Obituário: Manoel de Barros

Zema Ribeiro
Zema Ribeiro

 

Desde que descobri a coincidência tive um orgulho meio besta de ter nascido no mesmo dia de Manoel de Barros. Como se dividirmos signo e data de nascimento nos desse alguma espécie de intimidade. Ele exatos 65 anos mais velho.

“O que é bom para o lixo é bom para a poesia”, aprendi com ele, que inventou coisas como o “abridor de manhãs”. “Tudo que não invento é falso”, o mantra me ecoa no juízo, aprendido em Só dez por cento é mentira, de Pedro Cezar, a ótima cinebiografia do mato-grossense.

Hoje o poeta virou passarinho e voou fora da asa. Sem mais a dizer – quisera ter escrito isso em “idioleto manoelês archaico” –, deixo-lhes um poema, que diz muito sobre si e sua obra.

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Obituário: Marco Cruz

Foto: Fernando Motta (facebook)
Foto: Fernando Motta (facebook)

Faleceu ontem (10), vítima de um câncer no estômago, o compositor Marco Cruz. Soube ao ligar o rádio para ouvir o Santo de Casa, na Universidade FM (106,9MHz). Não entendi direito – ou não quis acreditar – e liguei para a produção perguntando.

Tocaram duas músicas suas, em sequência: Bangladesh, em que ele divide os vocais com Mano Borges na faixa-título do disco que este lançou há aproximadamente 20 anos – justamente a primeira vez que ouvi sua bela voz e falar em Marco Cruz – e a toada Moderna Mocidade, do Boi da Mocidade de Rosário, grupo para o qual forneceu outras crias para o repertório.

As últimas menções ao nome de Marco Cruz em minha memória estão ligadas aos shows de gravação – de que integrei a equipe de assessoria de comunicação – e lançamento do disco ao vivo Milhões de uns, estreia de Joãozinho Ribeiro no mercado fonográfico. Este resgatou do cofo de parcerias Cidade minha, que interpretou junto com o Coral São João, e Tá chegando a hora, marchinha carnavalesca que encerra o disco fruto dos shows, em que, com todos os convidados, Joãozinho canta: “tá chegando a hora/ de anunciar a despedida”.

Há algum tempo não surgiam notícias que relacionassem o recém-falecido compositor, também técnico em informática, à música. No entanto, o também parceiro Zé Lopes anunciou que Marco Cruz deixa inacabado um disco em que estava gravando Salmos que havia musicado.

Obituário: Léo Capiba

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

Neste domingo de finados a música do Maranhão amanheceu mais triste: perdeu o sorriso largo e fácil de Léo Capiba, falecido na noite de sábado (1º.), vítima de ataque cardíaco.

Cearense do Crato, radicado em São Luís há quase 30 anos, Capiba tinha 67 anos e chegou a adiar, por problemas de saúde, o show Desde que o samba é samba, anunciado para 17 de outubro passado.

O Regional Tira-Teima, que deve lançar em breve o disco de estreia, registrou duas composições suas: Pra ser feliz, dedicada à esposa Sandra Tavora, com quem teve três filhos, e Zona do agrião, que usa metáforas futebolísticas para falar de amor.

No disco Memória – Música no Maranhão, lançado em 1997, sob direção musical e arranjos de João Pedro Borges, Léo Capiba cantou e tocou pandeiro em Não vá deixar o samba da vila, do compositor madredivino Henrique Martiniano Reis, o Sapo.

Confiram o depoimento que Léo Capiba deu à série Chorografia do Maranhão em abril passado. Continue Lendo “Obituário: Léo Capiba”

Obituário: Moema de Castro Alvim

Dona Moema, clicada pelo blogueiro, durante entrevista que me concedeu em 2006
Dona Moema, clicada pelo blogueiro, durante entrevista que me concedeu em 2006

 

Fui pego de surpresa pela notícia do falecimento da amiga Moema de Castro Alvim (22/8/1942-17/10/2014), professora aposentada da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e sebista. Internada em decorrência de um problema na vesícula, veio a falecer, após 11 dias, vítima de infecção generalizada.

Foram mais de 20 anos de convívio, desde que, ainda menino, mudamos para a Rua de Santaninha (Centro) e comecei a frequentar seu Papiros do Egito, à época localizado na Rua dos Afogados – antes funcionou na Rua do Egito, daí o nome, e hoje está na Rua Sete de Setembro.

Lá adquiri meus primeiros vinis dos Beatles (e depois, grande parte de minhas modestas biblioteca e coleção de discos) e visitá-la era sempre um bom papo, exceto quando acabávamos por enveredar por política e eu silenciava por achar que não valia a pena arranhar a amizade – nascida em Pinheiro, ela admirava o conterrâneo José Sarney como político, no que divergíamos completamente.

Em uma ocasião entrevistei-a para um trabalho de faculdade, um texto para a disciplina Jornalismo em Revista, ministrada pela professoramiga Larissa Leda. Era sobre os sebos de São Luís. A equipe obteve uma boa nota com o trabalho, mas a entrevista que me concedeu dona Moema, como sempre a chamei, é ínfima percentagem do muito que conversamos, sobre tudo, nestas mais de duas décadas de convívio, compras e cadernos de fiado.

Vez por outra ela me apresentava a algum/a cliente e sempre destacava o fato – e só então me dava conta disso – de que eu nunca vendia livros ou discos lá; apenas os comprava.

Sua atividade de sebista começou para fugir de empréstimos sem futuro: aposentada da UFMA, colegas e alunos/as costumavam pedir-lhe livros de sua coleção pessoal, que quase sempre não voltavam. Para evitar aborrecimentos e perdas de amizades, montou o sebo.

Já há algum tempo o Papiros do Egito era somente um hobby, algo para ocupar a cabeça e não sucumbir aos males da idade. Moema partiu aos 72 anos. Ela se indignava com uma equação que não fecha: “nos últimos anos quantas faculdades se abriram em São Luís? E quantas livrarias fecharam?”, perguntou, me fazendo refletir sobre o assunto. Condenava o uso indiscriminado de xerox nos cursos universitários.

Com o movimento fraco do sebo, dedicava-se ultimamente a seu blogue e ao facebook, onde debatia com amigos e admiradores assuntos os mais diversos, de literatura a política, além de comportamento e história. Neste último tema ocupava-se em pesquisar a de sua cidade natal. Diversas vezes me contou entusiasmada de descobertas acerca de fatos e personagens do município da baixada, de cuja Academia de Letras, Artes e Ciências era membro.

O falecimento de dona Moema é dolorido golpe, sobretudo por que prevejo-o duplo: com ela deve morrer também o Papiros do Egito, um dos maiores e mais longevos sebos de São Luís. Sobre isso, espero estar enganado.

Pagu (1º./9/2010-2/8/2014)

Pagu partiu para alguma espécie de céu de bichos de estimação. Foto: Zema Ribeiro
Pagu partiu para alguma espécie de céu de bichos de estimação. Foto: Zema Ribeiro

 

Presente de Luana, prima de minha esposa, Pagu chegou à nossa casa, cuja decoração acabaria por influenciar, em 8 de dezembro de 2010 – já veio com o nome, que achamos por bem manter. Tinha três meses, nascera a 1º. de setembro. Encheu ainda mais a casa de alegria, era o xodó de crianças e adultos que nos visitam e foi personagem constante em meus perfis em redes sociais, sobretudo o instagram.

Lembro-me que, antes dela, não curtia bichos de estimação – havia criado passarinhos na infância, mas hoje tenho outras ideias sobre bichos presos – e Pagu mudou isso, embora minha afeição fosse por ela, apenas, e não por bichos de estimação em geral.

Pagu morreu na madrugada de hoje (2), na rua, vítima de um ataque de um grupo de cachorros, segundo o relato de um vizinho. Não cheguei a ver o corpo, embora tenha tido vontade.

Este texto não se pretende jornalismo, obituário, tributo ou coisa que o valha. É um texto egoísta, uma tentativa de minimizar o sofrimento de perguntas e comentários futuros de parentes e amigos que me leem, os membros do, digamos, “fã clube” da gata saudosa.

Obituário: Ubiratan Teixeira

Ubiratan Teixeira perdeu ontem (15) a batalha que travou nos últimos meses contra um câncer no estômago. Nome fundamental para a literatura, o jornalismo e o teatro maranhenses, Bira, como era conhecido entre os íntimos e os nem tanto, deixa importante legado nas áreas em que atuou.

As áreas, em sua obra, aliás, não raro se confundiam. Transitava com desenvoltura por elas, às vezes mesclando-as. Suas crônicas em O Estado do Maranhão, jornal em que trabalhou desde a fundação, não raro deixavam o leitor na dúvida: o que ali havia acontecido de verdade e o que era pura invenção da cabeça mágica de Bira? A pulga na orelha do leitor que só os melhores cronistas conseguem plantar.

No teatro era autor e crítico. Seu grande Pequeno Dicionário de Teatro é obra que o torna merecedor de respeito em qualquer canto e se Bira não foi mais famoso ou conhecido (respeitado era e continuará sendo), certamente é por ter optado pela província. Seu conto Vela ao crucificado rendeu festejadas adaptações ao teatro, por Wilson Martins, e ao cinema, por Frederico Machado.

Encontros – Em 2007 sua novela Labirintos venceu uma das categorias do último edital para literatura lançado pela Secretaria de Estado da Cultura. Vez por outra, à época, ele ia à sede do órgão, na Praia Grande, saber do desenrolar das coisas para a publicação, prevista no regulamento do certame. Os poucos encontros que tivemos sempre foram muito agradáveis: Bira era muito educado, simpático e engraçado. Adorava ouvir suas lembranças de episódios hilários somadas às de José Maria Nascimento, Nauro Machado e Wilson Martins, gargalhadas às quais por vezes somei as minhas, quando eles se reuniam, para água, cafezinho e prosa, na sala que eu ocupava (naqueles idos eu chefiava a Assessoria de Comunicação da Secma). A burocracia emperrou e as obras vencedoras do edital lançado pelo governo Jackson Lago só foram publicadas no governo Roseana Sarney, quando o golpe judiciário tirou aquele do poder.

Ubiratan merece mais respeito. Foto: Murilo Santos

 

O Estado da lambança – Se por um lado a oficialidade, em notas de pesar e fotografias aos pés do féretro, parece lamentar realmente a perda de Ubiratan Teixeira, por outro sua memória parece já ameaçada: qual Tião Carvalho apontado como João do Vale, no Parque Folclórico da Vila Palmeira, órgão público estadual, o velho e saudoso Bira aparece, no mesmo “palco”, como Odylo Costa, filho, entre gente – inclusive o com quem lhe confundem – de sua mesma envergadura: Ferreira Gullar e Josué Montello. Nem comentarei a grafia do nome do jornalista que batiza outro importante órgão público estadual.

Homenagem – Ubiratan Teixeira já havia sido escolhido pela Fundação Municipal de Cultura como um dos homenageados da 8ª. Feira do Livro de São Luís, que acontecerá em novembro.

Outra grande perda – Em pouco mais de um mês, é a segunda grande perda para as letras maranhenses: seu confrade na Academia Maranhense de Letras (AML) José Chagas faleceu em 13 de maio passado.

Sobe José Chagas, maior versejador destas plagas

Conheci José Chagas (Piancó/PB, 29/10/1924 – São Luís/MA, 13/5/2014) primeiro por sua poesia, simples, mas não simplória, portanto cativante. Paixão à primeira leitura. Durante certo tempo acompanhei suas crônicas sabáticas nO Estado do Maranhão, valendo-me da assinatura de algum lugar em que trabalhei.

Ainda lembro-me do impacto de ouvi-lo abrindo XXI, livro-disco de Celso Borges. Depois o conheci pessoalmente, já velho e frágil. Dizer conhecer, neste caso, talvez soe um exagero: eu não era um seu amigo, nem fomos próximos, vi-o no máximo duas ou três vezes, em geral em eventos. Numa Feira do Livro o ouvi falar, por ocasião do lançamento de algum de seus muitos livros.

Ele não tardaria a abandonar a coluna e deixar leitores órfãos de sua pena – perdoem se não lembrar aqui a ordem precisa em que os fatos se deram. Depois deixaria de lançar livros. Dizia ter abandonado a poesia. Com sua subida – o poeta faleceu às 13h de hoje, após dias internado em um hospital da capital – familiares certamente descobrirão material inédito. Chagas pode até ter abandonado a poesia, mas esta certamente não o abandonou.

Uma vez pensei em entrevistá-lo por ocasião de alguma efeméride de Marémemória (1973), seu livro-poema tornado peça multimídia (1974) pela trupe do Laborarte, donde vem essa imagem de Josias Sobrinho e Cesar Teixeira que encabeça este blogue. Por qualquer motivo não o fiz.

Como até agora não escrevi sobre o lindo A palavra acesa de José Chagas, obra-prima lançada no posfácio de 2013, pelas mãos “cavando a terra alheia” de Celso Borges e Zeca Baleiro, um disco fundamental, imprescindível. Como a própria poesia de José Chagas.

A exemplo de outros pa/lavradores que de alguma forma relacionaram poesia e música, Chagas será lembrado sobretudo por Palafita (José Chagas/ Fernando Filizola/ Toinho Alves) e, principalmente, Palavra acesa (José Chagas/ Fernando Filizola), versos seus musicados pelo Quinteto Violado ainda na década de 1970 – a segunda fez estrondoso sucesso cerca de 15 anos depois, quando escolhida para trilha sonora de uma novela da Rede Globo. Ambas as faixas estão em A palavra acesa de José Chagas, recriadas, a primeira por Lula Queiroga e Silvério Pessoa, a segunda por Zeca Baleiro.

Era certamente um de nossos maiores poetas, mas nem isso se considerava. E não por modéstia, já que afirmava ser o maior versejador que conhecia. Nesse quesito, todo mundo está certo, todo mundo tem razão. Chagas era grande no que fazia.

Deixa mais de 20 livros publicados, entre os quais destaco (diante da importância no conjunto da obra ou por questão de gosto pura e simples) Marémemória (1973), Lavoura azul (1974), Alcântara – negociação do azul (ou A castração dos anjos) (1994), De lavra e de palavra (ou Campoemas) (2002) e Os canhões do silêncio (2002), entre outros. Obra vasta e profunda que merece ser (mais) conhecida – ainda é tempo.

2 na bossa, 2 no céu

Outro dia mesmo eu reouvi essa pérola, recém-adquirida numa coleção lançada pela Folha, a mesma a que me fez chegar, via tuiter, a notícia da subida de Jair Rodrigues.

Imediatamente lembrei-me dum show dele, vibrante, na edição de 2006 do Prêmio Universidade FM. Na ocasião ele pediu para Elis Regina descer. Eu tive certeza que ela obedeceu. Agora os dois se reencontraram na bossa do céu.

Obituário: Laurentino Sacramento

Foto: Fran Gomes
Foto: Frame de vídeo/ Fran Gomes no Facebook/ Reprodução

Fundador do Lelê de São Simão – povoado de Rosário/MA –, Laurentino Sacramento faleceu por volta de meio dia de ontem (10), aos 81 anos, e foi sepultado na manhã de hoje (11). Sofria de Mal de Parkinson e estava com os órgãos vitais bastante comprometidos, inclusive há muito andava encurvado, em decorrência de problemas na coluna vertebral.

Discípulo do mestre, o violonista Fran Gomes, que ao longo dos últimos 14 anos acompanhou-o nas apresentações da dança, lamentou a perda em uma rede social: “A cultura de Rosário/MA acaba de perder um grande baluarte. [Laurentino] Era uma figura simples, como tinha que ser, amante da cultura popular. Descanse em paz, mestre, cantador, paizão”.

Sua subida é uma perda irreparável para a cultura popular do Maranhão. Mestre de uma dança singular, Louro, como era conhecido entre os mais íntimos, tinha a mesma estatura artística de uma Elza (da dança do Caroço de Tutóia), de uma Teté (do Cacuriá a que deu nome), de um Felipe (do Tambor de Crioula a que deu nome), de um Donato Alves (do bumba meu boi de Axixá), para ficarmos em uns poucos exemplos de mestres saudosos e fundamentais.

*

Em tempo: lamentável a cobertura zero dispensada à perda pelos meios de comunicação maranhense. Fui alcançado pela notícia ruim ontem à noite, no aeroporto de Brasília/DF, via tuiter. Obrigado, Raydenisson Sá e Fran Gomes!

Obituário: Olga Mohana

“Ela era meio mãe, e dizia “tu vai estudar viola e tu vai estudar piano”, ela era quem dizia”. A afirmação é do flautista Zezé Alves, em seu depoimento à Chorografia do Maranhão [O Imparcial, 9 de junho de 2013]. O professor de música refere-se a Olga Mohana, ex-diretora da Escola de Música do Estado do Maranhão (EMEM).

A lembrança de Zezé traduz o carinho com que a professora, falecida hoje (6), era tratada por seus pares. Olga Mohana chegou a estudar canto na Universidade Federal da Bahia (UFBA), na década de 1950, mas seguindo os conselhos da mãe, que costumava dizer que “canto lírico não dá futuro pra ninguém no Maranhão”, foi parar na Faculdade de Serviço Social (da hoje Universidade Federal do Maranhão – UFMA), onde graduou-se em 1964, chegando a dar aulas e coordenar do Departamento de Serviço Social. Em paralelo, a paixão pela música: dava aulas de canto na EMEM.

Olga era irmã do padre João Mohana, outro nome fundamental para a música do Maranhão. Ela deixou um disco gravado, em que canta acompanhada da pianista cearense Mércia Pinto, professora da EMEM no período em que foi diretora (o governo biônico de João Castelo, entre 1979 e 1982). Também data deste período a gravação, ao vivo no Teatro Arthur Azevedo, do importante Missa de Antonio Rayol.

Olga Mohana tinha 80 anos e viveu os últimos dois com a saúde bastante debilitada, em decorrência de um AVC. Estava internada desde a última segunda-feira (4), na UDI, onde faleceu na manhã de hoje. O velório acontece a partir do meio dia na sala 4 da Pax União (Rua Grande, Diamante, próximo à Caixa d’Água). O sepultamento se dará às 17h, no Cemitério do Gavião (Madre Deus).

O blogue agradece as informações de Cândida Mohana e José Antonio (parentes da saudosa Olga, com quem conversei por telefone), Joel Jacintho (jornalista que me deu a notícia, via facebook) e Luiz Alexandre Raposo, por este perfil da professora no site da Academia Vianense de Letras (donde roubei informações e a foto que ilustra este post).

Cinema via poesia: subiu Giuliano Gemma

Sempre que penso em Giuliano Gemma (ou Montgomery Wood, seu pseudônimo americano), a primeira lembrança que me vem à cabeça é o poema de Celso Borges: “belas as baladas de Cat Stevens que me abalam/ as balas de Giuliano Gemma que não me calam”.

A partir deste poema, que conheci cantado-entoado por Rita Ribeiro em XXI (2001), foi que cheguei ao cinema do ator italiano. Desde então é sempre assim: à menção de seu nome, lembro o poema e depois penso nos tantos filmes que já assisti com o galã.

O mocinho nunca morre no final. É no que vou continuar acreditando para sofrer menos com a subida deste meu herói. Gemma não resistiu aos ferimentos provocados por um acidente de carro e faleceu ontem, na Itália.

Colheita da aurora

(para Victor Asselin)

Victor lutou pela paz
em ravinas de pedra,
semeou lírios azuis
num céu em chamas,
dividiu com os pobres
seu coração de hóstia,
agora desce da cruz
que perfumou sua noite
e vai colher a aurora.

Cesar Teixeira

Faleceu ontem, aos 85 anos, o padre Victor Asselin. Na imagem acima o autógrafo que deu a minha esposa, quando do lançamento da segunda edição de seu fundamental Grilagem: corrupção e violência em terras do Carajás, livro que dedicou “A todos os lavradores que morreram na luta pela terra e a todos aqueles que ainda hoje residem no Maranhão e em todo o Brasil defendendo o direito de viver e de ser gente, ofereço os anos de trabalho e de esperança destas páginas”.

Subiu Canuto Santos, do Boi da Vila Passos

Mestre Canuto Santos, do Boi da Vila Passos (19/1/1925-5/8/2013)

“Quando era pequeno, quem me levava para assistir ao boi de zabumba era um senhor com quem me criei. Seu nome era Raimundo Nonato Sousa e o de meu pai era Raimundo Nonato Santos, só mudando o sobrenome.

Fui gostando da brincadeira de bumba-meu-boi e me adaptei. Além da brincadeira de bumba-boi, existiam, no interior, festas carnavalescas, mas, como o senhor com quem fui criado não gostava de carnaval, eu também não participava dessas festas.

Sempre gostei do boi de zabumba. Nunca quis participar de outro sotaque, porque onde nasci e me criei só tinha boi de zabumba, não tinha outro boi. Essa paixão é de criança!

[…]

Acho que puxei ao lado de minha mãe, porque meu pai não gostava de brincadeira, não dançava. Minha mãe era muito festeira. Gostava de Escola de Samba, de dançar. Puxei a ela.

Tem gente que parece que vem ao mundo só para encher o mundo de pernas.

[…]

A cidade de São Luís era só uma rua, pode-se dizer. Só ia até o Canto da Fabril, o chamado caminho grande. Tudo era no escuro. Isso aqui era mangue, apicum: a maré alta levava tudo. Assim era o mar na terra. A Vila Passos só tinha o nome de passos, pois até carro puxado a burro não podia entrar. Era só água.

Onde é o campo Nhozinho Santos, era um cemitério, chamado de Cemitério dos Passos. A partir de 1950, houve certo desenvolvimento. Aqui tudo era mato.

[…]

Na minha ausência, não sei quem vai assumir. Ninguém vai querer, porque não dão conta do recado. Existem vários descendentes de Misico [Raimundo Hemetério, de quem seu Canuto herdou o Boi da Vila Passos], mas eles não querem assumir. Se quisessem, teriam feito desde o início. Não quiseram. Estavam com tudo nas mãos. Acho até que, quando eu parar, a brincadeira pára.”

*

Trechos do depoimento de Canuto Santos (19/1/1925, Porto de Baixo, Guimarães/MA) à série Memória de velhos. Depoimentos: Uma contribuição à memória oral da cultura popular maranhense. São Luís: Lithograf, 1999 (p. 45-70), v. 5, grifos originais da edição; a foto que ilustra este post, de Albani Ramos, também foi roubada do volume.

No São João deste ano, Canuto não foi à Igreja de Nossa Senhora das Graças, na Vila Passos, receber a bênção para iniciar a temporada, como costumeiramente fazia, tendo sido representado por uma filha.

Estava em seus planos retornar à Guimarães natal, tendo este ano a matança do boi sido iniciada por lá, no povoado vimarense de Guajerutiua. Estava em meus planos entrevistar o “conterrâneo”. Cheguei atrasado. Requiescat in pace, mestre Canuto!

Subiu o grande Dominguinhos

Embora o nome artístico fosse um diminutivo, Dominguinhos foi grande. Talentoso e plural, modernizou a música nordestina, que tem ainda em Luiz Gonzaga, nosso primeiro artista pop, seu maior representante, de quem o saudoso sanfoneiro é o maior discípulo.

Dominguinhos é autor de um sem número de clássicos da música brasileira, em parceria com nomes tão diversos quanto Abel Silva, Gilberto Gil, Moraes Moreira, Nando Cordel, Chico Buarque, Djavan, Fausto Nilo, Manduka, Yamandu Costa, os irmãos Clodo, Climério e Clésio, Guadalupe e, quiçá a mais constante, Anastácia, entre outros.

Sua sanfona passeava pelo forró, xote e baião nordestinos, mas também espraiava-se com igual desenvoltura por choros, sambas, tangos, baladas e o que mais aparecesse – para executar ou inventar. Seu talento de melodista é conhecido de todos nós, que por vezes assobiamos, aqui e ali, músicas suas, muitas vezes desconhecendo sua autoria.

Sabem quando uma música é tão cantada e tocada em todo canto que a noção de autoria fica um pouco perdida? Aquela sensação que nos leva a perguntar: como é que isso sai da cabeça (coração e mãos) de uma pessoa? E a afirmar: gênio! Eis aí um adjetivo perfeitamente cabível a Dominguinhos.

Além de talentoso, Dominguinhos era generoso: teceu merecidos elogios a Rui Mário, em uma apresentação no Rio Grande do Sul, história que ele contou à Chorografia do Maranhão [O Imparcial, 7 de julho de 2013, em breve penduro acá no blogue], e tocou nos dois primeiros discos de Flávia Bittencourt, o segundo, Todo Domingos, inteiramente dedicado ao repertório do sanfoneiro. “Ele foi [participar do disco] numa boa, super atencioso. […] Tem uma coisa de alma, você bate mais com umas pessoas que com outras, foi isso que aconteceu com Dominguinhos. […] Ele me apoiou, me emprestou os discos todos, ajudou na liberação das músicas. […] Vou agradecer sempre a participação dele ativa nesse processo todo”, a cantora me contou em entrevista.

Depois de seis anos de luta contra um câncer de pulmão, o filho mais ilustre de Garanhuns – perdoem-me os lulistas, é apenas uma opinião – partiu ontem para o colo de Santa Luzia, onde certamente já se juntou com Sivuca e o velho Lua Luiz Gonzaga – iluminados pela lua que nos guia com seu sorriso em noite escura.

A festa no céu começou agora, embora alguns apressados já tivessem decretado sua morte, dado o coma em que esteve por sete meses – algo parecido com o que fizeram recentemente com Zé Ramalho, outro artista com quem tocou. Hora de atualizarmos o Choro de pássaros de Ubiratan Sousa, homenagem a Luiz Gonzaga em cuja gravação Dominguinhos desfilou seu talento: “Galo de campina soltou/ sabiá escutou e transmitiu/ que o Dominguinhos/ disse adeus, partiu”.

Subiu o amigo Celso Sampaio

Em Baracatatiua, Alcântara, em momento de descontração no intervalo de alguma atividade

Faleceu na noite de ontem (29) o advogado Celso Sampaio (foto), assessor jurídico da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), em decorrência de complicações após uma cirurgia realizada para a retirada de um tumor no intestino, detectado durante sua luta contra o câncer.

Celso Sampaio estava internado no Hospital Universitário Presidente Dutra (HUUFMA), em São Luís. Após várias desmarcações, o procedimento foi realizado semana passada. Ele não resistiu ao quadro de hemorragia e comprometimento pulmonar e veio a falecer.

Figura conhecida pelo excesso de zelo quando o assunto era higiene, exageradamente cuidadoso, sempre carregava, em viagens, uma escovinha para limpar as unhas e as roupas não tinham uma dobra sequer, tudo engomado com muito capricho – quase um Monk. Mesmo trajando apenas camisa e bermuda, era a elegância em pessoa. O que não o impediu de mergulhar no Maranhão profundo, em que muitos municípios não possuem, por exemplo, saneamento básico e não lhe garantiam as condições mínimas exigidas pelo “padrão Celso de qualidade”. Ciente de sua missão, embarcava rumo aos rincões para embates contra os poderosos que querem apossar-se do Maranhão – reza a lenda que sobreviveu a 18 acidentes automobilísticos.

Um forte, um bravo. Um homem que nunca havia ido ao médico sequer para tratar de uma unha encravada, como ele mesmo gostava de dizer, do alto de sua luta contra o câncer. Poucas vezes o vi chorar e suas lágrimas tinham dignidade. Era extremamente devotado à mãe, com quem gostava de ir à Feira do João Paulo: enquanto ela consertava panelas e utensílios de cozinha em geral, ele refestelava-se com um saboroso mocotó.

Em uma brincadeira com o seu zelo por estar sempre alinhado e cheiroso, iniciamos, eu e uma turma de amigos da SMDH, a chamada rota da baixa gastronomia, em que mostrávamos a ele estabelecimentos diferentes de lojas de conveniência que ele tanto adorava: conhecia praticamente todas as de São Luís e lhes atribuía notas avaliando critérios como espaço, temperatura do ar condicionado e da cerveja entre outros.

Da última vez em que bebemos juntos, em dezembro passado, durante uma confraternização de fim de ano da SMDH, ele agradeceu-me bastante por fazê-lo conhecer o Chico Discos, então cenário de nosso amigo secreto. “Assim que eu terminar o tratamento e estiver novamente liberado, serei um habitué”, prometeu. Infelizmente não deu tempo.

De outra, antes, ele esteve em minha casa, em um aquecimento carnavalesco – bebemos um bom bocado antes de sairmos rumo ao Carnaval de Segunda do Laborarte. Durante a conversa, ele revelou: era a primeira vez em que ele se sentia à vontade em frequentar a casa de um colega de trabalho, de alguém das fileiras dos movimentos sociais. “Caro escriba” era como gostava de me chamar.

Celso Sampaio será sepultado em Vargem Grande/MA, sua terra natal. Seu exemplo aguerrido certamente inspirará muitos militantes de Direitos Humanos por aqui. Sua cabeça pelada contrastará com os fartos cabelos e barba de Deus, que certamente saberá bem recebê-lo em suas fileiras.

Tomarei umas cervejas e ouvirei My way na voz de Frank Sinatra, uma de suas músicas prediletas, para senti-lo por perto. Mais que nunca, Celso é de Deus e feito ele está conosco.