco, trocando os palcos pelas salas de aula. Trocando, não, que o professor já dava aulas enquanto o artista apresentava-se nos bares e bailes da vida.

É o próprio músico, nascido no Maracanã, em São Luís, em 8 de dezembro de 1955, “dia de Nossa Senhora da Conceição”, ele emenda à data, quem faz a distinção entre o Zezé Alves de hoje e o Zezé da Flauta de outrora. Filho do paraibano José Alves da Nóbrega e da doméstica Inês Alves da Costa, ele chegou a morar em Bacabal, onde lembra de ter ouvido choro pela primeira vez na vida, ainda criança: “Palito, mestre Palito, José de Brito, que era dono de um conjunto em Bacabal. Saxofonista, dono do Brito Som Seis. Chegou a ser um dos maiores do nordeste. Era meu vizinho, morava de frente a minha casa. Eu saía, chegava na porta, ele estava tocando Saxofone, por que choras? [de Ratinho].

Sua mãe “fazia aqueles reisadinhos, aqueles autos, tocava cabaça, gostava muito de cantar, talvez esta seja a origem familiar”, afirma, sobre sua musicalidade. “Sempre fui muito musical”, continua. “Quando comecei, criança, eu cantava, eu era cantor, cantava Waldick Soriano. Talvez a coisa da minha musicalidade seja a seguinte, tem uma história muito interessante. Quando eu era criança eu era muito fraquinho das pernas, cheguei a ir a médicos, tomar remédios, pra ficar mais forte. E tinha um rádio e eu ficava sentado debaixo desse radio, num caixotezinho, um banquinho, um tamborete, ouvindo todas as músicas do rádio da época, da década de 1950, virando pra 60, Orlando Silva, Waldick Soriano, eu repetia todas essas músicas”, começa a contar antes mesmo da primeira pergunta.

Além de flauta, Zezé toca violão, para compor e estudar harmonia. Depois de ter ajudado a formar muitos músicos que hoje tomam conta da cena local, o professor da Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo considera-se uma espécie de “Bota pra Moer”, apelido de Antonio Lima, folclórico personagem ludovicense que carregou uma bandeira numa passeata contra o governador Eugênio Barros, em 1951. “Até aqui eu vim, mas daqui pra frente arranjem outro que seja mais doido do que eu”, teria afirmado, conforme relata Lopes Bogéa no raro Pedras da Rua (1988).

Zezé Alves recebeu os chororrepórteres em casa. Isto é, na Sala Leny Cotrim Nagy, na EMEM, a mesma que serviu de cenário para uma das fotografias do encarte de Choros Maranhenses, disco de estreia do Instrumental Pixinguinha. Estudantes de música em aula em duas salas contíguas garantiram a boa trilha sonora da conversa.

Além de músico, qual a tua outra profissão? Eu fui criado por outra família e essa família não queria que eu fosse músico, pois o pai desse pai que me criou não se deu bem, era saxofonista. Eles não queriam, eu tive que sair de casa. Eu comecei a tocar, tocar mesmo, com 22 anos já. Mas eu só vivia cantando. Na realidade me formei em contabilidade, sou contador, técnico em contabilidade. A outra profissão seria essa, por que eu trabalhei com meu pai por muito tempo num comércio, eu sei muito de comércio.

Você exerceu a profissão? Não, não exerci a contabilidade. Mas trabalhei junto no escritório dele muito tempo, ajudava nessa área. Aqueles irmãos do Six [o cavaquinhista Francisco de Assis Carvalho da Silva] eu conheci todos do Banco do Brasil por que eu ia pagar as duplicatas do comércio do meu pai e os via lá.

Quando tu falas que começaste a tocar com 22 anos, isso tu falas profissionalmente? É, por que eu cantava, eu já arranhava um violãozinho, tocava Eu só quero um xodó [de Dominguinhos e Anastácia, sucesso na voz de Gilberto Gil], tocava flauta doce, pra cima e pra baixo, pra cima e pra baixo [repete enfatizando]. Quando chega em 77, em 76 eu saí de casa, em 77 é que aí eu digo que é o meu marco: eu participei de um show chamado Boca do Lobo, de [o compositor] Sérgio Habibe. Esse show foi o primeiro com características de show, com banda, com [o violonista] Joaquim Santos, [o compositor] Ronald Pinheiro, e eu na flauta começando. Por que na realidade, meu professor de música, meu primeiro mestre de música, é o Sérgio Habibe, é meu mestre mesmo! Quando [o violonista] João Pedro [Borges, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 14 de abril de 2013] volta à São Luís, em 97, eu já o conhecia, ele de certa forma passou a ser o meu mestre, me convidou para trabalhar no Musiceuma junto com ele, aí foi que eu comecei a reforçar mais a ideia de ser educador musical. Ele reforçou isso. Eu comecei essa carreira, de 77 pra cá, comecei no show dele [de Sérgio Habibe], ele trouxe uma flauta do Rio de Janeiro, daqui a pouco eu tava tocando com todo mundo. Eu é que fui o “Bota pra Moer”, até enquanto surgiu o [flautista João] Neto, Paulinho, Lee Fan. O que eu quero agora é a função de educador. Até por que eu gosto de ensinar, sempre gostei de ensinar, eu ficava dando aula em mesa de bar [risos].

Se tu pudesses citar três músicos que foram bem influentes pra ti, do começo até agora… Palito foi o primeiro cara que eu ouvi tocar. Mas, claro: Sérgio Habibe, Chico Maranhão e João Pedro Borges. Por que Chico Maranhão também influenciou muito na minha vida, estive em São Paulo, acompanhando-o no Lances de Agora [1978]. As pessoas às vezes dizem [imita um cochicho] “ah, por que Chico Maranhão é um cara chato” [volta ao tom normal], quem é amigo dele não acha. Eu sou amigo dele, de ele ligar “vem comer aqui um tabule comigo”.

Esses três nomes que tu citaste, de João Neto, Lee Fan e Paulinho, seriam os nomes de destaque, na flauta, hoje, no Maranhão? Sim, sim. A gente não pode negar o Serra [de Almeida, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 3 de março de 2013], o grande Serra, pelo tempo, pela história dele, aquela qualidade que ele tem de tocar, lembrando Copinha, lembrando Carrilho, inclusive o Sérgio me disse isso uma vez, “Zezé presta atenção, toca igualzinho”.

Você vive de música? Vivo de música como professor de música. Sou funcionário do Estado e hoje, depois de uma pós-graduação, estou professor substituto na UEMA. Como instrumentista, o que eu ganhava era pra pagar a passagem no outro dia e tomar uma e tal. Então, sobrevivo de música, como professor, dou aulas particulares.

Tu tens uma preocupação muito grande com o registro da obra de chorões, seja no disco [Choros Maranhenses, de 2006] do Instrumental Pixinguinha, seja no Caderno de Partituras [2012]. A gente percebe que o registro ainda é uma fraqueza, mesmo com todas as tecnologias hoje disponíveis. A que tu creditas essa pobreza de registro? O pouco registro se deve a certo descaso nosso mesmo. Nós admiramos muito o que é dos outros, muita besteira. Se você ver pessoas como Cleômenes [Teixeira, compositor], Tomaz de Aquino, eram grandes professores, saxofonistas, mas não houve nenhum registro. As condições técnicas não havia, agora é que estão surgindo gravadoras com nível, mas na década de 70 não havia onde, edição de partituras era raridade. Agora é que a Escola de Música vai ter um banco de partituras, quer dizer, quase 40 anos depois [da fundação da EMEM]. O Rabo de Vaca foi um grupo que eu sempre disse que é uma escola, muita gente passou por ele: Ronald Pinheiro, [o compositor] Josias Sobrinho, [o compositor] Beto Pereira, [o contrabaixista] Mauro Travincas, todo mundo passou, mas tem pouco registro. Josias deve ter uns k7s. A gente não ligava para registrar, não havia recursos tecnológicos, nem apoio.

O Rabo de Vaca foi importante para o desenvolvimento da música do Maranhão. De que outros grupos você participou? O mais importante foi o Rabo de Vaca. O Rabo de Vaca é a cabeça de Josias. Ele tinha saído do Laborarte e eu entro no Laborarte, era muito amigo de Nelson Brito [ator e diretor teatral, ex-diretor do Laborarte], que trabalhava numa loja de discos de um tio dele, tava todo mundo debandando, e havia um departamento de artes, eu entrei, o período em que fiquei no Laborarte, Josias saiu, mas o [a peça] Cavaleiro do Destino ainda estava sendo encenado. Eu entrei para tocar violão nas peças. Em outubro [de 77] o Aldo Leite monta uma peça chamada Os Saltimbancos, e se não me engano, foi o segundo lugar em que foi feito com músicos ao vivo. No Rio de Janeiro era feito com músicos, depois no Maranhão. Nos outros lugares era playback. Na do Maranhão o Aldo Leite convidou Josias, “monta um grupo”, e se fez ao vivo. Josias convidou Beto Pereira, Mauro Travincas, acho que [o percussionista] Manoel Pacífico e Vitório Marinho, um cara que pouca gente fala, um moço cego que tocava violino. A gente tinha público. Foi um grupo muito importante para a música maranhense. Depois disso, Beto Pereira fez um grupo para tocar música maranhense em barzinhos, tocou muito, o Amor de Canela, era eu, [o percussionista] Carbrasa, Mauro, [o percussionista] Jeca e Beto, o banda líder [aportuguesa o band leader]. E no Maçaroca [1986], disco dele, ele gravou uma música nossa [Campo Cidade, parceria de Zezé Alves e Paulinho Lopes]. Depois teve outro grupo, eu, Omar Cutrim, Fazendo Mel, que era uma música dele…

E o [Instrumental] Pixinguinha? Aí sim, aí é que vem o Pixinguinha. A gente já era professor da Escola de Música, eu, Marcelo [Moreira, violonista], [o bandolinista] Raimundo Luiz, quando [Francisco] Padilha chegou, começou a ser diretor da Escola, teve essa ideia, junto com Marcelo, que era carioca, a escola precisava criar um núcleo de música popular, criaram a Big Band junto com Tomaz e Marcelo encabeçou, de certa forma, a criação de um grupo de choro. Por que um grupo de choro? Por que é a nossa música, com raiz no samba. Por que Instrumental Pixinguinha? Por que foi o maior arranjador e não sei o quê e não sei o quê. O Instrumental Pixinguinha vingou, tocamos em muitos lugares, fez um trabalho belíssimo, aquele cd, Choros Maranhenses, pioneiro, que esse caderno [aponta para o Caderno de Partituras] é uma continuidade dele, aqueles dez choros e mais alguns. Pra não falar dos compositores que eu acompanhei. Com [o cantor, compositor e violonista] Chico Nô e Lazico [o percussionista Lázaro Pereira] a gente teve um trio chamado Trio Tom, tocávamos Bossa Nova, é outro grupo de que participei. Toquei muito no Cacuriá de Dona Teté. De início era só caixa, depois tiveram a ideia de botar flauta, depois eu fiquei tocando, viajei o Brasil todo por conta do Cacuriá de Teté.

E atualmente? Atualmente eu sou titular, fundador do Pixinguinha. Emérito [risos]. Atualmente o que eu quero mesmo é essa coisa de educador musical.

Quando tu começaste a dar aulas na Escola de Música? Essa coisa da Escola de Música é interessante. Teve um governo, na época da Olga Mohana, ela foi ao Rio de Janeiro, e alguém escolheu para ela, uma porção de professores. Estes professores moravam no Seminário Santo Antonio, ela era irmã do padre João Mohana. Os caras ganhavam uma grana, na época coisa de 10 salários mínimos. Nós tivemos Watanabe, grande violinista, Emanoel Martinez, hoje regente do coral de Curitiba, Mércia Pinto, Cidinho Ornelas, então foi um naipe incrível. De repente foi todo mundo embora. Dessa leva o cara que ficou e hoje é uma figura importante é o Marcelo Moreira. Quando Padilha chega, pegou os alunos mais avançados e transformou em professores. Era eu, Raimundo Luiz e alguns outros.

Uma das críticas recorrentes à Escola de Música é a erudição, o distanciamento da pulsação de São Luís, uma coisa mais de cultura popular. Isso parece que vem sendo equacionado nos últimos anos. Vem sim. A Escola, quando ela foi lançada, na época da professora Olga, ela foi pensada nesses moldes, de formar músicos de orquestra. Ela era meio mãe, e dizia “tu vai estudar viola e tu vai estudar piano”, ela era quem dizia. Por um bom tempo ela ficou nisso, ficou nessa insistência. A primeira aluna formada aqui, grande pianista, com [o então governador do estado] João Castelo entregando diploma e tudo, foi a professora Rosimary Fontoura. Hoje em dia se forma muito aluno na área popular, violonista, baterista, cavaquinhista. Quando chega a música popular na escola, que é quando a direção chama Jayr [Torres] pra dar aula de guitarra, Diógenes pra dar aula de contrabaixo, Jeca chegou a dar aula de percussão, abriu concurso, hoje em dia Rogério Leitão é professor de bateria da casa. Essa vertente, chamada núcleo de música popular, ainda hoje em formação, com isso a escola se tornou uma coisa mais popular, encheu. O Jayr Torres faz toda sexta uma coisa chamada Sexta Musical, Sexta Jazz, enche. 90% dos alunos da escola são evangélicos. Isso mudou, se não a escola estaria do mesmo jeito.

Tu tocaste em alguns discos importantes, como Lances de Agora, Pedra de Cantaria [disco coletivo gravado em Belém, reunindo diversos compositores maranhenses, entre eles Chico Maranhão, Josias Sobrinho e Giordano Mochel], Maçaroca, Choros Maranhenses. Eu queria que tu lembrasses outros discos que têm tua flauta. O de Fátima [Passarinho, Voos, 2007] eu fiz uma flauta lá. Com Joãozinho Ribeiro eu participei daqueles shows do Samba da Minha Terra [temporada de 18 shows em bairros ludovicenses produzida por Vanessa Serra] e agora da gravação do Milhões de Uns [estreia de Joãozinho Ribeiro em disco, gravado ao vivo no Teatro Arthur Azevedo, a ser lançado em breve], em que ele gravou uma parceria nossa [a música Rua Grande, interpretada por Lena Machado]. De Sérgio eu nunca toquei em nenhum disco dele, ele gravava quase tudo no Rio. Fiz pontas em outros.

O que é o choro pra ti? Que importância tem para a música feita no Brasil? A visão que eu tenho é a que todo mundo tem: o choro como raiz dessa música popular urbana. Tem essa história toda que vocês já conhecem, da década de 30 pra cá, com Noel Rosa, com Pixinguinha. Como raiz dessa música, a mistura do batuque com a música que veio com o colonizador europeu, que criou a escola nacional, tocaram juntos com os músicos que vieram nas caravelas, e daí, teve o momento de renascimento, a partir do momento em que os caras vão estudar em Berkeley, depois a chegada da Odete Ernst Dias, que é uma mãe de todos os flautistas. O choro, a importância dele é inconfundível, inegável. Tem que estudar o choro para compreender a música brasileira. Aquela máxima de que tudo é choro, de repente vale, tudo é choro, tudo é baião. Luiz Gonzaga quando chegou no Rio, chegou tocando choro. Aliás, Gonzaga é nosso primeiro músico pop.

Como tu observas o choro hoje? Já está começando a se universalizar. Já está tendo outras influências, já estão fazendo choros mais modernos. Se você pegar o [violonista] Guinga, já faz choros mais elaborados, com a influência do jazz – Influência do Jazz [Carlos Lyra] é o nome de uma música da bossa nova [risos] – ele não tá parado, ele tá evoluindo. A pessoa hoje em dia já não estuda choro só pra tocar choro como antigamente. Ele está enriquecendo. O cara pega, estuda, vai atrás, vai fazer uma boa música.

Que nomes tu destacarias nessa cena? Gostei muito do [saxofonista] Eduardo Neves. Alguns que eu nunca mais ouvi falar, mas são muito interessantes, o [saxofonista] Zé Nogueira, o [saxofonista Mauro] Senise, assim, que eu conheço mais. Atualmente, que eu conheço, o Guinga, que a gente pode considerar um cara do choro. Tem aqueles já mais tradicionais, [o trombonista] Zé da Velha, [o trompetista] Silvério Pontes. É tanta gente que não dá para dizer um ou dois só, tem muita gente fazendo choro.

Tu disseste que tua obra como compositor é pequena. Saberias precisar em números? Quantas composições? Ah, poucas. Por que na realidade eu fiz esse choro, Candiru [parceria com Omar Cutrim gravada em Choros Maranhenses], tenho duas músicas só, mais, assim. O resto tudo tá no baú, eu toco quando me lembro. Choro é só essa. O resto são baladas, são músicas seis por oito. Com Paulinho Lopes eu tenho umas coisas que nunca foram gravadas.

Independentemente de compor choro, tu te consideras um chorão? [Pensativo, demora a responder] Não. Não. Essa resposta é meio doída, mas eu não me considero um chorão, não. Por que eu me interessei pelo choro quando foi criado esse grupo que eu tive que aprender a tocar, a mergulhar. Por que com o Rabo de Vaca eu tocava era os bois da gente, os baiões, frevo, xote, xaxado. Quando era criança, o primeiro cara que eu ouvi tocando Saxofone, por que choras?, mestre Palito, todos aqueles discos de Pixinguinha, Altamiro Carrilho na banda do Palhaço Carequinha, tudo aquilo eu ouvia.

Como tu observas o atual momento do choro no Maranhão? O choro no Maranhão, se for pegar na raiz, a gente tem sempre os antigos, por que eles tocavam choro mesmo, todo mundo tocava, tocou-se muito choro. Se você pegar, todo mundo, Cleômenes, Palito, seu Raimundo Amaral. Aqui em São Luís, a referência que eu tenho é o [Regional] Tira Teima, é Ubiratan [Sousa, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 12 de maio de 2013], Paulo Trabulsi. O Pixinguinha foi o segundo grupo. Depois do Tira Teima e do Pixinguinha, não demorou muito, o Pixinguinha reinou um pouco, aí começaram a surgir, por exemplo, o Chorando Callado, com Tiaguinho [o saxofonista e clarinetista Tiago Souza], hoje tem Wendell [Cosme, bandolinista e cavaquinhista], que tá um figura, indo gravar em Brasília, São Paulo, tem esse menino do bandolim, o Robertinho Chinês [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013], tem o João Eudes, os filhos de Osmar, tem Osmar [do Trombone], que eu fico muito feliz por ele, foi visitar o filho, os colegas adoraram, ele virou estrela, está gravando o disco lá em Minas. Quer dizer, continua aquela coisa, Clube do Choro sem sede, o povo se reunindo aqui, aqui, ali, mas tem uma geração boa tocando. Meus alunos, quando eu falo, dou o caderno pra todo mundo, “ah, tocar choro” e tal. Tá todo mundo tocando choro.

Nesse processo de pesquisa para o Caderno de Partituras, quais foram as principais dificuldades? Não houve muitas dificuldades. As 10 partituras do disco eu já tinha. Minha ideia foi recolher mais uma de cada. Eu editei, fui nos autores pra corrigir. Escolhi algumas que achava muito importantes. Cesar Teixeira não podia deixar de ter. Algumas partituras eu escrevi, mas a maioria os autores já me deram.

Quem são os teus compositores preferidos da música popular no Maranhão? Aí vão entrar as paixões. A ordem é aquela mesminha: Sérgio Habibe é um cara maravilhoso, o Chico, Josias, tem um cara que eu tenho lembrado muito dele agora, por causa dessa história do Bandeira de Aço, que é o Mochel. Cesar Teixeira inegavelmente, tem características muito próprias, de samba, tem aquela consciência política dele muito forte. É um cara muito especial.

Quais os teus próximos projetos no campo da música? Me aprofundar mais. Fazer um mestrado, se der. Aprofundar.

Qual é a diferença entre o Zezé da Flauta e o Zezé Alves? O Zezé da Flauta surgiu a partir do momento em que eu peguei uma flauta e comecei a tocar em shows, com todo mundo. É a história do “Bota pra Moer”, eu chegava e o pessoal, “olha Zezé!”, e eu onde chegava tirava, e tocava, de graça, toquei muito, tava aprendendo, toquei muito romanticamente. Esse é o Zezé da Flauta. O Zezé Alves é o educador, que começa a racionalizar mais as coisas. Todos dois são legais [risos]. As pessoas me chamam de Zezé da Flauta, gente que me reencontra depois de não sei quantos anos. As pessoas que me conhecem hoje já me chamam de Zezé Alves.

Essa distinção entre um Zezé e outro tem a ver com o consumo de álcool? Não. Por que Zezé Alves ainda bebeu pra poxa [risos]. Todo mundo que passa por essa cirurgia do coração muda muito. Eu acho que é por que o cara vai lá e volta [risos]. Mas não tem a ver não.

Você vê algum futuro para o choro no Maranhão? Não só para o choro. Teu programa [o Chorinhos e Chorões que Ricarte Almeida Santos apresenta aos domingos, às 9h, na Rádio Universidade FM, 106,9MHz], uma iniciativa como a do Alê Muniz, lembrar os 35 anos de um disco [o show em que o projeto BR-135 homenageou o Bandeira de Aço no Teatro Arthur Azevedo]. A música do Maranhão precisa se organizar. Elizeu Cardoso, Bruno Batista, há uma moçada nova muito boa, são mais organizados. A gente era mais romântico.

Tu hoje estás mais concentrado na função de professor. Mas o que te tiraria de casa para um palco ou um estúdio? O convite de grandes amigos, participar de um projeto interessante, com minha turma. Mas mesmo para pessoas de hoje eu não me nego. É só me ligar e marcar que eu vou.

Rádio Batuta homenageia Vinicius de Moraes por seu centenário

Eu mesmo já me peguei chamando-o assim, mas um dos apelidos mais injustos de nossa música popular reside em chamar Vinicius de Moraes de Poetinha. Não digo isso para polemizar: se por um lado a alcunha é carinhosa, por outro diminui a dimensão de sua obra e talento. Poetaço, isso sim, era Vinicius de Moraes.

Autor de um sem número de clássicos do cancioneiro brasileiro (você certamente já assobiou algo dele, muitas vezes sem sequer saber que isto ou aquilo é de sua autoria), poeta (naquele sentido: o de quem lança livros de poesia), boêmio (também dono e protagonista de muitas histórias com “o cachorro engarrafado”) e amante (casou-se nove vezes e bem podia figurar no livro dos recordes por isso), Vinicius de Moraes faria 100 anos 19 de outubro que vem.

A Rádio Batuta, do Instituto Moreira Salles, começou hoje (18) a reprisar os 32 episódios de Vinicius – Poesia, Música e Paixão, mais profundo documento sonoro conhecido sobre a vida e obra do artista. O documentário foi ao ar pela primeira vez em 1993, pela rádio Cultura AM.

Um dos maiores especialistas em música brasileira e biógrafo de Noel Rosa, João Máximo concebeu, realizou e narrou Vinicius – Poesia, Música e Paixão, que conta com entrevistas, feitas exclusivamente para o mesmo, de nomes como  Baden Powell, Carlos Lyra, Chico Buarque, Edu Lobo, Francis Hime, Tom Jobim e Toquinho, todos parceiros do homenageado, todos nomes importantes da chamada MPB.

Premiado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), o documentário  terá seus episódios veiculados na webrádio do IMS sempre às segundas-feiras, às 10h; aos domingos, no mesmo horário, a transmissão acontecerá na Rádio Cultura. Se você, como este blogue, perdeu o de estreia, ele está disponível no site da Rádio Batuta para audição; a cada segunda-feira um novo episódio será disponibilizado, até outubro, mês do centenário de Vinicius de Moraes.

Viva Paulinho da Viola!

Paulinho da Viola completou 70 anos ontem. Não houve estardalhaço como para outros setentões de 2012 (ou como imagino que haverá, não imerecidamente, para Chico Buarque daqui a dois anos). Não é de hoje a diminuição quase sempre imposta a este grandessíssimo artista, em geral tido apenas como sambista (como se isso fosse coisa menor) e não como um artista da MPB (o que é MPB? Samba não é música?, não é popular?, não é brasileiríssimo?).

Paulinho da Viola é fundamental! Artista de nobre linhagem e rara elegância, merece figurar em qualquer panteão da música brasileira. Se a mídia não deu a devida atenção, mesmo que apenas por ocasião da efeméride, o artista anuncia shows (no Rio, de graça, na Madureira berço de sua Portela do coração, e no Carnegie Hall) e caixa com discos, informações que li na Folha de domingo, onde soube também que a Portela irá homenageá-lo na avenida em 2013.

O maranhense João Pedro Borges, que tocou em A obra para violão de Paulinho da Viola, dividindo o disco com o artista e o pai dele, César Faria (violonista do conjunto Época de Ouro que acompanhou Jacob do Bandolim), já afirmou que é bastante valiosa a contribuição do músico para a escola brasileira do instrumento. Esta sua faceta, de compositor de choros sofisticados, é bem menos conhecida que a de sambista, porém não menos importante. O disco citado é hoje tão desconhecido quanto raro: foi distribuído como brinde de fim de ano aos clientes de uma empresa em meados da década de 1980, nunca tendo chegado ao formato digital.

Um dos momentos de maior emoção na vida do músico aconteceu quando sua Foi um rio que passou em minha vida foi cantada no aquecimento, o “esquenta”, o samba que anima os membros da escola antes de a mesma entrar na avenida. Isso foi em 1971, o disco lançado no ano anterior, espécie de resposta que Paulinho dava a si mesmo, depois de ter escrito Sei lá, Mangueira (parceria com Hermínio Bello de Carvalho), enaltecendo a rival.

Até hoje há quem acredite que sua Sinal Fechado, regravada por, entre outros, Fagner e Chico Buarque, seja de autoria do último.

Para um amor no Recife já teve regravações de Marina Lima e Zé Ramalho, alguém aí ainda desconfia que Paulinho é só do samba (o que não seria pouco)?

Paulinho é também presença constante nos discos de Marisa Monte, seja emprestando obras primas do quilate de Para ver as meninas e Dança da solidão, seja tocando um violão aqui, um cavaquinho acolá.

Acompanhada do grupo Semente, Teresa Cristina estreou em disco há 10 anos, com um trabalho inteiramente dedicado à obra do mestre: o duplo A música de Paulinho da Viola.

Ainda há muito por dizer e muito mais com o que ilustrar este post. Paulinho da Viola tem obra vasta e bem mais merecem as celebrações e homenagens por seus 70 anos. Uma frustração? Nunca ter sido gravado por Aracy de Almeida, “uma das maiores cantoras de samba” que o Brasil já (ou)viu. Uma historinha? Já cansada de ser sempre cobrada para cantar o repertório de Noel Rosa, sua maior intérprete um dia confessou estar cansada de “carregar o peso desse morto nas costas”, disse, referindo-se, “sei lá, não sei”, ao samba de Noel ou ao próprio compositor. Caetano Veloso compôs um samba novo, A voz do morto, em que homenageia Paulinho da Viola, “viva Paulinho da Viola”, vivíssimo, atuante e elegante aos 70.

Para lembrar Nelson Jacobina

Faleceu na manhã de hoje (31), em decorrência de um câncer (dado como curado há alguns anos), o músico Nelson Jacobina. Coadjuvante, mas não menos importante, Jacobina talvez estivesse para Jorge Mautner como Vadico para Noel Rosa, para dar apenas um exemplo. Atualmente era também integrante da Orquestra Imperial.

Topei com ele há alguns anos no camarim de um show que fez com o parceiro no Circo da Cidade, produção de Ópera Night. Entre nomes como Tom Zé, Elomar, Jards Macalé e tantas outros que só Ópera opera a vinda à Ilha, a plateia para Jorge Mautner (voz e violino) e Nelson Jacobina (violino) foi uma das menores em que já estive. O que não os impediu de fazer um grande show.

No encontro no camarim após o show, Mautner sem camisa no calor de São Luís exibia no peito uma profunda marca de anos de instrumento. Não tirei foto nem peguei autógrafo. Contei uma história ouvida dias antes, que lembrava uma passagem deles (ou só de Mautner?) por Imperatriz, ocasião em que Neném Bragança sentou em cima (e obviamente quebrou) os óculos de Mautner. Este lembrava do episódio e os dois riram um bocado.

Os vídeos abaixo dão uma ideia da importância de Nelson Jacobina para a música brasileira, quer como compositor quer como músico, embora seu nome quase nunca seja lembrado de imediato, de tão atrelado a Mautner. É a melhor forma de lembrá-lo e homenageá-lo.

Por exemplo, quando Mautner (violino) e Jacobina (violão) acompanham Jards Macalé nesta magistral execução ao vivo de Vapor Barato (Jards Macalé/ Wally Salomão):

Ou nessa versão dos autores para o clássico Maracatu Atômico (Jorge Mautner/ Nelson Jacobina), em que louvam Renato Russo, Cazuza, Raul Seixas e, claro, Chico Science, que com sua Nação Zumbi gravou a versão mais conhecida da música (também gravada por Gilberto Gil):

Agora a versão dos malungos:

Suas Lágrimas negras (Jorge Mautner/ Nelson Jacobina) por Nina Becker, sua companheira de Orquestra Imperial, a música também já gravada por Gal Costa, Olívia Byington,  e em dueto por Otto e Julieta Venegas:

And last but not least sua Ela rebola (Jorge Mautner/ Nelson Jacobina), com sua Orquestra Imperial:

Musa Rara

Há tempos o poeta Edson Cruz me falou dum projeto que estava desenvolvendo e convidou-me a colaborar, do Maranhão. Topei. Há  tempos o Musa Rara foi ao ar e eu ali, sem saber o que escrever no meio de tanta gente e tanta coisa boa. Pra não mais esperar, joguei, na estreia, o mesmo texto que havia escrito pro Vias de Fato de fevereiro, que, motivos de força maior, só foi às bancas agora no comecinho de março.

Estreio pois no Musa Rara com um texto que escrevi sobre Ho-ba-la-lá, livro em que me viciei após a recomendação certeira do professoramigo Flávio Reis. Impossível escapar ileso, imune, impune à leitura. Eu, que sempre tive “problemas” com a Bossa Nova, passei ao menos a ouvir seu papa, João Gilberto, com outros ouvidos. Continue Lendo “Musa Rara”

Sócrates, brasileiro

Ontem fui ao Chorinhos & Chorões, como entrega a foto acima, em que apareço com o titular do programa Ricarte Almeida Santos e os compositores Joãozinho Ribeiro, Josias Sobrinho e Chico Saldanha. A tríade foi entrevistada pelo primeiro, divulgando o show Rosa Secular II, que apresentam sábado que vem (10), às 21h, no Bar Daquele Jeito (Vinhais).

O show é mais ou menos uma reprise de Noel, Rosa Secular, que apresentaram ano passado e, a pedidos, no comecinho deste ano – e que está concorrendo na categoria “melhor show” no Prêmio Universidade FM, a maior premiação da música produzida no Maranhão.

Digo mais ou menos por que, desta feita, além de Noel Rosa também serão homenageados outros bambas centenários, Assis Valente, Ataulfo Alves, Cartola, Mário Lago e Nelson Cavaquinho, além dos saudosos e eternos maranhenses Antonio Vieira, Cristóvão Alô Brasil, Dilu Mello, João Carlos Nazaré e Lopes Bogéa. O show contará com as participações especiais de Célia Maria, Lena Machado, Lenita Pinheiro e Léo Spirro, como eu já disse aqui.

Mas não é disso que quero falar: ao adentrar o estúdio da Rádio Universidade FM ontem, a primeira notícia que recebi foi bastante triste: a subida (ontem, 4) de Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, vulgo Dr. Sócrates (1954-2011) – avesso a computadores em fim de semana, salvo raras exceções, não fui atrás de ler uma linha sobre o assunto e escrever isto aqui é a primeira coisa que faço nesta manhã de segunda-feira, após o Corinthians ter conquistado seu quinto título nacional (também ontem, 4).

 

Um jogador cerebral. Um dos fundadores, em plena ditadura brasileira, da Democracia Corintiana, que levou também para dentro das quatro linhas a luta pela redemocratização do país. Em campo ou fora dele, Sócrates nunca deixou de pensar.

Participou de duas copas do mundo, em 1982 e 86, sem ter vencido nenhuma. Azar das copas! Sócrates era a tradução humana da frase-pergunta que abre Catatau, o romance-ideia de Paulo Leminski: “que flecha é aquela no calcanhar daquilo?” Quem o viu jogar ou viu videotapes – dá um google aí no youtube agora! – sabe do que estou falando.

Colunista da CartaCapital, comentarista da TV Cultura, apresentador do Canal Brasil, o paraense era do tempo em que o esporte bretão e a mídia não fabricavam ídolos milionários da noite para o dia. Talvez por isso – ou não – ele tenha se dividido entre o futebol e a medicina. E depois ocupado os meios de comunicação de forma crítica – no último canal, nem sei se seu programa chegou a ir ao ar, gestado já em meio às complicações de saúde que o matariam ontem (4).

Em meio à geral, em geral acrítica, de torcedores, jogadores, dirigentes, cartolas e outros, Sócrates era voz dissidente, que despejava críticas e elogios a quem os merecesse, sendo ácido ou doce, conforme a necessidade. Não erraram seus pais quando batizaram-no com nome de filósofo.

Uma grande perda para o futebol e a inteligência nacionais, num dos raros casos em que essas duas categorias conseguem se conciliar. Descanse em paz, Doutor Sócrates! E que seu exemplo – necessário – possa ser seguido por mais gente por aqui.

Em sua memória e homenagem deixo a sinfonia de pardais abaixo, que ouvi e fotografei hoje pela manhã, antes de sair de casa.

P.S.: atualizo o post às 13h23min para recomendar, sobre o assunto, a subida do doutor, três belos textos: dois de Ronaldo Bressane e um de Xico Sá.

P.S.2: e às 8h55min do dia 6, este de Marcelo Montenegro.

Pétalas de rosas seculares marcam trilha da boa música

Show Rosa Secular II repete tributo a Noel apresentado ano passado mas vai além, homenageando nomes nacionais e locais

"Meus tempos de criança" abre tributo a Ataulfo prestado por Itamar Assumpção

“Eu daria tudo o que tivesse/ pra voltar aos tempos de criança/ eu não sei pra quê que a gente cresce”. Muito marmanjo por aí canta, com algum saudosismo, os versos de Ataulfo Alves. Outros, desejam ter nascido noutra época. Há ainda quem simplesmente admire “música de velho”, sendo, por vezes, alvo de chacota. Pouco importa, quase rima involuntária.

Foi João Gilberto quem apresentou a música de Assis Valente aos Novos Baianos

“Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor”. Assis Valente já havia subido quando os Novos Baianos de Morais, Galvão, Baby, Pepeu e Paulinho Boca de Cantor regravaram um de seus maiores clássicos, em Acabou Chorare (1972), eleito pela revista Rolling Stone como o maior álbum brasileiro do século 20. Não é pouco!

“Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar”. Ou era a Guerra dos Mundos, cuja história foi recentemente recontada pelo professor Francisco Gonçalves e sua equipe de pesquisadores, que botou os pingos nos is deste importante capítulo da radiofonia maranhense, ou era a impressão do povo com um blockbuster hollywoodiano qualquer. Nem uma coisa, nem outra: era novamente Assis Valente, o mesmo compositor que “vestiu uma camisa listada e saiu por aí” ou, feminino antes de Chico Buarque, “meu moreno fez bobagem”.

Estreia de Cartola na Marcus Pereira tem time de primeira linha

“Esse trabalho fez a cabeça da minha geração e hoje sei que não fui só eu que passei meses tirando os acompanhamentos e tocando em casa junto com o disco”, afirmou, acerca da estreia de Cartola na Discos Marcus Pereira, o cavaquinhista e escritor Henrique Cazes, em Choro – Do quintal ao municipal, “obra de referência indispensável para estudiosos e amantes do choro e da música brasileira em geral”, como atestou o insuspeito antropólogo Hermano Vianna, no prefácio da citada obra.

“Chatice tudo isso para você, sou o primeiro a reconhecer, homem cheio de trabalhos e compromissos, em luta permanente contra o relógio para chegar onde deve pelo menos com atraso menor, mas no momento não me ocorre o nome de nenhuma outra pessoa a quem mandar isso que nem sei direito o que venha a ser”. O trecho parece ter sido escrito sobre estes nossos dias corridos, doidos e doídos. É do misto de autor, ator, escritor e compositor Mário Lago, em Manuscrito do heróico empregadinho de bordel (1979), num tempo em que o termo artista multimídia sequer havia sido inventado. Sim, é ele o compositor de Ai, que saudades da Amélia (com Ataulfo Alves), Aurora (com Roberto Roberti), Nada além (com Custódio Mesquita) e Fracasso, entre outros sucessos radiofônicos de outrora.

Nelson Cavaquinho, nascido em 1911, teve o registro alterado para ingressar nos quadros da polícia carioca: foi registrado como se nascido um ano antes. Membro da polícia montada, deixava o cavalo preso e ia beber nos botequins aos arredores do Morro de Mangueira. Um dia – ou, melhor dizendo, uma noite – o cavalo soltou-se, regressando ao quartel antes de seu “jóquei”. O autor de Juízo final (com Élcio Soares) foi dispensado. Sorte do samba nacional, da música brasileira, que quando pisa em Folhas secas (Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito), quer que “tire o seu sorriso do caminho/ que eu quero passar com a minha dor”, esta e a morte presenças constantes em seu temário.

De Noel Rosa sobram histórias geniais, pitorescas e engraçadas, o que inclui a recente homenagem do compositor Edu Krieger, que em tempos de Amy Winehouse, Kurt Cobain, Janis Joplins, Jim Morrison e Jimi Hendrix, entre outros, decretou: “rock’n roll pra valer foi Noel Rosa, que partiu sem chegar aos vinte e sete”.

Assis Valente, Ataulfo Alves, Cartola, Mário Lago, Nelson Cavaquinho e Noel Rosa, os compositores-personagens acima, todos centenários, recebem homenagens de Chico Saldanha, Joãozinho Ribeiro e Josias Sobrinho em show que contará com as participações especiais de Célia Maria, Lena Machado, Lenita Pinheiro e Léo Spirro.

A apresentação acontece dia 10 de dezembro (sábado), data em que se celebra o aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e que antecede o aniversário de nascimento de Noel Rosa, que ano passado recebeu homenagem do trio anfitrião mais Cesar Teixeira.

Saldanha, Ribeiro e Sobrinho, juntos, apresentaram-se em projeto no Sesc Pompeia, em São Paulo, em 2004. Antes, em São Luís, foram protagonistas do show Eu e meus companheiros, no Circo da Cidade e Bagdad Café. O trio de bambas e seus convidados serão acompanhados por um regional idem: Arlindo Carvalho (percussão), Domingos Santos (violão sete cordas), Fleming (bateria), João Neto (flauta), João Soeiro (violão), Juca do Cavaco, Osmar do Trombone e Vandico (percussão).

Além dos bambas supra, Rosa Secular II, reprise ampliada do tributo a Noel Rosa, prestado ano passado e repetido, a pedidos, no início deste, homenageará também maranhenses saudosos, eternos na memória de amigos e admiradores: Antonio Vieira, Cristóvão Alô Brasil, Dilu Mello, João Carlos Nazaré e Lopes Bogéa.

Rosa Secullar II acontece dia 10 (sábado), às 21h, no Bar Daquele Jeito (Vinhais). Os ingressos custam R$ 20,00 (R$ 10,00 para estudantes com carteira).

Serviço

O quê: Show musical Rosa Secular II.
Quem: Chico Saldanha, Joãozinho Ribeiro e Josias Sobrinho. Participações especiais: Célia Maria, Lena Machado, Lenita Pinheiro e Léo Spirro.
Quando: dia 10 (sábado), às 21h.
Onde: Bar Daquele Jeito (Vinhais).
Quanto: R$ 20,00 (R$ 10,00 para estudantes com carteira).

[Release-colagem. Textos assim deverão aparecer com mais frequência por aqui. Em breve devo fechar o Ponte Aérea São Luís]

Uruguaios na roda de choro

Ricarte Almeida Santos apresenta, neste domingo, em seu Chorinhos & Chorões, a música do La Chorona, grupo uruguaio que se dedica ao choro. O blogue entrevistou Gonzalo Perera, violonista do quarteto.

Eles são uruguaios. Mas tocam como brasileiros. E nem de longe isso é desmerecer os hermanos, a analogia só é possível por tratar-se do mais brasileiro de todos os gêneros musicais: o choro. Outra analogia, cabível ou não, seria dizer de meninos que tocam como gente grande: os músicos do La Chorona têm entre 32 e 37 anos, são, pois, gente grande, e tocam como tal.

Gonzalo Perera (violão), Martin Perez (sax soprano), Nacho Delgado (pandeiro) e Santiago Silvera (bandolim e cavaquinho) formam o grupo de Montevidéu que passeia com desenvoltura por composições de nomes de lá e cá.

Deste lado da fronteira, grandes mestres da música brasileira, o choro em especial: André Victor Correia, Donga, Jacob do Bandolim, Lina Pesce, Nelson Cavaquinho, Noel Rosa, Pixinguinha, Waldir Azevedo e Zequinha de Abreu, espalhados nos dois discos que o grupo gravou até aqui: Instrumental (2005) e Chorando al sur (2010), ambos gravados de forma independente, este último quase todo dedicado à turma de Pindorama – das oito faixas, apenas La Rita é assinada por Santiago Silvera.

História – O “embaixador” do choro no Maranhão, Ricarte Almeida Santos, recebeu os dois discos do La Chorona de presente do amigo César Choairy, que topou com o grupo tocando em uma praça em Florianópolis/SC, conforme a história que conta aqui, anunciando seu programa de amanhã (27), o Chorinhos e Chorões, às 9h, na Rádio Universidade FM (106,9MHz).

Por e-mail, este blogue conversou com Gonzalo Perera, que carinhosamente agradeceu a divulgação do disco por estas plagas – as perguntas foram enviadas em português, as respostas vieram num misto de português e espanhol e aqui publicadas em português, numa quase-tradução de Zema Ribeiro.

ENTREVISTA: GONZALO PERERA, DO LA CHORONA

Zema Ribeiro – Desde quando o La Chorona está na ativa?
Gonzalo Perera – O La Chorona começou no ano 2003, com Santiago Silvera, atual cavaquinho e bandolim do grupo. Depois disso, mudou várias vezes de integrantes até hoje.

Como descobriram a música brasileira, sobretudo o choro? A música brasileira é muito difundida e o povo uruguaio gosta muito. O contato com o choro vem da pesquisa. Em busca de outros ritmos e estilos apareceu o choro, primeiro num disco de vinil de Altamiro Carrilho, depois apareceram Waldir Azevedo, Jacob do Bandolim, Pixinguinha… e aí não largamos mais!

Onde está sediado hoje o La Chorona? Desde o ano passado estamos radicados em Florianópolis.

Vocês sonham dividir o palco com algum músico brasileiro? Os músicos com que gostaríamos de dividir o palco são muitos… todos, eu acho. Hamilton de Holanda, por dizer algum. O [grupo] Choro das Três (não só porque são lindas, mas porque tocam muito), o Trio Madeira Brasil…

Que músicos uruguaios você recomendaria aos brasileiros conhecer? Alfredo Zitarrosa e o Quarteto Zitarrosa, que são os músicos que o acompanhavam. Jorginho Gularte, que faz candombé. Jaime Roos, Hugo Fatorusso, Trio Ibarburu, todos com estilos diferentes entre si.

Na sua opinião, qual o maior músico brasileiro? É muito difícil dizer qual é o maior músico brasileiro. Inclusive acho injusto com muitos outros. Mas a título pessoal, dentro do choro, acho o Jacob do Bandolim um gigante. Chico Buarque, outro estilo, outro gigante.