O poder da música

O grupo SaGrama se apresentou sábado (27) em São Luís. Foto: Zema Ribeiro

Originalmente formado para um trabalho de uma disciplina no Conservatório de Música de Pernambuco, o SaGrama está há 28 anos em atividade e passou pela primeira vez por São Luís do Maranhão no último fim de semana.

Sérgio Campelo (flautas, arranjos e direção artística), Ingrid Guerra (flautas), Crisóstomo Santos (clarinete e clarone), Cláudio Moura (viola nordestina, violão, arranjos e codireção), Aristide Rosa (violão), João Pimenta (contrabaixo acústico), Antônio Barreto (marimba, vibrafone e percussão), Tarcísio Resende (percussão), Dannielly Yohanna (percussão) e Isaac Souza (percussão) fizeram duas apresentações impecáveis sábado passado (27) no Teatro Sesc Napoleão Ewerton.

A circulação que trouxe o SaGrama até a ilha, patrocinada pelo Instituto Cultural Vale, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, estava programada para 2020, mas foi adiada pela pandemia de covid-19. O grupo tornou-se nacionalmente conhecido ao assinar a trilha sonora de “O Auto da Compadecida”, filme/série de Guel Arraes baseado na obra de Ariano Suassuna (1927-2014).

Equilibrando-se na linha tênue entre música clássica e música popular, o grupo passeou por diversas fases de sua trajetória – sua discografia já inclui 10 álbuns, em apresentações marcadas pelo passeio por sua obra autoral, em que destacam-se as criações de Sérgio Campelo e Cláudio Moura, e de nomes como Dimas Sedícias (1930-2001) e Luiz Gonzaga (1912-1989).

A música do SaGrama tem uma carga dramatúrgica, com as notas musicais (que explicam a origem do nome do grupo) desenhando paisagens e evocando imagens e memórias. Quem ou/viu ao vivo a execução das peças da trilha sonora de “O Auto da Compadecida”, por exemplo, lembrou de cenas e personagens deste clássico do cinema nacional.

Mas a capacidade que o grupo tem de despertar a imaginação de seu público tem um quê de magia. Dois momentos da apresentação são ótimos exemplos disso. A suíte “Aspectos de Uma Feira” (Dimas Sedícias), que em três movimentos (“Alba”, “Ceguinha Jesuína” e “Maria, Maria, Mariá”) evoca o amanhecer em que uma feira vai se configurando no interior nordestino, com o barulho típico dos vendedores chamando a atenção para seus produtos (momento em que todos os integrantes do SaGrama cantam seus pregões), uma cega que canta pedindo esmolas (brilhantemente interpretada pela flautista Ingrid Guerra, com Cláudio Moura e Dannielly Yohanna depositando-lhe a caridade em sua cuia) e o ambiente dos repentistas e artistas de rua. E o “Boi Babá” (Dimas Sedícias), que além de demonstrar que o bumba meu boi está presente em outros lugares além do Maranhão, acompanha seu ciclo de nascimento, morte e ressurreição, no canto/aboio do percussionista Tarcísio Resende.

Antes da execução de “Boi Babá”, Campelo elogiou a beleza do bumba meu boi maranhense, falou da alegria de ter assistido à manifestação durante a passagem pela cidade e anunciou que o grupo cometeria a ousadia de tocar um boi em pleno Maranhão – o repertório do grupo passeou por cirandas, guerreiros, cocos, maracatus, baiões e frevos. Ao final da música, perguntou, modesto, para gargalhadas e aplausos da plateia: “presta?”.

Do repertório, é possível destacar ainda temas como “Eh! Luanda” (Capiba [1904-1997]) – um raro maracatu, de 1952, do compositor, mais conhecido por seus frevos – e “Palhaço Embriagado” (Sérgio Campelo), ambas do primeiro disco do grupo, lançado em 1998, além de “Mundo do Lua”, um pot-pourri que costura sucessos de Luiz Gonzaga, e “Vassourinhas” (Matias da Rocha/ Joana Batista Ramos), já no bis, encerrando a apresentação em alto astral, clima de carnaval e deixando um gosto de quero mais no público presente.

Na maior parte do espetáculo, manter-se sentado era um exercício difícil: aqui e acolá o espectador era transportado aos ciclos carnavalesco e junino pernambucanos, numa demonstração inequívoca do poder da música do SaGrama. Em setembro a circulação chega a Belém do Pará.

Coco pisado de tirar o couro

Foto: Zema Ribeiro

 

É na apresentação do Coco de Tebei que o tema da edição 2017/2018 do circuito Sonora Brasil faz mais sentido: “na pisada dos cocos”. Estado reconhecido por ofertar ao Brasil grandes mestres do gênero, de Bezerra da Silva a Selma do Coco, passando pelo grupo Raízes de Arcoverde, o grupo que se apresentou ontem (30), na Casa do Maranhão, é diferente de tudo o que se poderia esperar.

O Coco de Tebei é dançado por casais e cantado por mulheres, tendo como marcação rítmica apenas seus próprios passos, isto é, os pés dos dançarinos “socando” o chão, herança do taipar de casas de pau a pique, em que doses de trabalho e diversão se misturam coletivamente. Nenhum instrumento acompanha seus nove integrantes: três casais de dançarinos e três cantadeiras – que também dançam.

A dança é praticada por agricultores e tecelões de Olho d’Água do Bruno, povoado de Tacaratu – até o nome da cidade é sonoro e parece ser marcado também pela pisada de seus dançarinos. Por vezes, ao longo da apresentação, a sonoridade me evocava um maracatu. Mas na maior parte do tempo, pensava na catira e no toré indígena. Outras vezes também pensei em samba rock, imaginando que certamente aqueles homens e mulheres poderiam dançar qualquer coisa.

As saias de chita, floridas e rodadas, remetem às coreiras do tambor de crioula. Elas calçam sandálias, que são arrastadas em determinadas músicas, num delicioso “chep chep”. Os homens calçam sapatos pretos, vestem calça e camisa em diferentes tons de azul e usam um chapéu de couro, parecido com os que Lampião e Luiz Gonzaga tornaram moda, só que brancos.

O Coco de Tebei tem um disco, de 2008, cujo título é Eu tiro o couro do dançador. Penso que é apropriado: treino dá ritmo de jogo. Tivesse me arriscado a acompanhar-lhes alguns passos era capaz de estar com os pés e panturrilhas doendo até agora – muitos dos presentes se arriscaram e como de praxe nas apresentações do circuito Sonora Brasil, desde a última sexta-feira, em São Luís, a de ontem também terminou com uma imensa roda, uma espécie de oficina informal.

Ao final, já na praça em frente à Casa do Maranhão, cumprimentei um de seus integrantes, que saíra para fumar. Parabenizei-o pela performance. Ele sorriu e agradeceu. Ao dar-lhe um amistoso tapa no ombro, senti a camisa grudada à pele pelo suor que imediatamente me encharcou a mão.

Serviço

A passagem do circuito Sonora Brasil por São Luís termina hoje (31). Às 19h, na Casa do Maranhão, com entrada gratuita, se apresenta o grupo sergipano Samba de Pareia da Mussuca. Em Caxias/MA, a programação do Sesc continua até quarta-feira, programação completa no post anterior.

Coco pra todo gosto

Fotos: Paula Barros

 

Os integrantes do Coco de Zambê de Mestre Geraldo, entre tocadores, cantadores e dançadores, vindos de Tibau do Sul/RN, multiplicaram-se: um deles percorreu a plateia convidando o público à dança. Logo, praticamente todos os presentes integraram-se à animada roda nos jardins do Museu Histórico e Artístico do Maranhão (MHAM, Rua do Sol, Centro), ontem (28).

Era a estreia do circuito Sonora Brasil 2017/2018 em São Luís. Zambê é o nome de um dos instrumentos utilizados pelo grupo: um irmão do tambor grande de nosso tambor de crioula, com que identifiquei algumas semelhanças. Este tambor é também chamado de pau furado ou oco de pau e é o maior e mais grave dos instrumentos. Isto eu descobri lendo o belo catálogo distribuído pelo Sesc aos presentes. Compõem ainda a “parelha”, o chama, um tambor menor – para seguir no paralelo com o nosso tambor de crioula, equivaleria ao meião – e ainda uma lata de tinta, de 18 litros, percutida por um par de varetas. Todos tocados amarrados à cintura dos tocadores.

Não há mulheres no Coco de Zambê, embora as presentes entre o público não se tenham feito de rogadas e tenham participado, dançando, cantando os refrões e batendo palmas. Ao fim da apresentação, espécie de bis, a coisa se configurou numa oficina, com curiosos experimentando os instrumentos inusitados.

Sobre o Coco de Zambê, outra coisa que descobri lendo o catálogo foi que “há notícias de sua existência desde 1903, quando foi publicada no jornal A República, órgão oficial do governo do Rio Grande do Norte, a notícia cujo conteúdo repudiava com veemência a prática de um “samba” que acontecia na casa de um sujeito conhecido como Paulo Africano, no município de Tibau do Sul. Também Mário de Andrade, na década de 1920 faz, com entusiasmo, alusão à “brincadeira””.

A aproximação com o samba aí se dá pelo preconceito da época: era uma espécie de rótulo para qualquer ajuntamento de negros. Outras aproximações perceptíveis do Coco de Zambê se dão com o frevo e a capoeira – seus dançadores apresentam-se nus da cintura pra cima.

Mestre Geraldo, que dá nome ao grupo, foi fundamental para evitar o desaparecimento do Coco de Zambê, no fim do século passado. “Liderando um grupo familiar, retomou o zambê buscando fidelidade à sua prática tradicional”, também li no catálogo.

O grupo torna a se apresentar amanhã (30), às 19h, em Três Corações (Praça Salustiano Rego, Caxias/MA), com entrada franca.

Outros grupos de coco apresentam-se em São Luís e Caxias/MA, até a próxima quarta-feira. Veja a programação:

Casa do Maranhão (Praia Grande), 19h:
Hoje (29): Coco de Iguape (CE).
Amanhã (30): Coco de Tebei (PE).
Segunda (31): Samba de Pareia de Mussuca (SE).
Segunda (31), das 9h às 12h e das 14h às 17h: Oficina de Coco de Roda: da Pisada ao Verso, com Adiel Luna/PE. Vagas limitadas. Inscrições gratuitas pelo telefone (98) 3216-3830.

Três Corações (Praça Salustiano Rego, Caxias/MA), às 19h:
Amanhã (30): Coco de Zambê (RN).
Segunda (31): Coco de Iguape (CE).
Terça (1º./8): Coco de Tebei (PE).
Quarta (2): Samba de Pareia da Mussuca (PE).

O som original dos Passarinhos do Cerrado

Origens. Capa. Reprodução
Origens. Capa. Reprodução

 

Passarinhos com raízes ou árvores que voam são boas metáforas para definir o grupo goiano Passarinhos do Cerrado, que aos 10 anos de carreira, chega ao segundo disco, o ótimo Origens [2016], realizado com recursos captados pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Goiânia/GO e por crowdfunding.

Rodrigo Kaverna, Cleber Reizin, Milca Francielle e as irmãs Bruna Junqueira e Nádia Junqueira dividem-se entre vozes e percussões, passeando por cocos, cirandas, torés, divino e folia de reis, demonstrando ao Brasil que a cultura goiana é bem mais que o comumente visto e ouvido em rádios e tevês.

Os Passarinhos do Cerrado não se fecham em si em busca de suas raízes – como poderia sugerir o nome deste segundo disco –, dialogando com ritmos nordestinos, sobretudo o coco que passa a predominar no repertório do grupo desde o álbum de estreia, Coco de folia [2014].

Passarinhos do Cerrado em foto de Ney Couteiro
Passarinhos do Cerrado em foto de Ney Couteiro

É música festiva, para agradar espíritos dançantes, mas com conteúdo fortemente político, na melhor acepção da palavra. “Já ouvi o chamado/ eu vou/ atrás de minha origem/ eu vou/ origem de um povo sofrido/ eu vou”, cantam em Origens/ Toré de abertura, de Rodrigo Kaverna, que sozinho ou em parceria assina a íntegra do repertório.

Este conteúdo político a que me refiro diz respeito também às participações especiais: na faixa citada, por exemplo, os indígenas Inkrer – Cukõn Krahô e Honcrepoj – Xauty Krahô. Uma resposta – política, nunca é demais frisar – ao genocídio indígena cujos rankings no Brasil Goiás lidera há tempos.

No belo projeto gráfico, assinado por Luana Santa Brígida, pousam e voam os que lhes dão nomes, vários passarinhos do cerrado, muitos deles citados em letras, por exemplo a de Pica pau (parceria de Rodrigo Kaverna com Léo Ápice, ex-integrante do grupo, e Sutor Ápice), que abre o disco, pródiga em espécies. Além da que lhe batiza voam por lá arara azul, arara vermelha, coruja caburé, coruja buraqueira, papagaio, periquitinho maracanã, jacucu, canarinho, aracauã, juriti, tucanuçu.

Em busca de suas origens, não faltam participações especiais: todas as faixas têm uma. Siba (ex-Mestre Ambrósio) é o mais conhecido: canta e toca rabeca em Folha amarela (outra parceria de Kaverna e Léo Ápice).

Nesta volta às Origens, mais asas que raízes para os Passarinhos do Cerrado: para quem já foi até a África do Sul em 2010, quando participaram do Festival Mundial da Juventude, sua música merece ser mais conhecida em seu país de origem – por centros e periferias.

Ouça Toré de abertura (Rodrigo Kaverna):

Com devoção e elegância Silvério Pessoa volta a visitar Jackson do Pandeiro

Cabeça feita. Capa. Reprodução
Cabeça feita. Capa. Reprodução

 

Silvério Pessoa é descendente musical direto de Jackson do Pandeiro, de cujos genes nunca negou a influência. Desde Fome dá dor de cabeça (1998), único disco que lançou como integrante do Cascabulho, banda de seu início de carreira, já estava impregnado do Micróbio do frevo – ali Jackson do Pandeiro já comparecia ao repertório, com 17 na corrente (Manoel Firmino Alves e Edgar Ferreira). Não à toa, depois, batizou seu segundo disco Micróbio do frevo (2003), inteiramente dedicado ao repertório do mestre – antes, inaugurando sua bem sucedida carreira solo lançou Bate o mancá – O povo dos canaviais (2000), dedicado ao repertório de Jacinto Silva.

Agora volta à carga com este Cabeça feita – Silvério Pessoa canta Jackson do Pandeiro [2015, R$ 25,00 na Livraria Poeme-se], em que buscou aproximar-se da sonoridade original das gravações do homenageado, tanto no uso dos instrumentos quanto no puxar dos “erres”. O repertório não se limita a um “best of”: embora músicas mais conhecidas gravadas por Jackson do Pandeiro formem a maior parte do repertório, Silvério também foi buscar lados b do cantor.

Forró, frevo, xote, coco, rojão, samba: à primeira vista o disco pode parecer predominantemente junino – e acertadamente o fará quem usá-lo como trilha sonora em festas do período –, mas, como toda a obra do homenageado, pode ser ouvido o ano inteiro. Parte do que se ouve em Cabeça feita já foi ouvida também em recriações de outros intérpretes, caso da faixa-título (Sebastião Batista da Silva e Jackson do Pandeiro), gravada por Gal Costa em Profana (1984), Forró em limoeiro (Edgar Ferreira), por João Bosco em 1995, A ordem é samba (Jackson do Pandeiro e Severino Ramos), por Ney Matogrosso e Pedro Luís e a Parede em Vagabundo (2004), além de, entre outras, Casaca de couro, por Zé Ramalho, e Na base da chinela, por Geraldo Azevedo com o grupo Cascabulho, estas últimas em Jackson do Pandeiro revisto e sampleado (1999), tributo coletivo ao rei do ritmo.

Com repertório tão vasto e tantas releituras, é justamente a devoção o que torna original a ourivesaria musical em torno do nome do paraibano Jackson do Pandeiro empreendida pelo pernambucano Silvério Pessoa. Nem capa e encarte, repertório menos ainda, soam óbvios. O maestro Spok (saxofone) é o convidado de Coco social (Rosil Cavalcanti), que ajuda a traduzir a elegância e o cenário em que posa o cantor na capa do disco: “ele é pernambucano, do canavial/ veio pro salão, é social”, diz a letra, sobre as origens e a chegada do coco aos salões e colunas sociais.

Cabeça feita repagina 24 músicas em 15 faixas, nas quais Silvério Pessoa é acompanhado por Raminho (zabumba), Luis Carlos (triângulo, congas, pandeiro, tamborim, maracás e ganzá), Renato Bandeira (viola de 10 cordas e violão), Israel Silva (contrabaixo), Vanessa Oliveira (coro), Pepê (violão de sete cordas, cavaquinho e banjo) e Dudu do Acordeom.

Ao repertório não faltam músicas de duplo sentido, de um tempo em que seu uso exigia alguma inteligência do ouvinte: o pot-pourri que reúne Vou de tutano (José Cavalcante e José Gomes Filho), Xote de Copacabana (Jackson do Pandeiro), Xarope de amendoim (Paulo Patrício e Severino Ramos) e Cremilda (Edgar Ferreira), além de Quadro negro (Rosil Cavalcanti e Jackson do Pandeiro).

Silvério Pessoa não joga conversa fora em Cabeça feita, como adverte a letra da faixa-título: “sou cabeça feita/ não jogo conversa fora/ se o papo é legal eu fico/ se não serve vou embora”. Disco festivo e inteligente, de cujo baile nordestino o leitor, festivo e inteligente idem, não cansará, mesmo após gastar todo o repertório e sandália.

Quando a praça é palco e plateia todos festejam

A cantora em sua entrada triunfal, inusitada e colorida

A lua cheia já enfeitava o céu quando a cantora surgiu ao longe, sentada numa carroça, batizada de Mironga de Madá (alusão a Mironga, de Paulo César Pinheiro, e Bisavó Madalena, parceria dele com Wilson das Neves, músicas do repertório do disco de estreia). O condutor do veículo, que percorreu a lateral da Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, guiava o jumento a pé. Dali ela acenava aos fãs, que aguardavam sua subida ao palco após a apresentação do Cantinho do Choro, misto de grupo e projeto que vem ocupando já há algum tempo a praça Gonçalves Dias nos fins de tarde de sábado.

Por detrás do palco, todo enfeitado e florido como a carroça, a bela paisagem da Ponte do São Francisco por sobre a maré cheia e o outro lado da capital, a São Luís vertical, a cidade nova. Um amigo me perguntou quem estava bancando a festa. A vontade de fazer música, de formar plateias, de fazer a arte circular. Em termos de patrocínio, respondi-lhe, os bolsos da cantora e do marido, que assinava a direção geral do espetáculo.

Festejos na Praça, o show, ficou no fogo cruzado entre um evento gospel realizado na praça vizinha, a Maria Aragão, e os olhares enfezados dos convidados de um casamento que teria lugar dali a pouco na Igreja defronte – talvez reclamassem da falta de vagas no estacionamento, já que o espetáculo musical em si não atrapalharia padre, noivos e convidados.

Uma plateia expressiva formou-se para ver o espetáculo. Sem um centavo de patrocínio, seja do poder público ou da iniciativa privada, penso que os objetivos foram alcançados e era possível ver a alegria estampada nos rostos dos que deixavam a praça após conferir o resultado.

A cantora já havia afirmado que o lugar de seu show é na rua, é na praça. “Eu ficava incomodada, no Teatro [Arthur Azevedo, onde lançou o disco Festejos em shows 7 e 8 de março passado], de dançar sozinha, vendo as pessoas ali sentadinhas. Eu quero ver o povo dançando junto”, declarou. E viu. E gostou. E vai repetir a dose. Outras praças serão ocupadas ao longo de 2014, antes de ela partir para a turnê nacional, que incluirá o Rio de Janeiro em que o disco foi gravado e outras capitais.

Nas próximas paradas de Festejos na Praça espera-se que o poder público dialogue melhor, entre si e com a Igreja, quando necessário: em logradouros vizinhos não deve haver competição entre eventos, nem para que um atrapalhe o outro, nem para que os frequentadores de outro achem o seu mais importante que o um. Assim se constrói a tal diversidade cultural que adoramos arrotar por aí ao salientar as belezas e vantagens de nossa terra.

O show? Crianças e senhoras se divertiram dançando em frente ao palco, Alexandra Nicolas, escoltada por uma superbanda, mesclou músicas de seu disco de estreia a experimentos, coisas que gosta de ouvir e cantar, talvez (certamente?) já testando repertório para seu próximo disco. Destaque para a participação especial da filha Monique, no trava-língua Coco (Paulo César Pinheiro).

Se você, caro leitor, cara leitora, esteve na praça sábado passado (18), não pense em abandonar a turnê da cantora pela capital: os shows só serão iguais entre si no quesito qualidade. Paisagem, repertório e emoção, cada um, cada um. Quem não esteve, fique ligado: em breve divulgaremos a rota da Mironga de Madá, que carrega em si a própria festa.

Festejos na Praça inicia temporada musical de Alexandra Nicolas em 2014

[release]

Show gratuito na Praça Gonçalves Dias celebrará conquistas de 2013 e marcará início de turnê por palcos ludovicenses e em outras capitais brasileiras

POR ZEMA RIBEIRO

Vencedora do Prêmio Universidade FM 2013 na categoria Revelação, a cantora Alexandra Nicolas volta a se encontrar com seu público fiel no próximo dia 18 de janeiro (sábado), às 18h, no coreto da Praça Gonçalves Dias, também conhecida como Largo dos Amores, no centro da capital maranhense.

A artista apresentará o show Festejos na Praça, em que celebrará os bons momentos de 2013 – ano em que lançou seu disco de estreia, Festejos, inteiramente dedicado ao repertório de Paulo César Pinheiro – e dará início à temporada 2014, em que já estão previstos shows no Rio de Janeiro e em outras capitais brasileiras.

Festejos foi todo gravado no Rio de Janeiro, com o repertório de Paulinho e direção, arranjos e execução de grandes mestres do choro. No entanto, preferimos começar por aqui, por isso o lançamento do trabalho foi realizado em São Luís. Este ano nos dedicaremos a tornar o disco mais conhecido noutras praças, literalmente”, anuncia a cantora.

Os shows de lançamento a que ela se refere aconteceram no Teatro Arthur Azevedo, em duas apresentações, 7 e 8 de março do ano passado. Para o show do dia 18, Alexandra Nicolas mesclará ao repertório do disco, músicas que gosta de cantar. “Festejos na Praça vai ser vibrante, pra cima. O repertório está bem animado, passeia por samba, xote, forró, coco”, promete. A escolha das músicas é também um experimento: ela já está selecionando material para o próximo disco, que deve lançar em 2015. Mas sobre o assunto a cantora não dá nenhuma pista. “No fundo, eu estou sempre selecionando repertório”, afirma.

Festejos, o disco, não será tocado na íntegra e a noite terá ainda Sereia de Água Doce, de Vanessa da Mata, Xirê, de Roque Ferreira, Aguadeira e Saubára, parcerias de Roque com Paulo César Pinheiro, além de Pipira, de João do Vale (parceria com José Batista), Coco sem Azeite, de Pinduca, e Homem de Saia (Marcelo Reis e Enéas de Castro), sucesso do Trio Nordestino.

Para acompanhá-la em Festejos na Praça, Alexandra Nicolas cercou-se de um competentíssimo time de músicos: Rui Mário (sanfona e direção musical), Marcus Lussaray (violão e viola), Robertinho Chinês (bandolim e cavaquinho), Carlos Raqueth (contrabaixo), Fleming Bastos (bateria), Arlindo Carvalho (percussão), Marcos Alves (percussão), Josafá Alves (coro) e Teresa Rachel (coro). “São todos grandes músicos, me dão segurança, me deixam à vontade”, elogia.

A cantora e a banda têm vontade de, depois da estreia no coreto da Gonçalves Dias, apresentar Festejos na Praça em outros logradouros de São Luís. “Tudo vai acontecer no momento certo. Este primeiro show aberto é fruto da vontade de fazer, de comemorar, da parceria da equipe de produção e dos músicos. A depender dos frutos que colhermos, vamos ocupar outras praças”, aposta a cantora.

Sem falsa modéstia, Robertinho Chinês acredita que este show será “o melhor entardecer musical que o Maranhão já viu e ouviu”. A abertura fica por conta do Cantinho do Choro, grupo que é o tradicional ocupante do coreto. Para este sábado (18), o grupo tem a seguinte formação: Osmar do Trombone, Nonato Oliveira (pandeiro), Márcio Guimarães (cavaquinho), Carlos Reis (violão), Osmar Junior (saxofone) e Zezá Alves (flauta).

Ficha técnicaFestejos na Praça tem direção geral de Martin Messier, direção musical de Rui Mário, produção executiva de Raydenisson Sá, projeto gráfico de Raquel Noronha, fotografia de Veruska de Oliveira e Edu Aguiar, assessoria de imprensa de Zema Ribeiro, figurino de Julienne Santos e sonorização, palco e iluminação da Master Áudio e Luz.

Serviço

O quê: show Festejos na Praça.
Quem: Alexandra Nicolas e banda. Abertura: Cantinho do Choro.
Onde: coreto da Praça Gonçalves Dias.
Quando: 18 de janeiro (sábado), às 18h.
Quanto: gratuito e aberto ao público.

A menina que conquistou o coração dos mestres do choro

[Release para Festejos, estreia em disco de Alexandra Nicolas]

Festejar é o destino de Alexandra Nicolas e de seus ouvintes

Maranhense estreia em disco com repertório de Paulo César Pinheiro

Festejos sai pela Acari, maior gravadora especializada em choro do Brasil

Márcio Vasconcelos

TEXTO: ZEMA RIBEIRO

“Eu cheguei sem ninguém saber que eu vinha”. Desde antes de nascer Alexandra Nicolas já era uma surpresa. Filha de mãe solteira, foi cúmplice da genitora, que escondeu a gravidez enquanto pode. O pai, músico e boêmio, ela só viria a conhecer aos cinco anos de idade. Foi criada por três mulheres – a mãe, a tia e a avó.

Sua mãe gostava de cantar e foi em uma tertúlia que seus pais se conheceram. Desde cedo a menina pegou gosto pela coisa. “Eu cantava desde criancinha. E eu não podia sair das rodas, que eles me chamavam: “agora é a vez da menina!”. E eu me lembro, muito nova, de cantar músicas de Nelson Gonçalves, Silvio Cesar, Elizete Cardoso, Clara Nunes, Rita Lee, Novos Baianos, Genival Lacerda, Elba Ramalho”, cita entre gostos passageiros e referências que permanecem até hoje.

Acreditando nos sonhos, a adolescente Alexandra chegou a largar o curso de Pedagogia e foi ao Rio de Janeiro estudar canto, dança e teatro. Sua mãe hospedou-a num pensionato, à época inviabilizando a carreira: “Todos os lugares em que eu podia cantar eram à noite e eu tinha que voltar para casa antes da meia noite”, lembra a cinderela de então.

Do pensionato para a música? Nem pensar! Alexandra só pode mudar-se para um apartamento quando passou no vestibular para Fonoaudiologia, profissão em que se formou e exerceu por pouco mais de 10 anos – a música sempre em paralelo, nunca de menor importância, a vida entre o consultório e os palcos. Após coordenar o curso de fonoaudiologia em uma faculdade particular em São Luís, ela deixou a profissão. Da música, afastou-se apenas para dedicar-se às primeiras infâncias de seu casal de filhos, hoje com sete e seis anos. Uma parada apenas temporária, embora ela não viva, ainda hoje, exclusivamente de música.

“Tudo o que fiz até hoje foi por necessidade, por amor, por que eu não consigo fazer nada que eu não pense em fazer bem feito”, diz, talvez explicando a demora em gravar o primeiro disco, Festejos. Mas nada na vida de Alexandra acontece por acaso. “Eu já gostava muito do Paulo César Pinheiro, principalmente suas parcerias com Mauro Duarte, Sivuca, João Nogueira. Vinha de alguns shows por aqui e estava com a ideia de fazer um em homenagem a Clara Nunes. Numa viagem ao Rio, meu amigo Celson Mendes mandou um e-mail para Luciana Rabello. Segundo ele, ela poderia me dar algumas dicas. De início não acreditei muito que ela fosse responder. Ela respondeu e me convidou para ver e ouvir o bandão da Escola Portátil. Algo incrível! Todos os alunos da Escola Portátil, 40 pandeiros, 15 cavaquinhos, 10 flautas etc., juntas, sob uma árvore, tocando ao mesmo tempo com [o baterista] Bolão de maestro”. Terminada a apresentação, Luciana levou-a para tomar um chopp na Visconde de Caravelas, em Botafogo. Era a rua em que ela tinha morado, e Amélia Rabello, irmã de Luciana, morava no mesmo apartamento que Alexandra ocupou em seus dias e noites cariocas. Sem saber, a anfitriã acabou escolhendo ainda a mesma mesa em que a maranhense costumava sentar vindo da faculdade.

Nada na vida de Alexandra acontece por acaso. “Então você quer homenagear a Clara Nunes? Mas você gosta da cantora ou do compositor?”, indagou Luciana Rabello ao notar que nove das 16 músicas do roteiro eram de Paulo César Pinheiro. “Eu tenho certeza que Clara Nunes ia adorar este show se você pudesse transcender isso. Você precisa se mostrar como artista, sair de detrás dela. Eu recebo 80 e-mails por dia de gente querendo homenagear Clara”, aconselhou-a. “Paulinho [forma carinhosa como se referem ao compositor maiúsculo] tem mais de 2.000 canções. Se quiser eu te dou tudo inédito”, ofereceu.

Luciana Rabello acabou por descobrir a voz autoral de Alexandra Nicolas, mesmo esta não sendo compositora, e assumiu a função de diretora musical de Festejos. Mais que isso, se tornou amiga íntima, uma irmã querida e escolhida. “Ela foi uma bênção de Deus na minha vida”, diz a maranhense.

Tudo começou em Senhora das Candeias, show que ela apresentou duas vezes no Teatro Arthur Azevedo, em São Luís, e que batiza o projeto patrocinado pela Eletrobrás, através da Lei Rouanet de Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura, que permitiu a feitura de Festejos, que sai pela Acari Records, a maior gravadora de choro no Brasil. Inicialmente ela recebeu uma fita com 20 composições de Paulo César Pinheiro: era o repertório do espetáculo. Para o disco, a amostra aumentou para quase 60 músicas, das quais 13 foram escolhidas, entre inéditas – a maioria – e regravações.

“Eu quero essas mulheres da festa!”, escolheu. “Todas as que Paulinho canta, elas são fascinantes, lindas e sensuais. É um amor puro! Elas possuem uma beleza que ninguém consegue ver. Quase ninguém consegue ver a beleza de uma lavadeira. Aí eu vi a verdade. Não era fantasia. Era palpável”. Alexandra começava a eleger o repertório de seu disco. Entre idas e vindas foram quase dois anos só na seleção do repertório, mergulhada de cabeça, corpo e alma.

“Paulo César Pinheiro é a pessoa mais leve que eu já vi na vida. Não sei de onde tira tanta simplicidade. Nem parece que existe, me deu o maior presente. Ele me deu a bênção e disse: “se você tiver que gravar um disco, quero que você grave aqui [no Rio de Janeiro]. Foi a partir daí que eu descobri verdadeiramente meu caminho”.

A partir de então, muitas idas e vindas na ponte aérea São Luís – Rio de Janeiro. Com ela festejam Adelson Viana (sanfona), Celsinho Silva (percussão), Dirceu Leite (flauta, picolo), Durval Pereira (percussão), João Lyra (arranjos, violão, viola), Julião Pinheiro (violão sete cordas), Luciana Rabello (cavaquinho e produção musical), Magno Júlio (percussão), Marcus Tadeu (percussão), Maurício Carrilho (arranjos, violão sete cordas), Paulino Dias (percussão), Pedro Amorim (bandolim) e Zé Leal (percussão).

Ao final de um processo de aprendizado, amadurecimento, risos, lágrimas e muita emoção, o próprio Paulo César Pinheiro definiu a ordem das músicas no disco e, acima de qualquer suspeita, escreveu sua apresentação: “acho que a maranhense conseguiu um belo disco. Abram alas pra ela que a festa começou”, para ficarmos com apenas um trecho.

Embalada pelo capricho do design de Raquel Noronha, a bolachinha é ilustrada por fotos de Márcio Vasconcelos, que captam Alexandra Nicolas, risonha e faceira, no sobrado em que nasceu o dramaturgo maranhense Arthur Azevedo, em 1855, uma segunda coincidência literária – a primeira é que Paulo César Pinheiro, apesar de nunca ter estado em São Luís do Maranhão, conhece-a bem a partir da obra de Josué Montello, e escreveu uma música que leva o nome da capital maranhense, faixa que fecha o disco.

Alexandra Nicolas sonha: “Eu quero fazer o Brasil cantar”. Nada na vida dela acontece por acaso.

FAIXA A FAIXAMárcio Vasconcelos. Festejos. Capa. Reprodução

1. Mironga (Paulo César Pinheiro): “É uma música que abrange todas elas [as mulheres], uma espécie de resumo
do disco. São os homens tocando tambor para as mulheres dançarem e festejarem. É uma música completamente
masculina, mas eu consigo ver a mulher nela, as mulheres que dançam ao som do tambor. Ele descreve, na verdade, a maneira de tocar, como se aprende a tocar um tambor. No final ele diz que tem mironga aí, ou seja, tem algo muito especial na maneira de tocar. “Tem quem bate e faz zoeira/ tem quem toca como quê/ quem comprou tambor na feira/ esse não sabe bater./ Foi no couro e na madeira/ que me disse um alabê/ tocador de capoeira/ não é de maculelê”. Então ele começa a fazer uma série de pontuações no ato de tocar tambor e as mulheres, como ele diz no texto que me apresenta, estão mirongando ao som do tambor. Mironga é uma festa!”

2. Balacoxê de Iaiá (Paulo César Pinheiro): “Na hora em que eu li o título eu fiquei imaginando um bumbum enorme de Iaiá. Na verdade, Balacoxê veio por essa sensualidade, de cortar cana, da mulher, e eu fiquei fascinada, por que a maneira como Paulo cantou essa canção, o que eu ouvi, é como se estivesse na fala dele, essa mulher, Iaiá, que corta cana, que “bota a roda pra rodar/ eu só vejo esse desenho na cintura de Iaiá”. Foi uma canção em que eu me vi. Me perguntei, meu Deus, será que eu vou cantá-la eu vendo Iaiá ou eu sendo Iaiá? Eu acho que de todas que eu cantei, eu era a Iaiá. Tava em mim, passava por mim, essa história de “como eu vejo, com o punho nas cadeiras/ Iaiá fazer”. Essa descrição pra mim, essa mulher, essa Iaiá, ela é incrível”.

3. Passista (Paulo César Pinheiro): “Foi o primeiro refrão que me chamou muito a atenção: “seu povo já foi do cativeiro/ mas hoje que o samba é uma nobreza/ é ela que reina no terreiro/ do samba outra vez virou princesa”. Achei muito forte ele ter trazido como o povo dela sofreu e como hoje ela é uma rainha, comanda o samba na escola. Isso me fascinou, saber que tem muita gente que vai pra vê-la. O samba trouxe essa majestade pra ela”.

4. Coqueiro novo (Paulo César Pinheiro): “Foi a praia daqui. Uma homenagem à minha praia, à praia em que eu cresci, em que eu brinquei na areia e, lógico, às morenas do Cabedelo, na Paraíba, às quais ele se refere, que fazem acessórios com a palha do coqueiro, vivem disso. São mulheres sofridas, mas quando escuto, eu me vejo na praia, sombra, vento nos cabelos e água fresca. Uma valorização do trabalho dessas mulheres, transformando a palha em objetos, bolsas, cintos, acessórios femininos”.

5. Presente de Iemanjá (João Lyra e Paulo César Pinheiro): “Quando Luciana me mostrou ela falou de uma pessoa que tinha que dirigir os arranjos do disco, chamada João Lyra [que assina parte dos arranjos, violões e viola do disco]. A primeira vez que o ouvi cantando, fiquei fascinada por ele, com a alegria que ele põe na canção. E eu ouvi Presente de Iemanjá com ele cantando e me remete à fartura. Quando fala de “jogar a rede pro céu/ e a rede cai no mar/ o que cai na rede é peixe/ é presente de Iemanjá”, isso me vem como abundância, as mulheres tendo o que comer, os homens saem para pescar e trazem o pão de cada dia, o peixe para fazer o almoço. Eu me vejo numa vila de pescadores. Ele trouxe um arranjo fantástico com Toré de índio pra canção, ficou muito forte. Tem o canto pra sereia, por trás de tudo isso, que é muito marcante. Eu não cantei orixás no disco, mas cantei pra Iemanjá, que pra mim sempre foi uma mulher encantadora, embora eu de início não soubesse bem o que era um orixá. Eu sabia que ela vivia no mar e eu sempre lembro da Iemanjá da Ponta D’Areia toda vez que eu canto”.

6. Lavadeira (Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro): “Paulinho me mostrou essa canção, eu já fascinada pelas mulheres, e ele não me contou que ia me mostrar. Eu tava na cozinha da casa dele, comendo, e ele colocando músicas, que ele adora. Quando eu ouvi isso na cozinha eu saí correndo pra sala, “Paulinho, o que é isso?”, e ele já com o sorrisão aberto, por que sabia que eu ia me interessar pela música. Pedi pra ele botar de novo, ele botou. Eu ouvi na voz da Andréia, que é uma cantora que gravou a música. A Luciana perguntou, “mas Alexandra vai gravar? Já gravaram!” E ele disse “não importa. A Andréia sumiu. É ela [Alexandra] quem vai fazer essa música aparecer”. É a canção mais cinematográfica do disco, descreve tudo o que uma lavadeira faz. É de uma sensualidade, de uma sensibilidade tão profunda. A lavadeira passa a ser uma deusa em vez de uma simples lavadeira. Luciana faz um cavaquinho que dói na alma, Mauricio Carrilho fez o arranjo perfeito e ainda criou um canto para a lavadeira: “Lá lá lá ia lá ia/ Madalena foi lavar” e vai embora”.

7. Roda das sete saias (Roque Ferreira e Paulo César Pinheiro): “Eu ouvi cantada por Roque Ferreira, em uma das minhas viagens ao Rio, me apaixonei pela festa. Ela tem oito minutos, é um samba de roda fantástico. Fala das festas populares, tudo o que é cantado nas rodas das festas. Imagina um festejo acontecendo num terreiro, numa casa de festa… os grupos se formam a partir das afinidades: uma roda de samba aqui, uma caixeira tocando ali. Versos que surgem dessas afinidades da festa compondo um samba de roda com a música de Roque Ferreira, a letra de Paulo César Pinheiro e o arranjo de Maurício Carrilho. Eu costumo dizer que não sinto os oito minutos. Termino de cantar e pergunto: “vixe, já foi?” Ela foi uma música muito eleita aqui na minha terra. Fiz uma sessão com os compositores para ouvirmos o disco e muita gente gostou dela, por que ela é forte, ela lembra a gente, ela é muito Maranhão, é nossa…”

8. Coco da canoa (João Lyra e Paulo César Pinheiro): “Eu sou apaixonada por coco. Eu fui atrás de outro coco. Eu já tinha um coco no disco, acho um ritmo que mexe muito comigo. Quando eu era pequena, eu ia para a Rua Grande, e tinha uma cega que cantava um coco com um chocalhinho. Eu cresci com o coco muito presente na minha vida, mamãe sempre cantava em casa. Eu busquei mais um coco e como eu já tava encantada com o trabalho do João Lyra, com a alegria que ele emprega nas coisas, foi uma das canções que eu trouxe. Ela fala de um flerte na praia, de uma mulher faceira que não sabemos bem se é uma mulher ou uma sereia encantada. Gostei muito desse coco meio embolado, gostoso demais”.

9. Coco (Paulo César Pinheiro): “O coco é uma paixão. Ele é um trava-língua e a Luciana me mandou como um desafio para uma fonoaudióloga [risos]. Quando eu ouvi, pensei: “não vou conseguir cantar nunca!” É muita coisa e tudo muito rápido. Quando cantei e vi que o teatro todo cantou de novo… eu ensinei apenas uma vez e quando cantei a segunda parte todo mundo riu de tão embolado que tudo fica… e lindo… Fala de quebrar o coco, das quebradeiras de coco, a maneira como quebram o coco, que fazem a roda. Eu ia muito pra Pinheiro passar férias e comia muito coco babaçu. E pra mim não valia comer coco babaçu guardado, que mofa. Eu queria ver era ver o coco babaçu tirado por dona Mariazinha, que trabalhava na casa de meu pai, e a gente ia lá para um cantinho do quintal, debaixo duma árvore, quebrar coco”.

10. Bisavó Madalena (Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro): “Foi outra pescaria. Paulinho já atrás dos seus tesouros guardados e ele tentava falar para mim como era a canção. Mas como não vou me apaixonar por uma música que fala da bisavó de Wilson das Neves? Que rodou o Brasil inteiro, que era dançarina de primeira e rodou o país dançando todos os ritmos e era boa de gogó, de samba, de bumba meu boi… quando ouvi fiquei encantada pela música. Wilson já gravou e eu não resisti, por que ela dá um resumo dessa matriarca que recebe esse festejo. E eu pretendo abrir o show com ela”.

11. Soberana (Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro): “Wilson das Neves novamente. Essa música eu me lembro de Paulinho, ele não só me mostrou, mas ele dançou, me mostrando como eu devia fazer no palco com minha saia. Foi a maneira mais poética, mais romântica, mais soberana que eu vi um homem falar de uma mulher. Eu acho que qualquer mulher no mundo dava qualquer coisa para ser essa mucama à qual ele se referiu. Ela “nunca foi mucama de qualquer laia”. É a música que mais mexe comigo no disco. É a minha música! Eu sou apaixonada… As pessoas perguntam “qual é a música de trabalho?” Eu só digo Soberana. Eu sei que existe essa mulher, até por que eu sei de muitas mulheres que são soberanas. Mas você chega a duvidar, de tão incrível que ela é, você se pergunta, “é tudo isso?”, por que sempre escapa algo, ela é incrível”.

12. Ava Canindé (Paulo César Pinheiro): “Foi um Divino Espírito Santo que foi trazido para mim. Luciana mandou propositalmente, pois sabia que eu fui imperatriz na infância [em festejos do Divino, em Pinheiro, pagando promessas de sua mãe]. Eu sempre falo que vejo as mulheres indo para as festas do divino, as caixeiras, as arrumadoras da bandeira, e ela fala da simplicidade e da organização dessa festa. O dia a dia, como as pessoas se vestem, como chegam, descreve a cidade, a igrejinha. E João Lyra trouxe o que há de mais surpresa no disco, o arranjo dessa música. Para quase todos os músicos ela é a mais forte. João não conhecia a batida do Divino Espírito Santo, e no entanto ele trouxe sopros, viola. Ficou muito linda, simples, nostálgica. Para eu conseguir cantá-la do jeito que eu cantei eu me imaginava com João e Paulinho, em um morro bem alto, olhando lá de cima para esta cidade e cantando”.

13. São Luís do Maranhão (Paulo César Pinheiro): “A maneira como Paulo descreve o Maranhão, a impressão que a gente tem é a de que ele estava aqui, e de uma maneira também muito cinematográfica. Você consegue ver o boi de uma forma tão simples. Cantar minha terra foi uma honra, com a letra dele, então. E ele não conhece. Conhece através de Josué Montello e é capaz de conhecer até mais que eu, por que Paulinho quando vai em um assunto, ele vai fundo, vai além, muito além… Pra mim foi um presente, ele interferiu nesse arranjo, ele estava presente nessa gravação, acompanhou de perto [o saudoso parceiro João Nogueira era, até então, o último artista visitado por Paulo César Pinheiro em estúdio durante a gravação de um disco]. E nada como o nosso mestre Arlindo Carvalho para dirigir e dar esse toque de Boi de Pindaré. Ela fecha o disco, fecha com minha terra, fecha onde nasci, fecha com São Luís”.

Galo Preto no Cineclube Laborarte

Sinopse (que recebi por e-mail do Laborarte): “O filme/documentário, Galo Preto, o Menestrel do Coco, 46min., do cineasta e roteirista Wilson Freire, conta a história do senhor Tomaz Aquino Leão, Mestre Galo Preto, que é o último representante vivo e ativo da tradição do coco do Quilombo de Rainha Isabel e da tradição de sua família. Com roteiro e pesquisa surpreendentes, cheio de surpresas e informações preciosas, que remontam à história do ritmo musical conhecido como coco e da música popular no país, trazendo à luz, personagens incríveis de seu convívio, este documento audiovisual torna-se uma peça indispensável para o avanço do reconhecimento dos grandes mestres negros e índios das culturas tradicionais. Além de ser um elemento que garante a preservação da memória deste singular artista que fez do coco e da embolada, enfim, da música, sua vida. Aos 75 anos de idade, o Mestre Galo Preto, continua ativo e criativo, dando à cultura que pertence, a perspectiva de continuidade e, é acima de tudo, um patrimônio de todos os brasileiros, merecendo este reconhecimento.”

A sessão é gratuita e acontece hoje (4), às 18h30min no Laborarte (Rua Jansen Müller, 42, Centro).