O poeta Fernando Abreu e o guitarrista Lucas Ferreira em apresentação no Teatro Cazumbá, ano passado – foto: divulgação
Fã incondicional de Robert Nesta Marley e Robert Allen Zimermann, os dois “Bobs” mais influentes da música mundial, o poeta maranhense Fernando Abreu acalentou durante anos a ideia de fazer um recital com canções dos dois artistas entremeados com poemas de sua autoria que de alguma forma dialogassem com as canções. Na cabeça tinha o título e o repertório, faltavam apenas a hora e o lugar certos.
Há três anos, a convite da jornalista, produtora e DJ Vanessa Serra, o poeta levou da cabeça para o palco o recital “Bob & Bob – I and I”, na retomada do projeto Vinil e Poesia, voltado para as conexões possíveis entre o texto poético e a canção popular. O resultado foi animador o suficiente para garantir ímpeto para insistir na proposta.
A segunda apresentação se deu ainda em 2023, no Teatro Cazumbá, onde, tal como na estreia, Fernando Abreu subiu ao palco munido de seu próprio violão, acompanhado pelo jovem guitarrista Lucas Ferreira, sobrinho do poeta, compositor, factotum e vocalista da banda roqueira Babycarpets, ex-garotos de vinte e poucos anos ligados em psicodelia, experimentação, Stooges e – Bob Dylan.
Nesta quarta-feira, ainda no clima das comemorações pelos 80 anos de nascimento de Bob Marley (1945-1981), o showrecital está de volta, dessa vez como atração do projeto Quarta no Solar. Mas o que era uma dupla dessa vez ganha ares de banda folk, com a adição de contrabaixo, cozinha rítmica e um inusitado violino, fazendo referência ao clássico “Desire”, álbum lançado por Dylan em 1976 onde o instrumento pontifica em todas as nove faixas, pelas mãos da enigmática Scarlet Rivera. O “sarau” conta ainda com a participação especial de Aziz Jr., tocando “Negro Amor”, versão de Péricles Cavalcanti e Caetano Veloso para “It’s All Over Now, Baby Blue”, imortalizada por Gal Costa em “Caras e Bocas” (1977).
Durante cerca de uma hora, a trupe passeia por várias fases da extensa obra de Dylan e Marley, costurando canções e poemas pinçados dos livros do poeta, à exceção de dois inéditos que estarão em um novo livro, a ser publicado ainda neste ano. Além de “Negro Amor”, o repertório ganha também “Señor”, em versão despojada mais próxima da leitura de um Willie Nelson. Na “faixa-bônus” de encerramento permanece a cáustica “Babylon System”, de Marley: “We refuse to be/ what you wanted us to be/ we are what we are/ that’s the way it’s going to be”. (“Nós nos recusamos a ser/ o que vocês querem que a gente seja/ nós somos o que somos/ e é assim que vai ser”).
De um total de 11 canções, oito são cantadas no inglês original. As exceções são “Small Axe”, canção guerreira dos primórdios dos Wailers que virou “Machado Afiado”, na versão livre de Abreu em parceria com o poeta Celso Borges (1959-2023). O célebre refrão do hino imortalizado pela banda The Gladiators ganha sabor marcadamente regional, mas não menos ameaçador: “você me dá pão e circo/ querendo se dar bem/ mas o pau que dá em Chico/ dá em Francisco também”.
Da fase cristã de Dylan, “Um dia você vai servir a alguém” é a segunda canção entoada na língua pátria, versão de outro convicto dylanófilo, Vitor Ramil, para “Gotta serve somebody”.
A trinca se completa com a longa “Simple Twist of Fate”, onde a dupla de poetas se permitiu um nível tal de liberdade a ponto de homenagear o cantor Chico Maranhão, que aparece citado na música. Libertinagens à parte, os poetas acreditam ter se mantido fiel ao espírito da canção gravada por Dylan em “Blood on the tracks”, de 1975.
Além de reafirmar conexões entre poesia e música popular, o recital presta um despretensioso tributo a dois heróis culturais do século XX. Dylan, um dos construtores do rock como obra de arte, ganhador do Nobel, e Marley, o único superstar mundial egresso de um país na periferia do capitalismo, autor de “Exodus”, disco considerado o mais importante do século XX pela revista Time. “Não tenho conhecimento de nenhuma iniciativa que una a obra desses dois bardos pop, que tem muito mais a ver entre si do que seus primeiros nomes: uma obra capaz de despertar identificação com pessoas do mundo inteiro em gerações diferentes. É isso que celebramos sempre que subimos ao palco com essas canções”, pontua Fernando Abreu.
Roots, rock, reggae! – Quando o rasta diz “I and I”, está dizendo: eu, meu espírito em unidade com o sagrado e com todas as coisas. Quando Bob Dylan gravou “Infidels”, em 1983, levou dois rastamen da gema para o estúdio: os lendários Sly Dunbar e Robbie Shakespeare (1953-2021). A presença da dupla garantiu que o reggae se insinuasse por todas as oito faixas, a partir do baixo e da bateria, incluindo a clássica “Jokerman”. Quem tiver ouvidos que ouça. Mas não é tudo: o disco, que pode ser chamado (com algum exagero, claro), de o disco “rasta” de Bob Dylan, traz ainda uma canção de complexo misticismo, chamada justamente “I and I”, uma canção que ameaça se transformar em reggae a cada virada de bateria.
Dylan deve ter sacado que a expressão rasta traduz o mesmo sentimento de comunhão universal a partir da experiência individual experimentado, por exemplo, por Walt Whitman (1819-1892), e que resultou em “Folhas de Relva”, especialmente no poema “A Canção de Mim Mesmo”. O mesmo que termina dizendo “sou amplo, contenho multidões”. Pois não custa lembrar que o último disco do agora octogenário bardo, “Rough and Rowdy Ways”, lançado em 2022, traz uma canção calcada na obra de Whitman, chamada “I Contain Multitudes” (Eu Contenho Multidões). I and I. O Ciclo se fecha.
A jornalista e DJ Vanessa Serra comandará o Bloco dos Alvoradeiros no próximo dia 15 – foto: divulgação
Como na letra de “Ponto de fuga”, clássico de Chico Maranhão, a jornalista e DJ Vanessa Serra trilhou “as retas mais curvas que o mundo tem” até consolidar o programa Alvorada – Memórias e Paisagens Sonoras no coração dos maranhenses. O programa é um sucesso, veiculado todos os domingos, às sete da manhã, na Rádio Timbira FM (95,5).
A ideia surgiu quando, em meio à pandemia de covid-19, ela teve que interromper o sarau Vinil e Poesia – que logo migrou, como quase tudo, à época, para o formato online. Não demoraria para Vanessa Serra inventar de acordar cedo aos domingos e botar seu público fiel para também fazê-lo, celebrando a cultura do vinil.
“O salão tá bonito, tá florido” é um bordão com que a DJ já é saudada por onde passa e é como ela cumprimenta a audiência, mandando alôs a quem ouve e assiste suas sequências tocadas em um set 100% vinil.
Com produção, pesquisa, seleção musical, roteiro e apresentação de Vanessa Serra e sonorização de Maurício Capella, o Alvorada teve início no canal da jornalista e DJ na plataforma Twitch.TV e simultaneamente pelo instagram. A live semanal estreou no primeiro domingo de maio de 2020, tendo recebido o convite para integrar a programação da Rádio Timbira quando a jornalista Maria Spíndola assumiu a direção da emissora, à época operando ainda em amplitude modulada. A estreia no dial aconteceu exatos quatro anos depois da primeira live, em 2023, também no primeiro domingo de maio. Com a migração para frequência modulada, o sucesso continua.
“Tudo que é bom dura pouco”, diz a famosa marchinha de carnaval. Vanessa Serra ousa contradizê-la em pleno pré-carnaval. Tudo que é bom merece continuar e merece celebração.
No próximo dia 15 de fevereiro (sábado), a partir das 15h, a Monalisa Cervejaria (R. V 13, 17, Parque Shalon) será o palco do Bloco dos Alvoradeiros. As atrações são a DJ Vanessa Serra e o grupo Os Timbiras – formado por músicos que são servidores da emissora: Maria Spíndola (voz), Luiz Barreto (voz), Leônidas Costa (violão) e Mariano Rosa (percussão), além de canjas especialíssimas e o lançamento da “Marchinha da Alvorada”, de Tutuca Viana, outro alvoradeiro sempre de plantão.
O Bloco dos Alvoradeiros, que congrega a audiência cativa do programa, terá Rose Carrenho como porta-estandarte e Paulinho Durans como mestre-sala.
O vesperal tem apoio cultural da Rádio Timbira FM, Metalúrgica Kiola e Capella Sonorizações. O couvert artístico individual custa apenas 15 reais. Vista sua fantasia, leve sua alegria e não perca o Bloco dos Alvoradeiros!
Com o buquê recebido na mão, João Donato saúda o público que lhe cantou os parabéns, após show em São Luís. Fotosca: Zema Ribeiro (17/8/2018)
Quando o alemão Marc Fischer (1970-2011) esteve no Brasil, “à procura de João Gilberto”, subtítulo de seu “Ho-ba-la-lá” (Companhia das Letras, 2013), entrevistou uma pá de gente ligada a um dos papas da bossa nova, entre eles o acriano João Donato (17/8/1934-17/7/2023).
Foi recebido pelo pianista e compositor em seu apartamento, trajando uma vistosa camisa florida e um cigarro entre os dedos. Fischer percebera que o consumo de tabaco havia diminuído bastante no Brasil e não deixou de observar: “nossa, você deve ser o último brasileiro que ainda fuma”, disse. Ao que Donato respondeu: “e provavelmente o último ainda vivo”.
Após o encontro, que cito de memória, João Donato entregou-lhe um baseado, onde escreveu o nome de João Gilberto (1931-2019), desejando-lhe sorte em seu intento.
A descontração era uma das marcas de um dos arquitetos que ajudou a revolucionar a música popular brasileira. Desde que chegou ao Rio de Janeiro e passou pelo obrigatório, à época, Beco das Garrafas, trocou o acordeom pelo piano, ajudou a inventar e consolidar a bossa nova, ganhou o mundo e o resto é história.
Aos 88 anos esbanjava uma jovialidade que só a música é capaz de proporcionar e explicar. João e o piano pareciam uma coisa só. Tocava e cantava sorrindo. Parecia estar pura e simplesmente se divertindo, embora saibamos que para atingir seu nível são necessários anos de estudo e dedicação.
Estreou em disco com “Chá Dançante” (Odeon, 1956) e em 1970 lançou “A Bad Donato”, que representava uma guinada em sua trajetória, apontando seu caminho a partir dali: fazer música sem rótulos nem preconceitos. Embora seja reconhecido como bossa-novista, sua extensa obra abarca uma série de gêneros, ao longo de discos e parcerias com nomes como Bud Shank (1926-2009), Carlos Lyra, Emílio Santiago (1946-2013), Eumir Deodato, Gilberto Gil, Joyce Moreno, Marcos Valle, Paula Morelenbaum, Paulo Moura (1932-2010), Roberto Menescal, Rosinha de Valença (1941-2004), Wanda Sá e seu filho Donatinho.
Seus trabalhos mais recentes são “Síntese do Lance” (Rocinante, 2012), com Jards Macalé, e “Serotonina”, lançado ano passado, cujo título é a possível tradução do que a música significa/va para João Donato e seu grande fã-clube: serotonina é um neurotransmissor relacionado aos sentimentos de satisfação e bem-estar.
Tive a oportunidade de entrevistá-lo duas ou três vezes, a mais recente com Gisa Franco em setembro passado, no Balaio Cultural, na Rádio Timbira, justamente por ocasião do lançamento de “Serotonina” (relembre a seguir).
Em 2018 estive em seu aniversário de 84 anos. Visitei-o no camarim antes do show que ele fez na edição daquele ano do Lençóis Jazz & Blues Festival, única ocasião em que assessorei o evento (com Vanessa Serra) produzido por Tutuca Viana. Sua apresentação, dia 17 de agosto, terminou com todo o ótimo público presente à Concha Acústica Reinaldo Faray (Lagoa da Jansen) cantando-lhe o “Parabéns a você”.
João Donato faleceu hoje (17) em decorrência de uma série de problemas de saúde. Recentemente ele teve uma infecção nos pulmões e foi internado na Casa de Saúde São José, onde estava intubado desde semana retrasada. O velório acontecerá nesta terça (18), no Theatro Municipal, em horário a confirmar. O corpo será cremado na sequência, no Memorial do Carmo.
Sábado passado (27) o Reviver Hostel (Rua da Palma, Praia Grande) foi palco do show de lançamento de “O Homem Que Virou Circo” (2023), novo álbum do cantor e compositor Marcos Magah, produzido pelo conterrâneo Zeca Baleiro.
O trabalho encerra uma trilogia, iniciada com o álbum de estreia “Z de Vingança” (2012) e continuada com “O Inventário dos Mortos (Ou Zebra Circular”) (2015). “O Homem Que Virou Circo” conta com participações especiais de Odair José (em “Estação Sem Fim”) e Bárbara Eugênia (em “As Coisas Mais Lindas do Mundo”, parceria dele com Celso Borges [1959-2023]).
Entre a doçura e a revolta, como salienta o produtor, o terceiro álbum de Magah preserva suas características essenciais, que tem marcado sua trajetória solo – o cantor integrou a banda Amnésia, com que ajudou a consolidar uma cena punk em São Luís, a partir do bairro do Cohatrac – com seu passeio desenvolto entre o punk, o rock e o brega, com letras inteligentes e instigantes.
Na véspera do show de lançamento, que acabei perdendo (por motivos de força maior), acompanhei um pedaço do último ensaio no Estúdio 2F Sonato (Vinhais). Na ocasião, a convite da produção, conversei com Marcos Magah e Zeca Baleiro – e por motivos idem, só agora consigo postar a conversa.
Fotos: Patrícia Castro
ENTREVISTA: MARCOS MAGAH E ZECA BALEIRO
ZEMA RIBEIRO: Antes de Baleiro ir se aventurar em São Paulo em busca do sonho de viver de música, teve uma trajetória aqui por barzinhos na noite de São Luís, que era mais ou menos a mesma época em que o Magah ajudou a consolidar ali a cena punk, a partir do Cohatrac, com a banda Amnésia. Naquela época vocês já se encontravam? Como é que era essa relação na década de 1980? MARCOS MAGAH: Rapaz, a gente se via, cidade pequena, a gente chegou inclusive a dividir palco, acho que em 1990. É 89, 90, no festival São Luís Rock Show e a gente dividiu no Coqueiro [bar], que era o festival muito louco de rock and roll [risos], e a gente dividiu o palco lá uma vez, nesse festival que eu me referi agora. São Luís, cidade pequena, todo mundo acaba se olhando em algum momento. Lá na frente, a gente acabou se encontrando novamente no filme do Neto Borges, que foi o “Ventos Que Sopram”, quando a gente começou a pensar em trabalhar junto.
ZR: Baleiro, você sempre teve uma atenção muito grande, voltada sobretudo para artistas do teu lugar, São Luís, do Maranhão, e ao longo desses anos de carreira, 26 já, isso se contarmos só a partir do disco de estreia, e você sempre deu uma força, colaborou, produziu, enfim, ajudou também a colocar nomes aí no radar. O que te chamou a atenção na obra de Magah que você resolver produzi-lo? ZECA BALEIRO: Bom, e aí, Magah? Falo a verdade ou minto? [risos]. Só te corrigindo: não era sonho, não, era desespero mesmo. Quando eu saí daqui para São Paulo era uma tentativa de alargar os horizontes, e falo isso sem desabonar a cidade que eu amo, que eu adoro e tal, mas eu tava num momento pessoal muito confuso, muito conturbado e numa vibe muito sexo, drogas e rock and roll, mais drogas do que sexo na verdade [risos]. Eu fui para buscar outros caminhos, para me aventurar, para buscar crescimento, desenvolvimento para mim, como pessoa, como artista e por outras demandas também que não vêm ao caso. Lá no meu bairro, no Monte Castelo, tinha uma turma também, Ricardo, me ajuda aí a lembrar [pede para Magah], que eram de uma banda, ali perto da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, a turminha que se reunia ali se correspondia com Arnaldo Baptista. Tu [apontando para Magah] era da Amnésia, tinha a Ânsia de Vômito, os nomes eram maravilhosos [risos], e eu era amigo deles, assim, amigo de bairro, da gente se encontrar e tal. Naquele tempo, não só em São Luís, no Brasil de uma maneira geral, essas prateleiras da música eram muito essa segmentação, era até de uma natureza mais social, a galera do rock não se misturava com a galera do samba, que não se misturava com a galera da chamada MPB, que quiseram chamar de MPM aqui, e eu era aberto. Eu gostava de música popular, me interessava por música popular de uma maneira geral, então eu era tanto amigo de Joãozinho Ribeiro, que é um cara que cultua a Velha Guarda, Noel [Rosa, compositor (1910-1937)] e tal, como podia ser amigo de Ricardo e de Magah, de outros caras. Masa gente não foi de fato, assim, amigos. A gente era ali contemporâneo, olhava ali com o interesse aquela cena, a gente esteve juntos nesse festival, eu lembro até que eu entrei com a minha banda, todos pintados, e todo mundo ficou “estão pensando que são os Secos e Molhados?”.Mas era uma brincadeira, uma provocação. Depois, o Magah esqueceu de contar, que ele perambulou por São Paulo e nessa época o Fernando Abreu, parceiro, poeta parceiro comum dos dois, escreveu: “Zeca, te lembra de Magah? Ele tá em São Paulo”. Eu tava na época viajando muito, a gente não conseguiu se encontrar, mas ele mandou três letras por e-mail. Uma delas virou a nossa primeira parceria, “Eu Chamo de Coragem”, está no “O Amor no Caos – volume 2“, aí veio o documentário, a gente se aproximou, ele mostrou umas canções e eu falei “pô, vamos fazer repertório”, e foi assim.
ZR: Agora depois dessa tua ida para São Paulo tu acabou te tornando uma espécie de embaixador, né? ZB: Eu detesto esse negócio de embaixador.
ZR: É, detesta, mas assim, é porque tu nunca negou a mão a quem precisou. ZB: É porque é amor mesmo, cara. O cara pode ser capixaba também, e eu aliás fiz, por sinal, com a obra de Sérgio Sampaio. Naturalmente, tem que ter um entendimento da vivência do cara, que pode ser Magah ou pode ser Antonio Vieira (1920-2009), da dificuldade dos meios de produção, que mesmo hoje São Luís ainda é uma cidade com muita dificuldade, como é Aracaju, como é Maceió, como é qualquer cidade menor assim, né? Não é uma metrópole como Rio, São Paulo, Belo Horizonte. Agora essa coisa de embaixador, desculpa, até posso ter sido descortês, mas é porque isso de embaixador passa um pouco uma ideia de oficialidade, sabe? E eu detesto qualquer tipo de oficialidade [risos]. Eu não sou embaixador de nada. Eu posso gostar do cara sendo maranhense, piauiense ou cearense. Naturalmente eu não me afastei, como outros artistas fizeram um afastamento, às vezes até normal, né? Por exemplo, Alcione, de quem eu sou muito fã, hoje é mais associada à cultura musical do Rio, à Mangueira do que aqui, embora ela nunca vá deixar de ser maranhense, profundamente maranhense. Por uma natureza minha mesmo, assim, pessoal, eu gosto de estar aqui, sinto um pertencimento, me sinto fazendo parte de uma coisa, me sinto inserido nisso aqui como o meu lugar, mesmo que eu vá morar na Romênia. Uma vez dividindo os microfones, o palco, a cena com Ferreira Gullar (1930-2016), um programa que o Tony Bellotto tinha, não sei se tem mais, na TV Cultura, “Afinando a Língua”, juntou o Ferreira Gullar e eu, e a gente conversando e o cara perguntou pro Gullar: “a origem importante, Ferreira Gullar?”, e ele falou: “rapaz, tudo que a gente tem, a única coisa que a gente tem, é a origem, é onde a gente nasceu, de onde a gente veio, o lugar ao qual a gente pertence, todo o resto é incerto, agora a origem é definitiva”. Eu achei isso lindo. Eu repito isso como um mantra. Eu nunca neguei minha origem.
ZR: Sábio Gullar. Esse reencontro no decorrer do processo feitura do documentário do Neto Borges, o “Ventos Que Sopram”, eu até acompanhei parte das gravações aqui em São Luís, é impossível a gente não lembrar de um parceiro comum também de vocês, Zeca até fez a devida homenagem no show de ontem, a Celso Borges. Queria um depoimento de vocês sobre essa figura tão importante para todos nós. MM: Rapaz, eu conheci Celso quando eu tava em São Paulo, essa ida a que Zeca se referiu há pouco. Aquela história da cidade pequena, que todo mundo se vê e tal. Mas às vezes não tem contato, uma intimidade, então. E aí em São Paulo, eu fui chamado para fazer uns shows que era eu, ele e o poeta Reuben, o CavaloDada. E aí nós fizemos uma série de quatro shows juntos lá e nessa história de fazer show, o Reuben, eles estavam os dois trabalhando, eu me lembro bem dessa cena, principalmente esses dias aí, e ele me chamou, o Reuben, né? Eles iam fazer uma história lá que eles recitavam poesia e eu cantava as canções, aquelas divisões que se faz, né? E o CavaloDada falou para ele assim, “cara, tu precisa olhar as letras do Magah”, e ele falou para mim assim: “então recita aí alguma coisa”, aí eu falei uma dessas letras que eu faço [risos] e ele ficou assim, gostou muito, e aí era para ser só um show e a gente acabou fazendo quatro e surgiu o lance da amizade. E a amizade da gente era uma coisa muito bacana, porque Celso era muito mais novo do que [risos]. Ele tinha uma energia, um espírito assim, eu me lembro de uma vez a gente fazendo uma canção chamada “Camboa” e ele escreveu um verso, a gente escrevia um de frente para o outro, cada um com seu papelzinho assim, e ele escreveu um verso, ele ficou tão feliz, cara, que ele subiu na janela. E eu ficava dizendo “Celso, desce daí”, eu preocupado, era uma pessoa mais velha [risos]. Então era assim, cara, era uma relação realmente intensa, e também da mesma forma, tínhamos discussões maravilhosas. Para mim é bem complicado essa coisa de pensar que Celso não tá mais aqui. Ele foi um cara muito importante para mim porque ele nunca se dava por contente. Eu mostrava algo para ele, ele dizia “não, tu faz melhor, estica isso para cá, leva pr’ali”, ele tinha essa coisa, né? E aquela coisa de um bom humor, que jogava a gente para frente. E tava sempre disposto, qualquer projeto que eu dava o toque, vamos fazer, às vezes as minhas propostas absurdas para testar a paciência dele, ele falava “eu topo”, e eu dizia “pô, esse cara é mais maluco do que eu, mano”. É um amigo e parceiro assim, cara, que realmente… as nossas conversas, que iam para muito além das questões artísticas, de criação e tal, coisa de amizade mesmo, de falar sobre coisas, amor, dinheiro principalmente. A gente falava muito de dinheiro, porque a gente não tem nenhum. Quem não tem dinheiro geralmente só fala de dinheiro e a gente conversava muito sobre isso. Meu amigo querido, meu irmão. ZB: Pra mim ainda é um pouco difícil falar sobre Celso porque ainda estou muito sob o efeito do choque. Toda morte é, de certa maneira, chocante, por mais até previsível que seja, e no caso da do Celso tomou todos nós de surpresa. Foi muito imprevisível e essas pessoas que têm uma vitalidade, uma intensidade muito grande no viver, a gente demora a acreditar. Eu perdi alguns amigos ao longo desses últimos anos e alguns deles eu até hoje não realizei, é difícil realizar. É difícil vir a São Luís, por exemplo, e imaginar que eu não vou encontrar Celso, que a gente não vai se provocar mutuamente, às vezes até brigar como a gente brigava, porque era uma relação de irmão mesmo. “Baleiro, esse disco aí eu tou achando ele meio repetitivo”, “ah, vai se foder, e esse teu último livro aí é o quê, porra?”. Então era assim, era amor mesmo, uma relação de amor, porque não era superficial, era profunda, a gente falava o que tinha que falar. Celso é muito importante na minha trajetória musical, do Nosly, de muita gente. O Celso era um fazedor, né? Quando ele foi diretor da Rádio Mirante ele criou um programa, eu ainda estudava, tinha 14 anos, estudava no Colégio Batista, e a primeira vez, 14, 15 anos, que eu toquei uma música minha. Eu era muito tímido. O Nosly, que era meu vizinho de bairro, ali, de rua, no Monte Castelo, era um pouco mais atirado, foi meu primeiro parceiro, falou: “Zeca, tem um programa na Rádio Mirante, chama “Contatos Imediatos”. Você vai, toca, aí três caras concorrem na noite, e aí as pessoas telefonam, anos 1980, 83, 84, e o vencedor, quem tiver mais votos ganha uma máquina tira-teima da Kodak e um ticket para comer na Churrascaria O Laçador. Aí eu fui, lembro que nessa noite Nosly foi me acompanhando, dois violões, um baiãozinho, chamava “Sem Pé Nem Cabeça”, foi a primeira vez, e Celso “pô, interessante essa pegada e tal, vamos encontrar”. Ele que coordenava, dirigia o programa, “vamos!”. E aí foi uma saraivada, a gente fez oito músicas em sequência, eu, ele e Nosly, que deu origem ao nosso primeiro show, “Um Mais Um”. É um cara que tá na origem de toda a nossa história. Eu lembro que a primeira vez que eu ouvi Fauzi [Beydoun, vocalista da Tribo de Jah] foi nesse programa, tocando “Neguinha”, nem era um reggae ainda, era uma balada. Acho que César Nascimento também, a primeira vez que eu vi o César foi assim. Era um cara que abria muitas portas, tinha essa coisa meio visionária. Quando eu comecei na música, Celso já tinha um certo sucesso, já era uma personalidade, já aparecia na tevê, já tinha uma aparição aqui e acolá, um programa, a Revista Guarnicê, ele já era uma personalidade pública e eu tinha simpatia pela figura dele, pelas coisas que ele fazia, nos aproximamos. Nossas histórias se cruzaram em São Paulo também, ele foi um pouco antes, quando eu cheguei em São Paulo, ele me falou: “Zeca, conheci um cara aí da Paraíba, não tem nada a ver contigo, mas tem tudo a ver contigo, tu vai entender. Chama-se Chico César, trabalha na revista Elle, a gente se conheceu aqui na Rádio Gazeta, ele veio gravar um programa, vocês dois vão se amar”. Aí eu cheguei em São Paulo. Fui de carro, com a Solange, minha companheira na época, e no caminho o amplificador, nos sacolejos das estradas do Piauí, a gente passou 20 dias viajando num Fiat Uno, chegou quebrado em São Paulo e eu precisei de amplificador. Liguei para os amigos e Celso disse: “rapaz, liga para aquele cara, ele deve ter, o Chico César, liga para ele”. Ele me deu o telefone, liguei para o Chico, nos encontramos lá na Paulista, na frente da TV Gazeta, fui até a casa dele, no meu carro, lá em Santo Amaro, que era longe para cacete, passamos a noite tocando, eu, ele e Celso tocando e ele me emprestou o amplificador. Enfim eu pude fazer o show, importante, passamos a noite tocando e realmente ficamos encantados um com o outro. Entendi exatamente o que o Celso queria dizer. Éramos diferentes, mas éramos muito afins. E ele estava tão certo que a nossa amizade permanece até hoje, inclusive vai resultar num disco até o fim do ano, início do ano, a gente vai lançar. Então o Celso é um cara muito importante, tem essa coisa de agregar pessoas. Isso é muito importante na cena cultural de qualquer lugar.
ZR: Curioso essa essa memória de vocês de Celso, essa intensidade com que ele vivia e produzia. Quer dizer, partiu fisicamente ainda no auge da capacidade criativa e está presente no disco mais novo do Magah, “As Coisas Mais Lindas do Mundo”. Queria agora focar um pouquinho no álbum, eu lembro que quando tu lançaste o “Z de Vingança”, há mais de 10 anos, já falava numa trilogia, né? Que depois veio “O Inventário dos Mortos” e agora “O Homem Que Virou Circo”. Acho que isso demonstra uma organização muito grande. Queria que você falasse um pouco desse processo, de criação do álbum, de composição. Como é que foi isso? MM: Rapaz, eu vinha escrevendo. Eu tinha a ideia de lançar esse disco, inclusive Celso foi comigo uma vez no estúdio, até para registrar algumas canções. Eu tinha a ideia do disco, o tema, algumas canções como “Ela Nunca Teve Ninguém”, eu já tinha algumas canções, “O Homem Que Virou Circo” e tal. E eu tinha ideia de registrar, de fazer esse disco. O problema é que toda vez que eu entrava no estúdio eu não achava uma liga com um produtor. O cara achava esquisito aquilo ali, queria me propor uma outra coisa lá e eu falava: “não cara, eu quero fazer isso aqui, independente de [qualquer opinião que] não, que isso aqui não vai dar certo”. Eu falei: “não, cara, eu não eu não dei certo até agora, eu não estou preocupado com isso, não, velho. Eu tô querendo registrar o disco, não interrompe a minha felicidade” [risos]. E aí eu tentava sempre, três tentativas com produtores diferentes e tal, até que encontrei com o Zeca e a gente começou a falar sobre o disco, que tem uma coisa que eu e ele, a gente gosta de coisas parecidas, assim, a gente não vê muito fronteira de música e tal. E quando a gente começou a pensar o disco eu remodelei muitas canções. Essa parceria minha com Celso, eu adoro essa música, sabe?, eu gosto demais dessa música. Eu chamei ele, essas coisas do Celso, é impossível não contar alguma coisa, “eu quero fazer uma música assim”, e ele me perguntou pelo telefone “onde é que tu tá?”; aí eu digo: “cara, eu tô aqui na casa tal”; ele: “me aguarda que eu tô chegando aí!” [risos]. Isso era Celso. E aí eu comecei a remodelar as canções, ia amostrando para Zeca, algumas coisas, “isso aqui tá bom, isso aqui não e tal”. E acabou virando esse disco. Eu fiquei muito satisfeito assim com o resultado, porque eu gravei exatamente o que eu queria gravar, não sei se eu tô respondendo tua pergunta. Mas outro dia eu vi uma coisa engraçada, o cara disse que eu que eu me vendi e tal. Eu digo: “pô, eu preciso olhar o comprador”, não tenho ideia de quem me comprou até agora, que eu fiz concessão. Pô, cara, se tu for escutar o disco, eu não entendo, não tem concessão, ali eu fiz exatamente o que queria, a gente nunca conversou sobre “não, vamos mudar isso aqui”, não. A gente não é bobo, né,cara? Não faria sentido. Não tinha porquê. Umas coisas assim engraçadas, quando a gente tava fazendo o disco, talvez valha o registro, é que vem eu e Zeca dentro do carro e eu falei assim, “pô, Zeca, eu quero te dizer uma coisa; rapaz, eu gostaria que tu não cantasse no disco”. E ele falou: “bicho, eu estou pensando a mesma coisa” [risos].
ZB: Todo disco que eu produzo eu canto e eu desde o início falei: “Magah, acho que nada a ver, vamos buscar outras pessoas, tentar o Odair José, Fernando Mendes, alguém com quem você tenha uma afinidade”. Eu preferi tocar, toquei teclado, percussão, assobiei no disco, criei as linhas de baixo, mas cantar, não [risos]. Eu cantar era um caminho fácil, óbvio. MM: Nós dois estávamos pensando a mesma coisa.
ZR: Como é que foi a costura das participações especiais de Bárbara Eugênia e Odair José? ZB: O Magah mostrou as músicas e tal, eu mandei as quatro que tinham esse acento mais brega descarado, embora o brega do Magah seja muito sofisticado, mas tem esse flerte com essa música mais popular, então mandei quatro e falei: “ouve aí, Odair!”, e ele falou: “eu gostei dessa, essa aqui é a minha cara”. E o desgraçado do Odair é tão talentoso, bicho, é aquela coisa, a gente cola no clichê, na lenda que se forma em torno do cara, às vezes deixa de ver o real, o cerne da coisa. Ele mandou a música transformada. Para melhor! Ele deu uma melhorada, a música já era boa.
ZR: Quase vira parceiro. ZB: Quase vira parceiro. É. Eu até falei: “Odair, você não quer? Você fez o arranjo”. “Não, eu não quero, é só como eu li a música. Eu gostaria que vocês gravassem assim”. O Magah falou: “porra, ficou demais”. Ele releu a música, se identificou, pegou o violão e fez. Mostrei, falei: “vamos fazer exatamente o que o Odair fez, só que com banda: bateria, baixo, guitarra e órgão”. Ficou aquilo. Gênio, né? O cara que tem um entendimento da música, da canção, como poucas pessoas. E a Bárbara eu tava produzindo o disco dela, calhou de, no mesmo tempo. O disco do Magah durou uns três anos, porque a gente começou em janeiro do ano da pandemia. 2020, né? A gente gravou as primeiras bases de voz e violão no Estúdio Zabumba aqui, levei. E aí a pandemia veio e ferrou tudo, né? Fez a gente postergar tudo. Aí fui fazendo devagarinho, voltei, fizemos mais uma bateria de canções, foi mudando também o repertório. Magah dizia: “ah, eu fiz uma nova safra aqui que eu acho que tem mais a ver” e assim foi. E a Bárbara estava justo em processo, ele falou: “adoro ela, cara, adoro o timbre dela. Vamos achar uma música?”. Quando ele mandou a parceria com Celso, eu falei: “é essa aí, vai ficar linda na voz dela”; ele não queria nem cantar [risos]; “tá tão bonita que eu não vou nem cantar”, ele me disse; o disco é teu, tem que cantar; e ficou lindona, né? Parece uma música assim, um folk americano dos anos 50, 60, tem um traço especial.
ZR: Quando a gente ainda estava esperando Baleiro, eu estava vendo um pedaço do ensaio e vocês falaram numa coisa de não fazer concessões, de não pensar na coisa de transformar o trabalho do Magah para ser palatável. E aí teve uma mudança na banda e, “ah, agora tá soando como Magah”; e eu disse: pode botar Magah com a Filarmônica de Berlim que sempre vai ter uma coisa brega e punk ali, que é o traço dele. Isso facilitou a produção do disco, essa coisa de não ter que repensar muita coisa? ZB: Não. Dificultou [risos]. É o seguinte: tem dois tipos básicos de gente no mundo: o cara que mesmo certo tá errado e o cara que mesmo errado tá certo. Magah é do segundo time. Então, assim, musicalmente falando por exemplo, ele tem uma forma de respirar, uma compreensão do ritmo da música, muito particular. Tem outros artistas que são assim: Chico. Chico César, tocar com ele é super difícil, porque ele tem umas coisas que não são óbvias, de compasso, ele mete os compassos, e é intuitivo, coisa de origem, atávico, quebra a matemática, bota um compasso de 5 por 8 no meio de um 4 por 4, é um negócio assim, e Magah tem, a seu modo também, com essa viagem roqueira que ele tem, faz compasso muito louco. Teve uma música lá que eu falei assim: “essa aqui a gente não vai conseguir botar metrônomo, botar um clique para poder depois a banda gravar”. Então o que que eu fiz? É aquela “Eu Gosto de Ler a Bíblia”. Eu falei: “grava aí do teu jeito, respira do teu jeito, canta do jeito que tu acha, o povo lá que se foda, a banda lá”; aí a gente foi, passamos uma noite lá, o Kuka [Stolarski], baterista, ficou contando os compassos, “não, aqui tem um compasso de cinco, aqui tem um compasso de três”; eu falei: “escreve a partitura aí, bicho, trabalha”; aí ele fez todo o mapinha, mas ficou sensacional, porque ficou do jeito que ele faria mesmo. A gente não tentou fazer caber numa quadratura mais careta, mas conservadora, mais lógica. Não teve isso. O rock dele tá preservado. Agora, talvez até porque o cara tá ficando um senhor, as canções, tem uma canção ou outra com uma certa doçura, tem uma raiva, uma revolta aqui, mas tem uma doçura ali, faz parte também. Mas não tem esse negócio de concessão, isso é besteira. O rock precisa também, os amantes do rock, desse imaginário rock, precisam dessa coisa meio antissistêmica, assim, “você se vendeu”. Eu lembro, vou contar um episódio. Quando eu gravei o Charlie Brown Jr., que inclusive era rock, mas uma galera mais assim, ficou, teve um happening punk, assim, lá em Recife, o pessoal no carnaval se virou de costas na hora que eu toquei a música, eles queriam que eu tocasse “Vô Imbolá”, “Heavy Metal do Senhor”, essa faceta mais atrevida, mais rítmica, pós-mangueBit, aquela coisa. E quando eu toquei eles se viraram. E outro garoto em Londrina falou assim: “me decepcionei com você, bicho, você se vendeu para o mercado”. Aí eu falei: “cara, não, rapaz, você não tá entendendo o que é isso, isso é outra coisa”. Aí eu voltei lá três anos depois, ele tinha me perdoado com “Pet Shop Mundo Cão” (2002) [risos]. “Tá perdoado, tá perdoado”. Então tem essa coisa, faz parte, “o cara se vendeu”,a gente também tinha isso quando jovem, curtia uns caras, aí de repente, Rita Lee (1947-2023) era isso, era uma loucura com Mutantes, com o Tutti-Frutti, depois entrou Roberto de Carvalho, só com o tempo que você vai avaliar, aquela obra também é fantástica. Era mais pop, era mais radiofônica, era mais comercial. Mas ainda assim era brilhante, era sensacional. Então, essas avaliações fazem parte também desse imaginário do rock. É bom até, né? Tem uma cena maravilhosa no documentário do Jards Macalé. Perguntam ao [cantor e compositor Gilberto] Gil: “Gil, mas o quê que você acha, Macalé, esse artista que nunca fez concessão?”. “Nunca fez concessão, é? Eu não conheço ninguém que nunca tenha feito concessão”. Não tem como viver sem fazer concessão. Mas não é o caso aqui.
ZR: Magah em estado bruto, mas de algum modo também, lapidado. MM: Bruto, porém nem tanto. ZB: Os brutos também amam [risos]. Essa coisa da produção, eu não sou assim um produtor, no sentido tecnológico do termo, como Liminha é, como Brian Eno é e tal. Eu sou produtor no sentido de arregimentar, de orientar, de dar um caminho. E de respeitar o que o cara é, porque se for pra descaracterizar, então, ele que arranje outro. É para extrair o melhor dele, se eu puder fazer, ajudar nisso, eu tô dentro. Se for para estragar, arranje outro. MM: Tem uma coisa que perde o sentido, porque o que, no caso, atraiu um produtor como Zeca, foi aquilo que os caras acham que você deveria como produtor, descaracterizar. Se o que te atraiu foi aquilo, é aquilo que deve ser preservado, é o coração. ZB: Lapidação era um termo mais técnico, de fazer, de botar bons músicos tocando, bons técnicos mixando, masterizando, dando timbres, esse cuidado com timbres, mas eu acho um disco rock pra cacete. Você não acha, não?
ZR: Sim, acho. Baleiro precisa ir para o cortejo [parte do elenco de “Dom Quixote de Lugar Nenhum”, musical de Ruy Guerra com trilha sonora de Baleiro, faria um cortejo àquela tarde, na Praia Grande], Magah precisa continuar o ensaio. Vamos fechar falando do show de amanhã, o lançamento d“O Homem Que Virou Circo”, no Reviver Hostel. Banda, participações especiais, e reforçar o convite para a rapaziada que tá assistindo a gente [esta entrevista foi gravada em vídeo, mas problemas técnicos impediram o upload no youtube]. MM: Pois é, a gente vai estar lançando agora, sábado, 27, amanhã, né?, “O Homem Que Virou Circo”, cheio de participações especiais. Em primeiro lugar, eu quero citar aqui a minha banda, a Magahdelic Band, é uma banda assim, é quase a The Band, tu tá entendendo?, só que no Maranhão [risos], então acompanhado da minha banda, a gente vai ter a Vanessa Serra, DJ que eu gosto pra caramba, o amor que ela tem pelo vinil, as coisas que ela põe lá.
ZR: Fala os nomes da banda. MM: Sim, citar os integrantes da banda. O Eduardo Pinheiro na guitarra, assim que eu olhei ele tocando, cara, primeira vez eu imediatamente chamei ele, “chega aqui, cara, vamos tocar ali”, ele já conhecia meu trabalho e tal e ficou contente para caramba, então o Eduardo na guitarra; o Gus Mendes que é um baixista também que eu olhei assim, garotão da noite. É só garoto, né? De idoso só tem eu. Eu só pego garoto!
ZR: A galeria do amor. MM: [risos] Quando eu lancei o “Z”, a canção que abria o show era esta, né, “Galeria do Amor” [do repertório de Agnaldo Timóteo (1936-2021)], e ficou todo mundo assim, esse cara, e ficou muito bonito. Aquilo ali é rock, aquela linguagem maravilhosa, libertária, linda. O Gus Mendes no baixo, o Diogo nos teclados e efeitos e meu querido Taylor na bateria. Essa é a Magahdelic Band, uma banda que tem uma facilidade para fazer concessão, então é a banda perfeita pra mim. ZB: Concession Band. MM: É, Concession Band [risos], a gente vai mudar o nome. E é isso, cara, se eu estiver esquecendo alguma coisa o Baleiro vai completar aqui a parada de sucesso. ZB: Nada mais a declarar. Só dizer que fico muito feliz de ter feito essa parceria com Magah. Peço desculpas pela demora na entrega do trabalho, mas a gente vai falar todo mundo ainda, que tem uma lista de agradecimentos. O show tem a produção de Aziz Jr., Samme Sraya, Tiago Máci, que também é nosso parceiro. MM: A participação da Dicy, cantando comigo “As coisas mais lindas do mundo”. Também vai ficar lindo com ela, cara, também sou fãzão. ZB: E é isso. Acho que a missão está cumprida, era fazer um disco, um disco genuíno, assim, não que os discos dele anteriores [não fossem], eu adoro os discos dele, mas quando eu ouvi as canções, falei, “poxa, eu sei exatamente o que fazer com isso, eu acho que sei exatamente o que fazer com isso”, sem também descaracterizá-lo, sem levar para um outro caminho, sem tentar fazer o que não é, porque as coisas são que são. O que não é o que não pode ser o que não é o que não pode ser o que não é, né? Aquela coisa lá [citando a música dos Titãs], então, eu ouço com o maior prazer esse disco, o que é um bom sinal, porque depois que eu produzo alguma coisa, eu passo um tempo assim, tenho um tempo de afastamento. Mas é um disco que eu ouço com muito prazer, boto, recebo amigos, boto para ouvir e as pessoas curtem muito as letras, né? Porque canção é mais do que só música, é a ideia também, né? E o Magah, nesse sentido, é um cara brilhante, tem ideias incríveis, originais e por isso ele é o que é.
Da esquerda para a direita: Tiago Fernandes, Wendell de la Salles, Rui Mário e Marquinhos Carcará, o Quarteto Crivador. Foto: divulgaçãoO cantor e compositor Claudio Lima. Foto: Zeqroz Neto/ DivulgaçãoNo palco ou na plateia, o poeta Celso Borges participou de diversas edições de RicoChoro ComVida na Praça e será homenageado no Chorinhos e Chorões deste domingo (30). Foto: Zeqroz Neto/ Divulgação
Na última quinta-feira (27) a Rádio Timbira estreou uma nova programação, com vistas à migração para FM, que acontecerá este ano. Programas como o “Fala, Mermã”, sobre o universo feminino, apresentado por Letycia Oliveira (de segunda a sexta, às 17h), e o “Radiola Timbira”, por este que vos escreve (aos domingos, ao meio-dia), passam a compor o novo quadro. O Balaio Cultural, que produzo e apresento com Gisa Franco (sábados, das 13h às 15h), está mantido.
Outras novidades dominicais são o “Alvorada” (das 7h às 9h), com Vanessa Serra, e o Chorinhos e Chorões (das 9h às 10h), com Ricarte Almeida Santos, que permanece na Universidade FM, sua casa original, há 36 anos no ar, e passa a ser veiculado em cadeia com a Timbira.
Para a edição de estreia, Ricarte receberá o Quarteto Crivador, em uma roda de choro ao vivo. O grupo é formado por Tiago Fernandes (violão sete cordas), Wendell de la Salles (bandolim), Rui Mário (sanfona) e Marquinhos Carcará (percussão).
A roda de choro será transmitida ao vivo, a partir do estúdio Lauro Leite, da Rádio Timbira, na Rua da Montanha Russa, 75, Centro. “A ideia é de festa mesmo, de marcar este novo momento, tanto da Timbira, quanto do Chorinhos e Chorões. A veiculação em cadeia com a Universidade vem somar, estamos muito felizes com a oportunidade, em um domingo recheado de boas companhias, começando cedo com Vanessa Serra, passando pelo decano Frank Matos, com o Timbira Espetacular, até chegar ao Radiola Timbira, contigo, a Timbira terá a trilha ideal para todo tipo de ouvinte: o que vai à praia, o que aproveita para fazer uma faxina ou lavar o carro, o que prepara o almoço, e é motivo de grande honra fazer parte desta trilha, deste cardápio”, declarou Ricarte Almeida Santos a Homem de Vícios Antigos.
Além do Quarteto Crivador, o Chorinhos e Chorões deste domingo (30), quando estreia na Rádio Timbira, receberá também o cantor Cláudio Lima, para uma homenagem ao poeta e jornalista Celso Borges (1959-2023), falecido no último domingo (23), Dia Nacional do Choro. Não por acaso, Cláudio Lima foi convidado do sarau RicoChoro ComVida na Praça, realizado no Largo da Igreja do Desterro, Centro Histórico da capital maranhense, por ocasião do lançamento de “Lembranças, Lenços, Lances de Agora: Memórias e Sons da Cidade na Voz de Chico Maranhão” (Palavra Acesa, 2022), de Celso Borges, obra em que ele se debruçou sobre os bastidores da gravação do antológico elepê “Lances de Agora” (1978), de Chico Maranhão, produzido por Marcus Pereira, gravado na sacristia da secular Igreja do Desterro.
Timbira e Universidade, que já possuíam uma “parceria campeã” – como reza o slogan das transmissões em cadeia – no esporte e eventualmente na transmissão de grandes eventos, como as festas juninas, ampliam a tabelinha. Pelo visto, o Chorinhos e Chorões aprofunda essa parceria já fazendo história desde o início.
A convite da jornalista Vanessa Serra, participo hoje (5) da roda de conversa “Jornalismo cultural no Maranhão: reflexão e importância em tempos de mudanças”, que acontece às 18h30, no Café Teatro Cazumbá (Rua Portugal, esquina com Beco Catarina Mina, Praia Grande). O evento é gratuito e aberto ao público.
A moderação da mesa se completa com o jornalista e dj Pedro Sobrinho e a jornalista Flávia Regina, tendo como convidada a jornalista Larissa Corrêa, da Conteúdo Comunicação, que assessora o Instituto Itaú Cultural (em cujo site cheguei a assinar a coluna Emaranhado, entre 2017 e 18).
Quando perguntei, humilde e sinceramente, à convidante, o que eu ia fazer lá, ela respondeu-me: “contar um pouco de sua experiência no jornalismo cultural”. E imediatamente me ocorreu a memória: foi ela uma das primeiras a me abrir as portas (as páginas, para ser mais exato) de sua coluna (hoje também blogue), o Diário de Bordo, publicada semanalmente no Jornal Pequeno – ela e o professor Alberico Carneiro, no mesmo período, início do século, então editor-chefe do Suplemento Cultural e Literário JP Guesa Errante (a princípio semanal, depois quinzenal, até tornar-se ocasional).
Eu ainda nem tinha entrado na faculdade quando publiquei textos sobre os discos de estreia do grupo carioca de choro Regional Tira-Poeira e do compositor maranhense Cesar Teixeira (que fundara e então engrossava as fileiras dos colaboradores do Guesa) respectivamente, nos espaços citados (parece fazer tanto tempo que sequer há links para estes textos na internet; um dia eu procuro os recortes para mostrar à minha meia dúzia de leitores).
20 anos depois, na estrada sinuosa percorrida até aqui, muita água rolou. Jornais impressos deixaram de circular ou emagreceram, uns apregoaram a morte do jornalismo, outros, do jornalismo cultural; mas a julgar pelo pequeno time que se reúne hoje para debater experiências, cenários, relevância, perspectivas, estratégias, tecnologias, mudanças e o que mais pintar, o jornalismo cultural segue vivo e necessário – para além de puxar a brasa para nossa sardinha.
Este texto é uma tentativa inicial de evocar uma memória, uma estrela a guiar o rumo de minha prosa – o resto é no susto mesmo. Ou como diria Belchior: “a vida realmente é diferente, quer dizer, ao vivo é muito pior”.
Após o bate-papo haverá discotecagem com os djs Pedro Sobrinho, Vanessa Serra e Marcos Vinícius.
O quê: Roda de conversa “Jornalismo cultural no Maranhão: reflexão e importância em tempos de mudanças” e discotecagem Quem: os jornalistas Larissa Corrêa, Flávia Regina, Pedro Sobrinho, Vanessa Serra e Zema Ribeiro Quando: hoje (5), às 18h30 Onde: Café Teatro Cazumbá (Rua Portugal, esquina com Beco Catarina Mina, Praia Grande) Quanto: grátis
Tertúlia é retomada hoje pela dj Vanessa Serra e terá como convidado o poeta Fernando Abreu
Bob Dylan. Foto: Press Association/AP. ReproduçãoBob Marley. Foto: reprodução
Em 1989 o hoje oitentão Gilberto Gil lançou “De Bob Dylan a Bob Marley – um samba-provocação”, um dos tantos libelos antirracistas de sua vasta obra, faixa de “O eterno deus Mu dança”. Diz o baiano no refrão: “Bob Marley morreu/ porque além de negro era judeu/ Michael Jackson ainda resiste/ porque além de branco ficou triste”.
Bob Marley (1945-1981), primeiro artista pop de fama internacional, tornou-se o rei do reggae e tornou o gênero jamaicano um dos mais populares ao redor do mundo. Bob Dylan (1941-), com suas letras épicas quilométricas, levou o Nobel de literatura em 2016, para o qual sua obra musical pesou sobremaneira.
A dj anfitriã do sarau Vinil e Poesia Vanessa Serra. Foto: Marco Salles. DivulgaçãoO poeta Fernando Abreu em entrevista ao saudoso Radioletra, na Rádio Timbira AM. Foto: Zema Ribeiro
Ambos serão homenageados hoje (21) na retomada do sarau Vinil e Poesia, tertúlia poético-musical-etilírica-afetiva capitaneada pela jornalista e produtora cultural Vanessa Serra, a dj anfitriã. O convidado de hoje é o poeta Fernando Abreu, que tem nos Roberts Nesta e Zimmerman, dois artistas de sua predileção.
O poeta explica a gênese da ideia: “já tem pelo menos uns cinco anos que venho pensando em juntar canções desses dois gigantes em um recital. Contemplamos fases bem diversas dos dois, desde os primeiros discos, com um tratamento que privilegia a poesia das letras, buscando pontos de contato com os poemas. Acho que conseguimos”, aposta.
Em dezembro de 2019 este repórter participou da primeira edição do sarau Vinil e Poesia. Na ocasião, disse alguns poemas de Marcelo Montenegro e Paulo Leminski, dois de meus poetas preferidos. E Vanessa Serra levava livros de sua biblioteca particular, com destaque para autores maranhenses, para estimular a participação do público.
Eram tempos pré-pandêmicos – mas disso não tínhamos como saber, à época. O sarau tomou corpo no Cazumbá Lounge, na Lagoa, à época da primeira administração. Mas a primeira vez que o nome Vinil e Poesia foi usado na divulgação remete ainda à temporada que a dj realizou no restaurante Flor de Vinagreira, na Praia Grande, quando o performer Hélio Martins participou de uma das edições, recitando um poema da maranhense Lúcia Santos.
A interação de artistas da música e da poesia e do público, que passou a se interessar por presenciar o evento semanal, além de eventualmente subir ao palco, consagrou o evento, cujos encontros acabaram migrando para o formato virtual, com o avanço da pandemia de covid-19 e suas consequentes restrições. O Vinil e Poesia passou a acontecer às quartas-feiras, com transmissão pelo canal da dj no instagram – os primeiros convidados foram os cantores e compositores Josias Sobrinho e Jorge Thadeu. Aos domingos pela manhã, a princípio também pelo instagram e, posteriormente, pelo twitch, ela também realizada a Alvorada, do quintal de sua casa, que logo angariou uma audiência fiel.
As adesões de artistas ao projeto e seu formato despojado redundaram no elepê “Vinil e Poesia”, que teve metade da tiragem doada para djs e formadores de opinião. Realizado com recursos da Lei Aldir Blanc de Emergência Cultural, o disco tem 14 faixas, está disponível também nas plataformas de streaming e é quase um milagre, pelo tempo recorde de produção e a constelação reunida, que inclui nomes como As Brasileirinhas, Betto Pereira, Célia Leite, Celso Borges, César Nascimento, Eloy Melônio, Jorge Passinho, Josias Sobrinho, Lúcia Santos, Mano Borges, Nosly e Zeca Baleiro, entre outros.
“Quando o disco chegou foi aquela felicidade tamanha. Você vê um produto seu que você pode pegar, um sonho que foi realizado de forma tátil, com a adesão de pessoas tão significativas, capa de Betto Pereira. Foi uma coisa muito especial. Até hoje, quando eu paro para pensar, eu digo “meu Deus, como foi que eu consegui?”, e eu só consegui porque eu não fiz nada só. Nós tivemos uma equipe maravilhosa, com a participação fundamental do estúdio Zabumba Records, com a produção executiva de Suzana Fernandes e direção artístico-musical de Luiz Cláudio. A gente conversava, eu dizia como eu queria, como eu pensava, ele me mostrava, e deu super certo. Em um mês nós conseguimos realizar a gravação desse disco. 14 faixas em um mês é uma coisa absurda”, relembra Vanessa Serra, que levou o prêmio Papete na Festa da Música do Maranhão em 2021 com este trabalho.
“Eu costumo receber mensagens de djs, me dizendo que estão tocando o disco, eu ouço o disco na rádio, a alegria maior é ver essa música reverberar, que é o grande propósito de ter feito esse disco, ter essa produção fonográfica do Maranhão, com artistas dessa magnitude em circulação por todo o país”, celebra a dj, que reuniu 22 artistas em 14 faixas, entre poetas, cantores e compositores. Ela pretende lançar um segundo volume em breve.
“Eu e Fernando Abreu sempre conversamos, ele também participou da live, ele me mandou uma música, “Meio Bob, meio Marley”, e eu disse que era boa, e na hora deu pra perceber que era um brasileiro cantando. E era ele. Aí eu fui rever a live, como o papo fluiu, e ele me disse que estava fazendo algumas experimentações. Aí deu a vontade de a gente repetir a dose”, lembra Vanessa.
Autor de “Relatos do escambau” (1998), “O umbigo do mudo” (2003), “Aliado involuntário” (2011), “Manual de pintura rupestre” (2015) e “Contra todo alegado endurecimento do coração” (2019), Fernando Abreu não é um neófito quando o assunto é levar poemas das páginas dos livros para o palco, esteja ele montado numa biblioteca, numa praça ou num bar.
“A curtição de estar no palco vem desde os tempos heróicos da Akademia dos Párias [grupo de estudantes/poetas que agitou a cena literária e boêmia da ilha, em meados da década de 1980], e permanece até hoje. Não vamos fazer um show de música, mas um recital de poesia e música. Sou um cantor apenas na medida em que todo poeta é um cantor, embora minha ligação com a canção popular antiga e profunda, de influência mesmo. Nesse caso, versões livres de canções de Marley e Dylan, ambas em parceria com Celso Borges, dão conta dessa intimidade. Ou seja, a experiência de letrista está ligada à experiência com poesia de uma forma geral”, afirma o poeta, que teve os dois livros mais recentes publicados pela carioca 7Letras, mesma editora por que lançará “Esses são os dias”, ainda este ano – o público presente ao sarau de hoje terá oportunidade de ouvir em primeira mão, alguns poemas deste volume vindouro.
“Estamos todos muitos sofridos, as dores da pandemia se somam ao horror de um governo perverso e genocida. Precisamos de alento, e esse projeto, com a coragem e a vontade de pôr a poesia em cena, é um grande alento e alimento para muita gente. E é com o propósito de contribuir, de oferecer também algum alimento, que estamos participando, eu e Lucas Ferreira [multi-instrumentista e letrista da Babycarpets, sobrinho do poeta], com grande alegria”, convida Fernando Abreu.
O evento muda de palco e hoje reencontrará seu público em formato presencial no Soul Lounge SLZ (Av. Litorânea, Calhau), às 20h – o couvert artístico individual custa R$ 12,00.
O sublime encontro de Chico César com o Bumba meu boi do Maracanã. Fotos: Laila Razzo. Festival Zabumbada/ Divulgação
A entrada triunfal de Chico César no palco do Festival Zabumbada, encerrando a primeira noite do evento, foi uma espécie de síntese da emoção. Ao término da apresentação do Bumba meu boi de Maracanã, ele adentrou ao palco entoando “Sereia linda de Cumã”, composição do saudoso mestre Humberto, que o batalhão registrou com a participação do paraibano em “Aldeia Tupinambá” (Zabumba Records, 2020), consistente tributo ao pai de Ribinha, cujo legado está sendo preservado e levado adiante com louvor pelo herdeiro.
A Praça das Mercês exalava afeto. “A vida é a arte do encontro”, como nos ensinou o poeta, mas a pandemia de covid-19 fez ter mais sentido do que nunca o “embora haja tanto desencontro nessa vida”.
Se o encontro do paraibano com o bumba meu boi do Maranhão não era inédito, seja pela citada participação em disco, seja por sua própria trajetória, como fez questão de demonstrar ao cantar “Folia de príncipe”, vê-lo no palco é uma experiência única, o que faz valer o dito “fez valer o ingresso”, mesmo em se tratando de evento gratuito, realizado com patrocínio do Instituto Cultural Vale, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura.
Chico César fez um show vibrante, passeando por diversas fases de seus quase 30 anos de carreira, isto se contados a partir da estreia fonográfica com “Aos vivos” (Velas, 1995), de cujo repertório pinçou “Beradéro”, com que abriu o espetáculo acompanhado por sua banda. Foi aplaudido em peso quando cantou o verso “e a cigana analfabeta lendo a mão de Paulo Freire”, que cita o pedagogo inimigo número um do regime bolsonarista.
À sua “Mama África” emendou “Brilho de beleza” (Nego Tenga) e “Pra não dizer que não falei das flores” (Geraldo Vandré), não o único medley da noite. Assisti ao show inteiro (e de resto à toda a primeira noite de festival) ao lado do compositor Chico Saldanha, amigo e parceiro que conheceu e conviveu com Chico César quando ele e Zeca Baleiro iniciavam o desbravar das veredas do sucesso na pauliceia desvairada. Saldanha chegou a gravar vocais na primeira versão de “Mama África”, que permaneceu inédita. “Mas era impossível não perceber que aquilo faria tamanho sucesso”, confidenciou-me.
Em “À primeira vista” trocou intencionalmente os nomes de Prince e Salif Keïta da letra original pelos de Zeca Baleiro e Rita Benneditto, numa reverência a seus pares maranhenses de geração. Outro medley de destaque foi “Da taça” com “Onde estará o meu amor” e “Diana”, versão de Fred Jorge para a música de Paul Anka, sucesso de Carlos Gonzaga. Chico César é, também, um liquidificador de referências.
Momentos de euforia da plateia também se deram quando ele cantou “Pedrada” (do refrão “fogo nos fascistas, fogo Jah!”), lembrando tê-la cantado pela primeira vez em público em cima de um trio elétrico no circuito carnavalesco da avenida Beira-Mar, no Centro de São Luís, em 2019, antes de lançar o disco “O amor é um ato revolucionário” naquele mesmo ano. E quando cantou “Bolsominions são demônios”, inédita que vem fazendo a cabeça de muita gente e causando polêmica, fez o público de ontem gritar “fora Bolsonaro!” e cantar “olê, olé, olé, olá, Lula, Lula!”.
Várias vezes Chico César (voz, guitarras e violões) reafirmou “lugar de mulher é onde ela quiser”, uma delas ao apresentar a baixista Lana Ferreira. Para viver em “Estado de poesia”, sua banda se completava com Helinho Medeiros (teclados), Gledson Madeira (bateria), Sintia Piccin (sopros) e Richard Fermino (sopros).
Como maranhense honorário, o paraibano de Catolé do Rocha Chico César sentia-se em casa e parecia não querer sair do palco. Sorte a nossa! Entre “Mand’ela” e “Pedra de responsa”, parcerias com Zeca Baleiro, entre muitas outras jóias de seu repertório, a exemplo de “Deus me proteja” (2008), gravada com a adesão de Dominguinhos, por ele lembrado ontem, e “Dúvida cruel”, parceria com Itamar Assumpção, nem precisou o público pedir bis para o show ter chegado bem perto de duas horas de duração (“Violivoz”, com Geraldo Azevedo, a que assisti em abril passado, durou 2h15).
Não vi inteira a primeira noite do festival – e ainda estou aqui escrevendo enquanto as atrações da segunda já começaram a se apresentar. Hoje encerra com Dona Onete e amanhã com Mariana Aydar, veja a programação completa no instagram @festivalzabumbada.
Mas outros pontos da noite de ontem merecem destaque.
A exuberância do Bumba meu boi da Floresta de Mestre Apolônio e as toadas de protesto do Bumba meu boi da Fé em Deus, traduzindo no ritmo das zabumbas que emprestam o nome ao festival a trágica realidade brasileira. Tudo isso (e mais um pouco) entremeado pela discotecagem sempre atenta e antenada da dj Vanessa Serra.
A participação especial de César Nascimento no show do Criolina, marcando o encontro, no palco, dos autores de “Maguinha do Sá Viana”, de César e Alê Muniz, reggae que se tornou um clássico da música popular brasileira produzida no Maranhão. O Criolina, Luciana Simões (voz), Alê Muniz (voz e guitarra), era acompanhado por Erivaldo Gomes (percussão), Sarah Byancchi (saxofones), João Simas (guitarra), Davi Oliveira (baixo), Sandoval Filho (teclado e programação) e Thierry Castelo (bateria), além da performance da atriz Áurea Maranhão.
O Criolina fez um show diverso, aliando covers e repertório autoral, com destaque para “A menina do salão” e “O santo”, juntando xote e reggae, a demonstrar a proximidade entre as células rítmicas dos dois gêneros, transformando João do Vale em regueiro e Bob Marley em uma espécie de Luiz Gonzaga, evoé, Gilberto Gil! Certas coisas só entende quem presencia. Novamente vamos passear na praça, evoé, Luiz Melodia!
*
Perdeu ou quer ouvir de novo? O Balaio Cultural de hoje (9), na Rádio Timbira AM, dedicou a maior parte de sua programação musical às atrações do Festival Zabumbada:
Identificados com o universo brega, Marcos Magah e Walfredo Jair são os convidados do último sarau da temporada 2021 de RicoChoro ComVida; as outras atrações são o Quarteto Crivador e a dj Vanessa Serra
O cantor e compositor Marcos Magah. Foto: divulgaçãoO cantor Walfredo Jair, ídolo seresteiro. Foto: divulgaçãoA dj Vanessa Serra. Foto: divulgação
O constante estímulo ao diálogo entre diferentes gêneros musicais e gerações distintas é uma premissa do sarau RicoChoro ComVida desde sua origem – e até antes, em outros projetos idealizados e desenvolvidos por Ricarte Almeida Santos.
Puristas sempre torceram os narizes, mas essa estranheza e esse atrito acabam sendo vitamina para a cena musical, que se fortalece com estes encontros, às vezes inusitados.
Se Raul Seixas é hoje considerado um dos maiores nomes do rock nacional e, por que não dizer, da música popular brasileira, pouca gente sabe ou se lembra de que ele foi um dos inventores do brega como o conhecemos hoje, tendo sido guitarrista do disco de estreia de Odair José e fornecedor de sucessos para os repertórios de Diana e Jerry Adriani, entre outros.
Quem for ao sarau RicoChoro ComVida desta sexta-feira (26) vai entender do que se está falando. Marcos Magah e Walfredo Jair são os artistas convidados, ambos nomes identificados com a música brega, cada qual a seu modo. O segundo foi integrante de Os Fantoches, uma das maiores bandas de baile já surgidas em São Luís, e é nome de destaque na noite ludovicense, animando bares, restaurantes e casas noturnas com seu dançante repertório de boleros. O primeiro ajudou a consolidar a cena punk na capital maranhense, como integrante da banda Amnésia, tendo retomado à música alçando voo solo com o lançamento de “Z de vingança” em 2012, disco com pitadas de brega, rock e psicodelia.
Originalmente programado para acontecer no Largo da Igreja do Desterro, em reverência a Walfredo Jair, artista oriundo da região, o sarau RicoChoro ComVida de sexta-feira (26), às 18h, que encerra a temporada 2021 do projeto, terá como palco o mesmo cenário de suas duas edições anteriores: o jardim do Museu Histórico e Artístico do Maranhão (MHAM, Rua do Sol, 302, Centro). O evento é gratuito e aberto ao público.
Walfredo Jair e Marcos Magah serão acompanhados pelo Quarteto Crivador, formado por Fleming Bastos (bateria), Rui Mário (sanfona e direção musical), Tiago Fernandes (violão sete cordas) e Wendell de la Salles (bandolim). O grupo, formado por virtuoses em seus respectivos instrumentos, leva o nome de um dos três tambores da parelha do tambor de crioula, revelando em seu batismo a influência da diversidade rítmica da cultura popular maranhense, em um estreito diálogo entre choro e tambor de crioula, bumba meu boi, lelê, tambor de mina, cacuriá, tribo de índio e coco, entre muitos outros.
Vanessa Serra é a dj convidada desta edição do sarau, que fecha com chave de ouro a temporada 2021 de RicoChoro ComVida. Jornalista de formação, produtora por vocação e pesquisadora musical por hobby transformado em profissão, sua presença tem tudo a ver com o espírito deste sarau, em particular: boleros e sambas-canções, além de temas desbragadamente bregas costumam figurar em suas inspiradas playlists, sem falar, é claro, no choro.
As três edições de RicoChoro ComVida em 2021 foram garantidas por meio da emenda parlamentar 39210011 OGU 2021, destinada pelo deputado federal Bira do Pindaré à Prefeitura Municipal de São Luís, através da Secretaria Municipal de Cultura (Secult). O sarau musical tem produção de RicoChoro Produções Culturais, Girassol Produções e Sociedade Artística e Cultural Beto Bittencourt, e conta com tradução simultânea em Libras, a língua brasileira de sinais, banheiros acessíveis e assentos preferenciais próximo ao palco.
Divulgação
Serviço
O quê: sarau RicoChoro ComVida Quem: DJ Vanessa Serra, Quarteto Crivador e os cantores Marcos Magah e Walfredo Jair Quando: dia 26 de novembro (sexta-feira), às 18h Onde: Jardim do Museu Histórico e Artístico do Maranhão (MHAM, Rua do Sol, 302, Centro) Quanto: grátis Apoio cultural: emenda parlamentar nº. 39210011 OGU 2021, do Deputado Bira do Pindaré à Prefeitura de São Luís Informações: facebook: ricochorocomvida; instagram: @ricochoro
O endereço da tertúlia poético-musical é o Ramiro’s Gastrobar; na reestreia Vanessa Serra terá como convidados o Joaquim Zion, Eloy Melônio, Dicy e Marcos Magah
A dj coruja e seu rebento. Foto: Alberto Jr./ Divulgação
É difícil metaforizar a trajetória da dj Vanessa Serra na cena das artes, cultura e entretenimento em São Luís. Dizer meteórica é pouco, por que em geral um meteoro passa ou destrói. E ela, em pouco menos de meia década de atuação, provou que veio para ficar, que nasceu para isso.
Jornalista experimentada, com atuação no segmento cultural, incluindo produções, ela aliou a bagagem acumulada ao longo destes anos de experiência com sua nova paixão, nova é modo de dizer, sua paixão recém-descoberta ou redescoberta, melhor classificar assim. Embora classificar também não seja bem o verbo, já que em seus sets ela passeia por todas as bossas, de boleros da era de ouro do rádio a novidades quentes lançadas após o revival do vinil.
O que é necessário dizer é que Vanessa Serra tem familiaridade com o métier e aqui, sim, a palavra cabe bem: seu envolvimento com a diversidade musical brasileira, mas não só, vem de berço. Das festas nos quintais das casas de família e de suas vastas coleções de discos de vinil – parte ela acabou herdando de gente que foi se desinteressando, fruto dos processos de digitalização, com o avanço do streaming –, duma época nem tão longínqua em que todos os brasileiros esperavam pelo Natal contando também com a chegada do disco novo de Roberto Carlos.
Vanessa Serra foi cavando uns espaços e inventando outros. Havia sentado em outras praças para a tertúlia semanal, com uma premissa bastante simples: ela tocaria seus vinis, animando a noite dos presentes, que poderiam fazer uso do microfone para recitar poemas – autorais, de poetas prediletos e malditos, citados de memória ou lidos em livros que ela também levava para estimular o diálogo com a plateia.
A ideia vingou e evoluiu e logo ela passava a receber um convidado por semana, da música ou da poesia. Então veio a pandemia e o sarau passou a ser online e nisso ela se reinventou também. Sua Alvorada, nas manhãs de domingo, é um dos eventos mais bem sucedidos em termos de audiência (e fidelidade desta) ao longo do confinamento a que ainda estamos parcialmente obrigados.
A cadeia produtiva da cultura foi uma das mais atingidas pela pandemia do novo coronavírus: de repente artistas, técnicos de som, roadies e toda uma fauna de profissionais do setor se viram sem condições e oportunidades de trabalho e sem a possibilidade de contato com o público.
Após muita pressão popular e tensos debates no congresso nacional, foi aprovada a Lei Aldir Blanc de Emergência Cultural, cujo batismo homenageia um compositor e cronista sempre crítico deste triste estado de coisas, não à toa autor de um sem número de composições que invariavelmente comparecem aos bailes presenciais e virtuais de Vanessinha, como ela é comumente chamada pelos amigos.
Através de seleção em edital da citada lei, Vanessa Serra aprovou o projeto “Vinil & Poesia”, nome do sarau interrompido pela pandemia, e gravou o disco homônimo – também disponível nas plataformas de streaming –, produzido por ela, que reúne uma constelação de astros e estrelas da música e poesia produzidas no Maranhão.
Uma live de lançamento chegou a ser realizada no final do ano passado. Era o possível para o momento. O vinil não havia chegado, por atraso na fábrica, mais um fruto da pandemia, fazer o quê?
“Esperar não precisa mais”, como diz o compositor: é chegada a hora de uma audição presencial de “Vinil & Poesia”, na retomada do sarau que lhe emprestou o nome. Na tarde de hoje (2), haverá edição especial do sarau “Vinil & Poesia”, com os djs Vanessa Serra e Joaquim Zion, e participações do poeta Eloy Melônio e dos cantores Dicy e Marcos Magah. O reencontro acontece no charmoso Ramiro’s Gastrobar (Rua Aziz Heluy, 350, São Marcos), a partir de 16h. O áudio e técnica estão a cargo de Capella Sonorizações.
Serviço
O quê: sarau “Vinil & Poesia”, com audição do vinil homônimo Quem: a dj Vanessa Serra e convidados Quando: sábado (2), às 16h Onde: Ramiro’s Gastrobar (Rua Aziz Heluy, 350, São Marcos) Quanto: R$ 10,00 (couvert artístico individual) Outras informações e reservas: @ramiros.gastrobar/ @vinilepoesia/ @vanessaserrah
Ao longo de um ano de “Vinil & Poesia”, a dj Vanessa Serra reuniu a nata da música e poesia produzidas no Maranhão; o resultado pode ser conferido no elepê que leva o nome do projeto
Vinil & Poesia. Capa. Reprodução
Em dezembro do ano passado, em casa de nome mais que apropriado, o Cazumbá Lounge, na Lagoa, a dj Vanessa Serra estreou seu projeto “Vinil & Poesia”, aliando duas paixões.
Já era uma dj consagrada, apesar do pouco tempo de estrada. Jornalista de formação e produtora de profissão, só começou a levar a discotecagem a sério em 2016. Sem firulas, como escrevi em seu release oficial, que tive a honra de escrever a pedido.
Não me peçam impessoalidade: fui o primeiro a subir àquele palco, recitando Paulo Leminski e Marcelo Montenegro, dois poetas de minha predileção, e é impossível não lembrar disso com emoção.
Além dos vinis de seu ofício, Vanessa Serra havia levado uns livros, priorizando autores e autoras maranhenses, instigando o público a participar. O que no início tinha jeito de brincadeira, tomou ares sérios, mas não ficou algo careta. Às quartas-feiras, a tertúlia semanal começou a receber poetas e músicos como convidados, para canjas ao vivo, durante o set da dj.
Aí veio a pandemia. O isolamento social. O lockdown. As inúmeras lives que foram/fomos inventando e reinventando para suportar a saudade da vida social, de ir ao bar, de jogar conversa fora, de ouvir boa música nas companhias de amores e amigos. Entre elas o “Vinil & Poesia”, que Vanessa Serra nunca deixou de fazer, mesmo quando foi obrigada ao formato online.
Somente recentemente, com a liberação de eventos de pequeno porte, observadas as normas de segurança sanitária vigentes, ela voltou a realizar o evento ao vivo, a partir do Cazumbá Lounge.
O projeto já era vitorioso ao estimular o diálogo entre música de qualidade e tirar a poesia do lugar solene da página do livro e levá-la ao bar, para ser dita e ouvida por gente atenta, curiosa e esperta. Gente antenada, enfim. Mas uma vitória de um a zero é menos gostosa que uma goleada e Vanessa Serra marca mais um golaço: 14 participações de artistas nas noites do “Vinil & Poesia” estão registradas em um disco de vinil. É luxo só, como diria o poeta.
“Vinil & Poesia” é uma realização de VS Comunicação e Cultura, com patrocínio da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma), com recursos da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc. Gravado no estúdio Zabumba Records, reúne uma constelação de primeira grandeza da música e poesia produzidas em terras maranhenses.
Na ordem de aparição, Lúcia Santos diz seu poema “No umbigo da noite insana”; Célia Leite zabumba em “Pedras de cantaria” (parceria dela com Jorge Passinho, que faz participação especial na faixa); Mano Borges evoca os ares oitentistas da intensa produção musical maranhense daquela década em “Duas ruas desertas”, de sua autoria; “De São Marcos a São José” nos conduz, pelo sotaque, ao Vale do Pindaré, na parceria de Eloy Melônio e Josias Sobrinho, cantada por este; “Esse tu” é mais uma delicada amostra da parceria profícua de Celso Borges e Nosly, que a interpreta; “Tanto fogo” (Jorge Passinho/ Inaldo Lisboa/ Maninho Quadros), interpretada por Dicy, com participação especial de Santacruz, mete o dedo em ferida atualíssima da tragédia brasileira; César Nascimento cantando o xote “João do Vale, minha homenagem”, de sua autoria, fecha o lado A do disco.
O lado B abre com a voz de Celso Borges em seu poema/toada hi-tech “Tambor de crioula”; “Chovia no canavial”, com que Zeca Baleiro presenteou o projeto, ganha interpretação especial do grupo As Brasileirinhas; o multifacetado Jorge Thadeu comparece com “Guajajara”, de sua autoria; “Ventre livre”, de Luís Du Rosário, é a bela estreia em disco de um artista que não encarou a música como profissão, apesar do imenso talento; Gerude relê o clássico “Jamaica São Luís”, parceria sua com Cyba Carvalho; Betto Pereira comparece ao disco para além da embalagem: canta o reggae “Nação vibration”, parceria sua com o jornalista Gilberto Mineiro; e Tutuca Viana fecha o álbum com a balada “Luz de neon”, que escreveu em parceria com João Marques.
A riqueza deste álbum está no atrito entre poesia e música, para além da leitura de poemas com fundo musical e da pergunta mofada “letra de música é poesia?”, num diálogo estimulante entre gêneros, gerações e a diversidade da cultura popular do Maranhão, ao mesmo tempo plural (pela variedade) e singular (certas coisas só existem por aqui).
“Aqui conseguimos reunir um belo roteiro de canções… Acordes e versos, palavras e tons, memórias profundas, alimento para a alma da gente… “Vinil & Poesia”, de fato, é uma imensidão de sentimentos… É coletividade, pertencimento, entrega e amor”, sintetiza a jornalista, dj e produtora Vanessa Serra em texto na contracapa do elepê.
Ela assina a concepção do projeto e direção geral, que tem direção técnica de Maurício Capella (companheiro de arte e vida), direção artística de Luiz Cláudio, direção musical de João Simas, produção executiva de Suzana Fernandes e produção técnica de Joaquim Zion (seu padrinho no ofício da discotecagem). As artes de capa, contracapa e encarte são de Betto Pereira e o projeto gráfico é de Eric Félix. O álbum é dedicado “à memória, vida e obra de Raimundo Nonato Rodrigues de Araújo (Maestro Nonato), Nonato Buzar, Papete e Gérson da Conceição”.
Muita gente procura o bar para espairecer e vai ao lugar certo. Outros afogam mágoas e também não estão no lugar errado. Alguns, no dia seguinte, querem esquecer o que fizeram. Vanessa Serra eterniza um momento bonito e importante, de um projeto frequentado por “gente fina, elegante e sincera”. Agora, mesmo quem não sai à noite, não frequenta bares ou não curte um drinque, pode levar “Vinil & Poesia” para casa. A inscrição “volume 1”, que lemos na capa do disco, já nos leva a responder, como naquele velho rock: mais uma dose? É claro que eu tô a fim.
Serviço – A live de lançamento de “Vinil & Poesia”, com a presença dos artistas que participam do álbum, será realizada dia 16 de dezembro (quarta-feira), às 20h, com transmissão simultânea pelos perfis da dj Vanessa Serra no instagram e youtube. O projeto é uma realização de VS Comunicação e Cultura, com patrocínio da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma), com recursos da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc.
Cultura da radiola terá destaque na Virada Cultural, em São Paulo. Duo Criolina e convidados farão 12 horas celebrando ritmos jamaicanos e maranhenses.
Pouco tempo depois de inventado na Jamaica o reggae se consolidou como preferência popular no Maranhão. Não à toa a capital São Luís recebeu a alcunha de Jamaica brasileira. O gênero musical e seu principal porto brasileiro serão lembrados durante a programação da Virada Cultural, em São Paulo, entre os dias 18 e 19 de maio. Num palco comandado pelo duo Criolina, formado por Alê Muniz e Luciana Simões, o reggae à maranhense comparecerá, com as presenças do poeta Celso Borges, dos djs Otávio Rodrigues, Joaquim Zion e Vanessa Serra e da atriz Áurea Maranhão.
Ano passado a Semana Internacional da Música (SIM-São Paulo) levou representantes maranhenses para uma noite, também numa parceria com o Festival BR-135, organizado pelo duo Criolina. Desta vez serão 12 horas de reggae, entre às 18h de sábado até às 6h de domingo, celebrando a cultura da radiola – lá fora conhecida como sound system –, muito difundida no Maranhão.
O duo Criolina. Foto: Layla Razzo
Representando o Maranhão, “Criolina, Radiola e convidados” será uma das festas de rua que acontecerão durante a Virada Cultural. As demais irão representar algum aspecto cultural dos estados da Bahia, Pará e Rio de Janeiro. “A Virada é o maior evento cultural do planeta, um festival com 24h de programação, gratuito e além de ocupar as ruas, conta com programação em centros culturais das periferias, as unidades do Sesc, teatros da cidade e vários equipamentos culturais. É ótima e uma boa desculpa para ocupar as ruas com arte, sair de casa e afirmar a nossa cultura como expressão popular e cidadã”, advoga a cantora Luciana Simões.
“Diminuíram consideravelmente os recursos nacionais para a cultura e justamente por ser um espaço de fomento devemos estar presentes e resistentes. A proposta de colocar o Maranhão no mapa também segue como uma grande bandeira pra nós. Eu acho que o espaço oferecido ao Criolina é um reconhecimento ao Maranhão, e uma ótima oportunidade para se mostrar a cena reggae, que é uma forte cena de rua, representativa e que causa bastante curiosidade”, pondera Alê Muniz, seu companheiro de Criolina.
Joaquim Zion também comenta o interesse dos paulistanos pela cultura reggae, mas aponta algumas diferenças entre as cenas. “A cultura reggae é bem forte em São Paulo. Já há alguns anos vem crescendo a cultura sound system, que é um pouco diferente do estilo Inna Maranhão das radiolas daqui, porque lá eles tocam com radiolas, DJs e MCs rimando nas bases e o estilo basicamente é ragga, enquanto aqui o nosso lance é one drop, lovers rock, essa batida que chamamos para dançar agarrado a dois. Mas a mensagem é a mesma”, pontua. Ele comenta também sua expectativa: “é máxima pra gente, e o público pode esperar um grande set de hits, clássicos e raridades que fazem parte do imaginário do regueiro do Maranhão. São Paulo tem muitos maranhenses e tenho certeza que será uma grande festa”, promete.
O jornalista e dj Otávio Rodrigues diante de uma radiola. Foto: divulgação
Alcunhado Doctor Reggae, o jornalista e dj paulista Otávio Rodrigues ajudou a difundir o reggae no Brasil e consolidar São Luís como uma de suas principais praças, quando morou na cidade, na década de 1990. “Minha relação com o Maranhão é orgânica, me sinto como se tivesse nascido aí também. Morei na Ilha, viajei bastante pelo interior, fosse em busca de manifestações folclóricas, paisagens ou reggae – ou as três coisas juntas”, lembra.
Ele discotecará e dividirá o palco com o poeta Celso Borges; juntos, apresentam o espetáculo Poesia Dub, em que misturam poesia, com elementos de música jamaicana e da cultura popular do Maranhão. “No Poesia Dub, eu e Celso resgataremos algumas gemas do nosso repertório, como Morto vivo, Matadouro, Bumba meu dub e Linguagem [lista títulos de poemas apresentados no formato], e também mostraremos coisas novas, algumas com participação de Gerson da Conceição, gravadas pouco antes de sua súbita partida”, anuncia, lembrando o amigo baixista que se somava à trupe, recém-falecido.
O poeta Celso Borges. Foto: Layla Razzo
O poeta Celso Borges relembra as origens do espetáculo: “Eu costumo dizer que eu tenho dois santos em minha vida: São Luís e São Paulo. Cidades que estão entranhadas na minha alma, no meu coração. Morei 20 anos na Pauliceia. Aquela cidade, o tempo que eu morei lá, foi um tempo de muita alegria, de muita celebração, encontros com muitas pessoas, muitos artistas, fiz muitas amizades, tive diálogos maravilhosos com poetas, compositores, letristas. E foi ali também que eu, junto com Otávio, desenvolvi o Poesia Dub, a partir de 2004, 2005. É uma alegria enorme poder voltar a São Paulo e voltar fazendo uma nova apresentação do Poesia Dub. Vai ser uma grande celebração, estou muito animado”. O espetáculo é composto por poemas de Celso Borges, com citações de obras de Torquato Neto, Allen Ginsberg, um poema de Bandeira Tribuzi, e trilhas de Otávio Rodrigues.
“Na marcação de baixo poderosa que ele fazia, ele fazia também os vocais, a gente vai usar bases gravadas dele, e vou ler uma parceria nossa”, antecipa a homenagem a Gerson da Conceição, que estaria no palco com eles.
A estrutura do palco maranhense incluirá uma radiola de sete metros de largura, que tocará reggae, ritmos caribenhos e os gêneros musicais que permeiam a cultura popular do Maranhão, com destaque para o bumba meu boi e o tambor de crioula. A dj Vanessa Serra, que também esteve na Sim-SP, anuncia seu set list, reverenciando grandes nomes: “Vou levar um set com hits da música jamaicana e maranhense, que ouvíamos nas festas, nas rodas de violão e nas rádios de São Luís. Expoentes como o som de Nonato e Seu Conjunto, Humberto de Maracanã, Nicéas Drumont, Betto Pereira, Papete, João do Vale, Jacob Miller, Eric Donaldson e Beto Douglas não vão faltar”.
“Radiola e tambor de crioula são duas coisas que não podem faltar numa autêntica festa maranhense. Muito mais do que minha opinião, esse é o testemunho de alguém que já viu festejos no Maranhão de ponta a ponta: onde quer que se vá, na hora de celebrar tem de ter radiola e tambor”, finaliza Otávio Rodrigues.
Serviço
O palco maranhense fica na Rua Cásper Líbero (ao lado da Igreja de Santa Efigênia). Os shows são gratuitos. Conheça os horários das apresentações:
Blogue Homem de vícios antigos tem a cultura como principal pauta. Mesa redonda e festa marcam comemoração.
Josias Sobrinho e Cesar Teixeira fazendo um par de violeiros em Marémemória, encenada pelo Laborarte em 1973, baseada no livro-poema homônimo de José Chagas. A foto de Murilo Santos tornou-se marca do blogue
O blogue Homem de vícios antigos, majoritariamente dedicado a pautas culturais, editado pelo jornalista Zema Ribeiro, completou 15 anos no ar em abril. Para celebrar a data estão programadas uma mesa-redonda e uma festa, que acontecerão no próximo dia 11 de maio (sábado, véspera do Dia das Mães).
“Iniciei o blogue como um exercício, assim que entrei na faculdade. Era um espaço de divulgar agendas de artistas amigos, depois evoluiu, se profissionalizou. Acabou virando literalmente um vício”, conta Zema Ribeiro, que tem 15 anos de profissão, tendo atuado principalmente em jornalismo cultural e assessorias de organizações de direitos humanos.
Além de editar o blogue, Zema Ribeiro atualmente apresenta, na Rádio Timbira AM, os programas Balaio Cultural (com Gisa Franco, aos sábados, de meio-dia às 14h) e Radioletra (com Suzana Santos, aos sábados, às 22h), é colaborador do site de jornalismo musical Farofafá e diretor da Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo (Emem). Sua trajetória profissional é marcada também por colaborações com todos os jornais de São Luís, além das revistas Top (São Luís), Overmundo (Rio de Janeiro) e Brazuca (França, bilíngue). O jornalista também foi colunista do site do Instituto Itaú Cultural.
Mesa redonda – O bate-papo terá como tema “Uma experiência de jornalismo cultural no Maranhão: 15 anos do blogue Homem de vícios antigos” e, além do editor do blogue, terá as presenças de Alberto Jr. (radialista, Mestre em Cultura e Sociedade/UFMA, apresentador do programa Quintal Cultural, na Rádio Timbira AM), Jotabê Medeiros (jornalista, editor de cultura da revista CartaCapital e do site Farofafá) e Polyana Amorim (radialista, Mestre em Cultura e Sociedade/UFMA, coordenadora do curso de Comunicação Social do Ceuma).
“Os escafandristas que virão explorar as ruínas da antiquada civilização na qual vivemos atualmente vão encontrar pouca coisa memorável. O blogue do Zema Ribeiro, Homem de vícios antigos, que professa paixão pela obsolescência tecnológica do ferramental que se alimenta do humano – os livros, os discos, o jornalismo –, certamente será um notável resgate. Porque se nutre daquilo que não envelhece jamais: o espírito. A boa música, a boa literatura, a fabulosa história em quadrinhos, a fantástica cultura popular. No presente, todos os microblogs serão famosos durante 15 segundos, mas o macroblogue do Zema já viveu mais do que 15 anos: viveu para sempre”, declarou Jotabê Medeiros.
A mesa redonda acontecerá no auditório do Centro Cultural do Ministério Público (Rua Oswaldo Cruz, 1396, Centro), dia 11 de maio (sábado), às 16h, com entrada franca. Com capacidade para 180 lugares, é necessário se inscrever pelo e-mail zemaribeiro@gmail.com
Baile de debutante – “Não existe 15 anos sem baile de debutante”, brinca Zema Ribeiro, ao anunciar a festa, que acontecerá no Chico Discos (Rua de São João, 289-A, Altos, Centro, esquina com Afogados), na mesma data, às 19h, e terá como atrações a dj Vanessa Serra e o Regional Choro da Tralha. O grupo é formado por Gabriela Flor (pandeiro), Gustavo Belan (cavaquinho), João Eudes (violão sete cordas), Chico Neis (violão), João Neto (flauta) e Ronaldo Rodrigues (bandolim).
Ao saber do aniversário, completado no último dia 28 de abril (data, em 2004, da primeira postagem), Vanessa Serra se manifestou em uma rede social: “Parabéns! E viva o Jornalismo feito com amor e seriedade! E umas doses de brilho!”.
“O [blogue] Homem de vícios antigos é, sem dúvida, um espaço onde é possível sentir algum alívio perante a desumanização dos tempos atuais. A começar pelo nome, que logo desperta curiosidade naqueles/as que ainda insistem em manter hábitos quase esquecidos, o blogue desempenha um papel que vai além de trazer informação sobre fatos, produções e atividades culturais e artísticas. Informa, mas também forma, mexe com nossas memórias, provoca, diverte, emociona”, elogia Gabriela Flor.
Chico Neis completa: “Além do visível compromisso com a arte e a cultura, vemos também uma forte presença maranhense, em textos apurados, coerentes e bastante acessíveis, o que não é tarefa fácil – o mais difícil é fazer o simples bem feito. Para resumir: um blogue necessário”.
“Desde que o blogue completou 10 anos a gente vinha pensando em realizar algo, mas nunca dava certo, eu mesmo não dava importância e a coisa não andava. Agora alguns amigos somaram, se doaram e a ideia deixou a cabeça e ganhou o Centro Cultural, o Chico Discos, e vai acontecer. Agradeço a todo mundo que embarcou nessa viagem maluca, com destaque para o amigo Otávio Costa, um leitor fiel do Homem de vícios antigos”, agradece Zema Ribeiro.
“Vanessa Serra é uma das djs mais requisitadas do cenário ludovicense e das rodas dominicais do Choro da Tralha, no sebo Feira da Tralha, que acabou por emprestar nome ao grupo, virei habitué. É uma enorme honra contar com suas presenças na festa, além dos amigos que, à tarde, estarão na mesa, meu professor Jotabê, um ídolo que virou amigo, e os amigos Alberto e Polyana, certamente teremos dois momentos com um nível excelente, sem falsa modéstia”, continua. “Todos eles, de algum modo, fazem parte da história do blogue, desses 15 anos de trajetória”, arremata.
SERVIÇO
15 ANOS DO BLOGUE HOMEM DE VÍCIOS ANTIGOS
Mesa redonda
Uma experiência de jornalismo cultural no Maranhão: 15 anos do blogue Homem de vícios antigos. Com Zema Ribeiro, Alberto Jr. (Rádio Timbira AM), Jotabê Medeiros (CartaCapital, Farofafá) e Polyana Amorim (Ceuma).
Quando: dia 11 de maio (sábado), às 16h.
Onde: Centro Cultural do Ministério Público (Rua Oswaldo Cruz, 1396, Centro).
Quanto: grátis. Inscrições pelo e-mail zemaribeiro@gmail.com (capacidade do auditório: 180 lugares).
Festa
Baile de debutante: 15 anos do blogue Homem de vícios antigos. Com Regional Choro da Tralha e dj Vanessa Serra.
Quando: dia 11 de maio (sábado), às 19h.
Onde: Chico Discos (Rua de São João, 289-A, Altos, Centro, esquina com Afogados).
Três releases de três eventos assessorados pela parceira Vanessa Serra com este que vos perturba. Para você que acha que nada acontece em São Luís ou que reclama que quando fica sabendo já aconteceu ou que acha que o blogueiro anda distante deste terreninho, onde já é possível ver o capim verdejar. Como dizemos este que vos perturba e a companheira de bancada Gisa Franco, na Agenda Cultural do Balaio Cultural, na Rádio Timbira (que completou 77 anos ontem, 15): “para você não ficar perdido”.
SABOR DE BIS
Após sucesso do Circuito Barreirinhas, é grande a expectativa para a continuação do 10º. Lençóis Jazz e Blues Festival em São Luís, este fim de semana
O sucesso de público do circuito Barreirinhas – mais de 6 mil pessoas ao longo dos três dias de programação (tenha uma ideia de como foi aqui, aqui e aqui) – celebrou à altura a marca de 10 edições do Lençóis Jazz e Blues Festival. Quem esteve na Avenida Beira-Rio, onde o palco foi armado, pode presenciar um desfile de talentos e shows emocionantes, além da exposição fotográfica comemorativa (vista por mais de 600 pessoas), que traça um rico painel dos artistas que já passaram pelo palco do festival – e que também poderá ser conferida em São Luís, este fim de semana (dias 17 e 18 de agosto).
É quando acontece o Circuito São Luís, que terá como palco a Concha Acústica Reinaldo Faray (Lagoa da Jansen), além do Palco Mundo, montado na área externa da concha. Uma vasta programação promete agitar a sexta (17) e o sábado (18) da capital maranhense. Não faltam motivos para comemorar.
Atrações – Além das 10 edições do festival idealizado e produzido por Tutuca Viana, por exemplo, o público poderá cantar o “parabéns a você” a João Donato, um dos papas da bossa-nova. O acriano radicado no Rio de Janeiro completa 84 anos de idade exatamente no dia em que toca no Lençóis Jazz e Blues Festival: o pianista é uma das atrações da primeira noite, na sexta-feira (17), ocasião em que se apresentam ainda o gaitista brasiliense Gabriel Grossi e a cantora carioca Taryn Szpilman.
As apresentações do palco principal começam às 20h15. O Palco Mundo antecede-o, com início às 18h. Na sexta-feira (17), quem abre a programação é o bandolinista e cavaquinhista maranhense Wendell Cosme, que apresentará seu projeto “Ritmos e Sons”. Na sequência, também no Palco Mundo, se apresenta o grupo Norjazztinos, formado por Henrique Duailibe (teclado), Nataniel Assunção (bateria), Edinho Bastos (guitarra) e Davi Oliveira (contrabaixo). A programação deste palco paralelo volta após o encerramento dos shows do palco principal, às 23h30, com o blues de Dário Ribeiro, seguido do projeto Movimento Cidade, com os djs Neiva e Félix.
Entorno – Além do Palco Mundo, o entorno da praça também movimentará a exposição fotográfica comemorativa dos 10 anos do Lençóis Jazz e Blues Festival, a Feira da Lagoa, com exposição e comercialização de artesanato produzido no Maranhão, e a Feira Gourmet, com a presença de várias lanchonetes da capital maranhense, colocando um cardápio variado à disposição do público.
O Quarteto Crivador. Foto: divulgação
Sábado – A segunda noite ludovicense do festival terá como atrações, no Palco Mundo, antes dos shows do palco principal, a partir das 18h, o Quarteto Crivador – formado por Marquinhos Carcará (percussão), Rui Mário (sanfona), Wendell de la Salles (bandolim) e Júnior Maranhão (ex-Luiz Jr., violão sete cordas) – e o violonista piauiense Josué Costa. E fechando a noite, o blues de Daniel Lobo, seguido, novamente, dos djs do projeto Movimento Cidade.
Em meio a tudo isso, o palco principal apresenta, a partir das 20h15, os gaúchos Pedro Figueiredo e Samuca do Acordeon, seguidos por Hamilton de Holanda e o “Baile do Flashback”, de Ed Motta.
Formação – Marca dos 10 anos de Lençóis Jazz e Blues Festival é a preocupação com o caráter formativo do evento. 140 pessoas passaram, nesta edição, pelas oficinas oferecidas em Barreirinhas. Em São Luís serão realizadas duas oficinas e uma palestra. Na sexta-feira (17), das 9h às 12h, na Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo (Emem), o acordeonista Samuca do Acordeon ministra a oficina “GPS da Roda de Choro”; também na sexta-feira, das 15h às 18h, no mesmo local, é a vez do flautista e saxofonista Pedro Figueiredo ministrar a oficina “’Tecniquês’ para músicos – técnicas de sonorização e gravação de instrumentos e voz”. As inscrições podem ser realizadas pelo site do festival – endereço em que também pode ser acessada sua programação completa, inteiramente gratuita – recomenda-se a quem quiser, a doação de alimentos não perecíveis, cuja arrecadação será revertida em favor da Creche Caminhando com Cristo, do Parque Jair.
Extra – No dia 23 (quinta-feira), às 16h, acontecerá a palestra “Música e deficiência visual: dificuldades e superações”, ministrada pelo pianista, arranjador, compositor, cantor e publicitário Henrique Duailibe. A palestra será realizada no auditório da Uemanet, no Campus da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).
Realização de Tutuca Viana Produções, o 10º. Lençóis Jazz e Blues Festival tem patrocínio da Companhia Energética do Maranhão (Cemar), através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão, e do Banco do Nordeste e Potiguar, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet), e apoio de Sesc, Prefeituras de São Luís e Barreirinhas, Fiema/Sesi, Sebrae, FotoSombra, Tory Brindes e Clara Comunicação.
Serviço
O quê: 10º. Lençóis Jazz e Blues Festival – Circuito São Luís Quem: várias atrações, no Palco Principal e Palco Mundo Quando: dias 17 e 18 de agosto (sexta e sábado), às 18h Onde: Concha Acústica Reinaldo Faray (Lagoa da Jansen) e área do entorno Quanto: grátis Patrocínio: Companhia Energética do Maranhão (Cemar), através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão, e Banco do Nordeste e Potiguar, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet)
&
JUVENTUDE E “ESTÉTICA DIFERENTE” MARCAM PRÓXIMA EDIÇÃO DE RICOCHORO COMVIDA NA PRAÇA
Segunda edição da temporada 2018 acontece dia 25 de agosto (sábado), às 19h, na Praça da Igreja do Desterro (Centro histórico), com o dj Joaquim Zion, Mano’s Trio e Ivan Sacerdote
Após o sucesso da edição inaugural, são grandes as expectativas para a segunda edição da temporada 2018 do projeto RicoChoro ComVida na Praça, que acontece dia 25 de agosto (sábado), na Praça da Igreja do Desterro (Centro histórico).
O que já é bonito vai ficar ainda mais. Estamos falando, é claro, do cartão postal da secular igreja, que ganhará por uma noite, além da moldura de paralelepípedos e azulejos, a moldura musical de um verdadeiro desfile de talentos, uma constelação de craques das notas musicais.
O dj Joaquim Zion. Foto: divulgação
A noite começa com o dj Joaquim Zion, nome quase sempre vinculado à cena reggae, mas também profundo conhecedor de música brasileira, sobretudo das raízes negras que ajudaram a fundar e consolidar a riqueza da tradição de nossa música popular. Esta vertente é parte do que ele pretende mostrar, a partir de sua coleção de vinis, durante sua apresentação.
O Mano’s Trio. Foto: StudioA (Taciano Brito e Carolina Jordão)
O grupo anfitrião da noite é o Mano’s Trio, formado pelos jovens Wesley Sousa (teclado), Mano Lopes (violão sete cordas e voz) e Fofo Black (bateria), cujos talentos são inversamente proporcionais à média de idade do trio.
O grupo promete um passeio pelo Choro e pelo cancioneiro popular brasileiro, com destaque, no repertório, para nomes como Chico Buarque, Edu Lobo, Ernesto Nazareth e Pixinguinha, com espaço também para composições autorais – temas instrumentais de autoria de Mano Lopes. Quem também comparecerá ao repertório é o jovem compositor amazonense Stênio Marcius, de quem Mano Lopes cantará o samba-choro Máscaras no chão.
Lopes antecipa que “o grupo vai fazer show de choro tradicional, mas com uma estética diferente, com teclado, bateria e violão sete cordas”, em perfeita sintonia com os propósitos do projeto RicoChoro ComVida na Praça, de estimular diálogos e atritos.
O Mano’s Trio terá como convidado o clarinetista baiano Ivan Sacerdote, um dos grandes nomes de seu instrumento no Brasil. Clarinetista, compositor e arranjador, Sacerdote é bacharel em clarinete pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Mestre em Música (Criação e Interpretação) pela mesma instituição, e já tocou com nomes como Armandinho Macedo, Gabriel Grossi, Hermeto Pascoal, Nailor Proveta, Paulinho da Viola, Rosa Passos e Seu Jorge, entre outros.
O clarinetista baiano promete um passeio pelo Choro em diálogo com outros estilos musicais, “uma outra roupagem para um repertório mais clássico”, além de “uma homenagem a João do Vale”.
Sacerdote foi premiado no II Concurso “Devon & Burgani” Jovens Clarinetistas Brasileiros, em 2015, desde quando a marca o patrocina. Seu disco solo de estreia, Aroeira, completamente autoral, sai este ano – durante sua apresentação o público ludovicense poderá conferir uma das músicas do cd.
Fórum – Em sua passagem por São Luís, Ivan Sacerdote participa ainda, na véspera de sua apresentação no projeto RicoChoro ComVida, do “1º. Fórum Interinstitucional de Música: Produção Cultural em Música no Maranhão”, realizado em parceria pelas Universidades Estadual (UEMA) e Federal do Maranhão (UFMA).
O projeto RicoChoro ComVida na Praça é parceiro do evento. Ivan Sacerdote ministrará oficina de clarinete, dia 24, às 18h. Entre os palestrantes do evento estão o professor mestre Ricarte Almeida Santos (IEMA), produtor de RicoChoro ComVida na Praça, o professor mestre Wanderson Silva (do Conselho Estadual de Cultura) e o produtor cultural Tutuca Viana, que participarão de uma mesa redonda mediada pelo professor mestre Daniel Lemos (UFMA/ UEMA/ Unirio/ Fapema), também no dia 24, às 15h. O Fórum acontece no Auditório da Uemanet, no Campus Universitário Paulo VI.
Acessibilidade — Todas as edições de RicoChoro ComVida na Praça garantem a presença confortável de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. O projeto itinerante conta com banheiros acessíveis, assentos preferenciais com sinalização, audiodescrição e tradução simultânea em libras.
RicoChoro ComVida na Praça é uma realização de Eurica Produções, Girassol Produções Artísticas e RicoChoro Produções Culturais, com patrocínio de TVN, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão.
Serviço
O quê: segunda edição da temporada 2018 do projeto RicoChoro ComVida na Praça Quem: dj Joaquim Zion, Mano’s Trio e Ivan Sacerdote Quando: dia 25 de agosto (sábado), às 19h Onde: Praça da Igreja do Desterro (Centro histórico) Quanto: grátis Patrocínio: TVN, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão
&
“TOCA RAUL!”
Contra o sistema e a crise, cantor Wilson Zara mantém tradição e realiza show anual em homenagem a Raul Seixas
Divulgação
Com uma carreira relativamente curta, precocemente encerrada pela morte aos 44 anos, em 1989, Raul Seixas mantém a fidelidade e preferência do público. “Toca Raul!”, dos gritos mais ouvidos pelos bares e bailes da vida, além da devoção que revela, já virou piada e meme e segue mostrando a força e a atualidade do roqueiro baiano.
“Raul, sempre vivo na luta contra o sistema” é o título escolhido pelo cantor Wilson Zara para o Tributo a Raul Seixas deste ano. O nome do show alude ao conturbado momento político por que passa o Brasil e à dificuldade em realizar o espetáculo diante da conjuntura de crise – há alguns anos o show era realizado em praça pública, de graça, e este ano teve que voltar aos moldes iniciais, com a cobrança de ingresso para cobrir os custos de sua realização.
Wilson Zara e Raul Seixas têm uma forte ligação desde que o primeiro ouviu o segundo pela primeira vez. A verdade contida nas letras de Raul e a força com que estas verdades eram ditas foram cruciais para que Zara tomasse a decisão de abandonar o estável emprego de bancário e ir viver de música.
“Eu é que não me sento no trono de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar”, bradava o baiano em Ouro de tolo, petardo de 1973 que, de tão forte e atual, parece ter sido escrita ontem.
Desde 1992 Wilson Zara realiza, anualmente, um show em homenagem ao ídolo baiano, que era fã de Elvis Presley e Luiz Gonzaga, e cuja música dialoga diretamente com os universos do rock’n roll – pelo que acabou se tornando mais conhecido – e do baião. O primeiro Tributo a Raul Seixas teve como título A hora do trem passar, de um dos clássicos do repertório do artista, e foi apresentado em Imperatriz, cidade em que Zara então morava.
Este ano o Tributo a Raul Seixas será apresentado no Fanzine (Praça Manoel Beckman, Av. Beira-Mar, Centro). Os ingressos custam R$ 20,00 e podem ser adquiridos no local. Wilson Zara (voz e violão) será acompanhado por Moisés Ferreira (guitarra e efeitos), Marjone (bateria), Mauro Izzy (contrabaixo) e Dicy (vocal).
No repertório, clássicos do repertório do Maluco Beleza, como Eu nasci há 10 mil anos atrás, Gitâ, Rockixe, As minas do Rei Salomão, Eu também vou reclamar, Sociedade Alternativa, How could I know?, Sessão das 10 e SOS, entre muitas outras. Quem gritar “Toca Raul!” certamente terá seu pedido atendido.
Serviço
O quê: Tributo a Raul Seixas – 2018 Quem: Wilson Zara e banda Quando: dia 25 de agosto (sábado), às 21h Onde: Fanzine (Praça Manoel Beckman, Av. Beira-Mar, Centro) Quanto: R$ 20,00 (à venda no local)
Na seara ilhéu dos disc-jóqueis, cena majoritariamente dominada por homens em São Luís do Maranhão, Vanessa Serra adentrou qual Leminski em seu conhecido poema: “com os dois pés/ no peito dos porteiros/ dizendo pro espelho/ – cala a boca/ e pro relógio/ – abaixo os ponteiros”.
Jornalista e produtora cultural, com anos de atuação na ilha, Vanessa Serra coleciona vinis desde a adolescência, tendo ao longo do tempo engordado seu acervo com aquisições e heranças da família, em que pai, mãe, tios e avós sempre foram apreciadores de boa música.
O DNA explica parte do talento, que começou a ser treinado nas festas da família: invariavelmente era Vanessa Serra quem escolhia a trilha sonora de aniversários, churrascos de fim de semana e esticas de farras em Copas do mundo, por exemplo, o que a torna uma DJ brasileiríssima de talento nato.
O que era apenas um hobby há algum tempo tornou-se uma espécie de segunda profissão de Vanessa. Em vez do aparelho de som caseiro, aprendeu a manusear a parafernália necessária para botar um som e logo prestigiar seu riscar de agulhas nos bolachões de cera deixou de ser privilégio somente de familiares e amigos mais chegados.
Começou a discotecar profissionalmente – embora seja uma “amadora”, no sentido do amor pelo ofício – em 2016. Muito rápida e merecidamente ela conquistou o respeito e o reconhecimento do público, da crítica e de seus pares. Nem ousarei citar os nomes mais frequentes a seu repertório, para não cometer injustiças. Devo dizer que alia qualidade e ginga. Música para dançar e pensar, para não fugir do clichê – cá no texto, que este não tem vez na discotecagem de Vanessa, de espírito libertário: dança quem quer, pensa quem quer, alguns fazem ambos, mas a certeza é que todo mundo se diverte, a começar pela própria DJ, esbanjando charme enquanto procura e limpa o próximo vinil que tocará, dançando com um fone no ouvido e o outro livre, atenta à música com que está presenteando o público, para não haver falhas, uma espécie de um olho no gato outro no peixe.
Vanessa Serra não é DJ de firulas: toca a música em estado puro, como se estivesse no quintal de sua casa, entre amigos, entre um gole e outro. Talvez por isto mesmo seja tão bom vê-la/ouvi-la tocar: sentimo-nos em casa, com uma amiga a mostrar, entusiasmada, os novos discos que comprou ou as raridades que conseguiu arrematar num sebo ou na coleção de alguém que se desfez por um motivo ou outro, ou ouvindo um programa de rádio com selo de qualidade total, sem a voz dos locutores ou anúncios a interromper a sequência perfeita, já que pensada.
Pelas mãos, capricho e seleção de Vanessa Serra a música volta a cumprir seu importante papel de comunhão, tornando-nos mais humanos, mais irmãos e mais felizes. Ao menos enquanto durar a festa.
*
Acompanho com entusiasmo a rápida evolução da queridamiga Vanessa Serra no universo dos DJs e, baita honra, escrevi o release acima, inspirado pela alegria de já tê-la visto/ouvido trabalhando (e se/nos divertindo) algumas vezes. Quem quiser conferir o trabalho da moça, aí está o serviço para hoje: