O poder da música

O grupo SaGrama se apresentou sábado (27) em São Luís. Foto: Zema Ribeiro

Originalmente formado para um trabalho de uma disciplina no Conservatório de Música de Pernambuco, o SaGrama está há 28 anos em atividade e passou pela primeira vez por São Luís do Maranhão no último fim de semana.

Sérgio Campelo (flautas, arranjos e direção artística), Ingrid Guerra (flautas), Crisóstomo Santos (clarinete e clarone), Cláudio Moura (viola nordestina, violão, arranjos e codireção), Aristide Rosa (violão), João Pimenta (contrabaixo acústico), Antônio Barreto (marimba, vibrafone e percussão), Tarcísio Resende (percussão), Dannielly Yohanna (percussão) e Isaac Souza (percussão) fizeram duas apresentações impecáveis sábado passado (27) no Teatro Sesc Napoleão Ewerton.

A circulação que trouxe o SaGrama até a ilha, patrocinada pelo Instituto Cultural Vale, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, estava programada para 2020, mas foi adiada pela pandemia de covid-19. O grupo tornou-se nacionalmente conhecido ao assinar a trilha sonora de “O Auto da Compadecida”, filme/série de Guel Arraes baseado na obra de Ariano Suassuna (1927-2014).

Equilibrando-se na linha tênue entre música clássica e música popular, o grupo passeou por diversas fases de sua trajetória – sua discografia já inclui 10 álbuns, em apresentações marcadas pelo passeio por sua obra autoral, em que destacam-se as criações de Sérgio Campelo e Cláudio Moura, e de nomes como Dimas Sedícias (1930-2001) e Luiz Gonzaga (1912-1989).

A música do SaGrama tem uma carga dramatúrgica, com as notas musicais (que explicam a origem do nome do grupo) desenhando paisagens e evocando imagens e memórias. Quem ou/viu ao vivo a execução das peças da trilha sonora de “O Auto da Compadecida”, por exemplo, lembrou de cenas e personagens deste clássico do cinema nacional.

Mas a capacidade que o grupo tem de despertar a imaginação de seu público tem um quê de magia. Dois momentos da apresentação são ótimos exemplos disso. A suíte “Aspectos de Uma Feira” (Dimas Sedícias), que em três movimentos (“Alba”, “Ceguinha Jesuína” e “Maria, Maria, Mariá”) evoca o amanhecer em que uma feira vai se configurando no interior nordestino, com o barulho típico dos vendedores chamando a atenção para seus produtos (momento em que todos os integrantes do SaGrama cantam seus pregões), uma cega que canta pedindo esmolas (brilhantemente interpretada pela flautista Ingrid Guerra, com Cláudio Moura e Dannielly Yohanna depositando-lhe a caridade em sua cuia) e o ambiente dos repentistas e artistas de rua. E o “Boi Babá” (Dimas Sedícias), que além de demonstrar que o bumba meu boi está presente em outros lugares além do Maranhão, acompanha seu ciclo de nascimento, morte e ressurreição, no canto/aboio do percussionista Tarcísio Resende.

Antes da execução de “Boi Babá”, Campelo elogiou a beleza do bumba meu boi maranhense, falou da alegria de ter assistido à manifestação durante a passagem pela cidade e anunciou que o grupo cometeria a ousadia de tocar um boi em pleno Maranhão – o repertório do grupo passeou por cirandas, guerreiros, cocos, maracatus, baiões e frevos. Ao final da música, perguntou, modesto, para gargalhadas e aplausos da plateia: “presta?”.

Do repertório, é possível destacar ainda temas como “Eh! Luanda” (Capiba [1904-1997]) – um raro maracatu, de 1952, do compositor, mais conhecido por seus frevos – e “Palhaço Embriagado” (Sérgio Campelo), ambas do primeiro disco do grupo, lançado em 1998, além de “Mundo do Lua”, um pot-pourri que costura sucessos de Luiz Gonzaga, e “Vassourinhas” (Matias da Rocha/ Joana Batista Ramos), já no bis, encerrando a apresentação em alto astral, clima de carnaval e deixando um gosto de quero mais no público presente.

Na maior parte do espetáculo, manter-se sentado era um exercício difícil: aqui e acolá o espectador era transportado aos ciclos carnavalesco e junino pernambucanos, numa demonstração inequívoca do poder da música do SaGrama. Em setembro a circulação chega a Belém do Pará.

Afetos e canções: Joãozinho Ribeiro reúne amigos em show plural

[release]

Apresentação acontece sexta-feira (16) no Convento das Mercês, com entrada franca – com sugestão de doação de um quilo de alimento não-perecível para as comunidades carentes do entorno

O compositor Joãozinho Ribeiro. Foto: Murilo Santos. Divulgação

O compositor Joãozinho Ribeiro volta a reunir os amigos no show “Com o afeto das canções II”. Beneficente, o evento – cuja primeira edição aconteceu ano passado – ocupa o pátio do Convento das Mercês (Rua da Palma, Desterro), na próxima sexta-feira, 16, às 20h. A entrada é gratuita, com a sugestão da doação de um quilo de alimento não-perecível; a arrecadação será destinada a comunidades carentes do entorno da Fundação da Memória Republicana Brasileira (FMRB), instituição sediada no prédio secular do Centro Histórico da capital maranhense, que completou recentemente 25 anos de inclusão na lista de cidades patrimônio mundial da Unesco.

Joãozinho Ribeiro terá como convidados especiais o Bloco Afro Akomabu, George Gomes, Rosa Reis, Célia Maria, Josias Sobrinho, Rita Benneditto – que gravou em dueto com Zeca Baleiro (que participa virtualmente do show, através de uma mensagem em vídeo), a música que dá título ao espetáculo, cuja produção é assinada por Lena Santos. O espetáculo é uma realização da Dupla Criação e Fundação da Memória Republicana, com patrocínio da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma) e Potiguar, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão.

Rui Mário (sanfona, piano e direção musical), Marquinhos Carcará (percussão), Danilo Santos (saxofone e flauta), Hugo Carafunim (trompete), Robertinho Chinês (cavaquinho e bandolim), Arlindo Pipiu (contrabaixo), Tiago Fernandes (violão sete cordas), Ronald Nascimento (bateria), Katia Espíndola (vocal) e Mariana Rosa (vocal) formam a superbanda que acompanhará Joãozinho Ribeiro e convidados em “Com o afeto das canções II”.

O repertório do show alinhava clássicos da lavra de Joãozinho Ribeiro a músicas inéditas. A pandemia de covid-19 e o isolamento social por ela imposto renderam ao artista dezenas de novas composições, sozinho ou em parceria. Entre os gêneros abordados no roteiro figuram baião, balada, bolero, bumba meu boi, carimbó, divino, ijexá, maxixe, merengue, reggae, salsa, samba e tambor de crioula.

“Esse show é uma espécie de exorcismo. Após quatro anos de massacres diariamente desferidos contra a cultura brasileira, para citar apenas uma área, voltamos a respirar ares democráticos e plurais, voltamos a ser um país, feito de nossa diversidade e riqueza culturais, é o que nos propomos a celebrar, com todo afeto das canções”, anuncia o compositor anfitrião.

Serviço

O quê: show “Com o afeto das canções II”
Quem: o compositor Joãozinho Ribeiro e convidados
Quando: dia 16 de dezembro (sexta-feira), às 20h
Onde: Convento das Mercês (Rua da Palma, Desterro, Centro Histórico)
Quanto: grátis. Sugere-se a doação de um quilo de alimento não-perecível, destinada às comunidades carentes do Centro Histórico
Realização: Dupla Criação e Fundação da Memória Republicana
Patrocínio: Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma) e Potiguar, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão.

Os presentes da noite

TEXTO: ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

A dj Josy Dominici
Apresentação da campanha “Pacto pelos 15% com fome”, da Ação da Cidadania
O Regional Caçoeira
O cantor e compositor Vinaa
Os cantores e compositores Paulinho Pedra Azul e Djalma Chaves

Não é apenas o encontro de artistas cantando e tocando e a plateia batendo palmas. Camadas se desdobram e palavras como encanto e magia bem servem para tentar traduzir o que aconteceu na noite de sábado (6), na Praça do Letrado, no Vinhais. Servem, embora eu não saiba se são suficientes. Creio que não, afinal de contas, tudo ali transbordava, seja a qualidade das apresentações, o ambiente aconchegante e afetuoso, o clima de feira com as barracas do entorno, a alegria de encontros e reencontros.

Era do que se tratava: após dois anos suspensas em razão do isolamento social imposto pela pandemia de covid-19 (breve exceção se abriu ano passado quando os saraus foram realizados nos jardins do Museu Histórico, com controle de acesso), os chorões e choronas da ilha estavam ávidos por uma roda de choro nos moldes a que estavam acostumados. Mas a de sábado foi além.

O evento abriu espaço para a coordenação estadual da campanha “Pacto pelos 15%”, da Ação da Cidadania, que busca doações e voluntários para amenizar o flagelo da fome, que atormenta mais de 30 milhões de brasileiros, além dos que vivem em situação de insegurança alimentar. Além de falas de representantes da ONG, vídeos da campanha foram exibidos ao longo da programação.

A dj Josy Dominici voltou a se apresentar após cerca de 10 anos dedicando-se a outras frentes. Sua sequência aqueceu o ótimo público presente, com um repertório de muito bom gosto, entre clássicos do samba e choro, música popular brasileira e reggae, além de elementos da cultura popular do Maranhão.

O caminho foi seguido pelo Regional Caçoeira: choro, baião, bumba meu boi e samba, com pitadas jazzy, integraram o cardápio de Ricardo Mendes (clarinete, flauta e saxofones), Wanderson Silva (pandeiro), Wendell Cosme (cavaquinho de seis cordas e bandolim de 10 cordas) e Thiago Fernandes (violão de sete cordas). O virtuosismo e versatilidade do quarteto levaram o público a um passeio por clássicos de Pixinguinha, Severino Araújo, Donato Alves, Raimundo Makarra e Coxinho, entre outros, além de temas autorais de Wendell, como o “Baião das três”, composta por ele especialmente para o sarau.

Vinaa revelou que ansiava estar no palco de RicoChoro ComVida na praça já há algum tempo. Lembrou-se das origens, do acolhimento por nomes como Cury – autor de “O que me importa”, sucesso de Tim Maia que figurou em seu repertório àquela noite – e Zeca Baleiro – com quem gravou “Cicatriz (No regresa)” em “Elementos e hortelãs na terra dos eucaliptos” (2019), seu segundo disco, também presente ao setlist.

“Agora vocês me dão licença para eu botar os óculos de Cartola”, pediu, antes de cantar “O mundo é um moinho”, clássico do repertório do mangueirense, um dos grandes momentos de uma noite para lá de especial.

Também acompanhado pelo Regional Caçoeira, Djalma Chaves, ao violão, iniciou sua apresentação com o clássico absoluto “Aquarela brasileira” (Silas de Oliveira), apresentando um repertório de clássicos que incluiu também, entre outras, “Tristeza” (Niltinho Tristeza). E foi ele o responsável pela grande surpresa da noite, ao chamar ao palco o parceiro mineiro Paulinho Pedra Azul, que de passagem pela ilha, deu uma canja inspirada, elogiando o grupo anfitrião.

“Você já é ludovicense, é o mineiro mais maranhense que eu conheço”, afirmou Djalma Chaves, ao que Pedra Azul retrucou: “só falta oficializar”. Antes da participação musical, leu um poema que havia escrito na manhã de sábado, exaltando as belezas de São Luís, cidade com que mantém estreita e longeva relação – ganhará melodia?

Começou por “Carinhoso” (Pixinguinha), cantada em dueto com Djalma Chaves. Em seguida, provocado pelo grupo, atacou de “Cantar” (Godofredo Guedes) e aos pedidos de mais um e com a capacidade de improviso do Caçoeira (que não havia ensaiado com o convidado surpresa), atendeu com “Jardim da fantasia” (Paulinho Pedra Azul), certamente um de seus maiores clássicos.

Presente à Praça do Letrado, o jornalista e historiador Marcus Saldanha, em uma rede social, sintetizou a noite: “uma noite de presentes para os presentes”.

O próximo sarau RicoChoro ComVida na Praça acontece dia 20 de agosto (sábado), às 19h, na Praça Nossa Senhora de Nazaré (Cohatrac). As atrações são o dj Marcos Vinícius, o Instrumental Tangará, a cantora Bia Mar e o cantor Carlinhos da Cuíca. O evento é uma realização da Sociedade Artística e Cultural Beto Bittencourt, com produção de RicoChoro Produções Culturais e Girassol Produções.

Turnê de Chiquinho França chega a mais quatro cidades esta semana

[release]

Foto: divulgação. Facebook do artista.
Foto: divulgação. Facebook do artista.

 

Bacabal, Pedreiras, Codó e Caxias. Estes são os próximos destinos do trem musical de Chiquinho França, que aporta acompanhado de sua banda nestas cidades, para shows do projeto Sons e Trilhos.

Guitarrista e bandolinista consagrado, Chiquinho França apresenta um repertório versátil, passeando do rock, jazz e blues ao choro, frevo e baião, um pé na modernidade, outro na tradição, as duas mãos na música de qualidade.

Acompanhado por JBlues (teclado), Mauro Sérgio (contrabaixo) e Oliveira Neto (bateria), Chiquinho França, um dos mais requisitados instrumentistas maranhenses, promete emocionar as plateias. “Na verdade, quem se emociona sou eu, ao poder oferecer ao público a música que aprendi vendo um ceguinho tocar na rodoviária de Santa Inês, minha cidade natal”, afirma o músico, lembrando as origens musicais.

Nesta segunda metade da turnê, Chiquinho França se apresenta na Praça São José (Praça do Bolo, Centro), em Bacabal, dia 15 (quarta), às 20h30; no dia seguinte (16), no mesmo horário, na Maçonaria Renascença Pedreirense (Praça do Jardim, Centro), em Pedreiras.

Sexta-feira (17) é a vez de Codó: Chiquinho França e banda se apresentam na Praça Ferreira Bayma, às 20h30. Sábado (18), no mesmo horário, é a vez de Caxias. Na terra do poeta Gonçalves Dias a apresentação acontece no Centro de Cultura (Praça do Panteon, Centro).

Todas as apresentações são gratuitas e abertas ao público. A última apresentação da turnê acontecerá em São Luís, em data, horário e local a definir. Sons e Trilhos tem realização da Zarpa Produções e patrocínio da Companhia Energética do Maranhão (Cemar), através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão.

Chorografia do Maranhão: Rui Mário

[O Imparcial, 7 de julho de 2013]

Rui Mário é uma espécie de camisa 10 de nossa música: aos 30 anos é o sanfoneiro preferido de 11 entre 10 artistas maranhenses. Não por acaso é o 10º. entrevistado da Chorografia do Maranhão.

 

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Rui Mário é uma espécie de camisa 10 de nossa música. O talento de sobra lhe garante vaga em qualquer seleção destas plagas. Sua musicalidade está nos genes: é filho de Raimundo dos Reis Lima, ou simplesmente Seu Raimundinho, e neto de José Reis Lima, ambos sanfoneiros.

Não por acaso o 10º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão, Rui Mário nasceu em Santa Luzia do Tide, em 13 de fevereiro de 1983, e veio para a capital em 1989, por conta das viagens a trabalho do pai, que se dividia entre a música e o trabalho com carnes e linguiças. Aos sete anos começou a tirar sons de uma sanfona e aos 11 a tomar aulas com Eliézio, até hoje uma referência.

Preferido por 11 em cada 10 artistas de nossa música, o filho de dona Maria Mendes Lima, tem quatro irmãos, todos criados ao som de muito choro e forró. “Eu acordava com o som da sanfona de meu pai”, lembra. Aos sábados e domingos, às tardes, Seu Raimundinho organizava um sarau famoso em sua casa, no São Bernardo, no quintal de um pequeno comércio. Certamente o ambiente da infância e adolescência ajudou a moldar a versatilidade de Rui Mário, admirador confesso do pai, um grande exemplo.

Na diminuta temporada junina recente da capital maranhense o músico fez 27 apresentações, entre shows com um trio de forró no Barracão do Forró, Casa do Idoso e Ipam, e como sanfoneiro das bandas de sete artistas: Carlinhos Veloz, Chico Saldanha, Fátima Passarinho, Gerude, Josias Sobrinho, Papete e Ronald Pinheiro.

O pai da pequena Maria Eduarda, 3, conversou com os chororrepórteres no Bar do Léo – que desligou o som para colaborar com a transcrição da entrevista e, aqui e acolá, ouvir a sanfona de Rui ilustrando um pedaço da conversa. Chovia forte em São Luís, o que levou o ensaio para onde o músico seguiria dali, com o cantor e compositor Erasmo Dibell, a ser cancelado. Um caso raro de dedicação ao trabalho, no seu caso, sinônimo de música.

Tua casa sempre foi um ambiente musical? Sempre teve um trio de forró? Com certeza! Eu acordava com o som da sanfona do meu pai tocando e contando histórias do meu avô, que também tocava, que era um bom sanfoneiro, naquela época tocava sanfona de botão. Ele era praticamente o braço direito de meu avô. Onde meu avô tava, ele tava junto, tocando. Então, ele contava muito essa história pra gente, sempre tocando junto, e botava o vinil pra tocar chorinho, Luiz Gonzaga, Dominguinhos, sempre foi isso. A gente o acompanhava, tocando. Eu comecei tocando triângulo. Então era mais ou menos isso, a gente sempre esteve junto ali. Sempre teve um trio. Inclusive tá se formando um agora, que tem dois sobrinhos, que um é sanfoneiro, outro toca zabumba, e já nasceu outro: com certeza vão formar um trio de [forró] pé de serra.

Sempre teve o encorajamento a seguir carreira de músico ou em algum momento teu pai desencorajou por certo preconceito que ainda possa haver contra músicos? Não. Lá em casa, nunca, ninguém… Minha mãe, sim, sempre, “Ó, estudo na frente da música”. Ela incentivava muito a gente, “vai estudar, vai estudar sanfona, vai estudar o teu instrumento”. A gente brincava demais, principalmente eu, então ela sempre pedia, meu pai também, pra que eu estudasse meu instrumento. Na verdade nunca teve ninguém que dissesse “eu acho que esse não é o rumo certo”, sempre foi encorajando mesmo.

Desde pequeno você tinha vontade de aprender sanfona ou durante algum tempo achava que era um instrumento démodé? Como é que foi tua escolha pela sanfona? Foi intuitivo, uma coisa que eu nunca imaginei, nunca pensei que fosse ser. Tocava triângulo, gostava de tocar, acompanhar meu pai, ouvir as músicas, mas nunca pensei nem em pegar no acordeom. Mas um dia eu peguei, e ao mesmo tempo em que peguei derrubei, então já se tornou aquela coisa traumática, “não pegue mais”. Aí eu participei de um grupo pé de serra com um tio meu que tocava sanfona também, Nunes do Acordeom. Lá tinha muita sanfona pequena e tinha um primo que tocava sanfona também, Ronaldo, eu olhava ele tocando e achava bonito, então partiu dali aquela vontade de também querer. Depois de eu ter derrubado a sanfona de meu pai, eu disse “rapaz, essa daqui eu não pego mais”, ele já tinha brigado, não ficou zangado, “olha, tem cuidado!”. Então eu fui lá, na casa do meu tio, comecei a pegar, a sanfona era menor, então mais leve, e comecei aí, meus primeiros acordes.

Com quantos anos? Sete anos, quando eu comecei a dar meus primeiros acordes mesmo, Asa branca [Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira] como sempre, já foi na mente, é a primeira coisa que a gente escuta, a melodia tava na cabeça, e foi na intuição mesmo.

Você nunca seguiu outra profissão, nunca estudou outra coisa, sempre música? Sempre música. A gente nunca teve outra profissão, eu nunca tive, meu irmão, minha irmã, sempre música na nossa cabeça e levando como profissão mesmo.

Isso já responde uma pergunta que a gente faz para todos os entrevistados: você vive de música? Vivo de música. A minha vida toda, tudo o que eu tenho hoje foi a música que me deu.

Quem foram os teus mestres? Teu pai parou para te ensinar? Ele não parou pra me ensinar, tipo “ó, Rui, acorde tal, solo tal”, mas ele parava para me educar musicalmente. Quando eu tocava uma música e fazia alguma coisa errada, ele dizia “não é por aí, a nota é essa, o dedo é esse”, o ensinamento dele foi mais esse. Tenho um irmão mais velho, por parte de pai, que chegou a me ensinar alguns solos, passar algumas coisas, e já com 11 anos comecei a pegar aulas com Eliézio do Acordeom. Passei um ano com ele, meu pai conseguiu falar com ele e pediu que ele me passasse uma coisa a mais.

Vamos fazer um parêntese antes de continuar: pra ti o que significa Eliézio enquanto acordeonista? Pra mim um mestre do acordeom. Um cara incrível que chegava lá em casa e mostrava tudo o que sabia. Uma pessoa por quem tenho admiração, meu pai principalmente. Às vezes ele chegava quatro da manhã lá em casa e a gente tinha que acordar pra recebê-lo. Mas por que isso? Pela admiração que a gente tem por ele, pelo privilégio de tê-lo lá em casa, perto da gente. Meu pai fala que aprendeu muito com ele, só no olhar, só de vê-lo tocando.

Quem conhece Eliézio e te vê tocando percebe traços da sofisticação. É impressionante como a gente percebe aquele requinte que ele tem. Ele foi o cara em que eu me inspirei, me espelhei. Eu sempre busquei isso, sempre quis estar perto dele.

Você teve outros professores? Tive, mas na área harmônica, mais pra parte de teclados, Silvano, Jecivaldo, apesar de ser guitarrista, Israel Dantas, mais a parte teórica.

Você estudou na Escola de Música? Passei um ano lá, mas não deu para conciliar com o trabalho. Fiz um ano com Zezé Alves [flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013] e a professora Kátia [Salomão, violoncelista].

Parece um caminho meio natural, quem toca sanfona tocar teclados, piano. Você tem preferência por um instrumento ou por outro? Eu digo que meu grande amor é a sanfona, e a paixão é o piano, devido a harmonia, a delicadeza que o piano tem, o sentimento, que a sanfona também com certeza tem. Minha preferência é o acordeom, foi ali que eu comecei. Se me perguntarem se eu considero sanfoneiro ou pianista, com certeza sanfoneiro.

Como foi o início de tua carreira em São Luís? Você participou de grupos, além do Choro Pungado? Quando pequeno, participei de um grupo chamado Trio Mirim, que era desse meu tio, Nunes do Acordeom. Depois a gente foi crescendo e virou Ronaldo e seus cabra. Teve outro grupo que eu participei, esse já tocando sanfona, antes eu tocava triângulo e cantava, o Pimenta de Cheiro. Daí por diante, meu pai começou a trabalhar com alguns artistas daqui, mas ele não se adaptava, não se sentia bem, e me colocou. Eu comecei praticamente com Gabriel Melônio, aos 13 anos de idade. Depois as pessoas foram vendo, ligando, aí eu comecei a participar de quase todos os shows de artistas daqui.

Hoje tu tens a agenda sempre muito cheia, és o preferido de 11 a cada 10. [Gargalhadas]. Sempre muito cheia, graças a Deus! A gente se empenha, eu me empenho muito pra fazer um bom trabalho.

Além de instrumentista, você desenvolve outras habilidades na música? Como eu montei um home studio, eu tive que me empenhar em arranjar músicas, então eu tou correndo atrás disso, desse lado arranjador. A parte mais difícil da música é essa: ali é sua identidade, sua assinatura. Eu tou estudando pra desenvolver esse lado. O lado compositor ainda não consegui encaixar. Eu acho difícil compor. Qual a área que você vai? Chorinho, forró, baião, jazz. Eu tou buscando o elemento crucial pra poder compor, pra diferenciar, uma linha.

Mas a gente tem ouvido coisas tuas, o Baião de doido [música de Rui Mário gravada pelo Choro Pungado em um disco demonstrativo do grupo]. O Baião de doido eu fiz como tema para abertura de um show do [cantor e compositor] Chico Viola. Então eu fiz aquele início e começou dali, “dá pra terminar”, comecei a desenvolver.

Você se considera um chorão? Não. Eu me considero um admirador do choro. Chorão, eu imagino assim, aquele cara que vivencia, onde tem choro, tem que estar lá, onde está a turma do choro tem que estar junto. Eu não sou desse jeito, eu sou muito caseiro. Eu não me considero chorão por isso.

Um momento muito importante do choro recente aqui no Maranhão é o Choro Pungado. Você se saiu com bastante desenvoltura e competência entre os chorões. Ali foi um tempo muito bom, eu acho que aquela época do Clube do Choro [Recebe] a gente gostava de estar ali, o público prestava atenção. O mais gostoso era isso, você fazia e tinha a resposta do público. A gente se empenhava, estudava.

No Brasil a sanfona, sobretudo depois de Luiz Gonzaga, ficou muito atrelada ao forró, a ritmos nordestinos. A gente conhece um episódio envolvendo o Radamés [Gnattali, maestro e pianista gaúcho] e o Chiquinho [do Acordeom, que depois viria a integrar grupos de Radamés], de início por certo preconceito de Radamés com a sanfona, por não gostar do som do instrumento, por achar que a sanfona não era instrumento de choro, superado depois que ele ouviu Chiquinho tocar. A gente te ouvindo em disco ou em show, percebe que tua sanfona cabe em choro, [bumba meu] boi, rap, no que vier. Você já sofreu algum tipo de preconceito por conta do instrumento? Não. Inclusive eu mesmo já fui um que disse, em determinada ocasião, que achava que a sanfona não cabia ali. Mas o cara por querer, por achar bonito o som do instrumento, insistiu. E tava certo. A sanfona é um instrumento universal, cabe em qualquer tipo de música.

Você já tocou em discos de Cesar Teixeira [compositor, Shopping Brazil, 2004], Josias [Sobrinho, compositor, Dente de ouro, 2005], Lena [Machado, cantora, Samba de minha aldeia, 2010], Gildomar [Marinho, compositor, Olho de boi, 2009], Joãozinho [Ribeiro, compositor, o inédito Milhões de uns, gravado ao vivo no Teatro Arthur Azevedo em novembro de 2012], quer dizer, grandes compositores, grandes intérpretes. O que significa, pra ti, participar destes registros? Ah, eu fico muito satisfeito, por que você trabalha pra ter um espaço e ser reconhecido. Quando pessoas desse nível te chamam para participar de um cd, você percebe que o seu empenho, no seu instrumento, na música, deu certo, você tira por esses chamados. Eu me sinto orgulhoso, fico muito satisfeito.

Tem algum disco preferido entre os que você já participou? Eu gosto muito daquele cd do Cesar Teixeira, gosto muito dos arranjos. Outro cd que eu gosto muito, uma coisa mais moderna, é o da Lena, esse último, arranjado pelo Luiz Jr., bem moderno. São dois cds que eu gosto muito.

Tem algum artista com quem tu gostaria de tocar em show ou disco e ainda não o fez? Tem um artista que esse ano, eu tava correndo atrás, era o Papete. Esse ano eu tive a honra de tocar com ele no São João, e participar do disco dele [Sr. José… de Ribamar e Outras praias, 2013].

Rui, uma vez você recebeu um elogio de Dominguinhos… Ah, isso foi… [emocionado] Eu estive com Josias Sobrinho em Porto Alegre, um festival do Sesc, algo assim, um evento do Sesc, e a gente encontrou lá com Dominguinhos, uma pessoa humilde, conversou com a gente, a gente passou o dia no hotel conversando. Quando foi no dia do show, a gente tocou antes dele, foi quando ele entrou, tocou três, quatro músicas, e ele me anunciou lá: “rapaz, aqui nesse evento tem um pessoal do Maranhão, e tem um sanfoneiro que tá com eles, filho de um amigo meu, Raimundinho, lá do Maranhão, que tá tocando muito bem, e eu vou chamar ele aqui pra tocar uma comigo”. Eu fiquei sem chão. Foi bom demais, lembrei demais do meu pai, queria que meu pai estivesse lá. Foi emocionante.

Qual a importância do choro, na tua opinião? Como você percebe o choro? Qual o papel que o choro cumpre na música brasileira instrumental? O choro, na minha vida, fez e faz parte da minha formação musical. Eu considero o choro um estilo musical que exige muito do instrumentista. Em todos os aspectos, o cara tem que ter muita velocidade, percepção, improviso, então, o choro é a raiz da nossa música brasileira, é o princípio. É um estudo, um aprendizado, uma escola.

Você tem acompanhado o desenvolvimento do choro no Brasil hoje? Percebe diferença nessa nova geração? Com certeza! Uma mudança incrível! Um nível jazzístico, apesar de o choro ser mais antigo, uma praia diferente. Eu aceito isso por que traz novos músicos, pessoas jovens a gostar do choro. Concordo com essa mudança, abrindo mais.

Durante muito tempo o acordeom sofreu preconceitos, como já abordamos. Hoje ele ganhou mais autoestima, mais juventude? Sim, mais juventude. Acho que a tecnologia ajudou muito. Antigamente a gente não via quem tocava, quem tava se destacando. Hoje em dia muitos jovens tão tocando, “poxa, esse cara tá tocando muito”, aí as pessoas se dedicam.

Quem são os grandes nomes do acordeom no Brasil hoje que a gente tem que ouvir? Primeiramente Dominguinhos. Aí Sivuca, Oswaldinho… O engraçado de Oswaldinho, apesar de eu ouvir muito Dominguinhos quando criança, o Dominguinhos mudou a história do choro, ele pegou a linha do choro e passou pro baião, ele criou isso; ele sempre foi muito mais tema, aquela coisa mais elaborada. Oswaldinho fazia o tema, mas no meio da música ele improvisava. Quando eu pegava o vinil para ouvir, era sempre primeiro o Oswaldinho, pra poder escutar o improviso dele.

E dessa nova geração de acordeonistas, quem te chama a atenção? Cesinha, Mestrinho, Chico Chagas. Linhas diferentes. Cesinha e Mestrinho a mesma linha de Dominguinhos, já o Chico Chagas, uma coisa mais clássica, mais pro [Toninho] Ferragutti.

Em que linha tu te encaixarias? Ainda não me achei [gargalhadas]. Eu gosto muito do clássico, eu corro muito atrás disso, talvez por escutar muito Sivuca, mas também amo Dominguinhos, e tento buscar um pouco ali dele. Eu tento mesclar.

E do choro? Escapando do fole? Aponta um nome da antiga e um da nova geração que te faz parar para ouvir com prazer. Ernesto Nazareth. O acordeonista Orlando Silveira, muito bom também. Da nova geração o Hamilton de Holanda, o Trio Madeira Brasil.

E o choro no Maranhão, como é que tu tens observado? Com Hamilton de Holanda, como ele modificou um pouquinho o choro, isso atrai os jovens para essa área, pro choro. Eu acredito que tem crescido, nós temos Robertinho [Chinês, bandolinista e cavaquinhista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013], Wendell [Cosme, bandolinista e cavaquinhista], tem o grupo do Wendell, o Quarteto Cazumbá. Eu acredito que se aqui tiver mais incentivos, vai pra frente.

Como é tua relação com as tecnologias, seja operar softwares no estúdio, seja, por exemplo, e-mails, redes sociais, a internet em geral para divulgar teu trabalho? A tecnologia eu uso mais para trabalho. Eu tento me sair o máximo dessa tecnologia de rede social, de colocar minha imagem para todo mundo ver, eu sempre fico muito apreensivo com isso. É claro que eu uso, eu tenho que usar. Você arruma contratos para trabalhos, eu corro mais atrás disso do que [expor] a minha vida pessoal.

Os músicos em São Luís se ressentem da falta de um palco, depois do Clube do Choro Recebe. Como você enxerga o mercado para o músico em São Luís, sobretudo para quem toca na noite? Acho que cresceu. Antigamente você não via os bares com música ao vivo, inclusive com músicos daqui. Era muito difícil. Apesar de a música não ser “a” música, mas acho que cresceu o mercado pro músico aqui no Maranhão.

Se você tivesse que eleger um músico maranhense? Posso dizer meu pai? Meu pai eu admiro demais. Ele não teve o que a gente tá tendo. Tecnologia realmente. Antigamente era rádio. Tocava uma música uma vez numa rádio e ele já tinha que pegar. Ele não pergunta. Ele aprende ouvindo. É um músico indo e voltando, autodidata, improvisador, é uma coisa dele mesmo.

Além dele, algum outro? [O contrabaixista] Mauro Sérgio, um cara que se destacou nacionalmente, [o violonista] Luiz Jr., Robertinho Chinês e [o guitarrista] Israel Dantas são os caras que eu admiro.