Webster Santos, Luiz Cláudio, Josias Sobrinho e Ceumar, ontem (25), no Teatro Arthur Azevedo – foto: Zema Ribeiro
O primeiro dos dois shows que Ceumar traz à São Luís na circulação com que celebra seus 35 anos de música, realizado ontem (25), no Teatro Arthur Azevedo (o segundo é hoje, 26, às 18h) foi uma demonstração de que a música é uma profissão de fé, capaz de promover uma verdadeira comunhão entre os artistas no palco e a plateia.
Nesta havia de fãs de carteirinha a gente que ouvia Ceumar ou ia ao Arthur Azevedo pela primeira vez – caso da própria artista, que visita São Luís desde 2000, quando realizou por aqui show no saudoso Canto do Tonico, do álbum Dindinha, sua estreia, lançado no ano anterior. Já havia passado pelo Teatro João do Vale, pelo antigo Armazém, pela Ponta do Bonfim, entre outros.
Não à toa ela falou, no bate-papo com os interessados, após a apresentação, sobre os espíritos da arte, aludindo às muitas histórias que comporta um teatro secular como o Arthur Azevedo, merecidamente tido como um templo sagrado das artes. Ladeada por Webster Santos, que se revezou entre violões, bandolim e vocais, ao longo do show, ela lembrou também da importância de políticas públicas de cultura, como a bolsa Pixinguinha de Música, da Funarte, que permite momentos como este, com entrada franca.
Ceumar sobe ao palco descalça, “para se conectar melhor com a terra”, e começa pelas origens, com “Canção de Itanhandu” (Henrique Beltrão) e “Mãe” (Ceumar), para não esquecer e nos lembrar de onde vem. Vai ilustrando o show com memórias de acontecimentos marcantes de sua trajetória, alguns deles aprofundados durante a conversa posterior.
Os 35 anos ela conta não da estreia fonográfica, mas de quando se muda para Belo Horizonte e começa a ralar na noite. É nessa altura que conhece Zeca Baleiro, produtor de seu álbum de estreia, que lhe apresentou Webster Santos, o percussionista Luiz Cláudio (cujo pandeirão com vassourinhas é uma marca da sonoridade de Dindinha) e o cantor e compositor Josias Sobrinho, os convidados dos shows em São Luís.
Vai chamando um a um. Quando Webster entra, ouve-se ao longe o batuque de um bloco carnavalesco. Ele brinca: “eu sou baiano, combinei isso com eles”. O bom humor é uma das marcas da apresentação e da conversa.
Com os três no palco, um momento para celebrar Dindinha, desde à faixa-título, passando às composições de Josias gravadas por ela em sua estreia: o lelê “Rosa Maria”, com direito a dança dela e do autor, e a toada “As ‘perigosa’”, transformada numa balada em sua gravação.
Tal qual sua própria discografia, ao longo do show é difícil falar em ponto alto: Ceumar embevece a plateia sozinha, acompanhada e mesmo quando se projeta até a beira do palco e canta (e se faz acompanhar pelo público: “vocês lembram?”) à capela (e a gente canta junto o “Samba da utopia”, de Jonathan Silva).
Ceumar passeia pelo repertório de seus álbuns sempre ilustrando as canções com histórias. Por exemplo, “Achou!”, que deu título a seu álbum dividido com o violonista e compositor Dante Ozzetti. Ela ganhou a música dele e Luiz Tatit para participar de um festival da TV Cultura em que ficou com o segundo lugar.
Não faltaram “O seu olhar” (Arnaldo Antunes e Paulo Tatit), “Lá” (Péri), “Alguém total” (Dante Ozzetti e Luiz Tatit), “Cantiga” (Zeca Baleiro), “Boi de haxixe” (Zeca Baleiro), “Galope rasante” (Zé Ramalho), “Encantos de sereia” (Osvaldo Borgez) e “Silencia” (Ceumar), entre outras. E ela ainda leu alguns poemas de Ainda (Mórula, 2024), primeiro livro póstumo do poeta Celso Borges (1959-2023). Quando deixou o palco, após cerca de duas horas de show, e anunciou a conversa com o público, este pediu bis. Ela voltou acompanhada dos convidados e caíram no canto e dança em “Engenho de flores” (Josias Sobrinho).
Hoje tem mais. Não sei se é o mesmo show (nunca é!) na íntegra ou se há modificações no repertório e agora me pego em dúvida se o “mais um” gritado pela plateia era a saideira cantada ontem ou o bis de hoje, um show inteiro. “Olha pro céu”, como o Luiz Gonzaga (parceria com José Fernandes) que ela gravou na estreia (mas não cantou ontem), que até São Pedro colaborou ontem e não é por qualquer coisa que se perde show de Ceumar. Ainda mais de graça. Obrigado por mais uma chance! Depois não digam que eu não avisei.
A cantora e compositora Ceumar – foto: Isabelle Novaes/ divulgação
Os caminhos da cantora e compositora Ceumar se cruzam com os de Webster Santos, Luiz Cláudio e Josias Sobrinho desde Dindinha (Atração, 1999), disco de estreia da mineira – o primeiro tocou cavaquinho, violão e bandolim em faixas do álbum; o segundo, percussão; e do terceiro ela gravou “As ‘perigosa’” e “Rosa Maria”.
Produzido pelo maranhense Zeca Baleiro – autor de “Cantiga”, “Boi de haxixe” e “Pecadinhos”, além da faixa-título –, foi seu nome e o de Josias, entre os autores, na contracapa, o que primeiro me chamou a atenção (depois da própria capa, é lógico) naquele álbum.
A história é por demais conhecida e eu mesmo já contei noutras ocasiões: lá pelo começo dos anos 2000, quando ainda existiam lojas de discos, eu saí do trabalho rumo à parada de ônibus e encostei em uma das que havia na Rua de Santana, no Centro de São Luís. Não conhecia Ceumar, mas não titubeei: saí dali com o cd em mãos e ao chegar em casa, botei para ouvir e não parei mais.
Paixão à primeira vista, paixão à primeira audição – reafirmada a cada álbum seu: Sempre Viva (Elo Music, 2003), Achou! (2006, com Dante Ozzetti), Meu Nome (Circus, 2009), Live In Amsterdam (2010), Silencia (Circus, 2014), Viola Perfumosa (Circus, 2018, com Lui Coimbra e Paulo Freire) e Espiral (Circus, 2019).
São Luís será testemunha de seu reencontro com os citados no início deste texto. Ceumar se apresenta hoje (25, às 19h) e amanhã (26, às 18h), no Teatro Arthur Azevedo (Rua do Sol, Centro), com entrada franca. As apresentações integram circulação com que a artista celebra seus 35 anos de música – contados não de sua estreia fonográfica, mas de quando começou a atuar na noite, vinda de sua Itanhandu natal para a capital mineira.
A circulação foi contemplada pelo edital Pixinguinha da Fundação Nacional de Artes (Funarte) e, com ela, Ceumar chega ainda a Belém/PA e Belo Horizonte/MG. Quando do início das celebrações, este repórter conversou com Ceumar para o FAROFAFÁ. Releia a entrevista aqui.
divulgação
Serviço: show “Ceumar – 35 Anos de Música”. Hoje (25), às 19h, e amanhã (26), às 18h, no Teatro Arthur Azevedo (Rua do Sol, Centro). Ingressos gratuitos – devem ser retirados na bilheteria do teatro, a partir de três horas antes do início do espetáculo.
O compositor Josias Sobrinho em show em Teresina/PI, circa 1978. Foto: Assaí/ Acervo pessoal/ Josias Sobrinho
Certa feita brinquei com Josias Sobrinho: seu estúdio deveria se chamar Tramaúba, não Opus. Tramaúba, o nome do povoado que ele nasceu, à época Penalva, hoje Cajari. De Cajari pra capital, de pra lá da Ponta d’Areia para o mundo. Falo de um de nossos maiores compositores, gravado por nomes como Betto Pereira, Cláudio Pinheiro, Ceumar, Chico Maranhão, Diana Pequeno, Flávia Bittencourt, Leci Brandão, Lena Machado, Papete, Rita Benneditto e Xuxa, entre muitos outros.
Conheci Josias Sobrinho antes mesmo de conhecê-lo, embalado por suas toadas que conheço, aprecio e canto desde a infância, com que fui ninado e com que ninei meu filho. Cara de pau que sou, há muito tempo entreguei-lhe em mãos um poema que escrevi, quando ele dava expediente em sua extinta livraria Espaço Aberto, na Rua do Sol. Levou mais de 10 anos, mas ele musicou o poema – que virou uma toada de boi de zabumba. Depois eu colocaria a letra na melodia de um tango seu e até aqui este é o tamanho de nossa parceria musical.
No início do mês, entrevistei-o numa edição do TimbirAlive; quem perdeu (ou quer ver de novo) pode conferir no IGTV da Rádio Timbira AM (@radiotimbira, no instagram). Um bate-papo descontraído, em que ele brindou a audiência e o repórter com duas de suas antológicas criações: Engenho de flores e Bacurau pragueiro. Só então me toquei que nunca o havia entrevistado, não formalmente, não diante de câmera ou com um gravador ligado – apesar dos muitos anos de amizade, parceria, alguns espaços comuns de trabalho e a admiração que nutro desde sempre por este cidadão do mundo que não tira o chapéu pra qualquer vagabundo.
Se uma entrevista formal, digamos, era algo inédito, não faltam ao currículo generosas doses de boa conversa regada a laudas e laudas de cachaça temperada, sobretudo no balcão do Batista, a lendária cachaçaria na Travessa da Lapa, no Desterro, onde é proibido fotografar e, por conta de uma selfie, uma vez fizemos um juramento ao proprietário de nunca mais por os pés ali – quebrado quase imediatamente após a cura da ressaca, potencializada pela mistura decorrente de querermos sempre experimentar ou relembrar vários sabores, o máximo de sabores, numa mesma rodada.
Se as regras de isolamento social têm nos impedido de atualizar o papo pessoalmente e de dar um abraço idem no dia de seu aniversário, vulgo hoje, significa apenas uma coisa: no capitalismo afetivo, tudo o que atrasa também deve ser pago com juros e correção etilírica.
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13 músicas para você conhecer ou admirar ainda mais Josias Sobrinho:
Há 20 anos Ceumar estreava no mercado fonográfico com Dindinha, produzido pelo maranhense Zeca Baleiro. Agora é a vez de a mineira devolver a gentileza, assinando a direção artística e dividindo a produção musical com Manu Saggioro em Clarões [2019, distribuição: Tratore], disco de estreia da paulista.
Delicado como não poderia deixar de ser, com tal encontro, o disco é sensível ao tocar em temas de nossos tempos, como, por exemplo, o uso excessivo de tecnologia, sobretudo o telefone celular, em Um dedo de prosa (Levi Ramiro), cuja letra graceja, séria: “vai de cabeça baixa sem ouvir a ninguém/ sem olhar pros lados, parecendo quem/ tá no mundo da lua”.
Se Ceumar demorou a revelar-se talentosa compositora, Saggioro apresenta logo suas credenciais: sozinha ou em parceria assina seis das 14 faixas de Clarões – a faixa-título leva a assinatura de Tetê Espíndola e Tavinho Limma – inclusive Moda de viagem, parceria dela com Ceumar, que cantam juntas fechando o disco, sua beleza aproximando-a tematicamente de clássicos como A vida do viajante (Luiz Gonzaga/ Hervê Cordovil) e Cantiga do estradar (Elomar), mas por um prisma feminino: “essa é minha natureza/ viajar é minha cura/ andar solta e sem rumo/ liberta do que me anula/ sentindo pulsar nas veias/ a vida fluindo pura”.
As paisagens sonoras de Saggioro evocam a brejeirice mineira de Titane, ao canto pantaneiro de Tetê Espíndola e à música de protesto latino-americana, irmanando-a a nomes como Violeta Parra e Mercedes Sosa. Das primeiras, o disco é completamente permeado; das últimas, bons exemplo são Aguita (Ana Beatriz Pereira Rolando), cantada em espanhol, e Pachamama (Osvaldo Borgez) – “Terra, quem me dera contê-la, guardá-la/ no vaso de minhas mãos/ pudera, cuidava, zelava/ num bonsai, mas cabe não”, lamentam alguns versos urgentes.
Soma de tudo isso, Saggioro tem personalidade e é ótima instrumentista – toca os violões do disco, a cuja ficha técnica comparecem nomes como Adriana Holtz (violoncelo), Antonio Loureiro (bateria), Lelena Anhaia (contrabaixo), Webster Santos (violão, dobro, bandolim, banjo, cuatro venezuelano) e Ari Colares (percussão).
Saggioro presta também reverências a companheiras de ofício, registrando composições de mulheres que merecem ser mais gravadas, ouvidas e conhecidas, casos particularmente de Tata Fernandes (Graça) e Déa Trancoso (Só restarão as estrelas), ambas de talento indiscutível.
Disco de alma feminina mais que pela delicadeza, pelo conteúdo político que cerze seu tecido poético: “mais um morador de rua/ de um condomínio fechado/ quem compra contos de fada/ acaba em cantos de fado”, dispara em Cantos de fado (Levi Ramiro/ Carlinhos Campos), preci/o/sa em tempos de pós-verdade. Afinal de contas, “cadeia de pensamento/ serve pra libertar”, como canta em Graça.
“Café quentinho em cima do fogão/ chuva miúda caindo peneirando,/ peneirando molhando o chão// Ai, como é gostoso a gente escutá/ a chuva caindo e o café quentinho com bolinho de fubá”. A letra de Bolinho de fubá (Edvina de Andrade) dá a pista do que é Viola Perfumosa [Circus Produções, 2018, R$ 30], nome do disco e do trio formado por Ceumar (voz, violão e tambor), Lui Coimbra (voz, violoncelo, violão, rabeca e charango) e Paulo Freire (voz e viola caipira) para homenagear Ignez Magdalena Aranha de Lima (1925-2015), a Inezita Barroso.
Mais que uma homenagem a Inezita Barroso, o disco é um tributo ao Brasil profundo, à diversidade musical brasileira – engana-se quem pensa se tratar de um disco de música sertaneja ou música caipira, pura e simplesmente: é uma viagem pela diversidade rítmica do país, entre toada, moda, guarânia, calango, coco e causos deliciosamente contados por Paulo Freire. Ao longo das 11 faixas não se repete o nome de qualquer compositor, dando ideia do amplo leque da cantora, violeira, atriz, folclorista e apresentadora de televisão.
Viola perfumosa é também um passeio por uma espécie de árvore genealógica da música popular brasileira, das raízes de Inezita Barroso aos galhos e folhas de seus descendentes artísticos, uma viagem pela obra de nomes que a reverenciaram ao longo dos tempos: Vicente Celestino, Luiz Gonzaga, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Diana Pequeno, Gal Costa e Tavinho Moura, entre muitos outros.
A seleção de repertório tem um quê de afetivo: com relevantes serviços prestados à música brasileira, Ceumar, Lui Coimbra e Paulo Freire não têm a pretensão de esgotar o vasto repertório de Inezita, tampouco de apresentar algo como uma coletânea de maiores sucessos. Estão lá, entre outras, Luar do sertão (Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco), Índia (Manuel Ortiz Guerreiro e José Assunción Flores, versão de José Fortuna), Coco do Mané (Luiz Vieira) e as hilariantes Moda da pinga (Ochelsis Laureano) e Horóscopo (Alvarenga, Ranchinho e Capitão Furtado).
Arranjos delicados valorizam as letras, com o núcleo formado pelos instrumentos do próprio trio, com adesões de Pedro Aune (contrabaixo em Luar do sertão e Índia), Marcos Suzano (pandeiro em Moda da pinga, Oi calango ê e Coco do Mané e percussão em Bolinho de fubá).
Menina Ignêz (Renata Grecco) é declamada por Paulo Freire sobre a melodia de Chitãozinho e Xororó (Athos Campos e Serrinha): um comovente retrato da artista ousada que desafiou a família e o machismo vigente para se tornar uma das principais tradutoras de um Brasil que o Brasil teima em não conhecer, missão que, de algum modo, o trio Viola Perfumosa toma para si.
SÃO PAULO – O Palacete Teresa [Rua Quintino Bocaiúva, 22, Sé, São Paulo/SP] abriga a Casa de Francisca, bar que rapidamente se tornou literalmente um templo da boa música. O respeito pela prática é tanto que o serviço de bar e cozinha é suspenso durante as apresentações musicais.
Resultado: conferi a seco o bom show da cantora e sanfoneira Lívia Mattos, com participação especial de Ceumar, que a casa recebeu no último sábado (24) – também é proibido fotografar e, do mezanino, tive que me tornar um contraventor para garantir a foto que ilustra este post, ossos do ofício.
A artista subiu ao palco em uma roupa que lembra o figurino da capa de Vinha da ida, título de seu primeiro disco solo, lançado no fim do ano passado pelo programa Natura Musical – na capa do disco, a sanfona, seu instrumento, é a extensão do corpo de Lívia Mattos, artista de origem circense, como comenta ao longo da apresentação.
Ela é acompanhada de Maurício Paes (guitarra baiana e violão tenor), Rafael dos Santos (bateria) e Jefferson Babu (tuba), formação inusitada cuja soma de talentos converte o palco em picadeiro, para deleite da plateia.
Logo no começo, após um tema instrumental para aquecer banda e público, bota este para fazer o coro “uh, uh!” do refrão de Vou lá (parceria dela com o acordeonista franco-português Loïc Cordeone). Lívia vem da Bahia, onde bebeu nas fontes do circo, da antropofagia, do Tropicalismo e do universo de Glauber Rocha, como ela mesmo revela.
Melodia-a-dia (Lívia Mattos) ela oferece a “todos os circenses”. A música é um tango (circense, frise-se) que versa sobre os ofícios do circo, com o charme da tuba lembrando bandas em coretos de praças de cidades do interior.
Dessa herança circense é que provavelmente vem a força cênica de Lívia Mattos. Sua música é versátil, no tema e na melodia. “Deixa passar o que tiver de passado/ deixa ficar o que restou de sagrado”, diz a letra do xote Deixa passar (Lívia Mattos). Antes de cantar Sabia pouco do sal, gravada com a participação do pianista pernambucano Zé Manoel, contou a história da composição: “a música é a cara dele, eu acho que eu só fiz o download antes. Eu achava que só tinha feito uma parte da música, mandei para parceria, ele disse que tava pronta. Aí eu o convidei pra gravar comigo”.
Sob o céu, sobre o chão (Lívia Mattos) fecha com incidental de Alguém me avisou (Dona Ivone Lara).
Ao chamar Ceumar ao palco, sua convidada especial da noite, lembrou o show que fizeram juntas em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, com repertório inteiramente dedicado a compositoras. Ao violão, Ceumar cantou Avesso (Alice Ruiz/ Ceumar), com Lívia Mattos na sanfona, dividindo os vocais. A banda volta a ser ouvida na segunda parte da música.
A anfitriã revela que o bolero Olhos de Teresa (Lívia Mattos) são uma homenagem à sua vó. “Na identidade o nome dela é Teresinha, mas meu avô a chamava de Teresa”, contou, lembrando algumas histórias de um funcionário do cartório local que “acabou com o mapa astral de muita gente”, para gargalhadas da plateia.
“Minha avó era um ano mais velha que meu avô, então na hora do casamento ele alterou a data de nascimento, por que era feio a mulher ser mais velha do que o homem. Um irmão meu nasceu no mesmo dia de outro, anos depois; ele pensou: aniversário no mesmo dia, vai dar confusão, vamos botar que ele nasceu uns dias depois”, contou, sorrindo e fazendo sorrir.
Xote inédito de Ceumar, composto em Petrolina/PE, Você e eu deu prosseguimento ao show, com ela e Lívia Mattos descendo do palco para cantarem dançando mais próximo ao público, ocasião em que a mineira brincou com a longa cauda do vestido da baiana. O público cantou junto o refrão: “ao som do coco, do reisado e do maracatu, maracatu, maracatu/ eu fui dançando e nessa dança eu só pensava em tu, pensava em tu, pensava em tu”.
Finda a participação de Ceumar, Lívia cantou Amarear (Lívia Mattos), faixa que fecha Vinha na ida, ali gravada com a adesão de Chico César – o paraibano, cuja banda a anfitriã integra, estava na plateia, prestigiando o show.
Não presente ao disco, ela cantou ainda Floricanto, da canadense Lhasa de Sela (1972-2008). Em Mais eu (Lívia Mattos/ Jurandir Santana), um provocante diálogo de sanfona e tuba, antes do retorno de Ceumar ao palco após os tradicionais pedidos de “mais um”. Encerrando o show, cantaram juntas O que eu quero levar (Lívia Mattos/ Loïc Cordeone) – cujos versos “viver é dívida/ promessa é dúvida/ o amor é dádiva” bem servem de sinopse do show e da própria dedicação da artista (bacharel em Ciências Sociais) à música – e Vou lá, com a plateia novamente fazendo coro.
A cantora Ceumar durante sua apresentação ontem (4) na Ponta do Bonfim. Foto: Fafá Lago
A programação atrasou bastante e o por do sol que dá nome ao projeto acabou se transformando em luau. O público não arredou pé e acompanhou com atenção as três atrações que precederam Ceumar.
Eu nunca tinha visto/ouvido Vanessa Serra discotecar: em território predominantemente masculino ela desponta já como um nome importante, com repertório sensível ao ambiente (isto é, o que ela toca dialoga com o universo ao redor do evento), que demonstra profundo conhecimento de música brasileira – resultado de seus anos de jornalismo cultural e colecionadora de vinis, entre os quais esbanjou Papete, Zé Keti, Paulo Diniz, Raimundo Sodré, Roberto Carlos, Nara Leão, Betto Pereira…
Mano Borges (voz e violão), acompanhado de Darklilson (percussão), fez um show no estilo “som do barzinho”, passeando por um repertório de clássicos da MPB, entre Chico Buarque (A Rita), Peninha (Sonhos), Cesar Teixeira (Oração latina, num andamento muito festivo, destituindo o “hino” de sua solenidade), Zeca Baleiro (Mamãe Oxum, tema de domínio público adaptado pelo maranhense, cuja letra errou) e Caetano Veloso (A luz de Tieta). O projeto Ponta do Bonfim tem um público cativo: ele poderia ter apostado em uma coletânea de sua própria obra, embora não tenham faltado Bangladesh (Marco Cruz), que intitula seu melhor disco, Ça va (Mano Borges), Amagni (Koko Dembele, versão de Mano Borges) e, a pedido, Os nós (Mano Borges).
Fernando de Carvalho, acompanhado por Darklilson (que havia ido para acompanhá-lo e acabou tocando com Mano Borges de improviso) e Luiz Jr. (violão sete cordas), fez um apanhado de seus quase 20 anos de carreira, entre músicas de seus discos e constantes no repertório de shows temáticos que faz, como Saudosa maloca (Adoniran Barbosa), Lenda das sereias, rainha do mar (Vicente Mattos/ Dinoel/ Arlindo Velloso), Fiz a cama na varanda (Dilu Mello), O que vier eu traço (Alvaiade/ Zé Maria) – samba de que ele cantou apenas a primeira parte – e, entre outras, Cry me a river (Arthur Hamilton) – que gravou em disco com a participação de Alcione. Abriu o show com Canto de luz (Zé Pereira Godão), com a participação especial de Regina Oliveira (Grupo Lamparina), tocando caixa do divino.
Atração mais aguardada da sétima edição do projeto Ponta do Bonfim – Música, amizade e por do sol, Ceumar subiu ao palco às 21h20, divertindo-se com o vento e agradecendo a oportunidade de estar mais uma vez no Maranhão. “Sempre fui muito bem recebida aqui, desde a primeira vez que vim, em 2001, quando cantei no Canto do Tonico. O Maranhão me deu muita coisa, quando eu comecei a carreira, muita gente perguntava se eu era daqui”, apresentou-se para emendar Oração do anjo (Ceumar/ Mathilda Kóvak) e O seu olhar (Arnaldo Antunes/ Paulo Tatit). Depois lembrou Reinvento, parceria com Estrela Ruiz Leminski, “filha dos poetas Paulo Leminski e Alice Ruiz”. Na sequência, foi de Encantos de sereia (Osvaldo Borgez), do repertório de Silencia (2014), seu disco mais recente.
Depois de Cantiga (Zeca Baleiro), Ceumar lembrou-se de seu encontro com Josias Sobrinho, em meados da década de 1990, na casa de Zeca Baleiro, em São Paulo. “Eu pensei que era meu irmão do Maranhão, a gente tinha os mesmos cabelos, os mesmos olhos”, contou, rindo. “E eu gostei muito de um boizinho que ele fez para a filha dele, Luiza, e eu gravei no meu primeiro disco, como uma canção”, contou, anunciando As ‘perigosa’. Voltou a Zeca Baleiro em Boi de haxixe, seguida de Avesso (Ceumar/ Alice Ruiz).
“Quase todas as vezes em que venho a São Luís eu tenho a honra de poder contar com o auxílio luxuoso de um amigo que levou muito Maranhão pra meu primeiro disco, sonoridades incríveis, até hoje eu encontro músicos que me perguntam que som é aquele, referindo-se ao pandeirão com vassourinha, que Luiz Cláudio inventou”, contou, chamando ao palco o paraense radicado no Maranhão.
Revezando-se entre o pandeiro e o pandeirão, Luiz Cláudio acompanhou-a em Maldito costume (Sinhô), em que se reveza categoricamente entre as platinelas e o couro do pandeiro, Dindinha (Zeca Baleiro), Galope rasante (Zé Ramalho), em que ele imprime o andamento percussivo de uma tribo de índio maranhense. Em Gírias do Norte (Jacinto Silva/ Onildo Almeida) Ceumar trocou o violão pelo pandeiro e Luiz Claudio percutiu o pandeirão com baquetas, evocando uma zabumba. No mesmo esquema, Xodó de motorista (Dilson Dória/ Elino Julião), música que não está em nenhum de seus discos. De volta ao violão e ainda com Luiz Cláudio no palco voltou a Josias Sobrinho, em Rosa Maria, quando um grupo de mulheres da plateia espontaneamente fez um trenzinho circular o salão evocando o cacuriá e levando Ceumar a emendá-la a Maçariquinho (Pedro Caetano/ Clemente Muniz).
Novamente sozinha, demonstrou em Rãzinha blues (Lony Rosa) todo o poder de sua voz, espécie de autenticação do encanto de todos os ali presentes. Após as síncopes de seu violão em Achou! (Dante Ozzetti/ Luiz Tatit), uma demonstração de humildade de Ceumar. “Há alguns anos, quando eu estive aqui, eu tive a oportunidade de conhecer uma cantora e, de longe, acompanho sua trajetória, com atenção”, revelou, antes de chamar ao palco Tássia Campos, de surpresa, sem ensaio. Juntas cantaram Lá (Péri).
Ceumar cumpriu à risca o que anunciou ao subir ao palco: não havia roteiro, era seguir o coração. Todos os corações presentes estavam devidamente tocados enquanto ela procurava mais repertório. Mandou ainda Pecadinhos (Zeca Baleiro) e depois trocou o violão por um par de conchas, que percutiu ao longo de Onde qué (Sérgio Pererê), usando os saltos dos sapatos no tablado também como instrumentos. A plateia cantava em peso e ela desceu e circulou em meio a ela, esbanjando simpatia.
O povo queria mais e ela não se fez de rogada: voltou ao palco para encerrar com outra música que não figura em seus discos. Luiz Cláudio também voltou a acompanhá-la, fazendo o bis antes dos tradicionais pedidos de “mais um”. Já passava pouco das 23h quando encerraram o espetáculo com Engenho de flores (Josias Sobrinho).
A plateia estava em êxtase. Superadas todas as expectativas, quem há de dizer que Ceumar não é (também) daqui?
Projeto terá ainda apresentações da DJ Vanessa Serra e dos cantores Fernando de Carvalho e Mano Borges. A cantora mineira conversou com exclusividade com o blogue
Foto: divulgação
“É sempre uma alegria voltar pro Maranhão”, revela Ceumar em conversa exclusiva com Homem de vícios antigos. A cantora mineira se apresenta novamente em São Luís neste sábado (4), no projeto Ponta do Bonfim – Amizade, Música e Por do Sol, iniciativa de um grupo de amigos que se reúne e viabiliza a vinda de artistas que lhes interessam, em clima de confraria, que já chega a sua sexta edição. O evento acontece em uma casa na localidade que dá nome ao evento, os ingressos são limitados e o fundo de palco são o mar e a cidade de São Luís vista do outro lado. Pelo palco do projeto já passaram nomes como Cida Moreira, Danilo Caymmi, Paulinho Pedra Azul e Renato Braz, entre muitos outros.
“Lembro muito bem da primeira vez que eu fui [ao Maranhão]. Fui muito bem recebida, um carinho tão grande de todo mundo, com certeza por causa de Zeca [Baleiro, cantor e compositor que produziu Dindinha, álbum de estreia dela, de 2000], de Josias [Sobrinho, compositor de quem gravou As ‘perigosa’ e Rosa Maria em Dindinha], de Rita [Benneditto, cantora], que foi minha parceira de apartamento em São Paulo. Eu tinha uma curiosidade muito grande em conhecer a energia aí do Maranhão. E vocês todos, Gilberto [Mineiro, radialista, já produziu shows de Ceumar em São Luís], você, sempre gente muito querida, com paixão mesmo, fazendo tudo com paixão. A experiência o ano passado foi incrível, no festival de jazz [Ceumar se apresentou no 3º. São José de Ribamar Jazz e Blues Festival], achei muito massa participar com meu sobrinho [o contrabaixista Daniel Coelho], e este ano eu percebi mesmo o empenho dessas pessoas para que eu pudesse ir participar desse projeto”, relembra Ceumar.
Pergunto-lhe se iniciativas como a deste grupo de amigos podem ser uma alternativa, num momento de sucessivos golpes à cultura brasileira. “Acredito que é um caminho muito possível e necessário nesse momento em que os projetos estão cada vez mais escassos, que as pessoas que gostam de música, são apaixonadas e que possam contribuir, como mecenato, acho muito válido, é uma saída bastante importante para nós nesse momento”.
Em uma tarde que terá ainda apresentações da DJ Vanessa Serra – que começa a tocar seus vinis às 14h30 – e dos cantores Fernando de Carvalho e Mano Borges, Ceumar subirá ao palco da Ponta do Bonfim com seu violão, para um show intimista. Ela adianta: “Já vou soprar que vou ter um convidado especial, meu amigo Luiz Cláudio [percussionista] se prontificou a ir lá tocar algumas coisas comigo. Ele é muito importante pra minha história, trouxe muitas sonoridades incríveis pro Dindinha, o primeiro disco, Luiz Claudio chegou cheio de Maranhão na linguagem e foi muito rico, assim. Luiz vai dar uma canja. Eu quero mostrar um repertório variado, não vou fazer o show do cd novo, o Silencia [de 2014], vou passear um pouquinho pelos outros álbuns”.
Insisto no momento conturbado que o país atravessa. Ela responde com a elegância habitual. “Eu voltei da Holanda já faz quase dois anos, muito por que eu me sinto mais útil aqui no meu país, principalmente agora, num momento tão caótico. O que minha música traz, o que eu tento trazer através dela é o lugar da emoção, do contato direto com as emoções mais profundas de cada ser. Não sei se eu consigo fazer da melhor maneira, mas é o meu intuito, que as pessoas despertem para o que elas têm de melhor e através desse bem maior, assim, a gente possa, cada um possa fazer o seu papel. Acho que é essa a minha função dentro da minha música, dentro do meu país, trazer um pouco de humanidade e de alento também, para que a gente tenha força para lutar quando for necessário, se juntar e lutar pelo que a gente merece, como povo, como país, com essa riqueza toda. Eu sei que não é fácil, sou apenas uma mera cantadeira, mas acredito que o afeto ele segura muita coisa e não quero que pareça pretensioso, mas o povo brasileiro é muito afetivo, a gente não pode perder essa força que a gente tem no abraço, no sorriso, para que a gente tenha um futuro mais organizado pros nossos filhos, pras nossas famílias e essas crianças que vão vir por aí”.
Pergunta sempre inevitável: e o disco novo? “Ano que vem tem disco novo, já estou começando os trabalhos, escolha de repertório, composições novas, uma nova sonoridade também que eu estou buscando, o processo natural. Eu sou uma mineira bem [risos] caipira, faço tudo no meu tempo e assim vou indo. Mas tem um projeto para 2018 e vamos lá!”.
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Ouça Ceumar em Rosa Maria (Josias Sobrinho), com a participação especial de Itamar Assumpção fazendo a “voz de preto velho” na introdução:
A primeira vez que ouvi Ceumar foi completamente por acaso: flanava pela Rua de Santana (Centro), quando entrei numa loja de discos hoje extinta e me deparei com Dindinha [1999], cuja capa, desenhada pelo artista pernambucano Romero de Andrade Lima, dava vida à protagonista da canção de Zeca Baleiro, que produziu seu disco de estreia, inspirada na morna Sodade (Armando Zeferino Soares), sucesso do repertório de Césaria Évora, a musa de pés descalços cabo-verdiana.
Até então eu nunca tinha ouvido falar em Ceumar ou em seu disco. Quando virei o cd, deparei-me, na contracapa, com os nomes de Zeca Baleiro, Josias Sobrinho, Itamar Assumpção, Sinhô, Luiz Gonzaga, Chico César, Jacinto Silva e outros. Era a senha: levei sem pestanejar.
Foi paixão à primeira audição, o que aconteceu com muita gente e continua acontecendo até hoje: há quem descubra Ceumar e quem se apaixone ainda mais a cada disco novo. Ela não precisou de mais que Dindinha para mostrar a que veio: cantora, compositora (faceta que só revelaria em outros discos, depois), instrumentista, firmou seu nome entre os grandes da MPB em qualquer tempo.
A Dindinha seguiram-se Sempre viva! [2003], Achou [2006], dividido com o violonista Dante Ozzetti , Meu nome [2009], Live in Amsterdam [2010] e Silencia [2014].
Lançada por pequenos selos, a artista sempre fez o que quis, da seleção de repertório à arregimentação e arranjos. Uma artista livre. Mineira de Itanhandu, ganhou o mundo. Após uma temporada em Amsterdam, na Holanda, está de volta ao Brasil. Lá, chegou a gravar um álbum ao vivo, acompanhada do Mike Del Ferro Trio.
Após um hiato, ela reencontra-se com o público maranhense: na Praça da Basílica de São José de Ribamar, dia 4 de novembro (sexta-feira), ela se apresenta na noite de abertura do 3º. São José de Ribamar Jazz e Blues Festival, evento inteiramente gratuito, produzido por Tutuca Viana, com patrocínio da Vivo, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão. No repertório, músicas de diferentes fases de sua carreira, inclusive Silencia, o mais recente de sua discografia. Por e-mail ela conversou com Homem de vícios antigos.
Retrato: Ben Mendes
Há alguns anos você mudou de endereço, trocando o Brasil pela Holanda. Quais as principais vantagens e desvantagens da mudança? Passei quase seis anos em Amsterdam, fiz muitos projetos bacanas e criei um pequeno público por lá. A vantagem de morar na cidade das bicicletas e canais foi mesmo a liberdade e facilidade de ir e vir. Mas sentia saudade de coisas simples, andar de chinelo (a maior parte do ano é frio) e comer uns quitutes mineiros. Em termos profissionais também há uma diferença grande, pois no Brasil já tenho um público cativo e que me acompanha há muito tempo. Voltei este ano para Minas e acredito que toda experiência lá fora me enriqueceu muito como pessoa e artista.
Você está na programação do 3º. São José de Ribamar Jazz e Blues Festival. Quem são os músicos que te acompanham e o que o público da Ilha pode esperar em termos de repertório? O duo é formado por baixo acústico, meu sobrinho Daniel Coelho, que gravou o último álbum e tem feito muitos shows comigo, e Adriana Holtz no violoncelo, uma grande cellista que toca na Osesp [a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo] e nos acompanha em vários shows. Vamos tocar músicas do mais recente álbum, Silencia, e outras da carreira.
Através de nomes como Zeca Baleiro, que produziu teu primeiro disco, batizado por música dele, e Josias Sobrinho, de quem no primeiro disco você gravou duas músicas [Rosa Maria e As “perigosa”], o Maranhão sempre esteve presente em teu trabalho. Quais as expectativas e sensações a cada retorno por aqui? Tenho muito afeto pelo público maranhense, desde as primeiras vezes em que estive aí. Trabalhei também com o grande percussionista Luiz Claudio Farias, que trouxe vários ritmos lindos para o som. Até hoje Dindinha é a canção que me arrebata. E as músicas de Josias são pérolas que pude conhecer através do Zeca. Tenho certeza de que será emocionante nossa participação no festival!
Já há planos de disco novo? O que você pode adiantar em relação ao assunto? Estou compondo devagar, logo devo colocar mais foco nisto.
Desde o pioneiro Free Jazz no Brasil até festivais de jazz internacionalmente reconhecidos sempre aceitaram um pouco de tudo, em misturas bastante frutíferas. Na Holanda você chegou a gravar disco com o Mike del Ferro Trio, o que em tese credenciaria você ainda mais a este tipo de evento. Mas sua trajetória já uma prova de que vai mais longe quem não tem preconceitos nem se importa com rótulos. Qual o lugar de Ceumar? Eu adoro o jazz e o blues. Fico muito feliz em poder transitar por estes estilos sem perder o meu próprio.
Ouça Engasga gato (Kiko Dinucci), com Ceumar:
Programação da noite de abertura do 3º. São José de Ribamar Jazz e Blues Festival:
Sexta-feira (4):
20h15: Marcos Lussaray e Quarteto
21h15: Ceumar
22h30: Jefferson Gonçalves e Kléber Dias
Quarta edição de RicoChoro ComVida terá Vinil Social Club, Regional Tira-Teima, Josias Sobrinho e a participação especial de Maria Vitória
O Regional Chorando Callado e a cantora Anna Cláudia, mais o Regional Tira-Teima e a cantora Luciana Simões realizaram duas edições extras de RicoChoro ComVida, na programação cultural da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia no Maranhão. O projeto chega à sua quarta edição ordinária neste sábado (31), a partir das 18h, no Restaurante Barulhinho Bom (Rua da Palma, 217, Praia Grande).
As atrações da vez são o DJ Marco Antonio Brito, que quando risca agulhas assume a identidade de Vinil Social Club, o Regional Tira-Teima, mais antigo grupamento de choro em atividade no Maranhão, e Josias Sobrinho, um dos mais respeitados compositores do Brasil, já gravado por nomes como Ceumar, Diana Pequeno, Leci Brandão e Papete, entre muitos outros. A noite terá ainda a participação especial de Maria Vitória, talento-mirim recém-revelado pelas mãos da mãe produtora Ópera Night.
Os ingressos para a quarta edição de RicoChoro ComVida podem ser adquiridos no local. Reserva de mesas pode ser feita pelo telefone (98) 988265617.
O DJ Marco Antonio Brito, vulgo Vinil Social Club. Acervo pessoal
Marco Antonio Brito explica por que o nome artístico de Vinil Social Club: “remete ao trabalho que desenvolvo nessa área, que é dar ênfase ao vinil, resgaste e preservação da música e acima de tudo na ritualização de se escutar música. O vinil é o único molde de propagação de música gravada que você pode ver claramente de maneira material a música sendo reproduzida. O ritual de pegar um disco, retirar da capa, por para tocar e ver a rotação hipnotizante do disco rolando na vitrola faz com que nos concentremos em escutar a música e possibilita um grau maior de sentir e entender a música”, explica.
“Nessa apresentação, selecionaremos do nosso acervo de LPs e compactos muito choro, que pelo nome do projeto [RicoChoro ComVida] e no que ele se predispõe fazer não poderia ser diferente, e também tudo que essa música belíssima influenciou na musica brasileira. Teremos muito samba, bossa, jazz samba, samba jazz, samba rock, música regional, todo esse universo eclético que forma a música e alma brasileiras”, antecipa o repertório, ele que se apresenta todas as terças-feiras no Bar Chico Discos.
O Regional Tira-Teima durante apresentação na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia do Maranhão. Foto: Rivanio Almeida Santos
Formado por Paulo Trabulsi (cavaquinho solo), Luiz Jr. (violão sete cordas), Zeca do Cavaco (cavaquinho centro), Zé Carlos (percussão), Serra de Almeida (flauta) e Henrique (percussão), o Regional Tira-Teima está na ativa desde o final da década de 1970. A formação original contou, entre outros, com nomes como o multi-instrumentista Ubiratan Sousa – de um choro de sua autoria o grupo herdou o nome – Adelino Valente (bandolim), Antonio Vieira (percussão), Sérgio Habibe (flauta), Cesar Teixeira (cavaquinho), Chico Saldanha (violão) e Arlindo Carvalho (percussão). O único remanescente da formação original é Paulo Trabulsi, que com 17 anos participou da gravação do antológico Lances de Agora [1978], de Chico Maranhão, realizada por Marcus Pereira para sua gravadora, na sacristia da secular Igreja do Desterro.
O grupo está às vésperas de lançar seu primeiro disco, cujo repertório mescla peças autorais a um trabalho de pesquisa de choros de autores maranhenses antigos, nos moldes do inaugural Choros maranhenses [2005], do Instrumental Pixinguinha, primeiro registro fonográfico inteiramente dedicado ao choro no Maranhão.
O produtor Ricarte Almeida Santos entusiasma-se com a notícia: “já é mais que hora de ouvirmos um registro gravado do Tira-Teima. Pela importância de seus membros, pela longevidade do grupo e por tentativas anteriores que infelizmente foram abandonadas”, afirma. Algumas peças do disco, já anunciadas em entrevistas de seus membros à série Chorografia do Maranhão, poderão ser ouvidas durante a apresentação. Entre elas Dom Chiquinho, Choro nobre e Choro embolado, de Serra de Almeida, Gente do choro e Meiguice, de Paulo Trabulsi.
O compositor Josias Sobrinho. Foto: Fafá Lago
O Regional Tira-Teima receberá o compositor Josias Sobrinho, que se tornou nacionalmente conhecido ao ter quatro composições incluídas por Papete em Bandeira de Aço [Discos Marcus Pereira, 1978], um divisor de águas para a música popular produzida no Maranhão. O cantor e percussionista gravou De Cajari pra capital, Engenho de Flores, Dente de ouro e Catirina, até hoje entre as mais conhecidas da lavra de Josias Sobrinho.
Era o começo. Depois ele gravaria seus próprios discos, sendo Dente de ouro [2005] o mais recente, e seria gravado e regravado por diversos intérpretes, no Maranhão e em outros estados. Casos de Engenho de flores (regravada por Diana Pequeno), Rosa Maria (Ceumar, Leci Brandão e Cláudio Pinheiro), Porco espinho (Fátima Passarinho), Terra de Noel (Flávia Bittencourt), Quadrilha (parceria com Sérgio Habibe, Godão, Ronald Pinheiro e Chico Maranhão, gravada por este último e por Papete), O biltre (Rita Ribeiro, hoje Benneditto), As perigosa (Ceumar) e Dente de ouro (Cláudio Lima), entre muitas outras.
O compositor Josias Sobrinho na época do Rabo de Vaca. Acervo pessoal
Parte desse repertório autoral será apresentado por Josias. “Vou tocar um choro que fiz na época do Rabo de Vaca [grupo dos anos 1970, então integrado por Josias]. Nosso grupo começou tocando chorinho, mas faço também um choro cantado, além de sambas meus e de outros compositores”, adianta.
Ele diz ver com bons “olhos e ouvidos” a iniciativa do RicoChoro ComVida e comenta também o significado de ser o convidado da vez. “Somente uma música com tão ricas tradições pode proporcionar a gerações continuadas possibilidades desta envergadura. Parabéns a todos que têm algo a ver com a realização do projeto. É a história se impondo à incongruência dos fatos. Afinal, o Choro tem vida! Pra mim é muito gratificante participar desse grande momento cultural. Ter minha música inserida no contexto do choro é elogioso e distinto. Sou muito grato pelo convite, afinal de contas esta é uma iniciativa que retoma histórias tantas, representadas nas figuras destacadas de Ricarte, Tira-Teima, Luiz Jr., o Clube do Choro, Chico Canhoto, Célia Maria, Léo Capiba, João Neto [seu sobrinho] e tantos outros”, destaca Josias.
A pequena Maria Vitória em seu show de estreia. Acervo pessoal
A pequena Maria Vitória cresceu entre boas influências musicais: é filha do cantor e compositor Santacruz e da produtora Ópera Night, em cujo currículo constam vários nomes importantes da música brasileira trazidos por ela à ilha. Recentemente a mãe resolveu produzir a própria filha, em um show com participações especiais de outras crianças sintonizadas com o que de melhor se produz em termos musicais no Brasil e no Maranhão.
Na participação especial que fará no show de “tio Josias”, como ela carinhosamente chama o artista, ele também uma de suas referências musicais, Maria Vitória fará uma homenagem ao saudoso e eterno João Rubinato, o ítalo-paulista cuja música tornou-se sinônimo da maior cidade do país: Adoniran Barbosa.
Produção de RicoMar Produções Artísticas, RicoChoro ComVida tem patrocínio da Fundação Municipal de Cultura (Func), Gabinete do Deputado Bira do Pindaré, TVN e Galeteria Ilha Super, e apoio do Restaurante Barulhinho Bom, Calado e Corrêa Advogados Associados, Sonora Studio, Clube do Choro do Maranhão, Gráfica Dunas, Sociedade Artística e Cultural Beto Bittencourt e Musika S.A. Produções Artísticas.
Divulgação
Serviço
O quê: RicoChoro ComVida – 4ª. edição Quem: Vinil Social Club, Regional Tira-Teima, Josias Sobrinho e participação especial de Maria Vitória Onde: Restaurante Barulhinho Bom (Rua da Palma, 217, Praia Grande) Quando: 31 de outubro (sábado), às 18h Quanto: R$ 30,00. Reserva de mesas pelo telefone (98) 988265617
O paraense Luiz Cláudio Monteiro Farias participou de alguns processos revolucionários da música produzida no Maranhão. Nascido em 17 de março de 1964, o músico aportou na Ilha no início da década de 1980 para trabalhar como intérprete em um hotel e nunca mais voltou à terra natal – a não ser a passeio e, recentemente, para gravar o disco do trio Loopcínico, que mistura os tambores do Maranhão a bases eletrônicas.
Filho de Cláudio da Silva Farias e Maria de Nazaré Monteiro Farias, é casado com Susana Almeida Fernandes, que o acompanhou à entrevista que concedeu à série Chorografia do Maranhão na Quitanda Rede Mandioca. Eles têm três filhos: Luiz Cláudio Filho, Leonardo e Luana.
Em paralelo ao ofício musical, Luiz Cláudio hoje continua trabalhando como tradutor e intérprete – a camisa que usava quando conversamos trazia a expressão “drums”, que pode ser traduzida como “tambores”. Ele carregava um derbak, instrumento egípcio e lembrou do arrebatamento que foi ver e ouvir o Tambor de Crioula de Mestre Leonardo pela primeira vez, numa longínqua manhã de domingo de carnaval.
Um dos mais requisitados percussionistas destas plagas, Luiz Cláudio já tocou e gravou com inúmeros artistas e não esconde serem os ritmos da cultura popular do Maranhão sua principal escola – mesmo quando o assunto é tocar choro, o que foi fundamental para o meteórico Choro Pungado, outra formação importante que integrou.
Foto: Rivanio Almeida Santos
Quais as primeiras memórias musicais de tua infância? O que te tocou pela primeira vez? Foram as big bands americanas. Meu pai havia herdado do meu avô vários LPs. Meu avô trabalhava na Icome, uma empresa em Macapá, durante a segunda guerra mundial, ele trabalhava com código morse, numa base lá. Nessa interação com os aliados, era um ponto de abastecimento dos aviões americanos. Esses americanos começaram a trazer pra ele muitos LPs, aquela época de Glenn Miller [trombonista americano], Tommy Dorsey [trombonista e trompetista americano], isso foi herdado por meu pai, ele tocava isso na radiola em casa, a gente criança, e ele ficava dançando com a minha mãe o tempo todo, ouvindo aquilo. E a gente ouvindo aquela música boa. Claro, além daquilo a gente ouvia muita música brasileira, ele gosta muito de música brasileira. Dolores Duran, Maysa, Lupicínio Rodrigues, aí vai, Pixinguinha…
Com que idade você veio ao Maranhão? E o que te trouxe? Com 17 anos de idade. Eu vim trabalhar aqui como intérprete.
Já nessa idade? Já, já era formado em inglês, eu comecei muito cedo. Eu fui convidado pra ser o intérprete aqui, acho que o primeiro intérprete, na época era o [hotel] Quatro Rodas, hoje é o Pestana, passou por várias gestões. Um tio meu passou em casa, foi uma coisa do acaso. É o destino. Esse tio passou em casa numa noite, “olha, teu filho fala inglês, eu tou com um gerente amigo meu lá, indo morar em São Luís para ser gerente de um hotel, e precisa de um intérprete, que ele não fala português, tem que ter uma pessoa para treinar e cuidar da recepção. Teu filho não quer ir?”. Eu estava sentado na porta de casa, sem pretensão nenhuma, sem saber o que tinha no Maranhão, o que estava me esperando musicalmente, isso é uma coisa interessante, em um dia eu dei a resposta, em três dias eu estava morando aqui e nunca mais voltei.
Quando você chegou ao Maranhão, já tinha algum envolvimento com música ou isso apareceu aqui? Semiprofissionalmente, vamos dizer, aqui. Em Belém eu saía nas escolas de samba tocando tamborim, ainda naquela época de couro de gato, existiam fábricas famosas. Aqui é que eu tive o primeiro contato de tocar numa banda.
Você disse que não sabia o que te esperava em São Luís. O que era que te esperava em São Luís? A cultura popular, os tambores, que é minha principal escola.
Numa de tuas primeiras vindas ao Maranhão, na [praça] Deodoro, houve uma cena impactante. Exatamente. Havia um ônibus que eu tomava, o Calhau, que passava, passa até hoje, na frente do hotel, e deixa você no Centro da cidade. Me falaram, “olha, você quer conhecer o Centro? Você pega esse ônibus, você vai descer bem na Deodoro”. Eu tava de folga do hotel, fui embora. Era uma manhã de carnaval, época em que os tambores de crioula, naquela época iam muito às ruas tocar o carnaval. Nesse domingo eu desci na Deodoro e vi aquele tambor ecoando de longe, andei, fui chegando mais perto do som, era o Tambor de Mestre Leonardo. Aquilo foi um impacto, um raio, um clarão que abriu na minha cabeça. É isso aí que eu quero! Vou pesquisar, vou correr atrás. Em Belém o carimbó, as manifestações, os ritmos do Pará não aparecem, não estão tão presentes no contexto urbano, misturados com a cidade quanto aqui no Maranhão. Eu acho que aqui é mais que qualquer lugar do Brasil. [O impacto] foi uma coisa inexplicável, eu me aproximei, perguntei onde era a sede. Uma semana depois eu já estava lá frequentando para começar [a aprender a tocar].
Hoje você é um percussionista reconhecido não só aqui, mas nacionalmente. Quem você considera seus mestres? Quem te ensinou esse ofício da percussão? A minha formação musical não foi erudita, formal. Foi muito empírica, muito de ver, ouvir e depois levar para casa e fazer o dever de casa. Naquela época celular nem existia, a gente usava um gravador k7. Os mestres para mim foram Mestre Leonardo, do tambor de crioula, Mestre Felipe, também do tambor de crioula, e o Bibi, tocador chefe lá da Casa de Nagô, na Rua Cândido Ribeiro [Centro]. Eu os considero mestres por que eu não estudei música formalmente, então o que eu aprendi com esses ritmos me serve até hoje. Quando eu comecei a descobrir novos estilos musicais, como o choro, o jazz, que eu comecei a estudar música mesmo, esses ritmos daqui servem até hoje como a principal base, o principal alicerce. Neles você encontra todas as matrizes rítmicas africanas. Não só africanas, mas ibéricas, indígenas, você consegue absorver uma quantidade de informações rítmicas, tocando esses ritmos do Maranhão. O boi e o tambor, principalmente, eles têm uma polirritmia, é muito difícil. Quando você consegue entender a complexidade daquilo, tudo o que vem pela frente é fichinha, entendeu? Quando eu comecei a aprender outros estilos, eu pensava “eu já vi isso”. Tudo isso veio desses ritmos daqui, que são ancestrais, vieram da África, do Oriente Médio.
Quando é que você foi para São Paulo? Já tocava profissionalmente? Já. O primeiro grupo que eu participei foi o grupo Asa do Maranhão: Sérgio Brenha, Mano Borges, Chico Poeta, Celso Reis. Era uma movimentação muito forte, Rabo de Vaca, Terra e Chão, era um grupo da Universidade [Federal do Maranhão], Arlindo [Carvalho, percussionista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 18 de agosto de 2013] fez parte. O Rabo de Vaca, que era uma escola, era Jeca [percussionista], Josias [Sobrinho, compositor], Zezé Alves [flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013]. O Asa do Maranhão foi um dos últimos e eu comecei no Asa, no Colégio Marista, ali no Centro. Depois vieram César Nascimento, o primeiro artista com quem eu toquei aqui, Mano Borges. Eu fui para São Paulo no final da década de 1980.
Foi a música que te levou para lá? Foi.
Você tem uma carreira paralela de tradutor e intérprete com a de músico. Houve alguma fase em que você tenha vivido exclusivamente de música? Muito. Em São Paulo eu vivi quase inteiramente de música. Nas horas vagas é que eu trabalhava como tradutor e intérprete, mas eu priorizava a música.
Lá você participou de vários trabalhos, gravação de discos. Muitos. Eu tive a sorte de cair num berço musical da boa música de São Paulo. Nada contra, mas quase não toquei em bares, quase não toquei em bandas cover. Só trabalhei com os grandes compositores, tanto na música instrumental quanto na cantada.
Cite alguns nomes. Vamos lá! Eu comecei com a Ceumar [cantora e compositora mineira hoje radicada na Holanda], vocês conhecem Dindinha [primeiro disco de Ceumar, lançado em 1999, produzido por Zeca Baleiro], a Rita Ribeiro [cantora maranhense radicada em São Paulo, hoje Rita Beneditto], gravei nos dois primeiros cds dela, Juliana Amaral [cantora paulista], Chico Saraiva [violonista carioca], Grupo A Barca, Nelson Aires, pianista, é muita gente! Gerson Conrad [compositor, ex-Secos e Molhados], que acabou voltando para a arquitetura, e Zeca Baleiro! Além de tocar e gravar com toda essa galera boa, eu participei de muitas oficinas e workshops com músicos e manifestações do Oriente Médio. Foi aí que eu conheci e fiz oficinas de música árabe, africana, cubana. Aí eu comecei a ver o Maranhão lá dentro. A bagagem, o que eles tocavam, eu dizia, “olha, isso tem lá no Maranhão”, mas não de forma arrogante. Eu levava o pandeirão, fazia um Boi de Pindaré, as células são muito parecidas com música marroquina. Uma coisa que eu sempre gostei foi fazer essa, vamos chamar de fusão, palavra batida, esse diálogo entre estilos e instrumentos musicais, misturando outras linguagens com as daqui. Pra mim a música é universal, então você pode fazer no pandeirão outros ritmos que não os tradicionais daqui, pode tocar no pandeiro outras coisas além de samba. Daí que vieram vários arranjos para o Choro Pungado.
Por falar em Choro Pungado, além dele e do Asa, que outros grupos você integrou? O Quinteto Calibrado, o Choro Pungado, o grupo Asa do Maranhão, o Duo Sound, com Luiz Jr. [violonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 4 de agosto de 2013], Som na Lata, Loopcínico, mais recente. Acho que foram estes.
E artistas com os quais você tocou? Ah, aqui em São Luís teve a Flávia Bittencourt [cantora], teve [os cantores e compositores] César Nascimento, Tutuca, Carlinhos Veloz, a gente fez uma excursão interessante pelo Projeto Pixinguinha [da Funarte]. Taí: eu toquei muito samba pelo Projeto Pixinguinha, na época eu encontrei [os sambistas] Luiz Carlos da Vila, Luizinho Sete Cordas e Moacyr Luz. Fizemos oito capitais do Nordeste, três dias em cada cidade. Toquei nos discos de Celso Borges [XXI, de 2000, e Música, de 2006]. Toquei no disco de Lena Machado [Samba de Minha Aldeia, de 2010], de Cesar Teixeira [Shopping Brazil, de 2004]. Cesar Teixeira e Josias Sobrinho pareciam, para mim, antes de conhecê-los pessoalmente, eram como deuses. Eu não sou daqui. Quando eu cheguei, eu morei na esquina de São João com Afogados, ao lado do Chico Discos, no mesmo prédio. Eu descia e parava na casa de Arlindo, que eu posso dizer que foi o meu primeiro grande influenciador na coisa da percussão moderna, me inspirou muito, a coisa do set, eu já falei isso pra ele, ele não acreditou [risos]. Ele me abriu a cabeça. Voltando a Cesar, de repente ele me chama para gravar, acho que é o único registro dele até agora, foi o maior presente da música maranhense, ter gravado nesse cd.
Quais os discos mais importantes nos quais você já tocou? Cesar Teixeira, Ceumar, Dindinha, Som na Lata, que é um projeto social, um cd muito bom, Loopcínico, pra mim é um marco, um divisor de águas, embora não compreendido, mas um dia a gente vai ser [gargalhadas]. Vô imbolá [de Zeca Baleiro] e Rubens Salles, foram dois cds que eu gravei, Liquid Gravity e Munderno, um gravado em São Paulo e o outro em Nova Iorque.
Vamos falar de choro. O que significou para você integrar o Choro Pungado e o Quinteto Calibrado? Aprendizado. O Quinteto Calibrado, os caras, a veia deles é muito forte, tradicionalistas, é importante beber na tradição. O moderno você pode vir com milhões de ideias novas, mas você não pode trabalhá-las sem entender como é feito originalmente. Essa é a base, em cima dessa base, que não pode ser mudada, alterada, você pode inserir outros elementos. Por isso é importante conhecer e tocar com os caras que entendem isso. Foi muito bom. Daí, amizade com Luiz Jr., Rui Mário [sanfoneiro, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 7 de julho de 2013], pensamos em criar um grupo diferente, de choro, respeitando as tradições, o original, mas dialogando com essa rítmica maranhense. Daí surgiu o Choro Pungado, que era um laboratório vivo de criação. Nós íamos lá para casa ensaiar, comer os quitutes que a Suzana fazia, acho que é por isso que os ensaios rendiam muito [risos]. Lá em casa eles fizeram duas músicas, uma foi Fim de tarde, do Robertinho Chinês [bandolinista e cavaquinhista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013], parece que o Nicolas Krassik [violinista francês radicado no Rio de Janeiro] gravou [Krassik tocou violino na faixa, no disco Made in Brazil, de Robertinho Chinês]. O Choro Pungado pra mim foi também um divisor de águas na minha cabeça, eu achava que choro tinha que ser tocado só daquela maneira, que é lindo, maravilhoso. Eu cheguei a assistir em São Paulo o [Conjunto] Época de Ouro, ainda com o pai do Paulinho da Viola [o violonista César Faria, falecido], e ele tocando junto. Quando eu vi isso foi uma coisa de louco! O Choro Pungado serviu também, pra mim acho que foi o maior legado dele, ele desencadeou interesse em alguns dos músicos por essa coisa de buscar o novo sem ter medo. Posso dizer, acho que ele vai concordar quando ler, o Rui Mário, ele já era um grande músico, mas abriu mais ainda a cabeça dele. quando nós trouxemos o Rui pro Choro Pungado, ele ainda tem a veia do baião, do forró da família, tradição. Eu lembro de ter apresentado pra ele dois caras: o Piazzolla [o falecido compositor e bandoneonista argentino Astor Piazzolla], colocamos Libertango no repertório, depois o Toninho Ferragutti [sanfoneiro], com quem eu já havia gravado e tocado em São Paulo, com Nelson Aires. Eu acho que isso foi uma alavanca para ele enveredar por essa coisa que ele faz hoje, que é misturar o jazz, um pouco de erudito, sem deixar de lado as raízes dele. O maior legado do Choro Pungado acho que é esse. Robertinho fez um cd logo depois aproveitando essas influências. João Neto [flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 2 de fevereiro de 2014] já era um grande músico, hoje está melhor ainda.
Para você, o que é o choro? Eu acho que o choro é o retrato da nossa cultura popular brasileira, da música de massa, da música da rua, com esse tratamento mais sofisticado da música erudita, não vou dizer do jazz. Eu acho que os choros originais, os primeiros, não têm essa influência jazzística, tem mais essa influência erudita, clássica. É isso, essa união dessa influência barroca, da música clássica no Brasil, com nossas raízes africanas, principalmente, a síncope do samba, souberam fazer esse casamento muito bem.
Quem hoje no Brasil te chama a atenção? Que você ouve e para para escutar? [O grupo] Nó em Pingo d’Água, gosto do Hamilton de Holanda [bandolinista]. Dos atuais, que estão aí. Paulinho da Viola [cantor, compositor e instrumentista] tem um lado chorístico muito forte.
Voltando a antes do Choro Pungado e do Quinteto Calibrado: como foi que você caiu no choro? Você lembra de um marco? Lembro. Antes desses grupos, a gente fazia música de um modo mais espontâneo. Centro da cidade, acho que já existia a ponte, mas não existia o outro lado, não havia música, movimento. Eu lembro de sair da porta do Laborarte [o Laboratório de Expressões Artísticas do Maranhão], grupo que eu fiz parte, outra escola muito importante da minha vida, gestão Nelson Brito [dramaturgo, falecido], quando ele assumiu. Lá nós saíamos sete horas da noite, eu, Jorge do Rosário, na percussão. Era uma percussão de choro, pandeiro, atabaque de couro e madeira, um cavaco, era um sambista da antiga, usava uma boina, Bonifácio, e um sete cordas, irmão de Sávio Araújo, seu Nato [Araújo]. A gente saía tocando choro e samba, pelo prazer de tocar e ganhar algum trocado para tomar cachaça. Olha o nosso percurso: a gente saía do Laborarte, encostava no Rui [o Bar do Rui, vizinho ao Laborarte, na Rua Jansen Müller, no Centro de São Luís], tocava, passava o chapéu, era assim, uma maravilha! De lá a gente ia pro Hotel Central [na Praça Benedito Leite, Centro, hoje desativado], o chapéu rodava, a grana ia toda pra comida e bebida. Nessa peregrinação, a gente fazia uns três, quatro bares num fim de semana, numa sexta-feira. Minha escola começa aí. O Nato era nosso guarda costas, ele era fortão. De vez em quando tinha uma treta nesses bares e a gente botava “Nato, vai lá e resolve!”. Ele não levava desaforo pra casa.
Você se considera um chorão? Sim, me considero. Acho que todo músico brasileiro tem que se considerar chorão, por que é o estilo musical que conseguiu sintetizar em um só bom gosto e elegância, nos arranjos executados, além de uma percussão muito forte, que é a marca nossa. Com todo respeito ao baião, mas dos estilos brasileiros é o mais bem lapidado e acabado. É uma música muito detalhista. Eu gosto de ser chorão, mas ainda não sou chorão: se você absorver e conseguir, eu não consegui ainda, tocar aquilo com domínio total, você consegue tocar qualquer outra música. Muita gente não gosta, mas todo músico brasileiro deveria passar pelo choro. É uma escola maravilhosa.
Como você avalia o choro praticado hoje em São Luís? Muito bom, muito fértil. Acompanho pelos jornais, eu não saio muito à noite. A velha guarda, os tradicionais continuam aí, Tira-Teima, Pixinguinha, e tem vários grupos novos que eu ainda não tive oportunidade de assistir. Só o fato de ainda estarem criando grupos novos significa que a linguagem continua firme e forte. Duas faculdades de música, os músicos dentro dessas faculdades, alguns integrantes de grupos estudam nestas faculdades. Para a cena está faltando voltar o nosso Clube do Choro [Recebe].
Qual a importância daquele projeto? Foi decisivo. Não só pro choro, mas pra música instrumental como um todo. Lá você permitia que nós tocássemos o choro, o samba e trabalhos autorais. Acompanhamos o Criolina [os cantores e compositores Alê Muniz e Luciana Simões], Bruno Batista [cantor e compositor] e outros cantores que foram lá, com ou sem influência do choro. E grupos instrumentais que além do choro tocavam outros gêneros. Tinha aquele aspecto muito informal, o público frequentava, prestava atenção, e foi gravado, muita memória ali, muitos grupos tocaram, acabaram, outros se formaram a partir dali. Foi um marco que precisa voltar.
Eu queria que você comentasse rapidamente o Som na Lata e o Loopcínico, os discos, os processos. O Som na Lata foi, ainda é até hoje, a gente vive numa cidade muito injusta socialmente, uma inquietação a partir de meu dissabor em ver muitas crianças desocupadas, mas com ritmo, talentosíssimas. Daí eu comecei a fazer oficinas no GDAM [o Grupo de Dança Afro Malungos, sediado no Parque do Bom Menino], a convite do Adão [liderança do GDAM]. Esse trabalho começa com oficinas de educação ambiental, ética, disciplina, a gente passa esses conceitos para as crianças, depois entra na parte musical, muito forte, culminando com a formação de uma banda e o cd. Eu concluí todas essas fases e saiu aquele cd, nós fomos premiados pela Universidade FM, melhor hip hop, tinha essa categoria. Uma das músicas [Shopping Brazil] de Cesar Teixeira fala no som da lata, [cantarola:] “o quê que tem? Se eu como na lata?”. A música tinha tudo a ver e ele, com aquela cabeça maravilhosa, cedeu esse espaço [parte dos músicos do Som na Lata participou da gravação da faixa-título do disco Shopping Brazil]. O Som na Lata tem que voltar e nós vamos voltar em breve. O Loopcínico vem de outra inquietação: quando eu estava em São Paulo eu conheci a música eletrônica, entre os anos 1980, 90, tocava lá nos clubes, nas casas noturnas, fazia produção com alguns djs, como o Érico Teobaldo, que produziu um dos cds [PetShopMundoCão] do Zeca [Baleiro], mas não tinha conseguido ainda uma forma de trabalhar a música eletrônica que fosse completamente dominado pela música maranhense. Eu consegui com o Loopcínico, ali eu consegui dar voz aos tambores. O disco foi gravado em Belém, no estúdio Ná Music, mas com a linguagem maranhense. O disco foi indicado agora ao Prêmio da Música Brasileira 2014. Entre quase cinco mil cds nós ficamos na pré-seleção entre cento e poucos. Pra mim já foi um prêmio. Eu chamei Beto Ehongue [cantor, compositor e dj] e Lobo de Siribeira [cantor e compositor], foi a formação inicial. O Loopcínico era um sonho antigo como percussionista, instrumentista. A concepção dele é muito nova, não a base, a eletrônica já existe há muito tempo, mas a concepção desse cd, inserido no nosso contexto, ainda está sendo muito nova. Muita gente não percebeu que os tambores foram gravados ao vivo, eles não foram sampleados, há uma diferença. Muita gente ainda não conseguiu entender por que aqueles tambores estão ali misturados com as bases eletrônicas.
[Sobre show que Ceumar apresentou ontem, em Brasília/DF, no Teatro da Caixa, pelo projeto Solo Música, da Caixa Cultural. Com agradecimentos e abraços ao casal amigo Glauco e Maira]
Em alguns momentos do show Ceumar dispensou o microfone
Ceumar subiu ao palco ontem (17) cantando à capela Oração do anjo (parceria dela com Mathilda Kóvak) e só foi amplificada pelo microfone da metade da música em diante. Já bastava para o êxtase da plateia do Teatro da Caixa, em Brasília/DF.
Comunhão é uma palavra que traduz a relação da cantora mineira radicada na Holanda com seu público. Ceumar não é cantora de multidões, embora lote teatros pelo país, quando passa por aqui. Ela confessou a saudade, assoou o nariz, ensinou o público a bater palmas (para acompanhá-la no coco Gírias do Norte, de Jacinto Silva e Onildo Almeida, que gravou em seu disco de estreia) e anunciou para agosto o lançamento de seu novo disco. “Já está quase pronto, mas não quero a concorrência da Fifa”, disse sorrindo.
O repertório do show de ontem passeou por músicas de todos os seus discos: O seu olhar (Arnaldo Antunes/ Paulo Tatit), Avesso (Ceumar/ Alice Ruiz), Outra era (Fagner/ Zeca Baleiro), Maravia (Dilu Mello/ Jairo José), Gira de meninos (Ceumar/ Sérgio Pererê), São Genésio (Gero Camilo/ Tata Fernandes), Pecadinhos (Zeca Baleiro), Boi de Haxixe (Zeca Baleiro), Achou! (Dante Ozzetti/ Luiz Tatit), Maldito costume (Sinhô), Óia pro céu (José Fernandes/ Luiz Gonzaga), Parede meia (Kléber Albuquerque), Maracatubarão (Ceumar), Rãzinha blues (Lony Rosa) e Onde qué (Sérgio Pererê), entre muitas outras em quase duas horas de um belo espetáculo.
Ao compositor piauiense Climério, que estava na plateia, ela dedicou sua interpretação de Flora, parceria dele com Ednardo e Dominguinhos. “É uma música linda, que eu já cantei há algum tempo. Nunca gravei. Está chegando a hora”, prometeu. À Dindinha (Zeca Baleiro), faixa que batizou seu primeiro disco, emendou a morna Sodade de Cesária Évora: “foi a música que inspirou Zeca a fazer Dindinha“, revelou, “tenho feito essa junção nos shows”.
Eram só ela e seu violão. Às vezes apenas ela, sua voz. E precisávamos de mais?
10 coisas que eu podia dizer no lugar de eu te amo, um disco sobre o amor que foge da pieguice
Kléber Albuquerque escreve e canta o amor sem soar cafona
ZEMA RIBEIRO ESPECIAL PARA O ALTERNATIVO
As 10 coisas que eu podia dizer no lugar de eu te amo [Sete Sóis, 2012] são, na verdade, 14, este o número de faixas do novo disco de Kléber Albuquerque, um de nossos mais interessantes compositores da atualidade.
O repertório, inteiramente autoral, é quase todo inédito – Kléber recria Tevê, parceria com Zeca Baleiro, gravada por ele em O coração do homem bomba, e Devoluto, parceria com Sérgio Natureza, homenagem a Celso Borges, gravada em Música, livro-disco do poeta, de que ambos participam – aqui o reencontro de Kléber e Baleiro, que canta nas duas regravações. Outros parceiros que comparecem são Sérgio Lima (Brincadeira de amor), Lúcia Santos (All Star e Terra do Nunca) e Gabriel de Almeida Prado (Sujeito objeto). Elaine Guimarães divide com ele os vocais em Vazante – momento sublime, de versos como “lágrima/ água com navalha/ migalha de mar/ mágoa é água parada”. Entre os músicos André Bedurê (contrabaixo), Michelle Abu (percussão), Ricardo Prado (teclados) e Rovilson Pascoal (guitarras).
É um disco sobre o amor, o que entrega o título e o colorido florido da chita (maranhense?) da capa – o próprio Kléber assina produção musical e projeto gráfico, este com Vivi Correa –, mas fugindo do piegas. “Essa tal de poesia/ é coisa que vicia/ e maltrata o coração/ faz rimar fel e folia/ faz amar quem não devia/ dá rasante na razão/ mas em comparação/ com outras profissões/ vê mais sol/ vê mais lá/ vê mais dó”, canta em Maquinário, sobre o próprio ofício.
Nem só de amor vive o artista, que brinca com gramáticos e dicionaristas em Sujeito objeto: “Ei, Pasquale/ por que o andar dessa menina/ sempre rouba palavras da minha boca?/ Ei, Aurélio/ por que o olhar dessa garota/ planta versos na minha cabeça oca?/ Michaelis/ então me diga o motivo/ de tantos adjetivos”. Quer dizer, é sobre o amor, sim. Tevê é sarro com a sociedade consumista: “comercial de xampu/ cerveja e celular/ mentiras para crer/ e credicard”. No fundo, é também sobre o amor, aquele amor-preguiçoso esparramado no sofá da sala.
São 15 anos de carreira, inaugurada em 1997 com 17.777.700. 10 coisas é o sexto disco de um dos compositores preferidos de nomes como Ceumar e Rubi, para ficarmos em duas das melhores vozes que já o interpretaram. São mais de 15 anos dedicados à música, que o amor ao ofício não começa no disco. A continuar nestas trilhas, o número de apaixonados por Kléber Albuquerque e sua obra só tende a aumentar.
Gosto de Gilberto Mineiro. E gosto de algumas produções de Gilberto Mineiro. O apresentador do Companhia da Música, às quintas-feiras, 20h, na Rádio Universidade FM, foi o responsável por vindas à Ilha de Ceumar, Tiê e, agora, no próximo dia 14 de agosto, de Tulipa Ruiz, que lançará no palco do Arthur Azevedo seu segundo disco, Tudo tanto.
Numa capital em que ou as coisas nunca chegam ou chegam com bastante atraso é digno de elogios o trabalho de Gilberto Mineiro, ao incluir a capital quatrocentona (há controvérsias) no roteiro de lançamentos de uma artista independente, isto é, com penetração não patrocinada no mundo jabaculezado das rádios brasileiras. O radialista certamente é um dos que não pedem mais que discos em troca de executar bons nomes, daqui e de fora, em seu programa.
“IMPERDÌVEL! Mais uma vez os produtores de música ruim, a exemplo do show da Tiê, comentam que não existe público na ilha para música inteligente. Galera, vamos lotar o T.A.A. e mostrar para esse [sic] bucéfalos que existe vida além do curral deles. IMPERDÌVEL!”
Juro que não entendi o despropositado entre aspas acima, que catei no perfil do elogiado produtor no Facebook. Algumas perguntas que me ocorrem imediatamente: Tiê faz música ruim? O show dela é/foi ruim? (não assisti: liso, na ocasião, não fui, como nunca sou, agraciado com cortesias pela Musikália. Ou é Musicália?) É o próprio Gilberto Mineiro quem comenta que “não existe público na ilha para música inteligente”?
A postagem do produtor é confusa e o deita em contradição, ele que vez ou outra tira a carapuça de “blindador de cabeças” tão alardeada em seu programa de rádio para produzir shows de qualidade duvidosa à guisa de levantar uns trocados.
“Raiva é energia”, como aprendi com o rock’n roll e com meu amigo irmão Reuben da Cunha Rocha. Mas como aprendi com o dito popular, “tudo o que é demais é sobra”. É claro que uma porrada de coisa ruim me incomoda na música produzida no Brasil hoje em dia (a trilha sonora da novela Avenida Brasil, da Rede Globo, é um exemplo; os babacas com seus porta-malas abertos em cada bar, em cada praia, em cada esquina, outros); prefiro, em vez de perder tempo falando mal de Michel Teló e quetais, elogiar (e tentar conquistar fãs e ouvintes para) Tulipa, Tiê, Ceumar, Renato Braz, Curumin, Criolo, Rômulo Fróes, Rodrigo Campos e tantos outros que merecem ser ouvidos por cada vez muito mais gente.
Espero, sinceramente, ver o teatro lotado para prestigiar a produção de Gilberto Mineiro e o talento de Tulipa, que vem provando que Efêmera era mesmo apenas o título de seu disco de estreia. Espero não ter problemas de agenda (tenho viajado um bocado a trabalho) e de grana e poder estar lá, cantando junto, reafirmando postulados poéticos, “a ordem das árvores não altera o passarinho”.
Mas não espere tanto e baixe agora!, os três disponíveis nos sites de seus autores; ao longo do post há outros, não (só) do ano passado
Passo Torto – Rômulo Fróes é um pensador da música contemporânea. Cantor e compositor de indiscutível talento, com excelentes discos no currículo – Calado (2004), Cão (2006), o duplo No chão sem o chão (2009) e Um labirinto em cada pé (2011) –, é, além de tudo, das poucas figuras que se dispõem a pensar a música contemporânea. Digo, entre os que estão produzindo música contemporânea.
Mas Passo Torto não é um disco de Rômulo Fróes, que tem o talento somado aos de Kiko Dinucci, Rodrigo Campos (do ótimo São Mateus não é um lugar assim tão longe, de 2009) e Marcelo Cabral. O último é contrabaixista e produtor, os outros três, compositores. O grande lance da experiência é que aqui eles compõem juntos. É uma tradução de experiências anteriores, em que uns tocam no disco do outro, outros participam do show de um etc. Referência comum aos trabalhos-solo dos moços: o samba. Mas dizer que se trata de um disco de samba seria diminuí-lo. É samba, do bom, mas é bem mais que isso.
Serafim – Conheci o mineiro Sérgio Pererê, cantor, compositor e multiinstrumentista, através de sua conterrânea Ceumar, sua Onde qué, gravada em Sempreviva! (2003). Depois ele participaria de Meu nome (2009), disco dela, todo autoral, gravado ao vivo, antes de mudar-se para a Holanda: Pererê canta em Gira de meninos, parceria dos dois, já gravada por Rubi (Paisagem humana, 2008).
De seu disco novo, a primeira música que ouvi foi o samba Brilho perfeito: “Creio em seu amor e é por isso/ que conheço as curvas da estrada/ nunca me atirei num precipício/ e nem me perdi na encruzilhada”, entre as 16 a minha predileta.
Em seu site, o ouvinte pode escolher quanto quer – se quer – pagar pelo disco e ainda como quer – se quer – o encarte, se colorido ou p&b.
Setembro – Junio Barretodemorou sete anos entre o bom disco de estreia e este ainda melhor. Nesse meio tempo, o “Caymmi de Caruaru”, como é chamado, foi gravado por nomes como Gal Costa, Lenine, Maria Rita, Roberta Sá e Rubi, entre outros, embora seja ainda um quase completo desconhecido, para muitos.
Muitos que certamente lembram de versos como “vim, vim, vim/ eu vim, oi/ atendi teu pedido e vim”, de O pedido (Junio Barreto e Jam Silva), que abre o belo Que belo estranho dia pra se ter alegria (2009), de Roberta Sá. Ou de Santana, gravada por Junio Barreto em sua estreia (2004) e regravada por Gal Costa (Ao vivo, 2006), Lenine (Acústico MTV, 2007), Rubi (Paisagem humana, 2008) e Maria Rita (Elo, 2011): “A santa de Santana chorou sangue/ chorou sangue/ chorou sangue e era tinta vermelha/ a nossa santa padroeira chorou sangue”.
Ao contrário da personagem de sua música mais gravada, você, como o blogueiro, certamente vai rir de alegria ao ouvir Setembro. Mas não espere o mês-título chegar: como os outros recomendados neste post, é disco pra se ouvir o ano inteiro, começando por agora.