O reencontro de Ceumar com os maranhenses

A cantora e compositora Ceumar - foto: Isabelle Novaes/ divulgação
A cantora e compositora Ceumar – foto: Isabelle Novaes/ divulgação

Os caminhos da cantora e compositora Ceumar se cruzam com os de Webster Santos, Luiz Cláudio e Josias Sobrinho desde Dindinha (Atração, 1999), disco de estreia da mineira – o primeiro tocou cavaquinho, violão e bandolim em faixas do álbum; o segundo, percussão; e do terceiro ela gravou “As ‘perigosa’” e “Rosa Maria”.

Produzido pelo maranhense Zeca Baleiro – autor de “Cantiga”, “Boi de haxixe” e “Pecadinhos”, além da faixa-título –, foi seu nome e o de Josias, entre os autores, na contracapa, o que primeiro me chamou a atenção (depois da própria capa, é lógico) naquele álbum.

A história é por demais conhecida e eu mesmo já contei noutras ocasiões: lá pelo começo dos anos 2000, quando ainda existiam lojas de discos, eu saí do trabalho rumo à parada de ônibus e encostei em uma das que havia na Rua de Santana, no Centro de São Luís. Não conhecia Ceumar, mas não titubeei: saí dali com o cd em mãos e ao chegar em casa, botei para ouvir e não parei mais.

Paixão à primeira vista, paixão à primeira audição – reafirmada a cada álbum seu: Sempre Viva (Elo Music, 2003), Achou! (2006, com Dante Ozzetti), Meu Nome (Circus, 2009), Live In Amsterdam (2010), Silencia (Circus, 2014), Viola Perfumosa (Circus, 2018, com Lui Coimbra e Paulo Freire) e Espiral (Circus, 2019).

São Luís será testemunha de seu reencontro com os citados no início deste texto. Ceumar se apresenta hoje (25, às 19h) e amanhã (26, às 18h), no Teatro Arthur Azevedo (Rua do Sol, Centro), com entrada franca. As apresentações integram circulação com que a artista celebra seus 35 anos de música – contados não de sua estreia fonográfica, mas de quando começou a atuar na noite, vinda de sua Itanhandu natal para a capital mineira.

A circulação foi contemplada pelo edital Pixinguinha da Fundação Nacional de Artes (Funarte) e, com ela, Ceumar chega ainda a Belém/PA e Belo Horizonte/MG. Quando do início das celebrações, este repórter conversou com Ceumar para o FAROFAFÁ. Releia a entrevista aqui.

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Serviço: show “Ceumar – 35 Anos de Música”. Hoje (25), às 19h, e amanhã (26), às 18h, no Teatro Arthur Azevedo (Rua do Sol, Centro). Ingressos gratuitos – devem ser retirados na bilheteria do teatro, a partir de três horas antes do início do espetáculo.

Uma homenagem comovente. E cheirosa

Viola perfumosa. Capa. Reprodução

 

“Café quentinho em cima do fogão/ chuva miúda caindo peneirando,/ peneirando molhando o chão// Ai, como é gostoso a gente escutá/ a chuva caindo e o café quentinho com bolinho de fubá”. A letra de Bolinho de fubá (Edvina de Andrade) dá a pista do que é Viola Perfumosa [Circus Produções, 2018, R$ 30], nome do disco e do trio formado por Ceumar (voz, violão e tambor), Lui Coimbra (voz, violoncelo, violão, rabeca e charango) e Paulo Freire (voz e viola caipira) para homenagear Ignez Magdalena Aranha de Lima (1925-2015), a Inezita Barroso.

Mais que uma homenagem a Inezita Barroso, o disco é um tributo ao Brasil profundo, à diversidade musical brasileira – engana-se quem pensa se tratar de um disco de música sertaneja ou música caipira, pura e simplesmente: é uma viagem pela diversidade rítmica do país, entre toada, moda, guarânia, calango, coco e causos deliciosamente contados por Paulo Freire. Ao longo das 11 faixas não se repete o nome de qualquer compositor, dando ideia do amplo leque da cantora, violeira, atriz, folclorista e apresentadora de televisão.

Viola perfumosa é também um passeio por uma espécie de árvore genealógica da música popular brasileira, das raízes de Inezita Barroso aos galhos e folhas de seus descendentes artísticos, uma viagem pela obra de nomes que a reverenciaram ao longo dos tempos: Vicente Celestino, Luiz Gonzaga, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Diana Pequeno, Gal Costa e Tavinho Moura, entre muitos outros.

A seleção de repertório tem um quê de afetivo: com relevantes serviços prestados à música brasileira, Ceumar, Lui Coimbra e Paulo Freire não têm a pretensão de esgotar o vasto repertório de Inezita, tampouco de apresentar algo como uma coletânea de maiores sucessos. Estão lá, entre outras, Luar do sertão (Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco), Índia (Manuel Ortiz Guerreiro e José Assunción Flores, versão de José Fortuna), Coco do Mané (Luiz Vieira) e as hilariantes Moda da pinga (Ochelsis Laureano) e Horóscopo (Alvarenga, Ranchinho e Capitão Furtado).

Arranjos delicados valorizam as letras, com o núcleo formado pelos instrumentos do próprio trio, com adesões de Pedro Aune (contrabaixo em Luar do sertão e Índia), Marcos Suzano (pandeiro em Moda da pinga, Oi calango ê e Coco do Mané e percussão em Bolinho de fubá).

Menina Ignêz (Renata Grecco) é declamada por Paulo Freire sobre a melodia de Chitãozinho e Xororó (Athos Campos e Serrinha): um comovente retrato da artista ousada que desafiou a família e o machismo vigente para se tornar uma das principais tradutoras de um Brasil que o Brasil teima em não conhecer, missão que, de algum modo, o trio Viola Perfumosa toma para si.