No Convento das Mercês Mostra Cultural Embaixadeiros reúne nove artistas e um grupo oriundos de municípios da Baixada Maranhense radicados em São Luís
Os cantores e compositores Aziz Jr., Josias Sobrinho e Elizeu Cardoso, idealizadores da Mostra Cultural Embaixadeiros – foto: Leo Amorim/ divulgação
A área geográfica do Maranhão é maior que a de muitos países europeus. É quase impossível falar em Maranhão no singular: cada região com suas complexidades e diversidades. A Baixada Maranhense, bastante conhecida por suas belezas naturais, com destaque para os campos alagados, ganha uma mostra artística que reunirá talentos oriundos de seus municípios.
No próximo dia 21 de março (sexta-feira), a partir das 19h, o Convento das Mercês (Rua da Palma, Desterro, Centro Histórico de São Luís) será palco da Mostra Cultural Embaixadeiros, com o desfile dos talentos de Aziz Jr., Célia Leite, Elizeu Cardoso, Josias Sobrinho, Osmar do Trombone, Ronald Pinheiro, Serrinha do Maranhão, Zé Olhinho, Zeca Melo e o Tambor de Crioula do Mestre Felipe, que abre a noite. A entrada é gratuita.
Os nove artistas solo e o grupo dão conta de amplo arco musical, do bumba meu boi e tambor de crioula passando por pop, rock, samba e choro, entre outras vertentes abrigadas no generoso guarda-chuva que se convencionou chamar de música popular brasileira.
Os artistas serão acompanhados por uma banda formada por Sued Richarllys (guitarra, direção e regência), Samir Aranha (baixo), Cassiano Sobrinho (bateria), Luiz Cláudio (percussão), Rui Mário (sanfona e teclado) e Ricardo Mendes (sopros). O evento terá como mestre de cerimônias o poeta, cordelista e pesquisador Moizes Nobre.
“Há bastante tempo pensava em um projeto que reunisse os compositores e grupos da Baixada, porque mesmo radicados aqui, as nossas obras refletem muito o território de onde viemos. Paisagens, ritmos, palavras, festas, etc. Então, inicialmente comentei com Josias Sobrinho, que gostou muito da ideia. Depois, convidei Aziz, que também se entusiasmou. Assim que foi lançado o edital da Lei Paulo Gustavo, nos reunimos e começamos a escrever o projeto. Em seguidas reuniões, fomos amadurecendo a configuração. Esta primeira edição será bem experimental, porque o nosso intuito é que seja futuramente um projeto itinerante pelos municípios da Baixada, incorporando outras linguagens artísticas e segmentos, como poesia, artesanato, gastronomia e artes plásticas, entre outros, dos artistas locais”, comenta Elizeu Cardoso, sobre as origens e futuras possibilidades da Mostra Cultural Embaixadeiros.
A Mostra Cultural Embaixadeiros é uma iniciativa de Elizeu Cardoso, Aziz Jr. e Josias Sobrinho, com apoio institucional do Instituto de Estudos Sociais e Terapias Integrativas (Iesti), realizada através da Lei Paulo Gustavo e Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma).
Conheça um pouco mais os embaixadeiros
Aziz Jr. – Iniciou a vida artística no convívio com nomes como o capoeirista Mestre Patinho e Mestre Felipe do Tambor de Crioula, agregados ao redor do Laboratório de Expressões Artísticas do Maranhão (Laborarte). Participou ativamente do happening A Vida é uma Festa, em suas origens, capitaneado pelo poeta e músico ZéMaria Medeiros, primeiro no Bar de Seu Adalberto, depois na Companhia Circense de Teatro de Bonecos, na Praia Grande. Em 2022 lançou o álbum “DiAziz”.
Célia Leite – A cantora e compositora penalvense tem formação em Turismo. Iniciou sua carreira na década de 1980. Tem três cds lançados e está gravando o quarto, com lançamento previsto para ainda este ano.
Elizeu Cardoso – Cantor, compositor e professor, o pinheirense mudou-se para a capital para estudar Geografia na Universidade Federal do Maranhão. Em sua terra natal, a veia artística já falava e ele iniciou sua trajetória no então prestigiado Festival de Música Popular de Pinheiro, o Fesmap. Em 2008, “Redemoinhos”, de sua autoria, venceu o Festival João do Vale de Música Popular e em 2020 sua “Bela princesa” foi aclamada pelo júri popular no XI Festival de Imperatriz. Tem lançados os álbuns “Todos os cantos” (2005) e “Alma negra” (2010).
Josias Sobrinho – Com a carreira iniciada em 1972, nas fileiras do Laborarte, em 1978 teve quatro composições gravadas por Papete no antológico “Bandeira de aço” (Discos Marcus Pereira), considerado um divisor de águas na produção fonográfica do Maranhão. Tem 15 álbuns gravados, disponíveis nas plataformas de streaming e é autor de músicas gravadas por nomes como Alcione, Ceumar, Diana Pequeno, Leci Brandão, Márcia Castro, Rita Benneditto e Xuxa, entre outros.
Osmar do Trombone – Nascido em berço musical, Osmar do Trombone rebatizou uma de suas composições mais conhecidas, o choro “Quatro gerações” virou “Cinco gerações”, após ele descobrir, em sua árvore genealógica, mais um avô que tocava. É um dos 54 bambas do choro entrevistados para o livro “Chorografia do Maranhão” (Pitomba!/ Edufma, 2018), de Ricarte Almeida Santos, Rivânio Almeida Santos e Zema Ribeiro.
Ronald Pinheiro – Tocou bandolim no antológico “Lances de agora” (Discos Marcos Pereira, 1978), de Chico Maranhão, parcialmente gravado na sacristia da Igreja do Desterro. “Mimoso”, uma de suas canções mais conhecidas, foi gravada por Alcione e Papete, entre outros.
Serrinha do Maranhão – À frente do grupo Serrinha e Companhia, Serrinha do Maranhão foi um dos maiores fenômenos do samba e pagode no estado. O grupo lançou o álbum “Na palma da mão”, com a participação especial de Jorge Aragão – o título do álbum é verso de “Uns e alguns”, faixa que abre o trabalho, de autoria do carioca. Com Chico Chinês atualmente lidera o Samba de Iaiá, que costuma reunir multidões onde se apresenta.
Zé Olhinho – José de Jesus Figueiredo é amo do bumba meu boi Unidos de Santa Fé. “Guerreiro Valente”, uma das mais conhecidas toadas do batalhão, é cantada a plenos pulmões pelo público, que vibra com o refrão: “é tchun, é tchan/ eu vou até de manhã”.
Zeca Melo – Nascido em Penalva, mudou-se para São Luís, onde descobriu sua veia artística, com pendores poéticos e musicais que evidenciam a valorização da cultura popular maranhense e das raízes ancestrais africanas.
Tambor de Crioula do Mestre Felipe – Felipe Neres Figueiredo (1924-2008), popularmente conhecido como Mestre Felipe é praticamente sinônimo de tambor de crioula. Toadas como “Maranhão sou eu”, “Vila de São Vicente”, “Mangueira” e “Galo boiou”, de sua autoria, são algumas das mais conhecidas do segmento.
divulgação
Serviço: Mostra Cultural Embaixadeiros, com Aziz Jr., Célia Leite, Elizeu Cardoso, Josias Sobrinho, Osmar do Trombone, Ronald Pinheiro, Serrinha do Maranhão, Zé Olhinho, Zeca Melo e o Tambor de Crioula do Mestre Felipe. Dia 21 de março (sexta-feira), às 19h, no Convento das Mercês (Rua da Palma, Desterro, Centro Histórico de São Luís). Entrada franca.
Hamilton de Holanda e Mestrinho no palco do Festival Ilha Sinfônica, ontem (29) – foto: divulgação
Os telões que ladeavam o palco do Ilha Sinfônica mostraram: coreiras do Tambor de Crioula de Mestre Felipe dançando tango, enquanto Hamilton de Holanda (bandolim) e Mestrinho (sanfona) tocavam “Libertango” (Astor Piazzolla). A imagem sintetiza a proposta do festival, que juntou música clássica e música popular, com um elenco que uniu a Orquestra Ilha Sinfônica (formada por músicos ludovicenses para o evento) aos dois citados, expoentes em seus instrumentos, além de nomes já bastante conhecidos da cena local, incluindo o homenageado da noite, o cantor e compositor César Nascimento.
A apresentação de Hamilton de Holanda e Mestrinho, que pela primeira vez tocaram juntos em São Luís, começou com “Canto de Xangô” (Baden Powell e Vinícius de Moraes) e baseou-se no repertório de Canto da Praya (Deck, 2020), álbum que lançaram juntos. Em aproximadamente uma hora de apresentação, desfilaram temas como “Escadaria” (Pedro Raimundo), “Te Devoro” (Djavan) – juntos cantaram o refrão, para delírio da plateia –, “Drão” (Gilberto Gil) – cantada por Mestrinho –, “Afrochoro” (Hamilton de Holanda), “Evidências” (José Augusto e Paulo Sérgio Valle), que o público cantou a plenos pulmões, “Isn’t She Lovely” (Stevie Wonder) e “Palco” (Gilberto Gil). No bis, “Te Faço Um Cafuné” (José Abdon).
Antes da dupla, o Quarteto de Cordas da Orquestra Ouro Preto preparou o terreno. Hamilton de Holanda e Mestrinho ainda voltariam ao palco com a Orquestra Ilha Sinfônica, regida por Jairo Moraes e pelo regente convidado Rodrigo Toffolo (maestro da Orquestra Ouro Preto); o primeiro solou “Bela Mocidade” (Donato Alves) e o segundo, “Engenho de Flores” (Josias Sobrinho). A apresentação da orquestra marcou também o lançamento de “Valsa Ludovicense” (César Nascimento), disponível nas plataformas digitais desde 8 de setembro, aniversário de São Luís.
A Orquestra Ilha Sinfônica acompanhou artistas como Nosly (que cantou e tocou violão em “June”, parceria sua com Celso Borges), o idealizador e produtor do evento Emanuel Jesus (“Filhos da Precisão”, de Erasmo Dibell), Adriana Bosaipo (cantora (e compositora) talentosa que errou a letra de “Eulália”, de Sérgio Habibe) e César Nascimento, que se emocionou ao relembrar “Ilha Magnética”, já um clássico de sua autoria, e “Corêro” (Josias Sobrinho), que encerrou a noite da orquestra com todos os participantes cantando junto, no palco. O Bumba Meu Boi Unidos de Santa Fé, sob o comando de Zé Olhinho ainda se apresentaria.
O cerimonial anunciou que ano que vem tem mais, encerrando o mês de aniversário da capital brasileira do reggae, do bumba meu boi e do tambor de crioula. Tenho certeza que todos os presentes à praça lotada ontem (29) já aguardam ansiosos.
Apresentação acontece sexta-feira (16) no Convento das Mercês, com entrada franca – com sugestão de doação de um quilo de alimento não-perecível para as comunidades carentes do entorno
O compositor Joãozinho Ribeiro. Foto: Murilo Santos. Divulgação
O compositor Joãozinho Ribeiro volta a reunir os amigos no show “Com o afeto das canções II”. Beneficente, o evento – cuja primeira edição aconteceu ano passado – ocupa o pátio do Convento das Mercês (Rua da Palma, Desterro), na próxima sexta-feira, 16, às 20h. A entrada é gratuita, com a sugestão da doação de um quilo de alimento não-perecível; a arrecadação será destinada a comunidades carentes do entorno da Fundação da Memória Republicana Brasileira (FMRB), instituição sediada no prédio secular do Centro Histórico da capital maranhense, que completou recentemente 25 anos de inclusão na lista de cidades patrimônio mundial da Unesco.
Joãozinho Ribeiro terá como convidados especiais o Bloco Afro Akomabu, George Gomes, Rosa Reis, Célia Maria, Josias Sobrinho, Rita Benneditto – que gravou em dueto com Zeca Baleiro (que participa virtualmente do show, através de uma mensagem em vídeo), a música que dá título ao espetáculo, cuja produção é assinada por Lena Santos. O espetáculo é uma realização da Dupla Criação e Fundação da Memória Republicana, com patrocínio da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma) e Potiguar, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão.
Rui Mário (sanfona, piano e direção musical), Marquinhos Carcará (percussão), Danilo Santos (saxofone e flauta), Hugo Carafunim (trompete), Robertinho Chinês (cavaquinho e bandolim), Arlindo Pipiu (contrabaixo), Tiago Fernandes (violão sete cordas), Ronald Nascimento (bateria), Katia Espíndola (vocal) e Mariana Rosa (vocal) formam a superbanda que acompanhará Joãozinho Ribeiro e convidados em “Com o afeto das canções II”.
O repertório do show alinhava clássicos da lavra de Joãozinho Ribeiro a músicas inéditas. A pandemia de covid-19 e o isolamento social por ela imposto renderam ao artista dezenas de novas composições, sozinho ou em parceria. Entre os gêneros abordados no roteiro figuram baião, balada, bolero, bumba meu boi, carimbó, divino, ijexá, maxixe, merengue, reggae, salsa, samba e tambor de crioula.
“Esse show é uma espécie de exorcismo. Após quatro anos de massacres diariamente desferidos contra a cultura brasileira, para citar apenas uma área, voltamos a respirar ares democráticos e plurais, voltamos a ser um país, feito de nossa diversidade e riqueza culturais, é o que nos propomos a celebrar, com todo afeto das canções”, anuncia o compositor anfitrião.
Serviço
O quê: show “Com o afeto das canções II” Quem: o compositor Joãozinho Ribeiro e convidados Quando: dia 16 de dezembro (sexta-feira), às 20h Onde: Convento das Mercês (Rua da Palma, Desterro, Centro Histórico) Quanto: grátis. Sugere-se a doação de um quilo de alimento não-perecível, destinada às comunidades carentes do Centro Histórico Realização: Dupla Criação e Fundação da Memória Republicana Patrocínio: Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma) e Potiguar, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão.
Dos ritmos da cultura popular do Maranhão ao choro, o passeio desenvolto do percussionista Wanderson, 17º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão
Wanderson dos Santos Silva iniciou sua trajetória artística no bumba meu boi mirim Capricho Sesiano, organizado por Dona Laura, professora de artes das unidades Lara Ribas e Ana Adelaide Belo do Serviço Social da Indústria, popularmente conhecidas como Sesi do Santa Cruz e Sesi da Alemanha.
Nascido em 11 de abril de 1980 na Maternidade Benedito Leite e criado por perto do primeiro, o percussionista até hoje mora no Conjunto Radional. Filho de Silvio Matos da Silva, farmacêutico falecido, e Maria Ribamar dos Santos da Silva, cabelereira, Wanderson seguiu as trilhas percussivas: do Capricho Sesiano passou ao Barrica, em paralelo aos estudos e ao esporte – chegou a disputar várias edições dos Jogos Escolares Maranhenses e formou-se em Administração.
Membro do Regional Chorando Calado, grupo que integrava o cardápio musical do Bar e Restaurante Chico Canhoto à época do Clube do Choro Recebe, o músico hoje se orgulha de já ter tocado com quase todos os chorões da cidade.
Professor da Banda do Bom Menino do Convento das Mercês, atualmente Wanderson está em estúdio, gravando um disco instrumental autoral, um passeio por toda sua formação musical, o que inclui bumba meu boi, tambor de crioula, tambor de mina e choro – um pé na modernidade sem tirar o outro da tradição. Ele conversou com a chororreportagem no Chico Discos, antes de seguir para o Teatro Arthur Azevedo, onde seu set percussivo já estava montado para mais um show de sua agenda.
Como era a vivência musical na tua casa, na tua infância? Geralmente era aos fins de semana, meu pai só descansava aos domingos, então ele botava o som o dia todo para tocar. Eu escutava Altemar Dutra, essas músicas mais ou menos dessa época, Roberto Carlos.
Ele comprava discos? Comprava discos, cds, k7s. Até hoje eu guardo, tenho comigo.
Que outras vivências musicais você tinha? Em casa, praticamente foi assim, influências também de meus irmãos mais velhos, que eram quem botavam o som na época, tipo Titãs. Meu outro irmão que escutava bastante samba, por incrível que pareça, hoje é evangélico e não escuta mais nada. Eu via a turma de meus irmãos tocando. Lá onde eu moro a influência musical é praticamente zero.
Mas eles tocavam instrumentos? Brincavam de tocar percussão, atabaques, faziam aquela rodinha de samba.
Daí veio a tua vontade de aprender a tocar percussão? Também teve aquela influência da escola. Por volta da terceira série, por aí assim, eu cantei no Capricho Sesiano [grupo de bumba meu boi formado por alunos do Serviço Social da Indústria – Sesi]. Cantei lá, toquei durante uns três anos seguidos, Moça Laura [professora de artes], chegamos até a viajar para Belém.
Como você escolheu o estudo da percussão? Por volta de 14 anos de idade comecei a me interessar por tocar. Eu sempre escutei bastante música regional, bastante boi, sempre gostei de boi, das músicas daqui da região. Eu tinha uma irmã, Darlene, ela pegou e me levou pra Madre Deus. A gente foi, digamos assim, beber da fonte. Eu quero aprender, eu vou na Madre Deus, naquela época era assim, os melhores percussionistas tocavam na Madre Deus. Peguei minha mochila e fui com ela. Fui fazer o teste para o Bicho Terra, não era aquele alvoroço que é hoje, a gente ainda tocava como bloco tradicional, na rua. Fiz o teste e fiquei. De lá comecei a ter as influências de ritmo, comecei a pesquisar, ir pra Madre Deus, estudar percussão. Por volta de 1994, 95, por aí assim. Ainda não tinha nem projeto Viva [de revitalização e construção de praças em diversos bairros da capital] nem nada.
Você não chegou a buscar outra profissão? Na época eu fazia assim: eu tive influências também, depois, de canto coral. Eu cantei três anos no [Coral] Lilah Lisboa, de Chico Pinheiro [professor da Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo e membro das bandas da Companhia Barrica e Bicho Terra]. E paralelamente, na escola, eu fazia esportes. Normal, jogava basquete, JEMs [os Jogos Escolares Maranhenses], essas coisas tudinho. Mas sempre paralelo com o estudo da música. Em 2001, 2000 eu já fui trabalhar de auxiliar administrativo, no Laboratório Salomão Fiquene, aí eu saía de lá, quando era época de São João eu ia tocar, época de coral eu ia pro coral, era tudo ali perto, o coral era na São Pantaleão, o laboratório era no Apicum.
Você sempre recebeu apoio da família, da mãe, do pai, para trilhar o caminho da música? No começo foi difícil. Minha mãe ela queria que eu estudasse, como toda mãe, estudar, fazer vestibular. Meu grande passo para a música foi depois do falecimento de meu pai. Meus irmãos viram e disseram “vamos pra cá!”, por volta de 96, quando eu entrei na Escola de Música.
Quando você cita o falecimento de seu pai, ele era o mais radicalmente contra? Não. Ele era a favor de tudo. A mãe que geralmente era “não, é pra estudar”. Fazia parte de tudo, mas não podia largar o estudo. Por exemplo: se fosse pedir um livro de música, aí era difícil ela entender, hoje a gente já tem como garantir.
Antes da Escola de Música você já tocava profissionalmente? Eu tocava com o Barrica. Toquei com o Barrica 15 anos, cheguei novinho lá.
Que instrumentos você tocava lá? Todos os instrumentos de ritmo regional. Eu entrei pra tocar no Bicho Terra. De lá fiz um teste e passei pro Barrica. Eu fui o primeiro a ser de fora da Madre Deus a entrar pro grupo, de percussão. Era só gente do meio. Dessa forma foi que eu procurei a Escola de Música e outras fontes, por que por ser de fora tinha preconceito, botavam até o pé pra eu cair tocando.
Com quantos anos você entrou na Escola de Música? Eu entrei em 1996, com 15, 16 anos.
Pra estudar percussão mesmo? Pra estudar cavaquinho. Não tinha o curso de percussão.
E aí? Estudei, toquei cavaquinho durante uns quatro anos. Toquei nesses grupos de samba, tocava em rodas de samba, fui um dos primeiros cavaquinhos do Retoque, um grupo que tinha lá no Belira. E paralelamente tocava percussão no Barrica. Meu primeiro instrumento na Escola de Música foi violino. Só que quando eu peguei o violino eu não me adaptei e o instrumento era caro. Peguei uma poupança que eu mesmo fiz, naquela época mamãe não apoiava, a poupança eu fiz com um bolão da Copa [do Mundo] de 1994, ninguém acreditou que o Brasil ia pros pênaltis, eu ganhei o dinheiro todinho. Saquei o dinheiro e comprei meu primeiro cavaquinho, meu primeiro instrumento. Aí mudei de curso. Meu primeiro professor, na época, foi até Raimundo Luiz [bandolinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 15 de setembro de 2013]. Depois de Raimundo que eu fui ter aula com Juca [do Cavaco, professor de cavaquinho da EMEM]. Depois é que entrou o curso de percussão na Escola de Música. Mas paralelamente eu já tocava percussão no Barrica e estudava cavaquinho na Escola. Tinha essa coisa dessas influências do samba, e eu misturava essa coisa do samba com os ritmos regionais. Até no Barrica.
Quando você mudou para percussão na Escola? Eu fui da primeira turma. Acho que 1997, 98.
Nem terminou o curso de cavaquinho? Não, eu tranquei. Paralelamente eu fazia os dois. Depois me decidi pela percussão.
Quem são teus principais mestres da percussão? Na Escola era Jeca, meu professor. Dei uma parada durante uns dois anos, fiquei só no Coral, parei por conta de problemas familiares, tava jogando JEMs, quando eu retornei, já era Nonatinho [percussionistado Instrumental Pixinguinha] o professor.
Você disse que passou uns 15 anos no Barrica. Sua saída de lá é mais ou menos recente. A que se deveu? A eu me profissionalizar mesmo. A eu correr atrás do meu trabalho.
No sentido de que o Barrica é um espaço amador? Não, no sentido de que o Barrica tem um dono e eu resolvi ser meu próprio dono. Decidi virar um profissional da música. Lá são pequenos cachês, é de grupo. Lá você não é visto, é visto o grupo: a Companhia Barrica.
Hoje você consegue viver de música? Consigo. Hoje eu tenho outros trabalhos paralelos, mas eu consigo.
Quais são esses trabalhos paralelos? Eu tenho minha carreira acadêmica. Sou graduado e pós-graduado em administração. Estou pensando em dar aulas em faculdade. Justamente visando um futuro, por que a carreira musical tem certos limites, na minha opinião. Na Europa o cara é dentista e toca na orquestra, não tem essa história de ser músico e ser só músico, tu tem outra alternativa, tu pode fazer as duas coisas paralelamente. Eu bati muito de frente aqui, o cara é só músico, quer ser só músico. Infelizmente o nosso mercado não dá pra isso. Eu tenho amigos que moram fora, vivem de música e vivem bem. É o que eu sempre digo: tu quer viver bem ou tu quer sobreviver? São coisas bem diferentes.
Antes de formado, você conseguiu viver bem de música? Com música você sobrevive. Viver bem, bem, é difícil. São poucos os que conseguem.
Você não acha que no teu caso essa condição decorre de ser um cara novo? Tipo, daqui a 10 anos você poderia estar vivendo bem de música? Eu acho que o mercado, aqui em São Luís, é um pouco complicado. Talvez se eu fosse pra fora.
Quem são os percussionistas que você mais admira aqui em São Luís? [Carlos] Pial, meu amigo, me ajudou bastante quando comecei a tocar. O próprio Jeca, aquela história, a gente não descarta da onde a gente veio. Zé Pretinho, um cara bom pra poxa. E outros, os grandes mestres. No Barrica, quando entrei, como passei por muito preconceito, eu ia comendo de outras fontes, pra já chegar lá sabendo. Em vez de aprender só lá, como eles não queriam me ensinar, “não, tu é de fora, então eu não vou te ensinar, se tu quiser, tu olha, tu aprende”, eu ia por fora, eu ia na Liberdade, eu ia nos encontros que tinha no Reviver [o bairro da Praia Grande], eu participei dos primeiros Pungar, encontros de tambor de crioula, Leonardo [mestre de tambor de crioula] ainda vivo. Então a gente ia por esse caminho, observando, conversando com Zé Olhinho [mestre de bumba meu boi].
E no cenário nacional? Qual é o nome que chama tua atenção? [Marcos] Suzano, que hoje é meu amigo, Celsinho Silva, meu amigo também, fiz oficinas com eles, saí daqui, peguei meu ônibus, fui bater em Teresina, oficina com Suzano. Na linha do pandeiro eu digo que tenho umas cinco influências: Jorginho do Pandeiro, Celsinho Silva, Marcos Suzano, Bira Presidente [pandeirista do grupo Fundo de Quintal] e Jackson do Pandeiro. Fora também o estilo de tocar de pandeiro diferente aqui, do pessoal do Fuzileiros da Fuzarca [bloco carnavalesco da Madre Deus]. E influência assim que eu tenho da percussão geral, eu gosto muito do Gustavo di Dalva, que toca com Gilberto Gil, Leonardo Reis, são os grandes nomes de percussão mais ou menos nesse jeito que eu gosto de tocar. Por que tem várias linhas: tem o cara que é do axé, tem o cara que é do forró…
A gente sabe que a percussão é um mundo. Na falta de instrumentos, até numa mesa dessa aqui você vai fazer música. Em que instrumento você se sente mais à vontade? O que eu sinto mais à vontade são os instrumentos de percussão maranhense, por essa vivência toda que eu tive durante esses 15 anos lá dentro da Companhia [Barrica], eu colhi muito. Os próprios músicos, o próprio Zé Pretinho, o pessoal lá de frente da percussão, eles dizem que eu fui o único que soube pegar de lá e botar em outro lugar. Os instrumentos daqui, o pandeiro de couro, que eu estudei mais, e os instrumentos também de samba, que vem do tempo em que eu tocava cavaquinho.
Quais seriam esses instrumentos maranhenses? Zabumba, tamborito, pandeirão, tambor de crioula – a parelha, eu toco todos três –, vindo pro lado do carnaval, contratempo, retinta, particularmente todo instrumento maranhense eu toco. A própria caixa do divino, que é um instrumento tocado por mulheres, lá no Barrica quem tocava era eu.
Além de Barrica e Bicho Terra de que outros grupos você já participou? Quando eu saí, que eu decidi me profissionalizar, eu já toquei com quase tudo que é grupo de São Luís.
Mas como integrante? Como integrante praticamente só lá. Toquei em grupos de samba: toquei no Retoque, desde a época do cavaquinho eu tirava mais festa. Eu tava nesse processo: cavaquinho, percussão, nessa briga. Ou eu escolhia um ou outro. Podia chegar num ponto que eu não seria melhor em nenhum, eu seria mediano nos dois. Então eu decidi estudar.
E grupo de choro? Choro foi o seguinte: quando eu entrei na Escola eu vi o [Instrumental] Pixinguinha tocando e eu sempre me interessei. E eu tinha comigo que eu não sabia tocar pandeiro. Aí eu vi aquilo e disse: vou aprender isso aí. Comecei a estudar e o primeiro grupo de choro, formado, bonitinho, foi o Chorando Calado. Na época em que eu entrei, éramos eu, Jordani [percussão], Tiago [Souza,sax e clarinete], Wendell [Cosme,cavaquinho e bandolim] e João [Eudes, violão]. Depois Jordani saiu, ficamos só nós quatro.
Qual a importância do Chorando Calado pra você? A gente é uma família, nós quatro. Quatro irmãos. Através de muito estudo, muita repetição, ensaio, a gente conseguiu essa abertura no meio dos grupos grandes que já existiam aqui, de chorões. A gente recebeu, como éramos da Escola, muito apoio do Pixinguinha, a maioria eram nossos professores, botavam a gente pra tocar nos eventos lá. Às vezes a gente sabia só 10 músicas. Hoje quando a gente se junta, é só olhar um pro outro.
Mas o Chorando Calado nunca mais fez apresentações como Chorando Calado. O que está faltando? Tiago! Nós chegamos a botar outros, [os flautistas] Lee Fan, [João] Neto, até Zezé [Alves, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013], mas a gente decidiu não usar mais o nome. Até por que teve a história do Clube do Choro [Recebe] dar um tempo. Eu tenho esperança que volte, foi uma escola pra gente na época. Um projeto de suma importância, na época era o nosso palco. Ali que a gente começou a fazer nosso trabalho, a ter novidades no repertório.
Fora o Chorando Calado, você integrou outros grupos de choro? Eu já toquei com o Pixinguinha, um tempo em que o Nonatinho se afastou. Já toquei nOs Cinco Companheiros, com Osmar do Trombone [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 23 de junho de 2013]. Essa vivência [no Clube do Choro Recebe] fez com que eu tivesse o prazer de hoje já ter tocado com praticamente todos os grupos de choro daqui.
Daqui a pouco quando você terminar essa entrevista, vai participar da gravação de um dvd [o show Justiça de Paz e Pão, em que servidores do Tribunal Regional do Trabalho no Maranhão interpretaram obras de compositores maranhenses]. De que discos você já participou? Já, bastante discos. [O compositor Luiz] Bulcão, [a cantora] Teresa Cantu, cds e dvds. Várias bases de bumba meu boi. [O cantor] Mano Borges é um trabalho constante, uma das pessoas que na época em que fui tentar me profissionalizar foram pessoas que me deram apoio, começaram a me injetar nas coisas, Oberdan [Oliveira, guitarrista], Antonio Paiva [contrabaixista]. Outra influência de que lembrei agora, que eu tive na infância, bastante grande, foi a Casinha da Roça. Eu cresci naquilo ali.
A gente percebe essa vivência, essa tua natureza da cultura popular do Maranhão em tua base percussiva. Como você percebe a relação da percussão da cultura popular do Maranhão com a prática do choro? É possível fazer esse encontro? Você acha interessante? É possível, é bastante interessante, até por que essa questão do ritmo maranhense não é valorizado pelo maranhense, mas quando a gente viaja, que dá uma volta por outros ares, é o diferencial. É o que tu chega, é o que tu mostra, e o pessoal fica de boca aberta.
Cabe no choro? Cabe. Inclusive a gente lá no Chorando Calado botava muito boi, bloco misturado com choro. Cabe. É uma célula a mais. O choro em si é um gênero, então ele agrega um monte de ritmos. Eu sou um admirador da cultura popular do Maranhão. Meu set up tem um monte de instrumentos de fora, mas tem os instrumentos daqui pelo meio. Eu não me esqueço de onde eu vim. O Barrica, pra mim, foi uma escola. Quando eu viajava, eu sempre ia conversar com músicos, ia atrás de informação, sempre fui bastante curioso.
O que é o choro para você? Tanto quanto é o bumba boi é uma influência musical muito grande. É visto com preconceito, como música de velho, mas na verdade é uma música muito difícil. Eu digo pra meus alunos: todos os que vão pra linha do choro se tornam bons músicos. Os compositores de choro são grandes mestres da música. O choro não tem música feia. Até as mais atuais, a qualidade é lá em cima.
Com toda essa vivência já demonstrada na seara da cultura popular, você se considera um chorão? Considero. Até meus amigos dizem que quando vai pro lado do choro eu sou meio ranzinza. Eles, “não, Wanderson, é por que tu é chorão” [risos]. Eu me considero. Eu ouço choro todo dia: Zé da Velha, Silvério Pontes, Tira-Poeira, Época de Ouro, Zé Nogueira. Eu escuto tudo, os tradicionais, os modernos. As músicas de choro que eu mais gosto vêm daquele tempo que eu tocava cavaco: gosto muito de Naquele Tempo, de Pixinguinha, Minhas mãos, meu cavaquinho, de Waldir [Azevedo]. É essa linha que eu gosto mesmo de escutar, de sentar pra escutar.
Você tocou no disco inédito de Joãozinho Ribeiro [Milhões de Uns, disco de estreia do compositor, gravado ao vivo no Teatro Arthur Azevedo, em novembro de 2012]. O que significou para você? Você vê o quanto o trabalho do maranhense é esquecido. Ali eram só composições antigas, só que totalmente atuais. Tem muita música ali que eu nem sonhava em tocar, são atuais, podem tocar em qualquer lugar. Foi uma experiência muito boa, os músicos, todo mundo voltado pro show. Eu já escutava muito [a música] Milhões de Uns, quando eu me vi naquele local tocando, era uma coisa que eu almejava fazer e hoje eu faço parte. Pessoas com quem eu nem sonhava tocar.