uns são tadeu
outros são tavares
uns claramente encastelados
outros nebulosamente cínicos
uns entrincheirados em barricadas caseiras
com medo do mundo
outros colecionando dinheiro debaixo do travesseiro
uns recolhidos e tristes
envergonhados dos sonhos esquecidos
outros na desova do renascença
secando lagoas e bumbando tambores de plástico
uns bebendo red label 12 anos baleado
outros matando a sede com guaraná jesus enferrujado
uns com dentaduras de ouro e sorrisos de porcelana
outros com panças de nervos acumulados
uns usando cintos de couro de cobra
outros visitando zoológicos imaginários
uns escrevendo em jornais de um só leitor
outros relendo bulas de remédio da última gastrite
uns fingindo que escrevem pelo pavor da página em branco
outros vomitando diarreia de versos banalizados
uns suando diariamente em esteiras e bicicletas
que não saem do lugar
outros babando em sua camisa polo lacoste
uns puxando o saco do chefe de plantão
outros lambendo suas próprias botas e feridas
uns engomando a toga do judiciário
outros se afogando entre pagodes e abadás
uns banhando em piscinas cobertas de lama azul piscina
outros mergulhando no cinza do rio anil
uns fumando baseado e rindo sem graça
outros cheirando coca e esmurrando vidraça
uns esmagando desejos em nome da dúvida
outros alisando máscaras diante do espelho
uns se entupindo de vaidade
outros cansados de procurar a verdade
uns se atolando no beco da bosta
outros se atirando no beco do precipício
uns de costas
outros do edifício
uns assim
outros assado
frente a frente
lado a lado
uns tadeu
outros tavares
filhos
do mesmo rei
da mesma lei
da mesma laia
filhos
do mesmo palácio
do mesmo paletó
da mesma saia
uns são poucos
outros nem tanto
cada um por si
todos contra todos
pelos quatro cantos da cidade
( s a l v e – s e q u e m p u d e r )
até que morram uns e depois os outros
(texto escrito em algum dia do ano 2004)*
*como indicou o autor, o poeta Celso Borges, em seu belo Belle Epoque (2010) | limitações do wordpress impedem-me de ao menos imitar a disposição do poema na página impressa, mais um motivo para dizer aos poucos mas fieis leitores: comprem o livro!
