No ano em que completam 35 anos os discos Bandeira de Aço, de Papete, e Lances de Agora, de Chico Maranhão, lideraram as lembranças de 11 pessoas do meio musical convidadas a votar em uma lista para o Vias de Fato
POR CELSO BORGES E ZEMA RIBEIRO
Esta lista já estava virando lenda. Da ideia às páginas que ocupa nesta edição do Vias de Fato já se vai mais de meio ano. O escritor Bruno Azevêdo já a havia citado em um texto [Homem lúcido e perigoso se dirigindo para o centro da cidade, O Estado do Maranhão, Alternativo, 15/12/2012] sobre Z de Vingança, de Marcos Magah, cuja prensagem pagou do bolso e em que votou em sua lista afetiva. “A ordem é alfabética que meu coração não hierarquiza”, afirmou sobre sua seleção.
O “amadurecimento” da lista ao longo desses seis meses (e pouco) não significa sua “melhora”. Certamente alguns dos convidados a votar mudariam alguns votos, se o convite surgisse hoje. Ou se, sabe-se lá, surgisse daqui a seis meses. Ou ainda se estivéssemos agora vendo uma lista publicada há seis meses ou um ano. Tanto faz.
Lista é foda: sempre excludente. Não tem como: fica um monte de gente boa de fora, mas é um exercício para reflexão e muita, muita discussão e polêmica, principalmente em mesa de bar – ou apenas por lá? O que vão falar mal não está no gibi, mas nem por isso vamos deixar de dar a cara pra bater – coisa que, aliás, o Vias de Fato sempre fez.
O jornal reuniu literalmente um time com 11 titulares ligados à música – djs, jornalistas, poetas, radialistas, escritores, pesquisadores e uma cantora (ainda inédita em disco) – para escolher os 12 discos mais importantes (há controvérsias) da música produzida no Maranhão nos últimos 40 anos (1972-2012). 12 o número médio de faixas de um vinil, se carece explicação, embora a lista no geral não soe saudosista.
Em 2013 completam-se 35 anos dos lançamentos dos discos Bandeira de Aço, de Papete, e Lances de Agora, de Chico Maranhão, que figuram na proa da lista final, embora esta, a lista, antes de elaborada não tivesse certeza de nada – embora seus idealizadores suspeitassem que eles liderariam a “eleição”.
Esta lista que o Vias de Fato ora publica acaba sendo, pois, a homenagem do jornal aos 35 anos destes discos, importantes não só para a música produzida no Maranhão. O primeiro acabou constituindo-se em um marco, por registrar pela primeira vez em disco obras de compositores fundamentais daqui – Cesar Teixeira, Josias Sobrinho, Ronaldo Mota e Sérgio Habibe – que ajudariam a definir o que se convencionou chamar, depois, de “música popular maranhense”; o segundo, até hoje nunca reeditado em cd, orbita em aura mística, por sua gravação na sacristia da Igreja do Desterro, em quatro dias, pelo lendário Marcus Pereira, que descobriu e registrou tanta gente boa Brasil adentro.
Homenagem – As comemorações não param nesta lista: no próximo dia 28 de maio, às 21h, no Teatro Arthur Azevedo, sob o manto já consagrado de sucesso do projeto BR-135, diversos nomes da nova cena musical do Maranhão interpretam o repertório de Bandeira de Aço em um tributo capitaneado, como o BR, pelo casal Criolina, Alê Muniz e Luciana Simões.
O show contará ainda com as participações dos “Compositores do Maranhão” – como consta na capa do vinil Bandeira de Aço – então gravados por Papete. Entre os novos nomes destaques para o duo Criolina, Afrôs, Bruno Batista, Dicy Rocha, Flávia Bittencourt e Madian. Na ocasião será apresentado ainda um documentário sobre o disco, assinado pelos jornalistas Andréa Oliveira, Celso Borges e Maristela Sena.
OS 12 MAIORES DISCOS DA MÚSICA DO MARANHÃO (1972-2012)
Bandeira de Aço, Papete, 1978, 10 votos > Este deve ser uma unanimidade. Puta discão, apesar das mil falhas e (talvez) também pelas polêmicas. É um disco que traça certa paisagem sonora e fica encravado na memória afetiva de quem teve contato com ele. (Bruno Azevêdo)
Lances de Agora, Chico Maranhão, 1978, 6 votos > Considero este um dos discos fundamentais da música maranhense. Poucas vezes um álbum reuniu tanta poesia embalada em ótimas melodias. (Ademar Danilo)
Cine Tropical, Criolina, 2009, 4 votos > O disco aponta os caminhos tropicalistas da paisagem sonora maranhense que encontra ecos no Caribe, Jamaica e outros portos musicais ameríndios e pós-coloniais, tudo com cores e brisas tropicais. (Alberto Júnior)
Bumba meu boi de Pindaré, 1973, 4 votos > Este disco pioneiro contém uma das mais brilhantes gravações já feitas de bumba meu boi. São as raízes maranhenses cantadas por Coxinho. Um mergulho profundo na alma rústica da nossa identidade. (Eduardo Júlio)
O som e o balanço, Nonato e seu Conjunto, 1975, 4 votos > O sucesso Cafua e outras pérolas habitam esse disco formidável que abre a seleta. Viva o maestro Nonato! (Franklin Santos)
Shopping Brazil, Cesar Teixeira, 2004, 4 votos > Autor de um sem número de clássicos da música maranhense, Cesar Teixeira já tinha mais de 35 anos de carreira, contados a partir dos primeiros festivais de que participou, ao estrear em disco solo, já tendo fornecido pérolas para o repertório de muita gente, daqui e de fora – por exemplo, o saudoso menestrel mineiro Dércio Marques, que registraria sua Namorada do Cangaço em Fulejo (1983). O compositor relê parte de sua vasta obra já registrada – Bandeira de aço, Flor do mal e Ray ban – e apresenta inéditas – Met(amor)fose, Vestindo a zebra e a faixa-título, composta ainda na década de 1970, quando o autor se deparou com o primeiro lixão ilhéu (e uma senhora que o habitava) –, além de homenagear “vodus” de nossa música: Antonio Vieira e Dona Teté (que participam do disco), Mestre Felipe e Dona Elza (que comparecem com excertos de gravações do tambor de crioula e do caroço, respectivamente), Rosa Reis (coro), Laurentino (citado em Mutuca) e João Pedro Borges (que assina o arranjo de Flor do Mal). Cesar mistura tradição e modernidade em pirão musical de farta sustança. (Zema Ribeiro)
Antoniologia Vieira, Vários, 2001, 3 votos > Interpretado por 16 vozes a obra deste compositor cuja carreira se sedimentou aos 80 anos contribui para esquadrinhar a trajetória da música popular feita no Maranhão num intervalo de 40 anos. Arranjado por Adelino Valente, o disco reúne as canções mais conhecidas de Antonio Vieira [nota do blogue: acima, no vídeo, a capa do disco; esta gravação não está em Antoniologia]. Os Ingredientes do Samba (música interpretada por Letice Valente) se sobressaem na obra deste compositor de letras simples, sem rodeios, como Na cabecinha da Dora. Sem o esmero da tecnologia, a gravação ganha ainda mais valor como registro. (Henrique Bóis)
Balaio, T. A. Calibre 1, 2002, 3 votos > Costelo (vocais), Ramuzyo (baixo), Christian (guitarra) e Franklin (bateria) fizeram um disco que propõe um diálogo mais próximo entre o hip hop e os ritmos de cultura popular maranhense. (Celso Borges)
O Boizinho Barrica, Boizinho Barrica, 1988, 3 votos > A brincadeira de rua vai para o estúdio e registra os nossos principais ritmos populares: o boi e seus vários sotaques, o divino, o coco. Um disco que também é fundador, para o bem e para o mal. Para o bem porque tem lindas composições de Godão e Bulcão. E para o mal porque abriu a porteira para o chamado boi de butique. Sugiram mais de 30 diluindo e empobrecendo o que o Barrica inaugurou. (Celso Borges)
Claudio Lima, Claudio Lima, 2002, 3 votos > Um disco que ouvi muito, e até hoje me pego botando na vitrola pra cantar Ray ban (Cesar Teixeira) e a “puta que pariu” que a Rádio Universidade censura. Pensa pra fora e grita alto, com um pé dentro, mas só um pé, que quem coloca os dois se atola! (Bruno Azevêdo)
Eu, você e a cidade, Nicéas Drumont, 1982, 3 votos > Natural de Rosário, Nicéas Drumont morreu cedo, aos 39 anos. Deixou mais de 100 composições e foi gravado, em vida ou postumamente, por nomes como Alcione, Leandro e Leonardo, Moacyr Franco, Nando Cordel, Nando Reis, Noite Ilustrada e Rosa Reis. Foi pioneiro ao registrar dois reggaes neste disco: Gavião vadio e Senzalas, com que tomou de assalto as rádios locais. (Zema Ribeiro)
Regueiros Guerreiros, Tribo de Jah, 1992, 3 votos > A banda de Fauzi Beydoun encabeça só pedras neste disco que é a cara dos Regueiros Guerreiros do Maranhão. Destaque também para a linda Neguinha. (Franklin Santos)
AS LISTAS COMPLETAS (SAIBA QUEM VOTOU EM QUE DISCOS) [incluindo a lista comentada deste blogueiro]
[Entrevista que os autointitulados “los cachorros borrachos” fizemos e publicamos na edição de fevereiro do jornal Vias de Fato. Em 2013 vocês ainda vão ouvir falar bastante deste trio cá no blogue: Bruno Azevêdo deve lançar ao menos três livros (começando por A intrusa, cujo anúncio está aí na cabeça), Celso Borges lança O futuro tem o coração antigo e Reuben da Cunha Rocha estreia, tudo pela editora Pitomba]
Vias de Fato entrevista os editores de sua irmã, a revista Pitomba
Os editores da Pitomba: Reuben da Cunha Rocha, Bruno Azevêdo e Celso Borges
POR IGOR DE SOUZA E ZEMA RIBEIRO*
O jornal Vias de Fato e a revista Pitomba têm muito em comum. Feitas quase sem apoio nenhum, as publicações buscam, cada qual a seu modo, dar voz a quem não tem na chamada grande – e “séria” – mídia.
Juntas, as publicações editaram, entre o fim de 2011 e início de 2012, o livro Guerrilhas, coletânea de artigos que Flávio Reis, guru dessa galera, entre entrevistadores e entrevistados, infiltrou na imprensa, tradicional e alternativa, ao longo destes primeiros anos do milênio.
Pitomba e Vias de Fato incomodam. A primeira não toca em política, ao menos não de maneira convencional. É uma revista de poesia, artes gráficas, literatura e sacanagem, no dizer dos próprios editores, os ludovicenses Bruno Azevêdo, Celso Borges e Reuben da Cunha Rocha.
Na mais recente passagem do último por São Luís, Vias de Fato aproveitou para ir ao encontro deles. Era uma tarde cinzenta, a cidade de ressaca das chuvas e do carnaval. Mais que uma entrevista, um descontraído bate-papo dos repórteres do jornal com os editores da Pitomba.
Uma caminhada por algumas ruas do Renascença, os dois repórteres e o trio de entrevistados, antes de ligar o gravador e pedir emprestada a Bruno Azevêdo a máquina fotográfica que captou alguns momentos do encontro (as fotoscas são de Zema Ribeiro). Destino: um boteco próximo, encher os cascos que ele tinha no apartamento com a cerveja que regaria a conversa. De volta ao apê, misto de residência e editora, os melhores momentos do bate-papo.
ENTREVISTA: BRUNO AZEVÊDO, CELSO BORGES E REUBEN DA CUNHA ROCHA
Vias de Fato – Como foi que surgiu a ideia da revista?
Reuben da Cunha Rocha – Conheci Bruno na véspera de viajar [Reuben saiu do Maranhão para cursar Mestrado, primeiro em Santa Catarina, depois em São Paulo. Hoje está no Doutorado em Ciências da Comunicação da USP], começo de 2008. Nesse ano a gente conversou bastante por e-mail. Celso sempre foi um papo, de muitos anos. E aí tinha a história da Pitomba, da editora, que era uma discussão que tava rolando.
Celso Borges – A gente criticava o texto que Bruno fez [o Manifesto Pitomba, impresso nos livros que Bruno Azevêdo publicou por sua editora]. Ele é meio que um manifesto, é uma ideia de um texto… e aí, conversa entre a gente… vamos fazer uma revista? Eu sempre gostei de revista.
Reuben – Na verdade, a ideia de fazer revista, ela existe o tempo inteiro na cabeça de quem escreve, eu acho. Desde que me entendo por gente e converso com outras pessoas que escrevem, esse papo de “vamos fazer uma revista” sempre existiu.
Celso – E Bruno sempre trabalhou com fanzine.
#1
Vias de Fato – Todo mundo tem alguma experiência, ou com fanzine, ou com blogue, que é uma coisa menos palpável. CB com a [revista] Guarnicê [editada por um grupo de poetas que levava o mesmo nome] ainda na década de [19]80, na época mais novo do que vocês hoje.
Celso – Antes. O [grupo poético] Arte e Vivência, final dos anos 70, aquelas revistas dentro do saquinho. Então, eu faço revista, de estar envolvido, desde o final dos anos 70. Depois veio o [grupo] Guarnicê, depois teve a [revista] Uns e Outros [do grupo Akademia dos Párias]. Eu gosto, acho que a revista dá uma alegria, é muito prazeroso fazer. Agora o exato momento em que decidimos fazer, não lembro.
Bruno Azevêdo – Isso tava sendo discutido, “vamos fazer uma revista”, “vamos fazer uma revista” e rolaram várias coisas. Mas o negócio para mim, pelo menos até onde eu me lembro, virou uma coisa “vamos fazer” quando Celso e Reuben baixaram lá em casa com uma pilha de um metro de revistas de poesia, “ó, é isso aqui que a gente quer fazer”. E eles deixaram lá em casa e vazaram. Vocês lembram disso?! Um monte de revistas! [Enfático, gesticula com as mãos, para dar ideia da grande quantidade]
Vias de Fato – Nessa pilha de revistas, por assim dizer, as referências da Pitomba? O que inspira vocês em termos de outras revistas que já existiam, ou melhor, que continuam a existir?
Celso – A Coyote inspira a Pitomba, a Oroboro, a Medusa, puta que pariu! São tantas. A Nuvem Cigana é uma coisa linda.
Reuben – A Revista de Autofagia é uma coisa importante também.
Celso – Quando me mandaram por e-mail um fascículo, aquilo é uma coisa linda, bicho, um exemplar único [a revista Nuvem Cigana teve número único]. Só tem uma e lá estão Chacal, Haroldo [de Campos], Augusto [de Campos], Hélio Oiticica, Wally Salomão… toda aquela energia dos anos 70, bicho, aquela revista é linda. Fotos, intervenções, tipografias, tudo ali naquela limitação, quer dizer, a gente chama de limitação porque vê de hoje, com a tecnologia que se tem, mas as intervenções iconográficas, porra, tu é doido? Aquilo é uma referência máxima. Para mim é.
Reuben – Mas acho que uma motivação fundamental, pelo menos para mim, era a coisa da editora. Quer dizer, fazer uma revista com o nome da editora, que é uma forma da editora circular mais rapidamente do que a edição de livros, que, pelo menos na minha cabeça, seria uma coisa mais lenta do que a edição de revistas, que seria uma forma de fazer acontecer.
Celso – Eu acho que revista tem um coração coletivo, coisa que para mim é muito estimulante. Com uma revista você consegue não só motivar as pessoas que estão fazendo, mas ao seu redor criar uma alegria, uma motivação, um esperar por uma Pitomba nova, um esperar por uma revista nova, o que é que vem ali, que forma, que poema. Isso aí é muito mais que um livro, até. Você não espera um livro. Uma revista você espera, você acalenta: “qual vai ser a da próxima revista?”, ou então “posso mandar um poema para revista?”, “posso escrever pra revista?”. As pessoas também querem fazer parte, tem uma coisa de divisão que eu acho legal.
Vias de Fato – Porque tem isso de ser um espaço de publicar o material de vocês, quem faz poesia faz, quem faz tradução faz, quem faz quadrinhos faz, quem faz sacanagem faz. Mas tem o lance de publicar coisa dos outros e a revista não tem periodicidade, mas aí tem dois anos e cinco números, então mais ou menos um número a cada quatro, cinco meses. Mas isso não tá definido em lugar nenhum, acho que nem na cabeça de vocês.
Bruno – Não tem nada definido nessa revista em lugar nenhum, a não ser conteúdo. [risos]
Vias de Fato – Como é que vocês decidem o conteúdo e a hora de fazer uma Pitomba nova?
Celso – Rapaz, é uma guerra… É uma guerra… [risos]. É uma briga, porque tem uma série de coisas que trabalham contra a gente também, contra cada um de nós e contra nós três juntos, que é a vida que cada um leva, que cada um tem que pagar suas contas, cada um tem sua vida, cada um tem não sei o quê mais.
Vias de Fato – A questão geográfica atrapalha um pouco ou não? [Reuben mora em São Paulo]
Celso – Eu acho que a questão da operacionalização é uma coisa difícil, porque Bruno é um cara que trabalha em meio ao caos. Ele faz muita coisa ao mesmo tempo e a gente tem, eu tenho na minha relação com ele, eu tenho que ser um pouco assim…
Bruno – [interrompendo, enfático] Chato!
Celso – Eu tenho que hostilizá-lo, ele me hostilizar, porque é uma guerra, aí são três, mas a minha relação é mais próxima com Bruno porque ele está aqui e Reuben não tá, ele tá longe e então tem uma dificuldade.
Bruno – O trabalho de edição da revista é bem mais fácil que o de editoração da revista, que é até ela sair daquele computador bem ali [aponta para o cômodo do apartamento em que trabalha] para chegar no arquivo impresso. Isso é o mais traumático porque é o que demora mais.
Celso – A ausência de Reuben é sentida, não só por ser uma companhia, um cara que faz falta de estar junto, mas porque se senta eu, ele e Bruno numa tarde a gente já monta o esqueleto, entendeu? Agora eu ficando sozinho com Bruno, e Reuben lá, fica mais complicado porque tem uma dificuldade nessa operacionalização.
Reuben – Importa dizer que muito do trabalho recai sobre Bruno, porque só ele consegue diagramar a revista.
Celso – De texto, geralmente ele não quer se meter. [Irônico:] “ah!, eu não leio poesia” e não sei o quê mais, aquele negócio do rabicó do poema [gargalhadas gerais]. Isso eu divido meio com Reuben: “ah, tá ruim!”, “ah, tá legal!”, quando chega uma coisa com que ele concorda. Mas tem as discordâncias também, porque Bruno não quer ter o voto de minerva, ele se omite. Mas a distância de Reuben também faz com que surjam outras iluminações, coisas que ele descobre por lá, enfim.
Reuben – Mas o negócio de coletar material acaba cada um sacando o que acha interessante, ou pega e lembra alguém, se tem material suficiente para fechar as 44 páginas.
#2
Bruno – Tem coisas que pertencem e não pertencem ao que a gente imagina que a revista comporte. Nós três vamos te dar repostas diferentes sobre o que a revista comporta, mas no final das contas, esse lance que Reuben está falando da coleta, da cota, “pô!, isso daqui vai ficar massa” ou “isso daqui não ia ficar massa”, ou de repente tem um cara que nós três conversamos, que a gente acha uma inteligência, por assim dizer, que poderia estar por aí, tipo o [poeta Fabiano] Calixto, agora nessa última edição que saiu, que é um cara massa e blá blá blá, que está fazendo coisas legais e não sei o quê.
Celso – A gente fica naquela coisa, de abrir a revista, porque a princípio pensou em fazer um negócio de escritores do Norte e Nordeste, ou que estando fora, atuem nesse circuito. Eu já penso que pode abrir e sair um pouco desse sufoco, de que não necessariamente sejam artistas do Norte, mas tem um conceito que a gente não tem mais certeza se continua ou não.
Reuben – Nunca conversamos sobre isso com o passar do tempo. Isso foi posto inicialmente, e eu com o passar do tempo passei a achar que é um conceito armadilha.
Vias de Fato – De repente colocar alguma coisa que possa “despitombar” a revista?
Reuben – Que pode ser bom. Na verdade a gente fica naquela de ficar cavoucando nessa história de Norte e Nordeste e isso servir para legitimar uma ideia de folclore, regionalismo ou panela, de ter que colocar o cara porque ele é nordestino. Então para mim é a mesma questão de colocar gente do sul ou de qualquer lugar e ver que, pera lá!, isso não tem nada a ver.
Bruno – A própria ideia de fundar a editora é porque, num determinado momento, depois de fazer zines e livros, eu percebi que estava completamente marginal, fora do mercado. No final das contas tinha só eu lá dizendo “olha meu livro!, olha meu livro!” e que coisa antipática! A editora impessoaliza, parece uma instituição. Então, o critério para mim parece muito mais: esse sujeito aqui não consegue espaço; é bom e não consegue espaço em algum outro lugar. Porque, porra!, na prática você sabe que se mandar o original para 20 editoras, nenhuma vai te responder. Nenhuma mesmo! A maioria delas, na hora que tu abres o negócio [site], “não recebemos originais, exceto do Paulo Coelho”. Ou se tiveres uma indicação de dentro. Então, nesse aspecto, quando tu estás geograficamente distante, aí o critério geográfico é legítimo, tu não consegues existir, porque tu só consegues mesmo ter acesso a esses caras quando tu conheces alguém, e tu só conheces alguém numa mesa de bar, num lançamento e alguma coisa assim. De outra forma tu não existe, pô! Tu não existe mesmo.
Celso – Tem um elemento na revista que eu acho que não devemos abrir mão, embora seja uma característica e um traço que incomode muita gente, que nós temos essa coisa da despersonalização: as revistas não só não têm um nome na capa, como ela não tem o nome de quem escreve na capa e isso irrita muita gente. Mas esse retorno é pequeno, em todos os sentidos. Então eu acho que tem que manter o atrito, é uma característica da revista. Isso a gente não tem que abrir mão, nem é essa coisa do atrito, é a coisa da irritação mesmo.
Vias de Fato – Eu acho que é a única revista que não tem o nome na capa.
Bruno – É, porque se colocar o nome vai ter que colocar junto “revista de literatura contemporânea brasileira”. Imagina que coisa ridícula…
Celso – Ia ter que fazer editorial como se fosse um slogan, como se fosse uma frase.
Vias de Fato – A propósito, o primeiro editorial de vocês é muito marcante, e eu acho que dá um pouco a ideia, além dessa coisa toda de despersonalização e talvez um pouco de não se levar a sério, eu não sei bem se é isso ou se é só isso, mas o lance do “quer fazer faz” [este, o texto do editorial], já que vocês não têm apoio ou os apoios que têm são pequenos, não cobrem a edição, o negócio sai do bolso mesmo, o lance de não ficar só reclamando, que “o poder público não me apoia”, que “a iniciativa privada é tímida”, isso e aquilo, então é aquela coisa de botar o bloco na rua.
Reuben – A prática é ficar 40 anos esperando até alguém reconhecer que eu sou um bom artista e tem interesse em… [se interrompe] Isso não vai acontecer! Não vai acontecer mais em lugar nenhum, isso acabou, é coisa de até metade do século XX e quem não sacou isso daí, não vai rolar mais nada, entendeu? [risos]. Então, não é uma reação à falta de apoio, é uma reação à mentalidade que espera apoio. Nós não temos apoio, portanto faremos. Porque raios a gente vai esperar apoio se a gente quer fazer o negócio e o quê que isso tem a ver com o Estado?
Bruno – Os meios são completamente democratizados, digo os meios, as ferramentas, nós somos pessoas adultas, conseguimos excedentes com o nosso trabalho que dá pra fazer essa porra, então que diabos a gente vai ficar esperando uma secretaria abrir um edital?
Vias de Fato – Mas vocês entrariam num edital?
Bruno – Eu não! A revista não. Não mesmo, cara.
Celso – A gente não botou nem o nome na revista, vai botar o logo de uma fundação ou sei lá… É uma questão de postura mesmo, eu acho que tem que ter um distanciamento, eu acho que eventualmente, não com a revista, mas você pode, como escritor, fazer parceria com o poder público em algum momento, ou como poeta ou como artista subir num palco. Eu já fiz isso. Nenhum livro meu tem um carimbo de uma secretaria de cultura ou fundação cultural. Não vou dizer que nunca vai ter isso, eventualmente pode até ter, mas dentro de mim eu me sentiria um pouco constrangido com aquilo. Eu prefiro não ter, eu acho que o artista tem que manter um distanciamento. Ele pode eventualmente até fazer parceria com o poder público, mas ele tem que manter o poder público como um inimigo, como um cara que não deve se aproximar muito. Eu acho que é ele que não deve se aproximar muito para que não seja atraído, sei lá como é que se pode dizer isso, a gente trabalha com mais autonomia, trabalha com mais força para dizer aquilo que quer porque o poder público, ele vai calar você.
Bruno – Tem a questão que o poder público é tudo, menos público. Ele é pessoalizado. Ele não é pessoalizado apenas ideologicamente, mas socialmente.
Vias de Fato – Não é querendo que vocês coloquem ou não uma logomarca, concorram ou não a um edital, recebam ou não recurso. O poder é pessoalizado e aí, tipo: se não tem a Pitomba recebendo verba pública, tem uma porcaria recebendo verba pública e difundindo arte e literatura de qualidade duvidosa.
Bruno – Por mim tudo bem, pra mim tá tranquilo. Eu acho que não devia ter verba pública investida em arte!
Celso – No caso aqui de São Luís é mais triste, não tem nenhuma revista do poder público! É triste! O poder público não faz uma revista de literatura. Podia juntar, fulano me dá um artigo tal, fulano me dá um quadro tal, mas ninguém tem é motivação. Eles não saberiam como administrar a divisão desse bolo. Como eles não podem contemplar a todos, só poderiam contemplar alguns, então eles decidem não fazer e não fazem.
Bruno – Pois é, porque não haveria nenhum critério estético, haveria um critério de geração, de subservilismo [sic].
Celso – Em Natal, por exemplo, existe revista do poder público.
Bruno – Tem aquela revista da Biblioteca Pública de Curitiba.
Vias de Fato – [O jornal] Cândido. Cândido é lindo! [A revista] Helena e tal, que é dessa grossura [gesticula com os dedos], que é da biblioteca também.
Reuben – Tem um uma coisa interessante nesse negócio de edital no Brasil, que é por meio deles, especialmente da Petrobrás, que se tem conseguido que o artista se coloque como profissional. Ele pode ficar oito meses ou um ano escrevendo um livro. Isso é um trabalho, não é um favor. Isso não deixa de ser interessante, a figura do artista como profissional, que vai ter um dinheiro para fazer isso e não ter que correr numa coisa para, pelo menos, conseguir pagar o livro. Isso historicamente não é desprezível, mas isso gera uma série de comprometimentos que não faz sentido o sujeito se meter nisso daí. Você pega um livro de Joca [Reiners Terron, escritor], que o cara teve que passar por uma série de burocracias assim enorme só para mudar o título, que tinha sido inscrito um título e ele queria colocar outro e não podia. Com o mercado não é diferente, não dá pra dizer que se eu estiver sendo patrocinado por uma empresa privada eu seria mais livre do que se estivesse sendo patrocinado por uma empresa pública. Pra mim não faz diferença.
Bruno – A questão é, até onde eu consigo ver, a política do edital tá fazendo gente rica ficar mais rica.
Celso – O cara pode entrar também, pode fazer a parceria com o poder público, mas manter sua integridade.
Reuben – O problema é que, por onde começou essa história, não sei por onde começou, mas por onde se desenvolveu bastante foi no cinema, em que se chega a um ponto onde o sujeito não faz filme se não tiver dinheiro público. Quer dizer, não passa pela cabeça do sujeito que se ele não tiver 100 mil para fazer o filme, ele que faça o filme. Tu achas que as verbas vêm de onde? Se o sujeito quiser fazer um filme ele faz nesse apartamento aqui, com duas câmeras ou uma câmera, e seis atores. Ele não vai conseguir fazer um épico hollywoodiano, com duzentas locações, um filme na Amazônia etc., alguns projetos dependem realmente de dinheiro, mas o que eu quero chamar a atenção é para a imobilidade do cineasta. O sujeito não faz. Mais radical e mais independente que se possa fazer no Brasil, hoje ele tem dinheiro de lei de incentivo.
Vias de Fato – Patrocínio da Petrobrás. Todo filme brasileiro começa “este filme foi selecionado pelo Programa Petrobrás Cultural” e depois logomarca, logomarca, logomarca.
Reuben – E se o sujeito não conseguir, ele não vai fazer o filme.
Bruno – Tem gente que faz filme massa sem dinheiro público, como no [documentário] Brega S/A [sobre a cena musical contemporânea em Belém do Pará], que começa logo “esse filme não tem dinheiro público nenhum”.
Celso – Mas isso é muito excludente, cara. Porque um filme como esse vai ter um público muitíssimo menor.
Reuben – Não necessariamente.
Bruno – Eles distribuem de graça na internet.
Vias de Fato – Tem um ponto, voltando a essa história da Pitomba aqui e do cenário, que é a história da Pitomba, que está em São Luís e São Luís que tem um histórico de artistas e intelectuais a serviço de dados grupos políticos. Como é que a revista se situa nesse campo, já que ela está à margem?
Celso – Ela se situa contra essas pessoas. Se tu pegares a primeira Pitomba, lá no [texto de Roberto] Bolaño [traduzido por Reuben na contracapa] é uma porrada; a segunda contracapa, cada contracapa é uma porrada. Na revista tem todas as repostas que tu tá falando aí. Acho que a segunda é que fala melhor dos artistas, aquilo é uma porrada!
Bruno – A revista tem uma série de indicações, mas as coisas não são dadas.
Reuben – A própria ideia de se manter distante dessas relações já fala sobre esses artistas e o fato de nenhum deles estar na revista.
Vias de Fato – Se a esquerda abomina, a direita ignora. Aquela história de alienante e alienado. A esquerda clássica, naquele modelo de partidos e sindicatos.
Celso – Há um silencio. Me mostre alguém que tenha se manifestado sobre a Pitomba publicamente. [O artista plástico] Jesus Santos [link para assinantes com senha] que escreveu n’O Estado do Maranhão.
Celso – Com raríssimas exceções, esses três, Loredo, Jesus Santos e o blogue do Zema, nunca ninguém falou nada sobre a Pitomba publicamente. Esse é o ponto!
Vias de Fato – Modéstia às favas, não existe crítica.
Bruno – Queria ou não a gente tenta ainda fazer, nem que seja resenhando livro um do outro.
Celso – A única crítica que rolou foi do Loredo e do menino lá, o Ronald [Robson], defendendo em blogue e tal. Agora, que a gente sabe que pessoas da esquerda não gostaram, a gente sabe. O que eu quero dizer é que não existe, a única vez que alguém falou foi da direita. Por que a revista tem a provocação, ela tem arrogância, vamos dizer assim.
Vias de Fato – É iconoclasta total, se é que isso pode ser um adjetivo.
Celso – A gente sabe que nos bares se fala dela.
Bruno Azevêdo dá um gole durante o papo
Bruno – A revista tem uma existência concreta nem que seja nas conversas de bar, e, porra!, eu quero é estar na conversa de bar.
Celso – Na Pitomba, às vezes, se sobressai um pouco o lance da imagem, um editorial ou uma coisa que Bruno faça. Mas ali, velho, estão 60% de poesia, pode ver, ou é tradução ou é alguma coisa que eu faço, ou é coisa de alguém.
Bruno – Pode ver que esse negócio de poesia deu tanto na minha cabeça que fiz uma fotonovela.
Vias de Fato – Que eu achei sensacional! E isso volta para aquela discussão sobre financiamento, independência e coisa e tal, porque se tu tivesses um apoio do que quer que fosse, tirando [o bar] Chico [Discos] e [a livraria] Poeme-se, mas tu irias criticar tua própria revista dentro da revista?
Bruno – Rapaz, ninguém ia me publicar senão eu. Quase todas as coisas que eu escrevo, não é nada enquadrado assim, ninguém consegue transformar em um produto fácil para dizer “isso aqui é isso aqui” e a revista tá meio nesse negócio.
Reuben – Isso é uma coisa que deve perturbar a leitura de quem está aqui porque talvez a leitura da revista seja um negócio difícil de localizar. Primeiro que a revista não é uma revista de poesia. Não tem uma ordem, não tem uma prioridade. Então, [o professor] Flávio Reis contou uma história do primeiro lançamento da revista que talvez possa ser ilustrativo. Ele disse que tava sentado no lançamento da revista e tinha um pessoal dizendo “vem cá, olha isso daqui, essa revista não tem como vender”, querendo dizer que era um negócio mal acabado e tal. O que não deixa de ser interessante também. E Flávio perguntou: “rapaz, vocês acham que esse pessoal está interessando em vender?” Mas eu tô dizendo isso porque eu tenho a impressão de que a gente não tá preocupado com nada, então, isso dá certa flexibilidade de critérios, que no fim das contas a gente bota o que tá a fim de botar e não bota o que não está. Pronto.
Celso – E as pessoas ficam, talvez, procurando um sentido, uma estratégia.
Bruno – Uma razão de ser, [irônico:] onde se situa o marxismo contemporâneo na narrativa.
Celso – Tem um negócio de confundir, de desabilitar, de você não saber direito. Rapaz, você tem uma tradução de [o poeta e. e.] cummings e o cara lá comendo as hóstias, tem a pornografia, tem as coisas opostas, que não teriam uma unidade. A revista trabalha quase como se não houvesse um conceito que ligasse uma coisa a outra.
Reuben da Cunha Rocha ri: “a Pitomba não tem absolutamente nenhuma seriedade”
Reuben – Agora aí, eu acho, e pessoalmente, se ninguém percebeu, isso precisa ser dito, que daí vem talvez o mais interessante da revista: o fato de que ela não tem absolutamente nenhuma seriedade. De critérios, e não tem nada assim que se possa dizer que a revista não publicaria, poderia até não publicar por falta de interesse ou gosto pessoal nosso, como não achar bom, mas coisa tipo censura de conteúdo, moralismo, não tem como dizer que não tem uma revista na literatura que se possa dizer isso. Toda revista de literatura é séria. A seriedade acompanha, seja a poesia seja a prosa. Escritor é um sujeito sério. Foi a única revista até hoje que conseguiu fazer isso daí foi a Pitomba. Inclusive daí vem alguma fraqueza, porque a gente publicou muito texto ruim ao longo dessas cinco edições. Agora, o que levou a isso foi de onde vem a principal força dela, que é isso daí.
Celso – Agora imagina uma revista em que você faz um assassino de funcionários públicos [a série O matador de funcionários públicos, de Bruno] onde 80% da população é funcionário público. É claro que você vai ter uma raiva introjetada na cabeça de muita gente.
Vias de Fato – É porque também tem muito o lance de você só poder falar de dentro. Para você falar de funcionário público você tem que ser funcionário público.
Bruno – E funcionário público não vai falar porque já está morto de feliz por estar lá.
Vias de Fato – Ou você tá empertigadinho lá, contente porque o salário não atrasa etc., até atrasa [lembrando o calote de João Castelo (PSDB) às vésperas de deixar o cargo e o parcelamento da dívida pelo atual prefeito Edivaldo Holanda Jr. (PTC)]. O que fica provado é que o pessoal perdeu a capacidade de rir de si mesmo. Seja funcionário público, seja sei lá o quê.
Bruno – Esse negócio dO matador ninguém comenta, eu acho isso tão engraçado, ninguém diz nada.
Reuben – Nem pra dizer que “eu não gostei disso”.
Bruno – Moreira da Silva passou a vida inteira sendo motorista de ambulância. O cara, um dos criadores do samba de breque, um dos maiores cantores do samba brasileiro, teve uma carreira longeva no samba e ele chegou a viajar e passar três meses em Portugal fazendo turnê e o chefe dele dizendo “não se preocupe que você é um funcionário de utilidade nacional” e pronto. Tu não achas que houve gente que precisou ser socorrida pela ambulância que Moreira dirigia, ou deveria dirigir? Eu não posso achar graça disso, por mais que seja engraçado.
Celso – Tem também a história da alta e da baixa cultura. Muitos olhares sobre a revista são de crítica, do mau gosto que algumas pessoas devem achar, mas também que há eventualmente uma pobreza, que pertence a uma baixa cultura, que não é uma literatura que seja levada a sério. Eu acho que isso a Pitomba também coloca na cabeça das pessoas. “Isso daqui é literatura?”, isso é uma questão que também vem à tona. Tem a questão do pornográfico e erótico. E aí se tem um especialista no assunto [aponta para Bruno]. Tu olhas lá o [quadro] A origem do mundo, do [pintor Gustave] Courbet e mostra o sexo lá e tal. Pois é, isso é mau gosto? É erótico ou pornográfico? Eu sempre venho observando essa coisa, do que é mais literatura, do que é literatura mais séria, do que não é.
Vias de Fato – Vocês acham que há um desprezo total por parte da crítica? É por isso que ninguém comenta O matador de funcionários públicos ou outra coisa?
Bruno – Que crítica? Não existe crítica! A gente desprezaria se a crítica existisse.
Celso – O único cara que fez alguma crítica foi Ronald Robson. O único, o único! Foi uma crítica de acordo com o que ele pensa.
Reuben – Uma crítica inteligente, o cara leu a revista e raciocinou em cima daquilo ali, se dispôs a escrever sobre uma revista da qual ele sequer gostou. Por outro lado, a gente não deixa de ter respostas entusiasmantes. Não dá para ser injusto.
Bruno – Rapaz, o papel da revista é grosso demais para ser papel higiênico. Então de alguma forma alguém lê.
Reuben – Também, essa relação é tipicamente nossa, né? Quem foi que gostou, quem foi que não gostou e a gente começa a mapear o negócio. A diferença é que a gente está fazendo isso daqui sem nenhuma intenção de por conta disso o negócio começar a “fulano de tal não entra, cicrano também não”. Então a questão não é tanto de gostarem ou não gostarem, mas de um retorno que dissesse que a revista é interessante por isso, não é interessante por aquilo.
Bruno – Eu penso muito mais em livros do que na revista. Eu penso muito mais na proposta do livro, que ‘nego’ tem que fazer seus livros e tal. Talvez eles tenham uma possibilidade de exploração de ideias mais interessante, enfim, a ideia é continuar fazendo livro e revista.
Reuben – A revista essencialmente é um negócio efêmero, por mais que ela continue, que tenha 20 edições, com o tempo ela vai se perdendo. Livro, o sujeito guarda. Revista chega uma hora em que o cara vende pro sebo, dá pros amigos, perde e tal. Agora, isso não é um problema, o lance é permitir que ela fosse mais experimental ainda, mas “isso daqui vai se perder”, foda-se! O importante é testar a mão e ver o que dá para fazer e o que não dá para fazer.
Vias de Fato – Celso, tu estás com mais de 50 e já fazia revista com menos de 20.
Celso Borges: poesia e teimosia
Celso – Rapaz, se eu tiver saúde com 80, uma revistinha lá eu vou estar fazendo…
Vias de Fato – Por tudo aquilo que a gente conversou aqui às vezes tu não te sente meio pregando no deserto, não bate certa depressão? Será que alguém vai ler a revista?
Celso – Não bate depressão. Acho que às vezes bate um desestímulo. Mas aí tem o lance da disciplina. Sempre foi assim e sempre vai ser. Tá na minha cabeça, tá na minha alma, não tem resposta para isso. É como se fosse uma coisa que eu precisasse fazer.É uma doença, uma maldição, como diz Fabreu [o poeta Fernando Abreu].
Vias de Fato – Como é a seleção do que a Pitomba, a editora, não a revista, o que ela publica e não publica?
Bruno – É uma questão pessoal, o que eu acho que deva ser publicado.
Vias de Fato – Uma vez eu perguntei, que eu nem lembro sobre o quê, mas qual é a sensação de colocar um selo na capa de um livro, e tu me respondeu que era ilusão de achar que tem uma editora.
Bruno – É. É isso mesmo.
Vias de Fato – Como é o financiamento disso? Tu? Tu e o autor? Depende?
Bruno – O disco [Z de Vingança] do [Marcos] Magah eu paguei todo. Exceto a gravação, o resto eu paguei tudo. Porque eu peguei o disco, esse cara ta aí, não tem dinheiro nenhum. Ele tá com o disco tem uns seis meses e esse disco precisa existir. Tem tudo a ver com a ideia da editora. Porque eu só fiz O Monstro Souza porque Souza [proprietário do cachorro-quente homônimo que inspirou o livro] me deu boa parte da grana para fazer o livro, então eu tenho uma certa obrigação e vamos ver o que vai acontecer. O trabalho de editoração de outros livros eu não cobrei nada pra ninguém. Do [poeta] Dyl [Pires, O perdedor de tempo], da [poeta] Jorgeana [Braga, A casa do sentido vermelho, a ser publicado em breve]. Por enquanto é assim que funciona, o livro da [jornalista] Karla [Freire, Onde o reggae é a lei] eu e ela que pagamos tudo pro livro sair.
Vias de Fato – E as vendas?
Bruno – Já vendeu umas 110 cópias. No Riba [livraria Poeme-se] já esgotou, eu repus hoje; na [livraria] Leitura eu ainda não fui; no Chico eu também ainda não fui. Tem tido certa saída. Já recuperou 30% do gasto. Eu nunca espero dinheiro de volta. Quer dizer, só em prestação de serviços que pode ser reinvestido como em achar um cara como Magah. Vai sair o livro de Reuben, o da Jorgeana. Tem uns livros para lançar aí e sempre aparecem outras coisas. Mandam coisas, me mandam originais, mas eu fico sempre desconfortável em ler porque vai que eu leio e o livro é uma merda? Então eu sempre tenho que dizer alguma coisa. Se me aparecer um livro de poesia eu jogo para esses dois aqui.
Vias de Fato – Então, a editora usa os editores da revista como conselho editorial, digamos assim?
Bruno – É, eu jogo direto para eles. Ainda mais porque se aqui em São Luís sabem que tem uma editora que publica livro de poesia, tu é doido!, ia ter todo dia 20 livros de poesia aqui em casa. Todo mundo é poeta, sabe aquele cara bem ali? [aponta um transeunte pela janela] Ele é poeta, pô! “Ó, São Luís”, e coisa e tal. A poesia é apologética em relação à cidade ou preocupada em falar da própria poesia. É o negócio do rabicó.
Reuben – Para mim essa é a grande ironia, a maior obra de Nauro Machado é essa tiração de onda de com todo mundo: “Ô, meu poeta!”, todo mundo é poeta.
Bruno – Esculhambou geral.
Vias de Fato – Outra afinidade de vocês é a música. Vocês estiveram juntos no palco para o lançamento de Belle Epoque [mais recente livro de poemas lançado por Celso]. Tem alguma possibilidade ou previsão de vocês tocarem juntos novamente?
Celso – A gente queria fazer um lance de rock’n roll com leitura. O grande lance é a disponibilidade de tempo. Pra mim é na hora, fazer um som com esses camaradas. Agora tem que ser uma coisa igual ao que teve no Belle Epoque. Ali a gente teve um mês livre para fazer aquilo. [O baterista André] Grolli, [o violonista André] Lucap, esse rapaz [Bruno] totalmente disponível, [o guitarrista] Reuben. No dia em que Bruno me ligar pra gente fazer um som eu tô aqui na hora e Reuben pega o helicóptero dele.
Reuben – Ah, de novo não, mas outra. Fundamental é o cara quebrar a ideia de que ele vai conseguir manter as coisas. O fundamental aqui sempre foi fazer tudo. O sujeito tem tempo para fazer um som, ele vai fazer, não tem, ele vai fazer outra coisa. Tem para um zine, ele vai fazer, não tem, faz outra coisa. Se não ele vai ficar a maior parte do tempo parado e fazendo as coisas no tempo livre, as coisas não vão durar. O lance é o tempo livre. Se juntar de novo, as coisas vão mudar, tudo muda o tempo todo.
Celso – A música talvez seja a coisa que mais nos ligue. Eu tenho uma preferência, Reuben tem outra, mas entre a gente bota ali o rock. A gente se une bastante, bota o rock’n roll ali. Tem uma identificação com a linguagem do rock. Tem essa diferença de Bruno não gostar de poesia, tem a formação dele em quadrinhos. A minha é precária, ficou para trás. Eu tento pegar alguma coisa com ele, mas eu não tenho a formação e a influência que tem na obra dele.
Reuben – Restos Inúteis [título de poema de Celso que deu nome à banda que o acompanhou no show de lançamento do livro] foi um nome que muita gente não gostou, quer dizer, algumas pessoas. Porque não é sério. Não basta ser resto, ainda tem que ser inútil.
Num lançamento da Pitomba há algum tempo na UFMA disse umas coisinhas sobre a revista. A matéria do Club Cult já foi ao ar na TV Guará e está disponível (como outras) no canal do programa no youtube.
No Vias de Fato de fevereiro a entrevista que eu e Igor de Sousa, os autointitulados Los Perros Borrachos, fizemos com o trio de editores. Em breve a gente pendura por aqui.
O talentoso Lauande Aires reapresenta o aclamado O miolo da estória, em curta temporada no Teatro Alcione Nazaré (Centro de Criatividade Odylo Costa, filho, Praia Grande). Os ingressos podem ser trocados por um quilo de alimento não perecível, na bilheteria do teatro, uma hora antes do espetáculo. Os alimentos arrecadados serão destinados ao programa Mesa Brasil, do SESC.
Esta curta temporada em São Luís será uma espécie de aquecimento. Depois dela, o artista circulará por 32 cidades brasileiras com o espetáculo, começando por Fortaleza/CE, dia 13 de abril, integrando o projeto Palco Giratório, também do SESC.
Há algum tempo entrevistei o dramaturgo para o Vias de Fato, justo sobre O miolo da estória. Releia o papo.
Não sei se chamo Igor de Sousa de amigo-irmão ou de filho. Ambos os parentescos caem bem: já o tinha visto umas poucas vezes, em geral por conta de nossa atuação em organizações de direitos humanos no Maranhão, e em meados do ano passado DP, como o chamo carinhosamente, veio estagiar na Cáritas Brasileira Regional Maranhão, onde além de trabalharmos, conversávamos muito sobre música, literatura, cinema e artes em geral, sempre um aprendendo com o outro.
Deixei a Cáritas semana passada e ele permanece por lá, onde espero que tenha vida longa, pois reconheço neste estudante de Ciências Sociais um belo quadro para as lutas, não só naquela entidade.
Com nossas meninas temos também bebido um bocado, descobrindo e redescobrindo botecos, bares, calçadas, shows, churrasquinhos e nossa cozinha, onde ele sempre pede para ouvir Celso Borges, Itamar Assumpção, Jards Macalé, Miles Davis e Ferreira Gullar, entre outros. Pedidos raros e atendidos na medida do possível, a depender do clima da farra e do resto da galera que porventura nos acompanhe.
O apelido “depê” vem de um endereço de e-mail que ele ainda hoje usa, embora já disponha de um e-mail “sério”, “adulto”, feito, aquele, quando ele tinha mais ou menos a metade da idade que tem hoje, 22 bem vividos e estudados: desajustado underline punk arroba hotmail ponto com.
Mas comecei a falar dele e quase me perco por conta de um texto seu que recebi hoje. Queria minha ajuda na edição e para fazer repercutir o assunto. Já saiu no site da Cáritas/MA, mas roubo-o ao “blogue cachorro”, como ele carinhosamente chama este espaço, especialistas que estamos em reeditar velhas gírias, este blogue que divide a honra de sua leituratenta apenas com o Socialista Morena. “Quando encontrar a Cynara [Menezes] novamente, diga-lhe que só leio dois blogues: o teu e o dela”, pediu-me certa vez. Quando encontrá-la novamente ela já saberá.
Sobre o texto abaixo, DP demonstra uma sincera indignação: “como é que um cara desse pode ser ofensivo? Ele é menor que eu”, revela. “O cara tá com mais de 30 boletins de ocorrências nas mãos e não acontece nada! É por isso que eu estudo, para ver se consigo ajudar esse povo”. Qual professor Raimundo para Ptolomeu, penso: “eu queria ter um filho assim”.
“A GENTE NÃO SABE O QUE TÁ ACONTECENDO”
Vítima de prisão irregular e ameaçado de despejo, José da Cruz Monteiro, liderança quilombola, concedeu entrevista coletiva na manhã de hoje (4), na sede da CPT-MA
TEXTO E FOTO: IGOR DE SOUSA*
Em uma coletiva de imprensa realizada na manhã de hoje (4), na sede regional da Comissão Pastoral da Terra (CPT-MA),foi exposto que dois policiais militares encarceraram de forma ilegal o líder quilombola José da Cruz Monteiro (51), da comunidade de Salgado, área que se encontra em processo de titulação via Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), no município de Pirapemas/MA. A prisão ocorreu devido à morte de um caprino que invadiu a sua roça. José da Cruz já havia feito vários boletins de ocorrência na delegacia local para providenciar soluções sobre a invasão dos animais à sua propriedade, não obtendo qualquer resultado por parte da polícia.
Em 31 de janeiro, após abater o animal que estava em sua pequena plantação, foi à delegacia comunicar o feito e solicitar a retirada do mesmo. Porém, após relatar o fato, foi preso pelos policiais que ali estavam de serviço. A prisão foi feita sem qualquer flagrante, sem qualquer mandado de prisão. Ao ser preso, o líder quilombola recusou-se a receber algemas, sendo jogado à força em uma cela, havendo incitação por parte dos policiais para que os presos espancassem o referido senhor. Após horas sem comer nada, passando o dia apenas com o gole de café que havia tomado em casa, foi transferido para a delegacia de Itapecuru-Mirim. Lá foi comunicado ao advogado Diogo Cabral, assessor jurídico da CPT-MA, que a situação de José da Cruz Monteiro era de depoente, configurando completa arbitrariedade aos fatos ocorridos em Pirapemas. Durante o período em que esteve preso, José da Cruz teve sua casa invadida e vasculhada por policiais. Ele relatou ainda que sua casa e a de seu cunhado estão ameaçadas de demolição por Ivanilson Pontes Araújo, proprietário da área.
O que se percebe pela recorrência dos fatos, seja no que tange à quantidade de boletins de ocorrência registrados pelo senhor José da Cruz Monteiro, sem qualquer providência por parte da polícia, seja pelo envenenamento de animais e água potável na comunidade Salgado, ocorrido em 2011 e sem resposta até o presente momento, é uma total complacência do governo do estado do Maranhão quanto à situação de violência e conflito no campo referente às comunidades quilombolas e camponesas. Há violência cotidiana contra essas comunidades, havendo inclusive a existência de grupos armados no interior do estado. Quanto aos órgãos responsáveis pela titulação, há lentidão e descaso. Hoje o Incra conta com mais de 300 processos aguardando titulação, contando com um quadro ínfimo de funcionários para os referidos trabalhos. A própria comunidade de Salgado é um exemplo notável dessa morosidade: já titulada certificada pela Fundação Cultural Palmares (FCP), a área aguarda titulação pelo Incra. O processo está parado desde 2000.
Outro dado alarmante é tratamento dado pelas autoridades estaduais. No ano passado, a delegada geral agrária foi categórica ao afirmar que no Maranhão não há conflitos no campo, havendo apenas conflitos entre vizinhos. Será?
Somente no último semestre do ano passado foram vitimadas quatro pessoas: duas lideranças sindicais e dois indígenas.
E assim segue a vida real de trabalhadores rurais na terra do faz de conta do governo Roseana Sarney.
Ameaçado de despejo, José da Cruz Monteiro (C), entre outro morador de Salgado e o advogado Diogo Cabral (D)
ENTREVISTA: JOSÉ DA CRUZ MONTEIRO
Qual a situação da sua comunidade? Lá, a nossa situação nós não aguenta, é muita escravidão. Muita injustiça. Ele [Ivanilson Pontes] coloca os vizinho [a reportagem optou por manter a transcrição da entrevista o mais próximo possível da fala de Monteiro] da gente contra a gente para matar o que é nosso. Ele coloca a própria polícia de Pirapemas contra a gente.
De quem o senhor fala? Quem persegue vocês? São três irmãos que vivem nos perseguindo. Eles são filhos de Moisés Sotero Araújo. Ele se diz proprietário das terras lá em Pirapemas. Quem afronta a gente lá é o Ivanilson Pontes Araújo.
Há situação de conflito na sua comunidade? Existem ameaças de morte? Ameaças às pessoas da comunidade? Como ocorrem? As ameaças que acontecem lá são com nossas criações e com a gente. Ele ameaça nós de morte e mata nossas criações para não ter o que comer. Ele mata e manda os outros matar, manda os capangas.
E a polícia? O que faz? A polícia sempre protege ele [o proprietário]. A gente se queixa e a polícia só protege o proprietário. Ela [a polícia] é bandida, só protege o proprietário. Diz que não pode fazer nada porque tem outras autoridades no conflito.
Como aconteceu a sua prisão? Eu fui preso pelo delegado de Pirapemas, pelo doutor Ricardo porque eu queria terminar de assinar o boletim de ocorrência. Nessa hora ele disse que eu estava preso, que eu era um bandido. Me pegaram, me jogaram para um bandido numa cela. Nesse dia eu passei o dia com um gole de café. Eu vinha registrando boletim de ocorrência, era a quarta vez que os bode entrava na minha roça. Na quarta vez eu matei. O dono não tira, eu tive que matar. Eu fui preso em Pirapemas e fui levado para Itapecuru para ser preso lá. Eu matei o bode para pesar a carne e vender para esperar o Ivanilson para ele pagar o meu prejuízo. Mas ele já tinha dado a carne do bode para a polícia. Eu saí jurado de lá, prometeram derrubar minha casa e a do meu cunhado hoje. Disseram que vão derrubar a do meu cunhado e depois a minha. A gente não sabe o que tá acontecendo, tá marcado pras 10 horas. Disseram que em dois dias vão me tirar de lá, de um jeito ou de outro.
*IGOR DE SOUSA é estudante de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), estagiário da Cáritas Brasileira Regional Maranhão e membro do jornal Vias de Fato.
Joãozinho Ribeiro adiou por muito tempo a gravação de seu disco de estreia, que reunirá pequena parte de sua significativa obra, fruto de mais de 30 anos de carreira, contados aqui a partir de sua participação em um festival de música universitária na capital maranhense em que nasceu em 1955.
Ocupou-se de outras missões, não menos nobres, tendo estudado engenharia e economia, sem concluir, formando-se bacharel em Direito. À época do citado festival era liderança ativa nos movimentos da greve da meia passagem e contra a ditadura militar então vigente. Hoje, ajuda a formar novos bacharéis, dividindo com o ofício de professor universitário a existência de também funcionário público e, não menos importante, poeta e compositor.
Não por acaso Do ofício de viver e outros vícios é título de um segundo livro, a ser lançado sabe-se lá quando, que as coisas com Joãozinho não funcionam de modo tão planejado, exceção feita às ocasiões em que foi gestor público. João Batista Ribeiro Filho, seu nome de pia, já foi presidente da Fundação Municipal de Cultura de São Luís e secretário de estado da Cultura do Maranhão, além de ter sido coordenador executivo da II Conferência Nacional de Cultura, função que ocupou no MinC, quando Juca Ferreira era o ministro. Aquele título se somará ao livro-poema Paisagem feita de tempo que ele publicou em 2006, 21 anos depois de concluído.
Milhões de uns, o disco de estreia, toma emprestado o título de sua música talvez mais conhecida, imortalizada na voz de Célia Maria, que venceu o Prêmio Universidade FM há mais de 10 anos. O disco foi gravado ao vivo nos últimos 27 e 28 de novembro, ao vivo, no Teatro Arthur Azevedo, em duas noites memoráveis. Noites de música, poesia, teatro, arte, encanto, beleza, vida, enfim.
Joãozinho Ribeiro entre os parceiros Chico César e Zeca Baleiro
Milhões de uns não é apenas um título de música. Ou de disco. É a mais perfeita tradução de Joãozinho Ribeiro, o “gregário”, como cravou Chico César, um de seus ilustres convidados, que presenteou o compositor e o público musicando-lhe um poema: Anonimato, que escrevera em homenagem ao vimarense João Situba, seu pai.
Só entre convidados e participações especiais estavam Alê Muniz, Célia Maria, Cesar Teixeira, Coral São João, Chico César, Chico Saldanha, Josias Sobrinho, Lena Machado, Milla Camões, Rosa Reis e Zeca Baleiro, fora o o ator Domingos Tourinho, que apresentou belas intervenções poéticas durante os shows. Fora a superbanda arregimentada por Joãozinho Ribeiro para o par de noites que deixou a plateia pisando em nuvens: Arlindo Carvalho (percussão e direção artística), Celson Mendes (participação especial ao violão), Firmino Campos (vocal), George Gomes (bateria), Hugo Barbosa (trompete), Josemar Ribeiro (percussionista convidado), Kleyjane Diniz (vocal), Luiz Jr. (violão, guitarra, viola, direção musical), Paulo Trabulsi (cavaquinho), Rui Mário (sanfona e teclado), Serginho Carvalho (contrabaixo), Wanderson Santos (percussão), Xororó (percussionista convidado) e Zezé Alves (flauta).
“Cantador que canta só canta mal acompanhado”
O público merece esse registro. Joãozinho, apesar de não ter disco gravado até hoje, é um de nossos mais gravados compositores, em vozes alheias. O próprio Joãozinho merecia – e se/nos devia – esse registro, como fez por merecer cada aplauso nestas noites memoráveis.
João foi ao fundo do baú. Ou melhor, do cofo. Milhões de uns botou na roda diversos gêneros musicais – choro, samba, bumba meu boi, tambor de crioula, blues, afoxé – feitos na solidão (nunca, que “cantador que canta só, canta mal acompanhado”, como ele mesmo canta) ou em parceria. Na primeira categoria estão Matraca matreira (interpretada por Chico Saldanha), Pegando fogo (por Rosa Reis), Amália, Erva santa (interpretada pelo autor com Chico César e Zeca Baleiro), Saracuramirá (interpretada pelo autor com Chico César), Saiba, rapaz (interpretada por Célia Maria), Esquina da Solidão (por Cesar Teixeira), Derradeiro trem (por Zeca Baleiro), Palavra (idem), Passamento, Terreiro de ninguém (por Josias Sobrinho) e Milhões de uns (que o autor cantou com o Coral São João). Na segunda, Samba do capiroto (parceria com Cesar Teixeira, que os dois cantaram juntos), Cidade minha (parceria com Marco Cruz, interpretada pelo Coral São João), Gaiola (parceria com Escrete, interpretada por Lena Machado), Rua Grande (parceria com Zezé Alves, idem), Tá chegando a hora (idem, que marcou o encerramento das noites, em que todos os convidados retornavam ao palco para cantá-la juntos) e Coisa de Deus (parceria com Betto Pereira), cuja interpretação arrebatadora de Milla Camões, programada para participar apenas do primeiro dia, fizesse a cantora voltar ao palco na noite seguinte, que protocolos e scripts não podem barrar sentimentos e/ou Joãozinho Ribeiro.
Há material para um cd duplo, no mínimo, e um dvd. A quem não foi, resta esperar. E a quem foi, também, torcer para poder reouvir/rever o quanto antes. Como já disse ao próprio “little John”, apelido carinhoso com que o tratamos alguns íntimos: o resultado não pode demorar (mais ainda) a ganhar estantes, coleções, cd-players, ouvidos, cabeças e corações.
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), União Estadual por Moradia Popular, Cáritas Brasileira Regional Maranhão, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Quilombo Urbano, Pastoral da Comunicação, Comitê Padre Josimo, Central de Movimentos Populares, Cooperativa de Mulheres Trabalhadoras da Bacia do Bacanga, jornal Vias de Fato e Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Maranhão (OAB/MA) providenciaram a gravação do debate realizado no auditório da última, lotado, na tarde de quarta-feira passada (19). O evento teve transmissão ao vivo pela internet.
Dos oito candidatos a prefeito, cinco se fizeram presentes ao debate moderado por Zaira Sabry Azar (MST): Edivaldo Holanda Jr. (PTC), Eliziane Gama (PPS), Haroldo Sabóia (PSol), Marcos Silva (PSTU) e Tadeu Palácio (PP). Não compareceram os candidatos Edinaldo Neves (PRTB), que alegou problemas de saúde, João Castelo (PSDB), candidato à reeleição, e Washington Oliveira (PT), candidato oficial do Sistema Mirante/ Oligarquia Sarney. Os dois últimos sequer enviaram representantes de suas coordenações de campanha para a reunião que definiu as regras do debate. Como comentei há alguns posts, o Sistema Mirante disse que o mesmo foi marcado por “tensão” e “polêmica”. Vejam com seus próprios olhos e tirem suas próprias conclusões.
Estive ontem (19) a tarde inteira no auditório da OAB/MA, onde aconteceu um debate entre os candidatos a prefeito de São Luís e as organizações sociais que o organizaram. Compareceram os candidatos, em ordem alfabética, Edivaldo Holanda Jr. (PTC), Eliziane Gama (PPS), Haroldo Sabóia (PSol), Marcos Silva (PSTU) e Tadeu Palácio (PP).
Divulguei o debate (aí por baixo há um post anunciando-o e outro a sua transmissão online em tempo real), que teve um auditório lotado para presenciá-lo e, repita-se, transmissão ao vivo pela internet. Encontrei amigos, fiz uma pergunta (representando a SMDH) e integrei um trio a que, brincando entre nós, chamamos “comitê de crise”, que serviria para “julgar” questões relativas, por exemplo, a eventuais pedidos de direito de resposta durante o debate. Éramos eu (SMDH), Emílio Azevedo (Vias de Fato) e Creusamar de Pinho (União Estadual por Moradia Popular).
O trio não foi solicitado uma vez sequer, o que, a meu ver, dá uma ideia do clima em que transcorreu o debate. Eliziane Gama e Edivaldo Holanda Jr., por razões óbvias, foram os mais citados pelos outros concorrentes. Seguraram a onda. Haroldo Sabóia levou o auditório às gargalhadas quando, para justificar-se de vez ou outra estourar o tempo de dois minutos para cada resposta, disse ser gago e que, por isso, precisava de mais tempo. Havia um clima de bom humor. É óbvio que alguns candidatos estavam mais à vontade que outros, o que é muito natural e varia de palco a palco, e depende de quem organiza e promove o debate.
O candidato Ednaldo Neves (PRTB) não compareceu ao debate e mandou justificativa prévia em que alegava motivos de doença. João Castelo (PSDB), que até agora não compareceu a qualquer debate (mas certamente não deixará de ir ao do Sistema Mirante) e Washington Oliveira (PT), candidato oficial da Oligarquia Sarney (proprietária do Sistema Mirante) não foram ao debate, não apresentando, no entanto, qualquer justificativa. Antes, sequer tinham mandado representantes de suas coordenações de campanha à reunião em que, com as organizações sociais promotoras do evento, foram acertados detalhes e regras do mesmo.
O texto de abertura do evento, lido pela mediadora Zaira Sabry Azar, professora da UFMA e militante do MST, deixou clara a opinião/posição das entidades que organizaram o debate: “o não comparecimento dos candidatos demonstra o nível de compromisso dos mesmos para com os movimentos sociais, a população, a cidade”, era mais ou menos o que dizia o texto, ao que acrescento a previsão de uma gestão que refletirá isso na eventual eleição de um ou outro. A história se repetindo como farsa e tragédia em qualquer caso, já que a reeleição do candidato tucano significará mais quatro anos do que a população já bem conhece; a do sarnopetista o modelo “cor de rosa” a que o Maranhão idem parece já estar acostumado.
A cobertura do debate de ontem à tarde pela TV Mirante sequer citou os organizações que o promoveram, a saber: Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), União Estadual por Moradia Popular, Cáritas Brasileira Regional Maranhão, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Quilombo Urbano, Pastoral da Comunicação, Comitê Padre Josimo, Central de Movimentos Populares, Cooperativa de Mulheres Trabalhadoras da Bacia do Bacanga, Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Maranhão (OAB/MA) e jornal Vias de Fato.
PelO Estado do Maranhão, o discurso démodé de chamar Marcos Silva (PSTU) e Haroldo Sabóia (PSol) de “ultraesquerdistas” (alguém lê por aí, onde quer que seja, a palavra “ultradireitista” para designar quem quer que seja?); o sutiã anuncia “momentos de tensão” que não têm vez ao longo do texto; e “polêmica”, bem, os problemas que precisam ser enfrentados pela gestão municipal são sérios, urgentes e, talvez por isso mesmo, polêmicos. Fora os temas em si, polêmica nenhuma! Só que as organizações sociais jamais mascarariam a realidade em torno de promover um debatezinho comportado como os em geral promovidos por meios de comunicação que têm partido e candidato, embora não revelem isso aos cidadãos e cidadãs que os veem, leem, ouvem, acessam. Continue Lendo “O debate que houve e o que (ou)viu o Sistema Mirante”
Será realizado amanhã (19), às 15h, no auditório da OAB/MA, no Calhau, o I Debate dos Candidatos a Prefeito de São Luís com Organizações Sociais. Trata-se de uma articulação entre Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), União Estadual por Moradia Popular, Cáritas Brasileira Regional Maranhão, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Quilombo Urbano, Pastoral da Comunicação, Comitê Padre Josimo, Central de Movimentos Populares, Cooperativa de Mulheres Trabalhadoras da Bacia do Bacanga, Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Maranhão (OAB/MA) e jornal Vias de Fato.
Ao contrário do que fazem as grandes emissoras de TV, nenhum candidato foi excluído. Foram convidados todos os atuais postulantes ao Palácio La Ravardiere. Os temas sugeridos pelas organizações foram: educação, saúde, saneamento básico, transporte público, mobilidade urbana, moradia, regularização fundiária, despejos, impactos dos grandes empreendimentos, economia solidária, planejamento, controle social, participação popular, desenvolvimento sustentável, preservação ambiental e violência urbana.
As perguntas serão feitas pelos integrantes dessas mesmas organizações e a mediadora será Zaira Sabry Azar, militante do MST. O debate será gravado e disponibilizado no Youtube. O acesso ao auditório, que se dará a partir das 14h, será através de convites distribuídos pelas entidades articuladoras do evento.
O discreto aniversário de 70 anos de Chico Maranhão, “um ser criador”.
ZEMA RIBEIRO
O compositor durante show no Clube do Choro Recebe (Restaurante Chico Canhoto) em 27/10/2007
Como era de se esperar, não houve estardalhaço midiático pelos 70 anos de Chico Maranhão, compositor tão importante quanto Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento e Paulinho da Viola, outros ilustres setentões da senhora dona Música Popular Brasileira. Nem os meios de comunicação de Pindorama nem os timbira deram qualquer atenção à efeméride.
“Para mim é uma data como outra qualquer”, me diz o compositor ao telefone, em 17 de agosto passado. A afirmação não demonstra arrogância, mas simplicidade e desapego. Francisco Fuzzetti de Viveiros Filho, “nome usado unicamente para guardas de trânsito e delegados, com os quais ele não permitia a intimidade de seu verdadeiro nome – Maranhão”, como afirmou Marcus Pereira na contracapa de Lances de Agora (1978), há pouco mais de um ano descobriu um erro em seu registro de nascimento. “Nasci 17 e no registro consta que nasci 18; agora eu comemoro as duas datas”, diz. Avesso a comemorações, no entanto, o autor de Ponto de Fuga passou as datas em casa, lendo Liberdade, de Jonathan Franzen.
Puro acaso (ou descaso?), 17 de agosto foi a data em que o Governo do Estado do Maranhão anunciou a programação cultural oficial do aniversário dos controversos 400 anos de São Luís, em que figuras como Roberto Carlos, Ivete Sangalo e Zezé di Camargo & Luciano desfilarão pela fétida Lagoa da Jansen, os shows sob produção da Marafolia, com as cifras mantidas em sigilo, em mais uma sangria nos cofres públicos. Como outros artistas de igual quilate domiciliados na Ilha, Chico Maranhão ficou de fora.
“Quando eu tava em São Paulo [estudando Arquitetura e já envolvido com música, participando dos grandes festivais promovidos por emissoras de televisão, na década de 1960] e resolvi vir embora, muita gente me desaconselhou. Eu vim, sabendo para onde estava vindo. Sou feliz aqui, apesar de ver a cidade crescendo desordenadamente, de saber que daqui a algum tempo acontecerá aqui o que já aconteceu em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Salvador: você não poder mais sair de casa ou por que não há espaço para seu carro ou por que você pode ser assaltado em qualquer esquina”, conta Chico, que revela estar com um disco praticamente pronto. “Estou esperando passar esse período de campanha eleitoral, em que os estúdios ficam todos ocupados para finalizar”.
Maranhão (1974)…
A obra musical de Chico Maranhão tem uma qualidade extraordinária e ao menos três discos seus são fundamentais em qualquer discografia de música brasileira que se preze: Maranhão (1974), do mais que clássico frevo Gabriela, defendido em 1967 pelo MPB-4 em um festival da TV Record, Lances de Agora(1978), de repertório impecável/irretocável, gravado em quatro dias naquele ano, em plena sacristia da Igreja do Desterro, na capital maranhense, e Fonte Nova (1980), da contundente A Vida de Seu Raimundo, em que Maranhão recria, a sua maneira, a barra pesada da ditadura militar brasileira (1964-85) e o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, nos porões do DOI-CODI.
… Lances de Agora (1978)…
A trilogia é tão fundamental quanto rara: lançados pela Discos Marcus Pereira, os discos estão esgotados há tempos e confinados ao vinil. Curiosamente nunca foram relançados em cd, como os trabalhos de Canhoto da Paraíba, Cartola, Donga, Doroty Marques, Papete e Paulo Vanzolini, para citar apenas alguns poucos nomes produzidos e lançados pelo publicitário, que após mais de 100 discos em pouco mais de 10 anos, acabaria se suicidando, acossado por dívidas.
… e Fonte Nova (1980): a trilogia fundamental de Chico Maranhão
A estreia fonográfica de Chico Maranhão data de 1969. À época, seu nome artístico era apenas Maranhão e ele dividiu um disco brinde com Renato Teixeira, um lado para composições de cada um. Do seu já constava Cirano (que apareceria novamente em Maranhão e Lances de Agora), para a qual Marcus Pereira já nos chamava a atenção à qualidade literária desta obra-prima. “Este disco merece um seminário para debate e penitência”, cravou certeiro o publicitário na contracapa de Lances de Agora. Bem poderia estar se referindo à obra de Maranhão como um todo.
Formado em Arquitetura pela FAU/USP, na turma abandonada por Chico Buarque, a formação acadêmica de Maranhão, também Mestre em Desenvolvimento Urbano pela UFPE, certamente influencia sua obra musical, onde não se desperdiça nem se coloca à toa uma vírgula ou nota musical, em que beleza e qualidade são a medida exata de sua criação. “Na verdade, sou um criador, não me coloco nem como arquiteto nem como músico, sou um homem criador, o que eu faço eu vou fazer com criatividade, com qualidade”, confessou-me em uma entrevista há sete anos.
A obra de Chico Maranhão merece ser mais e mais conhecida e cantada – para além do período junino em que muitas vezes suas Pastorinha e Quadrilha (parceria com Josias Sobrinho, Ronald Pinheiro, Sérgio Habibe e Zé Pereira Godão), entre outras, são cantadas a plenos pulmões por multidões que às vezes sequer sabem quem é seu autor.
A reedição de seus discos em formato digital faria justiça à sua obra infelizmente ainda pouco conhecida, apesar de registros nas vozes de Célia Maria (Meu Samba Choro), Cristina Buarque (Ponto de Fuga), Diana Pequeno (Diverdade), Doroty Marques (Arreuni), Flávia Bittencourt (Ponto de Fuga e Vassourinha Meaçaba), MPB-4 (Descampado Verde e Gabriela) e Papete (Quadrilha), entre outros.
As palavras de Marcus Pereira, em que pese o número hoje menor de lojas de discos, continuam atualíssimas. A contracapa agora é de Fonte Nova: “‘Lances de Agora’, o mais surpreendente e belo disco jamais ouvido pelos que a ele tiveram acesso, nesta selva do mercado brasileiro onde, em 95% das lojas, encontram-se apenas 100 títulos de 20.000 possíveis. Esses 100 discos privilegiados todo mundo sabe quais são. Este ‘Fonte Nova’ é um passo além de ‘Lances de Agora’. Quem duvidar, que ouça os dois. Mas os seus discos são de um nível poético e musical que, no meu entender, não encontra paralelo na música brasileira”.
Um grupo de integrantes do Grito dos Excluídos marcou presença e criou um fato político importante na cerimônia promovida pela Assembleia Legislativa do Maranhão, no Centro de Convenções Pedro Neiva de Santana, para homenagear os 400 anos de São Luís. O evento, puxado pelos deputados, foi uma grande patacoada, que tentou juntar muita gente de bem com quadrilheiros e alguns notórios picaretas. Uma noite que, nesta festa do quarto centenário, será conhecida como a farra das medalhas!
O interessante é que o clima de perturbação criado pelo singelo protesto fez com que José Sarney, Roseana e os ministros de Estado Edison Lobão e Gastão Vieira (que estavam no evento entre os 400 homenageados) saíssem pela porta dos fundos, para não cruzar com a panfletagem. Esta informação nos foi passada pelas pessoas que estavam trabalhando no local e confirmada por várias integrantes do cerimonial, que nos contavam um ou outro detalhe do embaraço, sempre com um sorriso maroto. E o bando saiu tão rápido, que nem ficou para o coquetel, que àquela altura, estava inundado pelos panfletos.
Entre os integrantes do protesto estava o poeta Cesar Teixeira, fundador do jornal Vias de Fato, que inclusive, estava na lista dos homenageados. Cesar não quis a homenagem. Ele não foi receber “sua” medalha, indo para o evento de bermuda, ficando fora do auditório, entre os manifestantes.
Logo na abertura da cerimônia, muito “chique”, cercada de pompa e circunstância, a jornalista Dulce Brito secretária de comunicação da Assembleia (ligada a Fernando Sarney), se equilibrando em cima de um salto, tentou impedir a ação política, afirmando que não seria permitida a distribuição do material gráfico. Rapidamente foi acionada a segurança e um tenente coronel da Polícia Militar, com traje de gala e acompanhado de outros militares, tentou pessoalmente recolher os panfletos. Tudo em vão! Os integrantes do Grito se recusaram a entregar, deixando claro ao oficial, que ele teria que prendê-los para impedir a ação que estavam determinados a fazer.
Foi neste clima que começou a cerimônia! De repente, com o falatório já iniciado, ninguém podia mais entrar com bolsa no auditório, pois havia um medo de que elas estivessem cheias de panfletos. Isso acabou criando problemas e houve um convidado, que não tinha nada a ver com a panfletagem, que foi barrado por causa da sua bolsa e acabou armando um barraco na porta do auditório. Diante do tumulto, uns já gritavam: “tem que revistar alguns que estão lá dentro!”.
E assim, enquanto o cínico festejo se desenrolava no auditório, os manifestantes garantiram a possibilidade da panfletagem dentro do Centro de Convenções, sob o forte argumento de que aquele era um local público, a festa era de uma instituição pública e tudo ali estava sendo pago com o dinheiro do contribuinte. E os promotores do evento foram obrigados a ceder, pois não tinham outra opção. Ou permitiam a panfletagem, ou teriam que usar da força, contra um grupo de mulheres e homens que reunia integrantes do Comitê Padre Josimo, das Irmãs de Notre Dame Namur, da União Por Moradia Popular, das CEBS, da CSP Conlutas e do jornal Vias de Fato. O deputado estadual Bira do Pindaré também reforçou o argumento do grupo, ajudando a garantir a panfletagem, que foi feita, exatamente, entre o auditório e o local onde seria servida a bóia, os comes e bebes.
E assim, a verdadeira festa aconteceu! A cidade foi homenageada! Mais de mil panfletos foram distribuídos, diante do sinal positivo de uns, da zanga de outros e do constrangimento de vários. Tudo isso acontecia, enquanto um encurralado José Sarney saía com Roseana e seu grupelho mais próximo pela porta dos fundos. E os manifestantes, de alma lavada e com a certeza do dever cumprido, saíram pela porta da frente, não sem antes, provar do pirão, pago com o dinheiro dos já citados excluídos.
Cesar Teixeira e banda apresentam Shopping Brazil, show que leva nome do único disco do compositor, lançado em 2004. Espetáculo acontece 3 de agosto, no Trapiche (Ponta d’Areia)
Em abril de 2004, no dia em que o compositor presenteou-me com seu disco autografado
POR ZEMA RIBEIRO
Em 2004 Cesar Teixeira já contava mais de 30 anos de carreira, se considerarmos suas primeiras participações em festivais de música ou em salões de artes plásticas, datadas ainda do fim da década de 1960, com bons resultados em ambas as categorias. Ou mais de 25 anos, se levarmos em conta seus primeiros registros em disco, as músicas Boi da Lua, Flor do Mal e a faixa título do antológico Bandeira de Aço, lançado por Papete em 1978, pela gravadora Marcus Pereira, que trazia também composições de Josias Sobrinho, Ronaldo Mota e Sérgio Habibe – não por acaso a expressão “Compositores do Maranhão” aparecia na capa do vinil sob o nome do intérprete de Bacabal.
Naquele ano – 2004 – Cesar Teixeira lançaria Shopping Brazil, seu disco de estreia – e até aqui seu único gravado. Aos admiradores do compositor nascido no Beco das Minas, coração da Madre Deus, berço de bambas e palco de velha guarda boêmia da capital maranhense, pode ter soado estranho o título do trabalho: ele, tão brasileiro, tão maranhense, estampava a miséria com s de um Brazil com z, batizando o disco com o nome de um templo do consumo e da diversão fácil. O autor prefere as feiras e mercados.
Cesar Teixeira não é artista de obviedades. “Um artista de quitanda/ faz um samba no balcão/ Cesar é vida, César é arte/ Cesar é pura emoção!”, dizia eu na letra de um samba enredo com três títulos, tentativa de abarcar vida e obra do homenageado para o concurso da Favela do Samba que o homenagearia nalgum carnaval, de onde fomos, eu e Gildomar Marinho, autor da melodia, desclassificados na primeira eliminatória. Hino Latino (Oração Favelense) (A Cesar o que é de Cesar) tentava traçar uma espécie de “linha do tempo”, para usar o jargão do Facebook em que o autor de Oração Latina não tem perfil, de seu nascimento até a gravação de Shopping Brazil.
“A minha dor é artista” – Se o título soava estranho é por que precisaríamos desvendá-lo, conhecer melhor artista e sua obra, até ali gravada por diversos outros nomes da música brasileira, entre os quais cabe destacar Alcione, Célia Maria, Chico Maranhão, Chico Saldanha, Cláudio Lima, Cláudio Pinheiro, Cláudio Valente, Dércio Marques, Fátima Passarinho, Flávia Bittencourt, Grupo Fuzarca, Gabriel Melônio, Gerô, Lena Machado, Papete, Rita Ribeiro [hoje Rita Beneditto] e Rosa Reis, para citar apenas alguns. Não que Cesar Teixeira seja um artista hermético, muito pelo contrário. Mas à época pegar o disco – hoje esgotado – e ler na capa o nome do artista, seu título e ver uma garotinha palafitada segurando uma boneca já nos obrigava a pensar. Na contracapa, uma foto de Márcio Vasconcelos (que assina as fotografias e o projeto gráfico do disco) captava Cesar Teixeira e Faustina, a mona lisa da Praia Grande, como ele batizou-a em samba inédito, entre botas de policiais, numa clara alusão à ditadura militar que tentou persegui-lo – o compositor chegou a ditar outra letra para Bandeira de Aço a um delegado de plantão em um departamento de censura da Polícia Federal; no outro dia, em um show no Teatro Arthur Azevedo, a letra cantada foi a mesma composta, o clássico que conhecemos hoje. A quem interessar possa, a fotografia da contracapa de Shopping Brazil foi publicada no primeiro número da revista Pitomba!, acompanhada da letra de Faustina, Mona Lisa da Praia Grande.
“Ninguém vai ser torturado com vontade de lutar” – “Eu já nasci sem gravata”, canta Cesar na faixa título, que abre seu disco. No texto-manifesto O lixo é nosso!, no encarte, ele dá uma geral no conceito do trabalho, demonstrando mais uma vez o seu compromisso com os direitos humanos, já conhecido dos que conheciam seu trabalho jornalístico e/ou músicas suas gravadas anteriormente, sobretudo Oração Latina, hino de resistência à ditadura militar, originalmente escrita para uma peça de teatro em 1982 e defendida três anos depois por Cláudio Pinheiro e Gabriel Melônio, em que levou o troféu de melhor música do Festival Viva Maranhão de Música Popular. Hoje em dia não há, no Maranhão, ato de trabalhadores e movimentos sociais em que não seja cantada.
Sua atividade jornalística merece detida atenção: formado pela UFMA em 1984, foi editor de Cultura de O Imparcial entre 1986 e 88, assessor de comunicação da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) entre 1989 e 2002, ano em que integrou a equipe que fundou o Suplemento Cultural e Literário JP Guesa Errante, então encartado quinzenalmente no Jornal Pequeno, onde escrevia sobre música, cultura popular, teatro e artes plásticas. Uma série de matérias sobre Zé Igarapé, cantador do Boi da Madre Deus, rendeu-lhe prêmio da Fundação Municipal de Cultura; outra, sobre Cristóvão Alô Brasil, outro compositor madredivino, seria compilada e reproduzida anos depois por este Vias de Fato, de que figura como um dos fundadores em 2009.
“Mamãe eu tou com uma vontade louca de ver o dia sair pela boca” – Em meados do ano passado, Cesar Teixeira apresentou, sob a lona do Circo Cultural Nelson Brito, o Circo da Cidade, o show Bandeira de Aço, sucesso de público e crítica. Rara oportunidade de vê-lo em ação fora dos períodos carnavalesco e junino, em que o repertório fica restrito às festividades. Para um artista de raras aparições públicas e com apenas um disco gravado, uma chance do público ver e ouvir, mais que sambas, marchinhas e toadas, toda sua versatilidade, para além da já registrada em Shopping Brazil, que trazia a linguagem do hip-hop, choro, samba, coco, boi de zabumba, xote, baião e até mesmo ladainha cantada em latim, além das participações dos hoje saudosos Antonio Vieira e Dona Teté.
“Meto a mão no bolso e o troco não dá pra embriagar” – A dose será repetida. Cesar Teixeira apresenta Shopping Brazil, o show, 3 de agosto, às 22h, no Trapiche (Ponta d’Areia). No repertório músicas do disco que empresta o título ao show, sucessos da carreira e inéditas. Os ingressos custam R$ 20,00 (R$ 10,00 para estudantes com carteira) e o público pode doar lixo reciclável, que será vendido e a renda revertida em favor das crianças atendidas pelo Centro Beneficente da Paróquia Nossa Senhora da Glória.
“Zema, enfim o lixo vira música”, avisa o autógrafo irreverente em meu exemplar do disco. Se é do “imenso Shopping Brazil” (de novo meu samba enredo desclassificado) que parte da população brasileira tira sua diversão, moda e alimentação, o disco e o show são pirões musicais de farta sustança. Para consumir in natura e reciclar a alma. Divirta-se!
Shopping Brazil tem patrocínio do Banco da Amazônia (BASA) e apoio da Fundação Municipal de Cultura (FUNC), Serviço Social do Comércio (SESC) e Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH).
O palhaço Tiririca, hoje deputado federal…… e o reitor da UFMA, Natalino Salgado
Quem lembrou do primeiro ao ver a pose do segundo foi Edivar Cavalcante, no Facebook, por conta da matéria Chuva de dinheiro na UFMA!, publicada na edição 34 (julho/2012) do Vias de Fato, já nas melhores bancas da Ilha.
Em contagem regressiva, 10 links para os poucos mas fieis leitores (que convidarão outros muitos para lotar o Trapiche quando do acima) irem se aquecendo.
Discurso de Cesar Teixeira por ocasião de sua premiação com a comenda José Augusto Mochel, do PCdoB, como figura de destacada atuação em prol dos direitos humanos no Maranhão, ano passado.
A foto de Murilo Santos cujo detalhe serve de cabeçalho a este blogue, em que Josias Sobrinho e Cesar Teixeira fazem um par de violeiros em MaréMemória, peça do Laborarte baseada no livro-poema de José Chagas, em maio de 1974.
Antes da MPM, texto de Flávio Reis que viria a integrar seu Guerrilhas [Pitomba!/ Vias de Fato, 2012]; o artigo, originalmente publicado no jornal Vias de Fato, de que Cesar Teixeira é fundador, dá uma panorâmica na produção musical do Maranhão da fundação do Laborarte (1972) aos dias atuais; o compositor fundou também o Laboratório de Expressões Artísticas do Maranhão.
Para entender Cesar Teixeira, comentário de Alberto Jr. sobre Bandeira de Aço, show que o compositor apresentou ano passado no Circo da Cidade, publicado no jornal O Estado do Maranhão.
Caricatura de Salomão Jr. que enfeitou o texto acima.
Bandeira de Aço e êxtase, comentário deste blogueiro sobre o mesmo show.
A entrevista que Cesar Teixeira concedeu a Ricarte Almeida Santos e este blogueiro, no Chorinhos e Chorões (Rádio Universidade FM, 106,9MHz), antes do show de ano passado. Em quatro blocos, o programa traz amostra chorística da obra do compositor, em interpretações próprias e de grandes nomes da música brasileira.
Bandeira de aço, eterna, texto deste blogueiro que saiu no Vias de Fato de julho do ano passado, divulgando o show. Um ano depois, outro texto nosso sobre o show de 3 de agosto; o jornal chega às bancas e assinantes este fim de semana.
Cinco poemas de Cesar Teixeira publicados em um livro do poeta Herberth de Jesus Santos, o Betinho.
Hino latino (Oração favelense) (A Cesar o que é de Cesar), samba-enredo com três títulos, meu (letra) e de Gildomar Marinho (música), com que participamos (e fomos desclassificados na primeira eliminatória) do concurso da Favela do Samba quando a escola de samba ludovicense homenagearia o compositor.
Michel Laub mistura autobiografia, ficção e memórias em sua novela Diário da queda
POR ZEMA RIBEIRO
A palavra Auschwitz aparece muito em Diário da queda [Companhia das Letras, 2011, 151 p.], quinto livro de Michel Laub. O autor esbanja talento para tratar de tema tão repisado na literatura e no cinema e ainda assim soar original.
Diário da queda, como entrega o título, é construído em forma de diário, não que saibamos o que o autor/protagonista estava fazendo tal dia e tal hora, mas pela estrutura, em notas breves, conduzindo uma deliciosa leitura.
Trata da descoberta de cadernos do avô e do pai e poderia ser a terceira geração de escritores de diário, tomadores de notas ou coisa que o valha, Laub construindo seu próprio diário a partir das experiências com as leituras dos anteriores, numa ficção confessional.
“As primeiras anotações nos cadernos do meu avô são sobre o dia em que ele desembarcou no Brasil. Já li dezenas desses relatos de imigrantes, e a estranheza de quem chega costuma ser o calor, a umidade, o uniforme dos agentes do governo, o exército de pequenos golpistas que se reúne no porto, a cor da pele de alguém dormindo sobre uma pilha de serragem, mas no caso do meu avô a frase inicial é sobre um copo de leite.” (p. 24).
O avô começou a tomar notas como uma enciclopédia sobre aquilo com que ia se deparando, um copo de leite, o porto, a pousada Sesefredo onde inicialmente se hospedou ao chegar ao país. O pai o faz como um exercício quando é acometido do mal de Alzheimer, como os habitantes da Macondo de Gabriel García Marquez, que anotavam nomes e funções de coisas para não esquecê-las.
Não há limites entre a autobiografia e a invenção na prosa de Laub: não sabemos onde começa e termina uma e outra. No fim das contas ele escreve uma bela carta/declaração de amor a uma quarta geração que vai chegar. Livro e autor merecem cada prêmio recebido até aqui.
[Essa nanoresenha (copyright by Joca Reiners Terron) saiu noVias de Fato de junho. Leia o primeiro capítulo do livro aqui]