[O Imparcial, 7 de setembro de 2014]
O flautista e saxofonista “bossa nossista” Lee Fan é o 39º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão
TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVANIO ALMEIDA SANTOS
O flautista e saxofonista Lee Fan foi apresentado ao choro através de um cavaquinho que ganhou de presente de uma tia, professora de música. Na Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo ele concluiu os cursos de cavaquinho e flauta transversal. O saxofone foi consequência.
Lee Jun Fan Santos de Sousa herdou o nome de Bruce Lee, astro de filmes de artes marciais de quem seu pai é fã e resolveu batizar o filho, homenageando-o. O menino Lee chegou a enveredar pelas artes (marciais), mas temendo algum acidente com as mãos, optou pelas artes (musicais). Impossível não lembrar os versos de Caetano Veloso, em sua Um índio: “tranquilo e infalível como Bruce Lee”. “Minha vó era índia”, revelou-nos o 39º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão, cujo depoimento foi colhido no pátio comum entre La Pizzeria e a Pousada Portas da Amazônia, na Praia Grande, espaço onde ele mesmo, então um garoto com entre 14 e 15 anos, chegou a tocar, durante a breve temporada em que o espaço abrigou o saudoso projeto Clube do Choro Recebe, de que ele lembra com carinho e saudade.
Lee Fan nasceu em 19 de março de 1993, em São Luís. Desde então mora na Cidade Operária. “Moro com meus pais”, conta o filho de José de Ribamar Ferreira de Sousa, técnico em informática, e Conceição de Maria Matias Santos, ex-cobradora de ônibus, que deixou a função após ser vítima de nove assaltos. “Ela contraiu fibromialgia, não pode mais trabalhar na profissão. Mas sempre foi muito guerreira, não gosta de ficar parada, sempre teve um pulso administrativo muito grande, então montou lá em casa uma lan house, uma xerox, que ela mantém e com que paga nossas contas. Lá em casa todos somos autônomos”, admite o garoto prodígio.
Você está cursando faculdade? Faço Música, sétimo período da Licenciatura na UFMA [Universidade Federal do Maranhão].
Você chegou a procurar outra coisa? Os pais chegaram a recomendar fazer outra coisa por que música não dá futuro ou sempre teve apoio? Graças a Deus, lá em casa eu sempre tive muito apoio. Minha mãe sempre me instigou a estudar o que eu queria. O que ela sempre me diz é que para o bom profissional não falta trabalho. Esse é o lema que a gente carrega. Minha família é de músicos, essa nova geração. Tudo começou com minha tia, Maria Zélia, que é professora da Escola de Música, é minha tia legítima, irmã de minha mãe. Eu sempre tive esse total apoio.
Mas teu pai não quis que você fosse lutador de artes marciais? [Risos]. Na verdade eu cheguei a praticar, eu lutei alguns anos tae-kwon-do, cheguei até a competir, estava tendo um bom desempenho, ganhando medalhas. Só que nessa época, mesmo novo, eu já fui obrigado a tomar uma decisão: ou música ou arte marcial. Eu lutando era um risco grande de machucar minha mão. Como eu já tinha esse foco, de trabalhar com música, eu não quis correr esse risco. Então abri mão da luta.
Além de músico você desenvolve alguma outra atividade para ganhar dinheiro? Ou vive de música? Não. Eu sobrevivo, não é “nossa, como eu ganho dinheiro!”, mas eu ganho dinheiro, procuro rendas em vários ramos da música. Eu não sou um cara que “ah, eu só quero tocar, meu cachê vai ser tudo pra mim”. Não, eu não penso assim, tanto que estou fazendo uma faculdade. Eu dou aulas, trabalho com gravações, além dos shows. A gente tem no Bossa Nossa um pouquinho da parte empresarial, a gente consegue ganhar um pouquinho mais. A gente tenta de todas as formas aumentar a nossa renda trabalhando com o que a gente gosta, sem precisar ir para outros ramos, outras profissões. Eu tento com música pagar as minhas contas, estou conseguindo. Pela faculdade já consegui algumas coisas, já estou dando aula no Sesc [Serviço Social do Comércio] de carteira assinada. A profissão de professor, mais o artista da noite, mais o cara que trabalha com gravação, quer dizer, estou juntando tudo para montar o profissional, o músico.
Para sobreviver de música, figurativamente, tem que rebolar, não é? [Risos]. É, não é fácil. Quem achar que é fácil está enganado. Muita gente, até amigos nossos, colocam a música muito pra baixo, como se fosse uma coisa. Dizem “Deus me livre que meu filho estude música”. Eu já não penso assim. Se quiser estudar música, vou apoiar, vai ser a escolha dele. Lógico que cada escolha é uma renúncia, você vai ter que saber que você vai ter que passar por uma fase que não vai ser fácil, abrir mão de vários finais de semana com sua família, até ter uma situação favorável onde você possa selecionar os trabalhos, mas até aí é uma trajetória que não é fácil, nem pequena. Dependendo do mercado em que você vai trabalhar, se é no Rio de Janeiro, se é no Maranhão, você vai ter que manter uma rotina de estudos de alto nível.
Antes de ingressar na UFMA você estudou na Escola de Música, não é? Sim. Estudei na Escola de Música flauta transversal e cavaquinho. Flauta transversal eu estudei com o professor Paulo Santos, o grande Paulinho, e o cavaquinho eu estudei com o Juca [do Cavaco, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 13 de abril de 2014], o Emilson Pires [nome de batismo de Juca do Cavaco], e com o João Soeiro [violonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 30 de março de 2014], sendo que eu entrei na Escola de Música no cavaquinho. Aprendi flauta doce em casa, através de minha tia. Quando eu entrei na Escola de Música eu já tinha um cavaquinho, que ela me presenteou, e eu comecei a estudar cavaquinho. Logo após eu fui para a flauta transversal. Lá na Escola de Música eu vi uma apresentação do grupo Instrumental Pixinguinha, foi quando eu vi pela primeira vez alguém tocando flauta transversal ao vivo, aquilo me encantou muito. No semestre seguinte eu me inscrevi para flauta transversa. A partir de então não parei mais de estudar o instrumento. Até deixei, na verdade, um pouco o cavaquinho de lado para poder me dedicar à flauta transversa.
Você chegou a concluir o curso na Escola de Música? Sim, todos dois. Fiz os 10 períodos.
Além de tua tia Zélia, que com certeza te influenciou bastante, como era o ambiente familiar em relação à música? O que se ouvia? Meus pais gostavam muito de samba. Meu pai sempre ouvia aquelas músicas bem retrô, Alphaville, bem antigas, brega também rolava muito. Eram pessoas que ouviam coisas normais, não era bossa nova, não era jazz, não era blues, não tinha seleção. Minha mãe não tem o perfil de ligar o som para ouvir música. Meu pai, sim, ligava, ficava ouvindo. Eu fui aprendendo ouvindo, hoje eu sei tocar muita música antiga de ouvir quando meu pai ligava e botava para tocar.
Além de flauta e cavaquinho você toca algum outro instrumento? Toco sim. Atualmente os instrumentos a que me dedico são a flauta transversal e saxofone. Por que o saxofone? Eu trabalhei em um grupo chamado Pagode do Ivan. Em vários grupos, mas o Pagode do Ivan foi o principal. Hoje em dia, não só na música, as pessoas têm que ser polivalentes, têm que ser versáteis, na música principalmente. Eu não poderia ficar tocando só a flauta transversal por que o mercado pede que o músico de sopro toque também saxofone. Houve uma tendência para que eu começasse a aprender esse instrumento. Não foi uma obrigação. Eu experimentei, gostei muito e hoje eu me dedico a esses dois instrumentos com o maior prazer.
O cavaquinho está meio largado. Isso! Eu ainda toco cavaquinho. Como eu trabalho com as mãos, a música está direto, todo dia em mim. Quando eu pego o cavaquinho, eu ainda sei tocar as mesmas coisas, eu só não vou pra frente. Mas pra trás, graças a Deus, eu ainda não fui [risos].
A busca pelo saxofone foi autodidata ou você teve professor? Foi autodidata. Eu não fui para um lugar pegar aula, mas eu sempre pesquiso muito, converso muito com quem toca. Quer dizer, eu acabo pegando aulas com várias pessoas, que é uma aula de conversa, não é uma aula de didática, com roteiro. Como eu já tocava flauta, eu tive muita facilidade de migrar para o sax, a digitação é bem parecida, a diferença maior é na embocadura. Quando eu comprei o sax, não sabia nada, fui tocando e metendo a cara.
A escolha dos sopros deve-se à influência de tua tia? Como é que a flauta aconteceu? Não. Ela me deu um cavaquinho. Eu aprendi a tocar flauta doce e tocava até relativamente bem, zerei os métodos todos. Fui pra Escola de Música, estudei cavaquinho e simultaneamente estudava flauta doce. Um dia fui ao [Teatro] Arthur Azevedo e o Pixinguinha era um dos grupos da programação. Se não me engano, era até o João Neto [flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 2 de fevereiro de 2014] que estava tocando, não era o Zezé Alves [flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013] que estava nesse dia. E a música que me marcou muito foi André de sapato novo [de André Victor Correia]. Eu ouvi aquela música, fiquei, “nossa, é isso que eu quero para mim”. No semestre seguinte eu me matriculei, ganhei minha flauta estudante, comecei a estudar. Como minha família é de músicos, desde cedo começou a aparecer trabalho para mim. “Nossa, ele é criança!”, eu comecei a ir juntando uns trocados para comprar essa flauta aqui [aponta para seu instrumento, sobre a mesa], que eu já consegui comprar com os meus trabalhos.
Além do Bossa Nossa e do Pagode do Ivan, de que outros grupos musicais você fez parte? Participei do grupo Vamu di Samba, antes do Pagode do Ivan. Antes do Vamu di Samba eu participei do grupo Som Brasil, só que foi uma passagem rápida. Simultaneamente, nessa época, era até com Rafael Guterres [cavaquinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 18 de maio de 2014], o grupo Som Brasil, lá na Escola a gente tinha uma brincadeira, a gente tocava samba e pagode, que era o grupo Pagodez. Era uma brincadeira, mas foi lá que eu comecei a entender a linguagem do samba, como colocar a flauta no samba. Apesar de ser música brasileira, ser ligado ao choro, a forma como você vai colocar, para não atrapalhar quem está cantando, é uma forma delicada, o chamado contracanto. Lá foi onde eu comecei assim, de fato. Simultaneamente também estava na Segunda sem lei [evento semanal, às segundas-feiras, na Associação Atlética do Banco do Estado do Maranhão, AABEM]. A primeira vez que eu toquei samba foi lá. Lá eu conheci João Eudes [violonista sete cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 16 de fevereiro de 2014], a proposta era de samba, mas como a gente gosta muito de choro, o quanto a gente podia a gente tocava. Lá iam também Wendell Cosme [bandolinista e cavaquinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 24 de novembro de 2013], Robertinho [Chinês, bandolinista e cavaquinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013], era uma festa muito legal.
E os grupos de choro? Toquei durante algum tempo no Chorando Callado, logo depois da saída do Tiago Silva [clarinetista e saxofonista], ele foi para Manaus. Toquei também algum tempo no Um a Zero, mas já não foi como membro do grupo. Eu substituía João Neto em algumas vezes que ele não podia ir. Em participação eu toquei em quase todos os grupos, o Instrumental Pixinguinha, Urubu Malandro, Os Cinco Companheiros. Eu cheguei a tocar com eles, em várias festas. O que durou mais tempo foi o Chorando Callado.
Atualmente você só integra o Bossa Nossa? Sim, só o Bossa Nossa.
O que significou para você, para os outros membros do Bossa Nossa, participar do Festival de Jazz e Blues de Barreirinhas [o VI Lençóis Jazz e Blues Festival]? Foi um presente! Eu considero. Foi um convite feito pelo [produtor] Tutuca Viana. Como a gente tem uma agenda fixa, ele nos viu tocando em um restaurante, gostou muito e convidou. Nós mesmos nem acreditamos, um festival onde só toca a galera fera, de fora. A gente encarou com muita seriedade e tentamos fazer nosso melhor. Graças a Deus o público gostou muito. Foi realmente um presente e uma honra muito grande, pra gente, poder fazer parte desse evento de grande relevância para o cenário musical do Maranhão e do Brasil.
Tuas primeiras aparições públicas tocando choro foram no Clube do Choro Recebe, no Chico Canhoto. Isso! Lá, inclusive, eu estava substituindo o João Neto. Foi um show com a [cantora] Tássia Campos, outro com Zeca do Cavaco [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 21 de julho de 2013] e também com o Um a Zero.
O que significaram aquelas apresentações? Quais as tuas lembranças do período? Aquele palco faz falta para a cena choro de São Luís? Eu tinha acabado de comprar essa flauta, é de prata, é um instrumento para a vida, a gente só faz manutenção. Eu pensava, “agora eu tenho uma flauta bacana, tenho que tocar em lugares melhores, para um público melhor me ver tocando”. O Clube do Choro era um desses locais, eu tinha um sonho, uma vontade grande de tocar. O Clube do Choro do Maranhão está fazendo muita falta. Eu fico triste quando alguns artistas vêm de fora, instrumentistas, principalmente, me perguntam onde está rolando choro aqui na cidade e eu fico sem saber o que responder [os chororrepórteres passam ao músico a agenda do Regional Tira-Teima, que toca às sextas-feiras, a partir das 20h, no Brisamar Hotel]. Atualmente não tem um local onde a galera vá para valorizar essa música. A gente faz uns trabalhos paralelos, toca um pouquinho de choro, mas não é a principal atração. Está fazendo uma falta tremenda!
Além de instrumentista, você desenvolve outras habilidades na música? Estou iniciando esse aprendizado. Para a gente que estuda instrumento de sopro é um desafio estudar harmonia. Para eu compensar essa dificuldade eu procuro entender um pouquinho de teclado, só que eu não digo que eu toco teclado. Eu estudo um pouquinho, como eu posso, quando eu posso. Como eu estudei cavaquinho, tenho uma boa base dos acordes, eu tenho essa vantagem em relação a quem não toca instrumentos harmônicos, quem estudou cedo, na verdade. Quando eu toco, eu já identifico as cores dos acordes, se é um acorde maior, se é um acorde menor, isso fortaleceu muito meu ouvido. Atualmente, estudo de arranjo, eu estudo devagar. Estou iniciando, na verdade, inclusive estou até pegando aula com Robertinho Chinês, que está me ajudando muito. Também já peguei aulas com Israel Dantas [violonista], Moisés Ferreira [guitarrista]. Eu estudo como eu posso.
Você já gravou em discos? Eu tenho muito na área do samba. Gravei o disco do Argumento, do Feijoada Completa. Gravações de músicas com Lena Machado [cantora], que ela faz para participar de projetos, por exemplo o Exposamba. Com Wendell gravei vários, o do Andrezinho Valois, o do grupo Madrilenus, alguns grupos de pagode, grupo Pura Simpatia, grupo Tô Di Mais. Geralmente quando pinta um trabalho para Wendell e tem sopro, a gente tá junto!
Você falou há pouco do impacto que te causou ouvir João Neto tocando André de Sapato Novo no Arthur Azevedo. Que flautistas te chamam a atenção, hoje? Atualmente o Eduardo Neves. É um músico excepcional. Ele mora no Rio de Janeiro. Eu ainda não tive contato com ele. Apesar de ele ser novo, ele não mexe em facebook, então eu ainda não pude trocar uma ideia. Eu ouço muito os discos dele. Como multi-instrumentista, flautista inclusive, tem o Dirceu Leite, me inspira muito. Me vêm logo à mente esses dois caras, até por que estão em atividade. Que já passaram, vamos dizer assim, tem o Altamiro Carrilho, incomparável. Eu ouvia muito os discos dele, tocava junto, foi assim que eu assimilei melhor a linguagem do choro. Ainda ouço, na verdade, os discos do Altamiro Carrilho. Em São Luís, a referência de som é o Paulinho [Santos]. É um cara que, embora não esteja em atividade, tocando por aí, pra mim o som do Paulinho é um som lindo.
Você afirmou que muito provavelmente teus pais vieram a conhecer choro depois que te ouviram tocar. E como é que você conheceu o choro? Já foi na Escola de Música? Como é que foi essa aproximação com esse gênero? O choro eu conheci nas aulas de cavaquinho. Como eu estudava com Juca, o Juca toca muito choro, é um chorão. A primeira música que eu lembro que a gente tocava muito era Feitiço da Vila [de Noel Rosa e Vadico], inclusive essa música me acompanhou durante vários recitais. Não era uma coisa muito programada, era “ah, amanhã tem um recital, vamos lá tocar”, e a gente tocava Feitiço da Vila, Carioquinha [Waldir Azevedo]. Eu comecei com Feitiço da Vila, mas também as músicas do Waldir Azevedo, eu ouvia muito, tocava muito, Flor do cerrado [Waldir Azevedo], Luz e sombra [Waldir Azevedo], todas eu tocava muito e gostava muito, eu pedia pro Juca me ensinar, dava muito certo. Foi assim que eu conheci o choro.
O que significa o choro para você? Qual a importância dessa música? Eu dou graças a Deus por ter conhecido o choro. A música brasileira, as síncopes, todo suingue, toda malícia, tudo aquilo está no choro. O músico que toca choro está apto para tocar toda música brasileira, tirando as regionais, bumba meu boi, maracatu. A bossa, a improvisação, o choro está em tudo. Até para tocar outras músicas de outros países, o jazz, o blues, também me ajudou, na concepção rítmica, principalmente. Como eu participei de grupos de samba, quando eu fiz essa passagem do choro para o samba, eu já estava um passo à frente de muita gente, já tive muita facilidade. Muita gente gosta de mim tocando samba, acho que por isso, por que eu passei pelo choro.
Você escuta muito choro, hoje? Como é tua relação com o consumo de música? Compra discos, baixa na internet? Ainda escuto. Geralmente, não vou mentir, compro discos quando o artista vem e eu tenho oportunidade de comprar dele. Até por que os artistas que eu compro, não vende o disco deles aqui. Como o Dirceu Leite, por exemplo, Toninho Carrasqueira [flautista], nas vezes que ele veio, sempre trouxe um cd diferente, sempre compro. Zé da Velha [trombonista] também, fiz questão de comprar o cd dele. Fora isso eu baixo, ouço muita coisa pelo youtube, até por que hoje, tudo é muito rápido. A galera que toca lança um trabalho no youtube, depois outro, o ciclo vai rodando. Às vezes eu chego a nem conhecer, quando eu chego já passou, aí eu baixo.
Você prefere o choro tradicional ou o moderno, mais inventivo? Eu estou mais ligado nessa vertente mais inventiva, a galera de Brasília que está inovando muito. O choro tradicional eu ouço, eu curto. A gente começa a estudar improvisação, quer improvisar, quer aplicar o que está estudando. O espaço que a gente tem para fazer isso é quando estamos tocando. Temos que ouvir quem está fazendo isso, Eduardo Neves, Hamilton de Holanda [bandolinista] também.
O que significou para você tocar com Zé da Velha e Silvério Pontes [trompetista]? Foi outro presente. Eu achei que não estava preparado. Eu estava tocando muito com o Pagode do Ivan, muita festa. Wendell comentou que tinha um show, falou que era Zé da Velha. Depois ele comentou já faltando uma semana. Ele me mandou o repertório, algumas músicas eu já conhecia, outras não. Eu fui procurar pegar para aprender. Nós fizemos um ensaio sem ele na sexta, o show foi no sábado. Terminou o ensaio, Wendell me ligou dizendo que o show era o lançamento do cd deles [Zé da Velha e Silvério Pontes], ele conseguiu as partituras, João Eudes foi deixar para mim no samba, ele chegou lá duas da manhã, eu estava tocando. Acordei cedaço no dia, fui ler, o show foi mais do que eu esperava. Eu imaginava que eu ia ficar de canto e eles sendo a atração, mas eu acabei ficando lado a lado com os caras. Zé da Velha tocou com Pixinguinha. Rolou espaço para improvisação, foi muito bom. Conversamos depois do show, fiquei feliz por eles terem ficado satisfeitos.
Na sua entrevista à Chorografia do Maranhão, Henrique [Cardoso, violonista, membro do Bossa Nossa, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 10 de agosto de 2014] afirmou que um dos hits do Bossa Nossa é Boi de lágrimas [de Raimundo Makarra]. Em outros estados, por exemplo, Pernambuco, o frevo dialoga diretamente com o choro, no Rio de Janeiro, o choro dialoga com o samba. Aqui, fora algumas iniciativas como o Choro Pungado, ainda percebemos uma timidez de misturar o choro aos ritmos da cultura popular do Maranhão, e parece que vocês estão retomando essa proposta. Você acha que é possível? Esse casamento é legal? A gente tem a prova que é possível. Em nossos shows o Boi de lágrimas é nosso trunfo. A gente toca o Boi de lágrimas quando a gente percebe que não está chamando muito a atenção. “Vamos quebrar o clima!”, aí a gente toca. Todo mundo vira logo pra gente. Isso é em qualquer lugar: no shopping [da Ilha, o Bossa Nossa se apresenta aos sábados, ao meio dia], no Manu [restaurante na avenida dos Holandeses, o grupo se apresenta semanalmente, às quintas e sábados, alternadamente], em um aniversário. Isso é a prova que a música maranhense é muito admirada e tem espaço. Nós aproveitamos o Boi de lágrimas e acabamos tocando outras músicas: Dente de Ouro, do Josias [Sobrinho, compositor], Bela Mocidade [de Donato Alves], o Coxinho [o cantador e compositor Bartolomeu dos Santos] também, “Urrou, urrou” [cantarola trecho do Urro do Boi, de Coxinho, considerada o Hino do Folclore Maranhense] e outras músicas maranhenses, a gente viu que dá certo. Partindo da grande aceitação do público a gente desenvolveu o show Trupiada, todo de repertório de autores maranhenses, que apresentamos recentemente no Sesc Amazônia das Artes, e também no São João, no Arraial Balaio de Sotaques, também do Sesc.
Vocês consideram o Bossa Nossa um grupo de choro? Também. Quando nós estávamos na UFMA já tínhamos muitas reuniões. Dessas reuniões saiu o nome do grupo. Mas ainda não sabíamos o que éramos. Vamos tocar o quê? Vamos tocar onde? Infelizmente não dá para tocar só o que a gente gosta, só choro, se quisermos um trabalho rentável. A gente não toca só choro, não toca só bossa. O que nosso cliente pedir… a gente tenta selecionar as balas de cada gênero, as mais conhecidas do choro, as mais conhecidas da bossa, música internacional. É difícil, mas está dando certo até agora.
Você se considera um chorão? Eu me considero. Se for para vestir a camisa eu visto. É claro que eu toco várias outras coisas, mas eu me considero um chorão, sim. Até por que é minha infância, o choro é minha infância, eu ouvia Waldir Azevedo e Altamiro Carrilho. O choro está na minha infância, eu ficava mudando o cd, um atrás do outro, eu ficava sempre tocando cavaquinho e a flauta também. Meus vizinhos todos me conhecem por isso, eles gostavam também da música, passaram a gostar. Eu me considero um chorão, sim.