Via Gal, o Brasil musical de Jussara Silveira e Renato Braz

Fruta gogoia. Capa. Reprodução

 

Como boa tropicalista, Gal Costa flertou com a Bossa Nova, tendo dedicado um disco ao repertório de um dos papas do movimento, Tom Jobim, Gal Costa canta Tom Jobim, de 1999.

A releitura de Jussara Silveira e Renato Braz, dois dos mais talentosos cantores de nossos tempos, para o repertório da baiana, uma das maiores em todos os tempos, está mais para Bossa Nova, pelos refinados arranjos e direção musical de Dori Caymmi – a produção musical é de Mario Gil e a direção artística de Luiz Nogueira.

Cabe dizer que o par de intérpretes não se acomoda em zonas de conforto: releitura é palavra que aqui faz sentido, indo além de mera regravação. Nada soa forçado. Eles já dedicaram discos ao repertório de mestres: ela, Canções de Caymmi, em 1998; ele, Silêncio – Um tributo a João Gilberto, em 2014. Tudo se liga.

O Bicho Gal, da série Fauna Brasiliensis, de Regina Silveira, na capa, é o mais próximo da “psicodelia” tropicalista a que chega Fruta gogoia – Uma homenagem a Gal Costa [Selo Sesc, 2017; R$ 20,00].

O disco é, além de uma reunião de músicos talentosos, um abrangente songbook brasileiro, e não poderia ser diferente em se tratando de um mergulho na discografia de uma das mais talentosas cantoras brasileiras em todos os tempos, de longeva carreira – já são mais de 50 anos desde o compacto de estreia, quando ainda assinava Maria da Graça, seu nome de batismo, em 1965.

As bases são executadas por Dori Caymmi (violão), Mario Gil (violão), Swami Jr. (violão sete cordas), Sizão Machado (baixo), Toninho Ferragutti (acordeom), Itamar Assiere (piano), Teco Cardoso (sax), Celso de Almeida (bateria) e Bré Rosário (percussão), além de um octeto de sopros, mais cordas, violas e violoncelos, que passeiam por um repertório que abrange do citado Tom Jobim (Estrada do sol, parceria com Dolores Duran, e Tema de amor de Gabriela) a Caetano Veloso (nome mais presente na discografia de Gal Costa e não por acaso também neste Fruta gogoia: Tigresa, Meu bem, meu mal, Baby, Não identificado e Força estranha), passando por nomes como Chico Buarque (Folhetim), Jards Macalé (Vapor barato, parceria com Waly Salomão), Luiz Melodia (Pérola negra), Lupicínio Rodrigues (Volta) e Dorival Caymmi (Só louco e Modinha para Gabriela), além de nomes menos conhecidos mas fundamentais, como Tuzé de Abreu (Passarinho) e Pereira da Costa e Milton Villela (Teco, teco).

Fruta gogoia foca um repertório antológico e diverso de Gal Costa, passeando por diversas fases de sua carreira. A bela e merecida homenagem é mais uma prova de sua profunda e definitiva influência sobre cantoras e cantores brasileiros e de seu lugar na preferência dos apreciadores de música brasileira.

A primeira visita de Danilo Caymmi à Ilha

[Íntegra da entrevista publicada quarta-feira passada, 20, no Alternativo, O Estado do Maranhão]

Danilo Caymmi conversou sobre memória, o centenário do pai, Dorival Caymmi, download, biografias, festivais, Ecad, e é claro, música

O artista durante a entrevista no hall do hotel. Foto: Zema Ribeiro
O artista durante a entrevista no hall do hotel. Foto: Zema Ribeiro

 

O cantor e compositor Danilo Caymmi esteve em São Luís no fim da semana passada. Veio para um show no Ponta do Bonfim – Música e Por do Sol. Realização de um grupo de amigos apreciadores de boa música, o projeto já trouxe à Ilha, noutras edições, nomes como Paulinho Pedra Azul e Renato Braz.

O filho de Dorival, cuja obra foi celebrada no show, estava cansado – vinha de participar do Festival Sesc de Inverno, em Petrópolis/RJ, mas não se negou a nos conceder uma entrevista, um dia antes de sua apresentação, num dos cartões postais que admirou em São Luís.

Acompanhado do produtor Miguel Bacelar, Danilo trajava camisa preta, calção e tênis no fim da tarde da sexta-feira (8). Conversamos num sofá na recepção do Premier Hotel, onde estavam hospedados. Antes da conversa, em que esbanjou simpatia, sacou o celular e, já sentado, fotografou a tarde. Revelou-me ter conta no instagram: “Eu gosto de fotografar. Me divirto na estrada. Aqui tem um céu lindo”, elogiou.

Seu show no projeto Ponta do Bonfim foi precedido das apresentações de Alberto Trabulsi, que ofereceu um repertório de clássicos da música brasileira, acompanhado de Reuber Rocha (guitarra) e Guilherme Raposo (teclado), e Bruno Batista, que acompanhado de Luiz Jr. (violão de sete cordas, guitarra e banjo), mesclou músicas de seus dois mais recentes discos a inéditas, contando com a participação especial de Claudio Lima – chegaram a anunciar para setembro nova edição do show Hein?, em que os dois dividem o palco.

Entre canto e flauta (emprestada de Zezé Alves), Danilo Caymmi, acompanhado ao violão por André Siqueira, passeou por clássicos de sua autoria, de seu pai e músicas de Tom Jobim. Não faltaram Andança [Danilo Caymmi, Edmundo Souto e Paulinho Tapajós], Casaco marrom [Danilo Caymmi, Guarabyra e Renato Corrêa], O bem e o mal [Danilo Caymmi e Dudu Falcão], O que é o amor [Danilo Caymmi e Dudu Falcão] – as duas, temas da minissérie Riacho Doce, baseada na obra de José Lins do Rego –, Marcha dos pescadores [Dorival Caymmi], Você já foi à Bahia? [Dorival Caymmi], Maracangalha [Dorival Caymmi], Vamos falar de Tereza [Danilo e Dorival Caymmi] – tema da minissérie Tereza Batista Cansada de Guerra, baseada na obra de Jorge Amado –, Samba da minha terra [Dorival Caymmi], Marina [Dorival Caymmi], Eu sei que vou te amar [Tom Jobim e Vinicius de Moraes], entre inúmeros outros clássicos, cantados pelo público a plenos pulmões, com direito a aplausos de pé e insistentes pedidos de “mais um”.

Do pai, de quem herdou o bom humor, contou ainda histórias engraçadas, certamente já consagradas nos anedotários baiano e da música popular brasileira. O sol já havia se posto quando ele deixou o palco, reafirmando o prazer em estar em São Luís pela primeira vez e a vontade de voltar.

Com o violonista André Siqueira, durante o show na Ponta do Bonfim. Foto: Doriana Camello
Com o violonista André Siqueira, durante o show na Ponta do Bonfim. Foto: Doriana Camello

 

Você já conhecia São Luís? Não. É a primeira vez que estou aqui. Trabalho desde os anos 1970 viajando, vamos ser bem específicos, 1973, depois de muitos projetos Pixinguinha, a única capital do Brasil que eu não conhecia era aqui, São Luís, o estado também. É a primeira vez que eu venho. Estou caprichando mesmo para fazer um show superlegal por que estou devendo muitos anos. É muito especial, estou encantado, não conhecia o Centro Histórico, mas sei da fama, dos Lençóis também. Estou fascinado. Eu me divirto muito com fotografia durante essas excursões, fotografei muitas coisas agora no trajeto do aeroporto para cá.

Como é que pintou o convite? Foi surpresa? Demorou muito a aceitar? Não, eu aceitei de primeira. O Miguel [Bacelar, produtor] recebeu o convite, aceitamos logo. Eles [a produção do projeto Ponta do Bonfim – Música e Por do Sol] já haviam feito um evento aqui com um amigo comum, o Renato Braz, grande cantor, amigo de meu irmão Dori [Caymmi]. Quando eu soube, “poxa, é a oportunidade bacana de conhecer”. Pra mim tá sendo meio show e turismo também.

Duas expectativas: qual a sua para o show de amanhã e o que o público pode esperar de você? A minha expectativa para amanhã é fazer o melhor possível. O público pode esperar isso. Como eu nunca estive aqui, é uma vontade de, como se tivesse muito tempo perdido, resgatar. Vou mudar um pouco o repertório. Vou cantar meus sucessos, Andança, Casaco Marrom, as músicas de Riacho Doce, até um arranjo especial para uma bem específica dessa trilha, O que é o amor, minha com Dudu Falcão, um arranjo do André Siqueira, que está comigo, que é um grande músico, e canções de Caymmi também. Nós estamos fazendo shows, eu Dori e Nana [Caymmi], pelo Brasil, vamos fazer dia 16 agora no HSBC em São Paulo. Estou muito feliz em estar aqui. Estou cansado, é lógico, estava na Serra, trabalhando no Rio, 10 graus de temperatura, chego aqui essa exuberância do calor, um almoço maravilhoso, uma pescada maravilhosa, estou encantado, realmente encantado. Sempre tem Caymmi, Jobim, músicas minhas, basicamente isso, com tratamento novo, embora eu não fique muito centrado nos discos que eu gravei.

Como outros grandes nomes da música do Brasil, entre os quais destaco os Chicos Buarque e Maranhão, você também chegou a cursar arquitetura. Isso! Como Tom Jobim também.

Alguma semelhança entre os ofícios? Compor é arquitetar? Tem. Por exemplo, algumas músicas do Riacho Doce são muito curtas, pequenas, e muito densas. Isso também é uma influência direta da arquitetura, da casa mínima, da simplicidade condensada. Sala, quarto, cozinha e banheiro, ali está tudo o que você precisa sem muitos arabescos, a ideia é essa. As canções são muito diretas, elas já entram dizendo a que vem. Como exemplos eu posso dizer O bem e o mal, minha com Dudu Falcão, O que é o amor também. São canções com uma síntese muito forte, é uma coisa proposital que tem a ver com a estrutura da arquitetura.

Teu pai chegou a ficar indeciso entre a pintura e a música. A arquitetura, ou algum outro ofício, tentou te desencaminhar da música? Sim. A Marinha. Tem um parceiro de meu pai, ele tem poucos parceiros, Hugo Lima era oficial da Marinha. Quando eu tinha uns 10 anos, 11 anos ele me levou para o Rio, nós fomos fazer um passeio, arsenal de Marinha, eu conheci aqueles barcos todos, Marinha de guerra, eu fiquei fascinado, quase eu entrei para a Marinha quando eu tinha uns 16 anos, a Escola Naval.

O que significou para você tocar no Som Imaginário, e pouco depois ter integrado a banda de Tom Jobim? Além, é claro, do fato de ter nascido em uma das famílias mais musicais do Brasil? Foi muito importante. No caso do Matança do porco [terceiro e último disco do grupo Som Imaginário, de 1973], arranjos do Wagner Tiso [compositor e pianista], na verdade a gente nem dava muita importância para o disco naquele momento, era uma fase muito fértil, muito criativa, praticamente a gente dominava a Odeon, músicos novos, numa faixa de 20 a 25 anos, todo o pessoal do Clube da Esquina, músicos cariocas como Robertinho, Luiz Alves. Por acaso a gente se cruzava muito da Odeon, a gente ia fazendo outras coisas, gravando, e Wagner Tiso me chamou para tocar essa flauta. Eu estava tocando muito, em vários discos importantes da MPB. Esse foi um ano muito fértil, saíram discos muito importantes em 1973. Depois, o Tom também tem uma importância enorme: ele me descobriu como cantor. Até então eu cantava com a voz mal colocada. Já era compositor, já tinha ganhado festivais com Andança e Casaco Marrom, e o Tom me disse, quando eu entrei pra Banda Nova, “canta, essas músicas assim”, ele dizia, “por que eu tenho a voz assim abafada ao alho” [risos], aí eu peguei solos, olha só que responsabilidade, Samba do avião [Tom Jobim] e A felicidade [Tom Jobim e Vinicius de Moraes]. A gente cantou no mundo inteiro meus solos dentro do show dele. Eu tive que me preparar para o canto com a professora Heloisa Madeira, que era prima dele, aí fui descobrir a minha voz mesmo, depois foi embora, gravei o primeiro disco de sucesso, pelas mãos do Mariozinho Rocha, na Globo.

Qual o tamanho da responsabilidade, qual o peso de ser um Caymmi? Estou vendo isso muito na minha filha [a cantora Alice Caymmi]. No começo de carreira cobram muito, como estão cobrando dela. Parece que estou vendo a minha própria vida passando, por que ela, os tios são Dori e Nana, o avô Dorival Caymmi, ela com 24 anos. É o mesmo processo. Tem uma hora que as pessoas começam a destacar, o próprio público tira do contexto, diz assim, “pô, eu gosto é do Danilo, eu gosto muito da Nana, gosto do Dori”, e se vai juntando esses pedaços para uma personalidade musical, com a ajuda do público, naturalmente.

Qual o significado deste 2014, o centenário de Caymmi, a importância de celebrar a obra dele? Nós [a família] começamos desde o ano passado a trabalhar efetivamente no centenário. Temos vários produtos. Por partes, vamos começar pelo livro: tem a biografia [Dorival Caymmi – Acontece que ele é baiano], da minha sobrinha Stella, filha da Nana, que também tem textos de João Ubaldo [escritor baiano recém-falecido], talvez tenha sido o último texto grande de João Ubaldo, do Caetano Veloso, do professor Júlio Diniz da PUC, e da própria Stella, um livro maravilhoso. Tem quatro discos em andamento, o disco [Caymmi] que a família gravou pela Som Livre ano passado, que ganhou prêmio especial de música popular [no Prêmio da Música Brasileira], tem o disco [Dorival Caymmi – Centenário] a ser lançado, de produção de meu irmão e Mario Adnet [violonista], com participação do Chico Buarque, Caetano, Gil, eu, Nana e Dori, e o próprio Mario Adnet, um disco meu [sem título definido] já com outra conotação, produtores da cena contemporânea, Domenico Lancelotti e Bruno di Lullo, a ideia do disco é o seguinte: eu quero saber como eles olham Dorival Caymmi, eu estou somente como cantor e flautista.

Os arranjos são deles? Tudo deles. Repertório, a escolha do repertório, tudo. Shows, tem o Mar de Algodão, um show meu, do Francis [Hime, compositor e pianista] e da Olivia [Hime, cantora], com orquestra, tem formato para grande orquestra e também reduzido, direção do Flávio Marinho. Tem os shows, eu, Nana e Dori, que a gente vai fazer em São Paulo agora, e Salvador. Tem o [show] Dorivália, da Alice Caymmi, que já é uma coisa mais jovem, mas bem consistente, uma visão da obra, puramente dela. Agora estou fechando um balé também. E tenho também um trabalho com Claudio Nucci [cantor e compositor]. Uma exposição [Caymmi 100 anos] que está em São Paulo agora, patrocinada pelos Correios, com curadoria da Stella Caymmi, que deve seguir para Brasília em setembro. E eu tenho uma ideia também de transformar uma redução dessa exposição, estou buscando patrocínios, para que se possa passar essa exposição, com pocket show meu e do Claudio, por exemplo, aqui em São Luís, uma espécie de Semana Caymmi. A ideia é uma itinerância, e também as atividades de pensamento. É muito importante explicar Caymmi para professores, para que depois o professor transmita para os alunos, uma parte mais educacional para formação de massa crítica. A gente acabou de fazer isso no Festival de Inverno. Fomos eu, o professor Julio Diniz, Stella e um músico. A gente fala das coisas, da obra de Caymmi, das curiosidades, do que as pessoas não sabem, em determinado momento a gente ilustra isso musicalmente, o público pergunta. Isso deve acompanhar minha ideia, por exemplo, vem aqui, se faz uma Semana Caymmi em São Luís, vem a exposição, o show, essa atividade de pensamento é a menina dos olhos, pelo ponto de vista da memória. Estamos fazendo isso também para que sirva também de exemplo para outros centenários que virão, já se tem certo know how do que é preciso fazer. Você viu, por exemplo, o centenário de Vinicius [de Moraes] passou batido, a família entregou para uma firma só, o que é um risco muito grande. Eu mesmo estou negociando tudo separado.

A intermediação dos parentes pode ser um fator facilitador, por conta da preocupação com a preservação da memória, não apenas uma empresa querendo ganhar dinheiro. Absolutamente. Essas atividades de pensamento os cachês são irrisórios, pelo tempo e pelo sacrifício, mas a importância é enorme. Você ter um professor tão abalizado como o Julio, a Stella, que entende profundamente da obra, eu, ilustrando musicalmente e falando o que sei do convívio, com um bom músico, isso é bacana, é um lado de educação. Particularmente acho que o problema cultural do Brasil passa pela educação diretamente. A nossa preocupação é formação de massa crítica: quanto mais tem formação de professores, os professores ficam sensibilizados, levam isso para a escola, pedem para as crianças fazerem trabalhos sobre Dorival Caymmi, sobre a música. A gente precisa tomar cuidado com isso, de preservar a memória. É muito importante. Recentemente caiu num vestibular quem era Tom Jobim e ninguém sabia, mas as crianças não têm culpa disso. Tem que formar o professor e daí você chega na memória. A mídia quer ganhar dinheiro ou não pagar direito autoral. E não é um problema só do Brasil. O mundo hoje está ligado, tem grandes conglomerados interessados em não pagar direito autoral, então faz parte você eliminar o passado e só ver o presente, o imediato, a cultura relâmpago.

Você falou há pouco sobre a liberdade dada a produtores para recriar a obra de Dorival Caymmi. Li há algum tempo uma declaração de Dori, mais preocupado com a intocabilidade da obra do pai de vocês. Vocês divergem nesse quesito? A gente bate um pouco de frente, Dori pensa de uma maneira, eu penso de outra. Eu acho que você tem que motivar o jovem a pegar daqui e levar pra frente. Papai mesmo detestava isso de “naquele tempo que era bom”, ele já era muito progressista, olhava muito à frente. Sempre foi um esteta e um vetor. Eu também sigo isso. Tem que motivar o jovem a olhar, pelo que ele entende, se é rock, se é funk. Eu não sou dessa polêmica se a música tá velha. As coisas têm uma dinâmica própria, tem muita gente trabalhando, fazendo coisas incríveis pelo Brasil inteiro. Agora, tem que ter o pensamento mais aberto, para entender essa diversidade e essa complexidade dessa situação que a gente vive. É um mundo novo que se desperta com a internet. Aí é que está! As pessoas não aceitam computador, não aceitam essa informação. Eu adoro essa dinâmica que está no mundo, existem coisas belíssimas. Tem muita coisa acontecendo.

Como é sua relação com essa tecnologia em relação ao consumo e a produção da música? Como você enxerga, por exemplo, a figura do download? Eu fui diretor da Abramus [Associação Brasileira de Música e Artes] quatro anos, uma associação de direitos autorais. Eu sempre vi isso, o que acontece, a internet acaba ajeitando as coisas desfavorecendo ao autor. A gente está passando uma fase difícil, mas pela própria dinâmica, como a internet age, ela é livre, ela acaba ajeitando uma forma de remunerar o autor. Acho que estamos passando um momento de transição que penaliza o direito autoral, em função de grandes companhias, grandes conglomerados econômicos internacionais. Não tem como ser contra [o donwload] por que vai chegar um garoto de 10, 15 anos e vai hackear tudo. Essa coisa de “a minha privacidade”, isso não existe mais. Não existe pilar de concreto, é uma coisa mutante, ela anda, ela vai se formando, como nossas células. Ou você tem essa compreensão ou fica muito difícil conviver nesse mundo.

Parece uma discussão já encerrada a polêmica sobre as biografias. Qual a sua opinião sobre aquele imbróglio todo? Eu acho muito ruim cercear o direito de as pessoas escreverem biografias. Onde se discute isso é na justiça: você não gostou, vai atrás da justiça. Como também eu sou contra essa questão de colocar o diretor da estrutura do direito autoral num controle do governo, ou transformar uma lei que o governo controla isso. Amanhã você pode ter um governo diferente. Hoje nós vivemos num ambiente privado, amanhã isso pode ser uma arma voltada para a gente. Como a gente tem esse problema todo com a Ordem dos Músicos do Brasil há anos, é uma coisa de carimbo do Estado. Você não consegue sair disso. Se os músicos acabarem com a Ordem perdem direitos trabalhistas e por aí vai. Eu sou totalmente contra esse negócio de você controlar. A biografia não autorizada tem que existir. Vai esconder o quê? Não tem nada pra esconder. O artista já é transparente. A gente cai numa dinâmica que o mundo não aceita mais, uma dinâmica antiga, um conselho de cinco pessoas que vai decidir não sei o quê ou desqualificar o próprio autor.

Qual a sua opinião sobre o Ecad [o Escritório Central de Arrecadação de Direitos Autorais]? O Ecad é um escritório de arrecadação de direitos autorais com todos os defeitos, mas é privado, é nosso, é do compositor. Eu sou contra a estatização de um ambiente privado. Quando eu trabalhava com direito autoral se discutia a criação do Instituto Brasileiro do Direito Autoral, com a criação de 200 empregos. Quem vai pagar isso? O compositor! As pessoas tratam o Estado brasileiro, “ah, o Ecad é uma porcaria, mas o governo é ótimo! O governo é uma vestal”. Quando se trata disso o governo é lindo e o Ecad é ruim. Agora vamos comparar o Ecad com a corrupção dentro do governo, em todas as esferas: como é que fica isso? Nada contra você ter, dentro do Ministério da Cultura, como tinha antigamente, um Conselho Nacional do Direito Autoral, o CNDA, como se fosse uma agência, ver o que está acontecendo. Agora, transformar num Instituto Brasileiro de Direito Autoral, com 200 empregos, diretorias, jetons, isso é ruim. Eu quero que o Ecad seja mesmo virado de cabeça pra baixo, só não quero que seja estatizado, por que eu não posso sair do pressuposto de que o Estado brasileiro no momento é uma vestal.

Hoje e amanhã (8 e 9) acontece em São Luís a 6ª. edição do Lençóis Jazz e Blues Festival, um festival não competitivo que tem a cantora Joyce Moreno entre as atrações. Você, cuja carreira começou em festivais, acha que o formato, bastante difundido nas décadas de 1960 e 70 se esgotou? Hoje os festivais promovidos pela televisão mais se parecem reality shows. Já. Pois é, não adianta, esse formato caiu. Hoje tem que se encontrar uma coisa diferente, alguém vai encontrar uma fórmula competitiva diferente, acredito que se passe pela rede. Primeiro que você tem vários segmentos. Essa juventude, tem um pessoal mais novo que há muito tempo não compra cd. Hoje os lançamentos são feitos só pela rede, ou vinil. A música tomou uma cara diferente, também está transformando, estão procurando maneiras de divulgar seu próprio trabalho, maneiras de ser ressarcido por esse trabalho também. Aí é que entra a dinâmica que vai mudar o direito autoral. O próprio jovem vai encontrar maneiras de ser remunerado, o jovem acha isso injusto, quem fez não ganha. Tom Jobim dizia, “ah, é um cachê simbólico. Poxa, mas a conta de luz não é simbólica, a conta de telefone não é simbólica”. Nós somos profissionais. Tem uma visão muito preconceituosa, às vezes, de achar que estamos em casa tocando violão, na rede. Se trabalha de segunda a segunda e não para de trabalhar. Trabalhar com arte no Brasil não é fácil. A gente precisa desse dinheiro de direito autoral, a arrecadação vem caindo, caindo, caindo. Essa forma antiga não existe mais. Eu dei sorte, peguei uma época áurea.

Cantar, a sagrada vocação de Renato Braz

Passarim cosmopolita, Renato Braz solta o canto no Chorinhos e Chorões

Extremamente simpático e bastante modesto – “eu tou tocando errado aqui”, desculpou-se ao interpretar, em off, o Cigarro de paia, de Armando Cavalcanti e Klécius Caldas, sucesso de Luiz Gonzaga –, Renato Braz esteve em São Luís sábado passado (20), para um show reservado. Era a terceira edição do projeto Ponta do Bonfim – Música e Por do Sol, organizado pelos amigos Eden do Carmo, Aristides Lobão e Lúcio. Cabelos ao vento, ele trajava calça xadrez e uma camisa com uma estampa de Amarcord, de Federico Felini. Emoldurado pela bela paisagem, Renato Braz fez um show onírico qual o cinema do italiano: vê-lo e ouvi-lo era também a realização de um sonho.

Além do paulista, também desfilaram talentos ao palco Zeca do Cavaco e João Neto Trio (com o próprio na flauta, João Eudes, violão sete cordas, e Vanderson, percussão), Milla Camões (acompanhada de Celson Mendes ao violão, Jeff Soares, contrabaixo e Fleming, bateria) e Sérgio Habibe (com Edinho Bastos, guitarra, e Rui Mário, sanfona). Aposto que alguns dos poucos mas fiéis leitores estão indignados de só estarem sabendo disso agora.

Renato Braz passeou pelo repertório de seus discos e cantou coisas que gosta, lembrando os centenários Wilson Batista e Dorival Caymmi, elogiando ainda os maranhenses que o antecederam no palco. Celson Mendes e Marconi Rezende subiram ao palco para acompanhar-lhe, em participações especiais. Puro deleite.

Aproveitando a passagem pela ilha, o músico compareceu aos estúdios da Rádio Universidade FM (106,9MHz), e concedeu uma entrevista a Ricarte Almeida Santos e este blogueiro, imensa honra – como disse o apresentador, “fazer Chorinhos e Chorões tem seus privilégios”. O bate papo musical vai ao ar amanhã (28) domingo que vem (4/8), às 9h.

Renato Braz aponta influências – “o primeiro grande artista que eu quis ser era o Tim Maia, é minha primeira referência como cantor” –, fala da carreira (sete discos lançados desde 1996, incluindo Por toda a vida, inteiramente dedicado ao repertório dos irmãos paulistas Jean e Paulo Garfunkel, e Papo de Passarim, dividido com Zé Renato, ex-Boca Livre, outro ídolo), da relação com a música maranhense (a amizade com Rita Ribeiro e Zeca Baleiro, de quem gravou Bambayuque no disco de estreia, e Flávia Bittencourt, em cuja estreia cantou em Flor do Mal, de Cesar Teixeira), discos fundamentais para sua formação, como Brazilian Serenata, de Dori Caymmi, e Urubu, de Tom Jobim, as novas tecnologias e a feitura de seus discos, hoje independentes – “só canto aquilo que me emociona”, rodas de choro e, em tom brincalhão, da amizade com o casal-música Paulo César Pinheiro e Luciana Rabello.

Em meio a tudo isso, música. Muita música, de qualidade. Além de faixas de seus discos, surpresas, como interpretação sua ao violão para Só louco, de Dorival Caymmi (que completaria 100 anos em 2014), além de uma inédita de Fred Martins – Depressa a vida passa, como depressa passou esse Chorinhos e Chorões. Mais não digo para não estragar a surpresa – ou já o fiz?. Nada, este texto é nada perto do programa.

Errata: os poucos mas fiéis leitores deste blogue e os muitos e fiéis ouvintes do Chorinhos e Chorões terão que esperar mais um bocadinho para ouvir o programa acima anunciado apressadamente. Amanhã (28), aproveitando sua passagem pela ilha, Ricarte Almeida Santos conversa com o professor Marco César.

Chorografia do Maranhão: João Pedro Borges

[O Imparcial, 14 de abril de 2013; aos poucos mas fieis leitores do blogue um bonus track: a versão abaixo traz algumas perguntas e respostas que ficaram de fora da edição do jornal, embora isso ainda esteja longe de ser a íntegra da deliciosa conversa que Ricarte Almeida Santos e este que vos perturba tivemos, fotografados por Rivânio Almeida Santos, com o mestre João Pedro Borges, um papo longo em uma noite de segunda-feira; o violonista fala como professor que é, fazendo questão de deixar tudo bastante explicado para que não restem dúvidas aos alunos; orgulho de ter aprendido essa lição.

Este post é dedicado a Maria Pepê, cunhada de Sinhô]

Quarto entrevistado da série, João Pedro Borges é um dos mais importantes nomes do violão, do choro e da música brasileiros. Seu talento é reconhecido internacionalmente

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

João Pedro da Silva Borges nasceu em uma vacaria, espécie de pequena fazenda, onde hoje fica o edifício Clara Nunes, “olha que grata coincidência”, no Apicum, região central da capital maranhense, em 23 de junho de 1947. O apelido Sinhô ganhou da avó: “Minha avó, mãe do meu pai, eu nascendo numa fazendinha, nasceu o Sinhozinho, nossa herança coronelesca. Era o Sinhô, Sinhozinho. Aí pronto, pra distinguir dos outros irmãos, que eram muitos [onze], era Sinhô e acabou-se”.

Filho de Raimundo Felipe Borges e Marina Silva Borges; a mãe, professora normalista, o pai, técnico em eletrônica, especialista em rádio e televisão, um empreendedor que chegou a ter gráfica, trabalhava com o avô na Livraria Borges, de propriedade da família, a maior da São Luís da época, quando o menino João Pedro nasceu.

Ele é um dos maiores violonistas brasileiros em todos os tempos e participou de um capítulo fundamental para a renovação do choro no Brasil: a Camerata Carioca do gaúcho Radamés Gnattali, com que o maranhense chegou a gravar discos e fazer diversas apresentações Brasil afora. Seu talento é hoje reconhecido internacionalmente e o disco mais recente, Clássicos Latino-Americanos, foi gravado em 2005, em uma igreja na França.

Wilson Marques concluiu recentemente um perfil seu para uma coleção que pretende publicar em breve. Para a construção do livro, entrevistou o próprio João Pedro Borges além de figuras próximas, como Chico Saldanha, Arlete Nogueira da Cruz e Sérgio Habibe, entre outros. “É ele contando a história dele, não é uma minuciosa biografia, mas sobretudo um registro de sua trajetória e da importância do trabalho dele para a música brasileira”, adiantou o jornalista.

João Pedro Borges conversou com O Imparcial/ Chorografia do Maranhão no Chico Discos, acompanhado, na decoração do ambiente, de diversas personalidades da música: algumas delas ele chegou a conhecer pessoalmente e são citadas por ele ao longo da conversa.

Quando foi que tu percebeste que teu negócio era a música? Eu sempre tive certos indícios de sensibilidade. Por exemplo, eu ganhei, por ocasião de um natal, um violãozinho de plástico, e aquilo era o brinquedo que mais me encantava. Então eu simulava cantar com aquilo, com o passar do tempo eu buscava alguma forma de afinação. Lembro que na minha infância passava um deficiente visual numa carroça puxada por um burro, conduzida por um ajudante que provavelmente era filho dele, e tinha a peculiaridade de que este senhor  tocava cavaquinho. Então, eu guardava dinheiro pra ter o que levar pra ele, por que quando a gente chegava, ele dizia “a pedido é mais caro”. Lembro que quando ganhei esse pequeno violão eu queria imitar um pouco o homem cego que passava lá na minha rua, quase que todos os dias. Mas só mais tarde [consegui], meu padrinho José Silva foi meu primeiro professor de violão. Ele fazia parte da velha guarda das pessoas que lidavam com o choro. Foi ele o meu vínculo com o choro, era violonista, compositor. Ele era irmão adotivo, por afinidade, do famoso professor Custodinho, Custódio Zaqueu Coelho, que eu considero o grande violonista do Maranhão, anterior a[o violonista] Turíbio [Santos], por exemplo, como geração. Era um violonista extraordinário. Cheguei a ter aulas com ele.

A tua escolha por ser músico contou com o apoio da família? De uma parte da família, que me incentivou. Tinham muitos saraus na minha casa. Sistematicamente tinham reuniões de violonistas, de músicos na minha casa, onde o repertório era basicamente choro de violão. Esse meu padrinho era um pintor de paredes, mas era um homem autodidata, de uma intelectualidade muito grande, tinha um conhecimento extraordinário. Ele foi a primeira pessoa que me falou da cultura musical brasileira. Os personagens que ele citava para mim eram Pixinguinha, Ernesto Nazareth, falou de Agustín Barrios quando passou aqui, ele era amigo do pai de Turíbio, que era seresteiro, e frequentava um pouco esse grupo, que a gente chamava os velhos, na época. Nessas reuniões meu padrinho notou meu interesse em ficar ouvindo aquilo. Aí ele perguntou se eu não queria tocar violão e eu disse “quero!” Ele disse “então eu vou te ensinar”, e me ensinou um choro. Eu não comecei por acordes, fazendo assim, ele botou a minha mão e me ensinou um choro chamado Mariazinha [toca trechos ao violão, não sabe dizer a autoria]. Esse choro tem uma peculiaridade formal [fala enquanto continua tocando]: é que ele tem três partes, todas no mesmo tema, ele é uma síntese da forma do choro.

O choro, durante muito tempo, os músicos tocavam por diletantismo. Tinham geralmente outra profissão e tocavam choro nas horas vagas para se divertir e às vezes, como desenvolviam muita capacidade, habilidades, acabam se tornando músicos conhecidos, consagrados, mas não eram profissionais da música. Você é um profissional da música, vive de música, sempre viveu de música?Isso faz diferença? Sim. Faz diferença. Quer dizer, em termos. Se a gente levar em consideração que Jacob do Bandolim era escrivão, César Faria trabalhava numa repartição, há que se levar em consideração aí que há um impulso por detrás desse aparente amadorismo. Quer dizer, eles tinham profissões que lhes davam sustentação, mas grande parte da atividade deles era exercida em torno do choro. A diferença é a seguinte: uma carreira de concertos não é uma carreira convencional, é algo que vive de oportunidades que se inventam, que são criadas. Por exemplo, os concursos de violão são uma forma de atrair a atenção para jovens, têm limite de idade. Eu fui por outro caminho alternativo, me beneficiei da companhia dos meus professores. Depois de um ano que eu estudava com Jodacil Damasceno, ele me tornou assistente dele, eu tive como alunos Dori Caymmi, Guinga, Marlui Miranda, Durval Ferreira, Miltinho do MPB-4. Depois Turíbio me convidou para montar um curso no Rio de Janeiro.

Eu queria que tu contasse um pouco de tua participação em uma banda cover dos Beatles. Tinha a vizinhança próxima com os Saldanha, na Rua de São Pantaleão, Ubiratan Sousa, que gostava muito de choro, foi quem me falou pela primeira vez da bossa nova, me mostrou uns acordes e aprendia comigo a linguagem do choro, aquelas baixarias, que eu era especializado por conta de meu padrinho, que era craque na área. Nessa época surge a televisão por aqui e os irmãos Saldanha, principalmente o mais novo, Nena, falavam bem inglês. E surgiu essa coisa da televisão e todo mundo encantado com a música dos Beatles. Então eles fizeram um conjunto em que eu era apenas o acompanhador. Eu não aparecia no vídeo, e ficava com um violão de cordas de aço poderoso que eu tinha, que parecia uma guitarra, e acompanhava só com esse violão todo mundo. Era Francisco Saldanha, Nena, o Antonio Saldanha, Benedito, que eu não lembro o sobrenome, estudava também no Liceu, Chico Linhares, o Francisco Linhares, que também morava na Rua de São Pantaleão, Edson, também não me lembro o sobrenome e eu acompanhando. Mudou essa formação. Entra Ubiratan nesse conjunto, que muda de nome, de The Five Gems para Os Rebeldes, e ficamos vinculados à televisão, inicialmente através dos programas de Reinaldo Faray. Tava começando a Difusora.

Depois tu ajudaste a fundar a Escola de Música do Estado, que surge no momento em que uma nova geração de artistas começava a produzir com base nas linguagens da cultura popular. E eles tinham a esperança de que a Escola de Música pudesse ser a continuidade de um processo de absorção dessas linguagens, numa escola de identidade mais maranhense? Tinha esse desejo? Como é que era isso na época? A responsável intelectual por todo esse movimento é [a poeta e ex-secretária de Estado da Cultura] Arlete Machado. Foi ela quem concebeu e encomendou o plano da Escola de Música. O que aconteceu foi o seguinte: os primeiros professores, quer dizer, eu vim em 1974, da África, diretamente para cá para São Luís do Maranhão. Criou-se essa escola de música, a primeira diretora é nossa melhor pianista de todos os tempos, Maria José Cassas Gomes, e o resto eram professores que vieram de fora. Era Clemens Hilbert, um alemão que dava cursos de extensão nos seminários de música da ProArte, lá por Teresópolis. Tinha outro professor chamado João Solano, que era um pianista que também estudava relações internacionais, queria ser diplomata. Veio daqui do Ceará um pianista chamado Flávio, não me lembro agora também do sobrenome dele, mas um excelente músico, pianista, e Gilles Lacroix, que chegou a dar aula de música, de teoria musical, tempo em que ele estava se decidindo a largar a batina. Nesse contexto a Escola de Música foi organizada, ali no Apeadouro, e os primeiros candidatos que surgiram, por exemplo, [o compositor] Sérgio Habibe, que trabalhou também um tempo como funcionário lá da escola. Então surgiu [o compositor Giordano] Mochel, Zé Martins, Josias [Sobrinho] e [o compositor] Cesar Teixeira, sempre a gente tendo aquele cuidado de que eu não queria descaracterizar o trabalho deles, mas eles estavam em busca de formação. Eu tinha um discurso de fundamentação. Dizia “até para você fazer bem essas coisas nossas, você precisa de recursos, de técnica”. Sérgio Habibe é um caso flagrante de ter mudado o nível de composição a partir do estudo, ele próprio reconhece isso. Josias Sobrinho foi o meu melhor aluno de harmonia, eu dei um curso pra ele de harmonia aplicada ao violão. Eram alunos dedicados. Eu forneci uma espécie de subsídio pra eles, mas sempre com a recomendação, dizendo “olha, vocês não têm que estudar pra serem músicos eruditos, nem nada, é pra melhorar o que vocês estão querendo fazer”. Naturalmente da parte deles devia haver certas expectativas políticas, por que o movimento pra eles não era só artístico. Pra mim era um movimento artístico, pra eles era político.

Lá no Rio você teve uma convivência com uma nova geração de chorões, com gente da antiga, e você vivenciou o momento de renovação do choro, ali da virada dos anos 70 para os anos 80, convivendo ali com nomes como Paulinho da Viola, com a Luciana [Rabello], com a turma dOs Carioquinhas, Radamés [Gnattali]. Conte um pouco dessa história. Eu passei a ser habitué de todos os saraus que o Jodacil participava. Tinha um amigo nosso chamado Tonzinho, que na realidade é Milton Borges, eu chamava até ele de parente, morava em Niterói, tinha sido amigo pessoal de Jacob, de Six e de Jonas, e através das idas de Six ao Rio de Janeiro nós fomos parar um dia na casa desse Tonzinho e lá ele reunia Abel Ferreira, Copinha, Arthur Moreira Lima passou por ali, Paulinho da Viola, tudo o que era do choro, Ronaldo do Bandolim com os irmãos. O Raphael Rabello, que eu conheci tocando junto com Turíbio, tinha 12 anos, travou logo amizade comigo, tocava, tinha uma formação bem consolidada de música e ele tinha o que eu gostava, tudo em quanto dizia respeito ao choro tava consolidado na cabeça dele, não tinha que aprender nada. Ele era herdeiro de toda a tradição do Dino [Sete Cordas] e do Meira [Jaime Florence], que foi o grande professor dele, professor do Baden [Powell]. O Raphael, um dia assim, disse “olhe, aniversário da Nara Leão, nós vamos lá na casa dela, e eu queria te levar por que eu tenho uma pessoa que eu quero te apresentar”. Aí me apresentou pro Joel [Nascimento], estávamos tocando, quando ele me viu tocar, disse “olha, nós estamos iniciando um trabalho”, não existia esse nome, Camerata [Carioca], isso veio depois, “de tocar uma suíte que o Radamés tá transcrevendo”, acho que nem todos os movimentos ainda estavam transcritos, só tavam os primeiros, “você não gostaria de participar?”, e eu “gostaria”. Marquei um ensaio com eles, acho que na minha casa, e me encantei com o trabalho, aí começamos a montar a Suíte Retratos. A partir dessa nova abordagem com o choro, os saraus começaram a mudar de feição, num determinado momento eles abriam espaço, “vamos ouvir a rapaziada”, e ficavam encantados com aquilo. E aí esse trabalho começou a chamar a atenção, por que a gente começou a montar um espetáculo chamado Tributo a Jacob do Bandolim, foi considerado o melhor espetáculo de 79 no Rio de Janeiro.

Tu tens uma vasta discografia, tocando, integrando a Camerata Carioca, fazendo Valsas e Choros [1979] e Choros do Brasil [1977]… [interrompendo] Com Turíbio eu tenho três discos. Choros do Brasil foi o primeiro, Valsas e Choros, depois tem o Violão Brasil [1980], que a gente fez para um projeto, por que nessa época, disco instrumental dependia também muito desses projetos que eram feitos pra dar brindes de empresas. Por exemplo, eu gravei a obra de Paulinho da Viola [A obra para violão de Paulinho da Viola, 1985], não quisemos nem eu nem Paulinho editar comercialmente, por que sabíamos que os acordos não iam ser bons, apesar de que eu tinha muita consideração com a [gravadora] Kuarup, Mário de Aratanha [idealizador e proprietário da gravadora] praticamente me lançou como produtor, eu ganhei cinco prêmios Sharp como produtor de discos, e editor, fazia aqueles acabamentos todos, tem discos nossos inclusive que ganharam também prêmio na Europa, foram lançados lá pelo Chant du Monde, gravadora que substituiu a Erato francesa. Eu fiz o meu primeiro disco de forma independente em 1977. Logo depois daquela ideia lançada pelo Antonio Adolfo, do disco independente, alguns músicos eruditos descobriram que podiam fazer aquilo. E Jodacil me disse “por quê que tu não faz um disco?” Aí eu decidi fazer também um disco, isso em 1977, concomitante com a ideia do Choros do Brasil, com Turíbio, eu fiz esse disco, sozinho, gravei no estúdio do Museu da Imagem e do Som. O segundo disco [João Pedro Borges Interpreta, 1983] já foi proposta da Kuarup, como eu fiz muitos trabalhos com a Kuarup, Mário disse “olha, a gente tava querendo fazer um disco teu”. Foi um disco dedicado a violonistas espanhóis e clássicos. Depois deste, A obra para violão de Paulinho da Viola, o quarto que eu fiz já foi na França [Clássicos Latino-americanos, 2005]. Eu também nunca me entusiasmei muito com a indústria do disco especificamente, por que eu era muito criterioso, a gente tinha aquele medo de ser explorado, mesmo tendo a compreensão de que um disco não era uma forma de ganhar dinheiro, era uma forma de divulgar o trabalho.

Era o que eu ia perguntar: tem disco com a Camerata, com Paulinho da Viola, com Turíbio, tem disco em que tocas só em uma faixa, casos de Mistura e Manda [de Paulo Moura, 1983] e Shopping Brazil [de Cesar Teixeira, 2004], para citar apenas alguns. O que tu consideraria, ou por razões afetivas ou por razões de importância pra música do Brasil, uma discografia básica de João Pedro Borges? Pro pessoal ir atrás, baixar na internet. Tributo a Jacob do Bandolim [da Camerata Carioca, 1979], sem a menor sombra de dúvida. Por que na realidade eu era um mero componente, eu digo que fui testemunha privilegiada. O Hermínio Bello de Carvalho tinha a seguinte definição: “olha, essa Camerata vai dar certo por que tem o grande arranjador e compositor, tem o grande intérprete e tem o grande ensaiador”, por que eu tinha uma técnica de ensaio que nem Turíbio tem essa técnica, era tudo muito bem organizado, até Radamés eu enquadrava. O [jornalista] Aramis Millarch uma vez, num ensaio, eu discutindo com Radamés, mas discutindo assim numa boa, a gente tinha uma amizade muito grande, mas eu sabia o limite dele, já pela idade, ia até certo ponto, por que ele já queria sair para tomar chopp, comer alguma coisa, ele não tinha muita paciência de ficar ensaiando, como Turíbio também nunca teve, mas o resto do pessoal precisava de ensaio. Aí Radamés dizia “não, agora já tá bom”, e eu dizia, “não senhor, ainda não está bom, ainda tem uma partezinha que nós vamos limpar aqui”. Aí terminava o ensaio e eu dizia, “e aí, Radamés?”, “é, é, ficou melhor”, aí ele dava o braço a torcer.

Soubemos que você anda compondo. Eu fiz arranjos na época, na própria época do Valsas e Choros os arranjos eram assim coletivos, mas sempre prevalecia uma base. Como Turíbio tinha muita confiança em mim, sabia que eu tinha formação, lia música melhor do que todos os outros, eu dava muita colaboração nesse sentido dos nossos discos, assim a parte mais erudita. Agora a parte mais tradicional, mais dentro da linguagem do choro, imagine, com Jonas e Raphael, não dá nem… pelo contrário! Foi uma escola, foram meus mestres, o que aprendi com eles não tá no gibi. Aqui, depois que eu voltei à São Luís do Maranhão, minha amizade com [os poetas José] Chagas e Nauro [Machado], e as reuniões periódicas pra ouvir música, com Arlete [Nogueira da Cruz Machado, poeta, esposa de Nauro], o Chagas começou a me passar umas poesias dele não editadas. Me deu vários cadernos. E olhei aquilo, eu digo “rapaz, isso dá música!”.

Isso é recente? Mais recente, eu sempre tive minha ideia de compor, compor choro, compor valsa, sempre toquei valsas e choros que eu mesmo compus. Tem coisas que eu nem escrevi, que foi embora, Turíbio até brigava comigo por conta disso. Aí comecei a escrever essas canções de Chagas, musiquei dez poesias de Chagas, uma de Nauro e descobri mais recentemente, desse povo novo, que existe por aí, fora dessa geração, pra mim, na minha opinião, a melhor poeta que a gente tem chama-se Aurora da Graça Almeida. Ela me deu um livro, eu preciso dar esse livro pra vocês lerem. Ela me deu um livro e eu descobri coisas assim maravilhosas. Deixa ver se me lembro, sem compromisso [começa a dedilhar o violão]. Chama-se Mágoa. Um homem prevenido vale mais do que dois desprevenidos [abre o case e tira uma folha de papel em que o poema está anotado]. Olha a letra, diz assim [recitando]: “meu coração sem cor e sangue/ maldiz a mágoa renascida do tempo estilhaçado que vivi/ meu coração sem cor e sangue/ esconde a selva oculta do perdão/ esconde as palavras mais belas e fugazes que não disse/ no meu coração de veias seculares/ padece a solidão de antigamente/ maltrata-me a vida retalhada/ maltrata-me não ser o que eu queria/ maltrata-me deixar sem poesia/ os que previram minha dor, minha agonia/ meu coração sem cor e sangue/ repleto de veios de fervor/ resgata a duras penas o sentido/ de ser ao menos navegante nessa vida” [canta, acompanhando-se ao violão; ao final recebe aplausos dos chororrepórteres].

Ficou clara tua percepção sobre o cenário no Brasil, tanto no Rio como em Brasília, que são os dois focos. No Maranhão como é que tu observa a cena choro? Quais os fatos mais importantes, recentes? O choro tá presente desde o século XIX, a própria pesquisa que Maurício [Carrilho] e Luciana fizeram no acervo João Mohana, se identifica, desde quando nasceu no Rio, já existia choro aqui. Mas hoje, o cenário, pra onde aponta? O quê que tá faltando? Olha, o que acontece é o seguinte: eu digo que tem coisas que as brasas podem passar muito tempo só fumegando de leve mas não apaga completamente. Aqui sempre houve esse potencial, que fez surgir os primeiros conjuntos, tipo [o Regional] Tira-Teima, Rabo de Vaca, já com o advento da Escola de Música já surge a ideia do [Instrumental] Pixinguinha, todo mundo sempre com uma estética voltada inicialmente para a inovação. Aqui no Maranhão surgiu a ideia do Clube do Choro, todo mundo aqui foi testemunha do grande impacto que isso causou na sociedade. Eu vejo esse cenário que o choro se diversificou, atraiu o povo da nova geração, a gente vê agora o movimento Madre Deus, o movimento do Clube do Choro. Pra mim o grande impulso foi lá o Chico Canhoto, com o Clube do Choro Recebe, por causa da concepção inteligente, de compreender que o choro é mais do que ele aparenta ser, ele está presente nas coisas todas, está presente na música de Tom Jobim, Caetano Veloso fez choro, Chico Buarque faz choro, Cesar Teixeira. Então essa junção, primeiro da música instrumental com a música cantada, pra quebrar os preconceitos, e segundo, com o componente da música maranhense, foi a boa fórmula. Nós estamos vivendo ainda dos dividendos desse investimento, na minha opinião. Eu acho que está faltando o aspecto didático, ou melhor dizendo, pedagógico da coisa. O choro tem uma vertente de entretenimento, que ele agrada todo mundo, todo mundo vai, tem público sempre, quando a coisa é bem organizada, tem espaço; segundo, isso só não garante a subsistência do choro, os movimentos vão e vêm, as casas comerciais, os estabelecimentos, tem época que é moda aqui, tem época que é moda ali, tem muita oferta na cidade. Por isso que até hoje eu lamento que a ideia da casa lá [uma sede própria] do Clube do Choro não tenha dado certo, por que tinha um projeto social relevante envolvido.

Dessa nova geração tem alguém dos instrumentistas do choro que te enche os olhos, que tu vê como uma boa promessa? Tem. Robertinho [Chinês] eu acho que é um grande talento. Aliás, antes dele se projetar no choro, o pai dele me procurou na época da formação da Escola de Música do Município, quando a gente ainda tava dando aula lá naqueles camarins da [praça] Maria Aragão e o pai dele me procurou, são dois filhos, nem sei o que é feito do irmão. O que eu passei pra ele, na época, foi o seguinte: “olha, você tem que investir em formação. Teus filhos têm talento, mas eles têm que investir na formação, por que o que garante o desenvolvimento do talento, a formação é o adubo do talento, sem formação, sem você correr atrás do fundamento, se fundamentar, desenvolver”. Essa juventude, por exemplo, eles têm uma facilidade técnica pra tocar, mas isso só não garante. Eu vi muito menino prodígio que abandonou a profissão. Por que tem toda uma estruturação que é psicológica, por que na realidade você tá lidando com a própria vida. Às vezes ele pode se desenvolver no instrumento, absorver bem a coisa do choro e ser mais um chorão na cidade, muito bom. Mas é só isso?

Na tua entrevista diversas vezes tu citaste Turíbio. Na tua opinião, quem é Turíbio Santos? Turíbio Santos é o mais importante violonista brasileiro. Pra mim ele é uma espécie também de matriz fundadora. E é facílimo de explicar. Foi o primeiro violonista brasileiro que se destacou internacionalmente, o primeiro que ganhou um concurso que chamou a atenção pra profissão. Se Ronaldinho Gaúcho botou uma porção de meninos pra jogar futebol e querer ser Ronaldinho, Turíbio fez isso com o violão. A importância dele foi pelo seguinte: ele deu o exemplo, ganhou o concurso e projetou uma carreira internacional de respeito; segundo, foi o violonista brasileiro dessa geração mais generoso, montou curso de violão, criou movimentos sociais como ele fez lá com os Villa-Lobinhos, atraindo banqueiros para bancar a carreira de gente, tem gente que tirou a mãe do tráfico, da marginalidade, alugou apartamento, tá vivendo da profissão, toca na noite, estudaram lá graças a ele. O que pode se acrescentar à dimensão de um bom instrumentista é a dimensão social, o que ele faz em benefício dos semelhantes dele. Turíbio criou os dois cursos superiores, tanto na UFRJ como na UniRio. Foi o primeiro camarada que tirou o violonista de seu isolamento, por conta de criar a ideia de Orquestra de Violão, foi o primeiro violonista que pegou João Pernambuco e disse “isso aqui é música de qualidade”. Quer dizer, quem é o camarada que tá por trás de todos esses movimentos? São as ideias que ele gerou.

E a preocupação dele com a memória de Villa-Lobos, também, não é? Com a memória de Villa-Lobos. Que é um reconhecimento, por que Villa-Lobos projetou a carreira dele. A Mindinha Villa-Lobos [viúva de Heitor Villa-Lobos] quando encomendou dele os 12 estudos para violão talvez nem imaginasse a projeção que ia dar, foi o que facilitou a carreira dele lá fora, foi o primeiro violonista a gravar os 12 estudos de violão de Heitor Villa-Lobos.

Você ajudou fundar a Escola de Música, mas ajudou a fundar outras escolas, mostrando uma preocupação sua sempre com o processo de formação pedagógica. Ceuma, depois foi diretor da Escola de Música, fundou a Escola de Música do Município. Fale um pouco dessa tua preocupação com o processo da formação do músico. Eu acho que é uma questão de humanidade. Essa preocupação eu sempre tive. Eu raciocinei a seguinte coisa: se eu não tivesse tido certa ajuda, que me projetasse, que me ajudasse nos momentos em que eu precisei, numa família de 11 filhos, quais seriam as perspectivas que a gente teria aqui? É uma preocupação social, humana, de ver que a música pode ajudar uma pessoa a plantar ideias que podem mudar sua vida. Ela é uma porta de entrada, ela não é a solução pra tudo, mas ela é a porta de entrada. É como se você entrasse num ônibus e esse ônibus começasse a passar por paisagens que você não conhece e você pode nem saltar, mas você diz “olha, se eu quiser ir eu tomo esse ônibus e vou pra ali pra aquele lugar”, eu sempre tive essa preocupação. Quando eu digo que eu vim da África pra ser o primeiro professor, talvez as pessoas não dimensionem o que representou em termos de sacrifício pra mim. O caminho natural era ir pra França, e eu vim pro Maranhão. Uma coisa que eu fiquei consciente ao longo desse tempo: não dá pra fazer agora sacrifícios maiores esperando que as coisas que você constrói sejam mantidas se elas estiverem vinculadas ao processo político. A política é a coisa mais traiçoeira que pode existir na vida, por que uma hora tá, outra hora não tá, outra hora volta, outra hora não volta mais, não tem continuidade, esse é que é o grande problema.

Queria que tu deixasse registrada aquela história gostosa do carrinho de picolé. As lembranças que eu tenho da minha infância, eu vivia muito dentro de casa, por que minha família não me deixava sair muito. Nem pra praça, tinha a Praça da Misericórdia ali, minha mãe dizia que eu tinha que evitar “adjunto”. Antes mesmo de começar a estudar mais seriamente o violão, eu já tava começando, tinha um ouvido assim que apurava, eu gostava de ouvir rádio, meu pai consertava rádios, a gente dormia com aquele barulhinho de rádio, ele ouvia a BBC de Londres, A Voz da América, aquelas coisas, e eu gostava, tinha um rádio em casa, e de tarde, chegava da escola, almoçava, tirava uma sonequinha, e aquele calor danado, ficava esperando a hora do sorvete passar, picolé e sorvete, e tal. Antes era num tipo de carrocinha, que o sujeito abria, aquela coisa toda. E nesse dia, rapaz, um dia quente, eu ligo o rádio e tá tocando essa valsa de Nazareth [Coração que sente], na Rádio Ribamar, que coisa linda, e o cara do sorvete gritou, “sorvete!”, aí eu aumentei o volume pra não perder, e fui correndo, naquele calor, esbaforido, e disse “eu quero um sorvete de baunilha”, e ele disse “você mesmo escolhe, abre aí pra escolher”. Agora, você imagina a sensação de você sair de um calor danado, faz aquele esforço, eu nunca tinha olhado pro lado de dentro [do carrinho de sorvete], que eu abro, vem aquela brisa gelada, com todos os sabores que estavam ali dentro. Ai, que sensação maravilhosa. Peguei o sorvete, volto, continuei ouvindo a música. Passa-se o tempo, cada vez que eu ouço essa música, Coração que sente, Arthur tocando, o quê que vem no meu nariz?, no meu olfato? O cheiro de todos aqueles aromas e pode estar o calor que tiver que vem aquela brisa maravilhosa.