Adriana Calcanhotto gravará dvd em São Luís

Foto: Zema Ribeiro
Foto: Zema Ribeiro

 

Tudo remete ao mar em Margem, show que Adriana Calcanhotto apresentou ontem (7), no Teatro Arthur Azevedo, em São Luís. Do cenário, um grande pano azul pendurado, fazendo às vezes de uma grande onda, a uma espécie de grande echarpe que lhe cobria o vestido preto, remetendo a uma rede de pesca – durante o show ela se desfaria de parte dela.

Margem, o novo disco, encerra a trilogia marítima de Adriana Calcanhotto, iniciada com Maritmo (1998) e continuada com Maré (2008).

Um roadie espalhafatoso, trajando uma espécie de capa amarela e gorro vermelho, lembra um personagem de filme litorâneo estrelado por Ricardo Darín. Ele entra e sai de cena a servir Adriana Calcanhotto do violão com que toca algumas músicas e instigando a plateia a acompanhar determinadas músicas batendo palmas ritmadas.

Além das nove faixas de Margem, em cerca de hora e 15 minutos de show, a gaúcha (que muita gente pensa ser carioca), repassou ainda grandes êxitos de sua carreira, como Devolva-me (Renato Barros/ Lilian Knapp), Vambora (Adriana Calcanhotto), Esquadros (Adriana Calcanhotto), Mais feliz (Dé Palmeira/ Bebel Gilberto/ Cazuza) e Quem vem pra beira do mar (Dorival Caymmi). Também exaltou o Chico Buarque de Futuros amantes.

Quando cantou Maritmo, apresentou a banda, borrifando-lhes um líquido. Enquanto eles tocavam incidentalmente Bananeira (João Donato/ Gilberto Gil), ela prestou as devidas reverências a grandes brasileiros de saudosa memória: “evoé, João Gilberto! Evoé, Marielle Franco! Evoé, Anderson [Gomes]! Evoé, Ferreira Gullar!”. E disparou, borrifando o líquido na plateia: “salvemos a Amazônia!”. Foi bastante aplaudida.

Nem os pequenos deslizes ao cantar a letra de O príncipe das marés (Péricles Cavalcanti) afastou o show do status de sublime: som e luz perfeitos, a banda irretocável, três quartos da Tono, com que Jorge Mautner gravou Não há abismo em que o Brasil caiba (2019): Bem Gil (guitarra), Bruno di Lullo (contrabaixo) e Rafael Rocha (bateria, percussão, percussão eletrônica e kazoo), “o bico doce”, como a cantora se referiu a ele, dada a qualidade de seus assovios.

O espetáculo atesta por que Adriana Calcanhotto nasceu grande ao estrear em disco com Enguiço em 1990 e consegue se manter entre os grandes da música popular brasileira quase 30 anos depois. Exuberante.

Antes de terminar, um anúncio pegou a plateia de surpresa: a cantora gostou tanto da energia ludovicense que voltará para gravar o dvd ao vivo de Margem no Teatro Arthur Azevedo. A previsão é que o novo show aconteça em dezembro.

Solo e bem acompanhado pelo público

Foto: Zema Ribeiro

 

Quando Geraldo Azevedo, trajando uma camisa de listras e estrelas em tons acinzentados, subiu ao palco do Teatro Arthur Azevedo ontem (30), levou na esportiva um problema técnico que impedia a amplificação de seu violão. Superado o percalço, abriu seu show com Ê minha vida (Geraldo Azevedo/ Capinan), antes de brincar, referindo-se ao sobrenome comum: “posso dizer que é meu tio-avô, Arthur Azevedo”, para risos da plateia.

Agradeceu por estar de volta à ilha e continuou: “a inspiração deste espetáculo é o disco que eu fiz em 1995, Ao vivo contigo; mais recentemente eu pensei em registrar em vídeo”, disse, referindo-se ao dvd recém-lançado Solo contigo, no formato voz e violão. Para gargalhada do público, arrematou: “essa é a segunda sessão. Amanhã vai ser a primeira”, anunciou, referindo-se ao fato de a apresentação de ontem ser uma sessão extra, pois a de hoje, para quando o show estava originalmente marcado, ter esgotado os ingressos.

O roteiro seguiu com Inclinações musicais (Geraldo Azevedo/ Renato Rocha). Depois, o pernambucano enalteceu alguns parceiros, citando a honra de ter feito música com, por exemplo, Mário Lago. “Ele dizia que para falar de amor não precisa falar correto, basta falar ao coração”, lembrou, antes de cantar a hilariante Amor de gramática, parceria de ambos.

“Com ele eu não fiz música, mas a gente era parceiro de vida, dividimos palcos no Brasil e fora”, revelou, antes de cantar Estácio, eu e você, e terminar de punho erguido: “viva Luiz Melodia!”.

O desfile de parceiros continuou. “Esse anda comigo há muito tempo; é meu técnico de som, mas descobri que é também um ótimo compositor. Vou cantar uma dele: Sérgio Peres”, anunciou antes de A saudade me traz.

No ano do centenário de Jackson do Pandeiro não podia faltar uma homenagem a ele, que Geraldo Azevedo revelou ser uma de suas referências. “Ainda tive a honra de dividir o palco com ele”, reverenciou, antes de cantar Já que o som não acabou (Geraldo Azevedo/ Geraldo Amaral/ Alceu Valença).

“A partir desse momento é Solo contigo”, anunciou, ficando em pé e trocando de violão. “Vocês têm que participar”, convocou o público. É literalmente uma antologia, um desfile de clássicos: O principio do prazer (Geraldo Azevedo), Canta, coração (Geraldo Azevedo/ Carlos Fernando), aplaudida desde a introdução, Veja (Margarida) (Vital Farias) – em que o verso “gasolina vai subir de preço” virou “gasolina já subiu de preço”, numa crítica sutil ao governo de Jair Bolsonaro.

É impressionante a comunhão entre o artista e seu público ludovicense, mesmo sendo Geraldo Azevedo um habitué da ilha. Tanto querer (Nando Cordel/ Geraldo Azevedo), Pensar em você (Chico César), Caravana (Alceu Valença/ Geraldo Azevedo) – “bonito o coro, obrigado!”, agradeceu o cantor – Chorando e cantando (Geraldo Azevedo/ Fausto Nilo), outra aplaudida desde a introdução, Você se lembra (Geraldo Azevedo/ Pippo Spera/ Fausto Nilo).

Após quase quatro minutos de introdução, com o público já acreditando que a música ficaria em sua versão instrumental, diante dos efusivos aplausos, o artista convertido numa espécie de guitar hero, tirou o chapéu em agradecimento ao público antes de começar a cantar Bicho de sete cabeças (Geraldo Azevedo/ Zé Ramalho/ Renato Rocha), que acabou emendada com Dona da minha cabeça (Geraldo Azevedo/ Fausto Nilo).

Em Dia branco (Geraldo Azevedo/ Renato Rocha) transformou o “pedaço de qualquer lugar” em “um pedacinho de São Luís do Mará”, antecipando o clássico de Carlos Fernando que não pode faltar a seu set list em se tratando de shows na “ilha bela” – a citada comunhão era tanta que nem houve os tradicionais chatos pedindo “aquela”. Ontem souberam esperar e pareciam estar satisfeitos com a seleção.

“Eu fiz esse dvd, mas eu estou cheio de músicas novas. Estou fazendo um disco, quem sabe no segundo semestre eu termine e venha mostrar outro disco diferente”, aventou, para delírio da plateia, antes de cantar Um paraíso sem lugar (Ela e eu) (Geraldo Azevedo/ Fausto Nilo).

Para Moça bonita (Geraldo Azevedo/ Capinan) a plateia bateu palmas marcando o ritmo e nela Geraldo Azevedo emendou Sabor colorido (Geraldo Azevedo), lembrando a gravação do Cantoria 2, e Sabiá (Luiz Gonzaga/ Zé Dantas).

Na gravação de Canção da despedida no LP A luz do solo (1985), Geraldo Azevedo registra a saga para gravar a música: antes, havia colocado em várias relações de repertório para discos novos e a censura vigente na ditadura militar impedia a gravação; finalmente ele gravava ali a parceria com Geraldo Vandré, de letra atualíssima nestes tempos bicudos, de presidente homofóbico: “um rei mal coroado não queria/ o amor em seu reinado, pois sabia/ não ia ser amado”. Ontem, afirmou, antes de cantar: “meu parceiro nessa é complicado, eu não consegui a liberação para gravar nesse dvd mas ela sempre está com a gente”, disse, referindo-se ao sucesso, do verso “amor não chora, eu volto um dia”, que anunciava que o show estava se aproximando do fim.

“Eu não podia sair sem cantar essa canção”, afirmou antes de Terra à vista (Carlos Fernando), composta em homenagem a São Luís do Maranhão, certamente um ponto de identificação forte entre o artista e seu público local – na década de 1980, muita gente por aqui achava que Geraldo Azevedo era maranhense.

“Eu faço há muito tempo carnaval em Pernambuco, continuo fazendo. Eu fiz um EP de frevos, está nas redes sociais para quem quiser ouvir”, convidou, antes de Quatro dias de amor (Geraldo Azevedo/ Maciel Melo), cujos versos finais cantou se retirando do palco: “o amor de carnaval/ chega quarta-feira vira cinza e tchau”.

Aos gritos de “mais um!” voltou para atender com Táxi lunar (Geraldo Azevedo/ Alceu Valença/ Zé Ramalho), com a iluminação – impecável – simulando, em tons de vermelho, uma espécie de abdução e seu violão magistral fazendo as vezes do motor de uma nave espacial. Sai de cena aplaudido de pé, com o público – que cantou junto quase o show inteiro – a confirmar que as canções de Geraldo Azevedo fazem parte do imaginário coletivo, ajudando a contar as histórias de que são trilha sonora.

O recado eletroacústico de Flávia Bittencourt

O encontro de Flávia Bittencourt e Sandra de Sá em Eletrobatuque. Foto: Zema Ribeiro

 

Um ótimo público compareceu à Concha Acústica Reinaldo Faray (Lagoa da Jansen), ontem (26) à noite, para a gravação de Eletrobatuque, novo dvd da cantora Flávia Bittencourt.

Com uma banda enxuta, um quarteto formado por Felipe Tauil (percussão), Rui Mário (sanfona), Daniel Silva (violoncelo) e DeepLick (dj). A formação explora um casamento harmonioso entre instrumentos acústicos e timbres eletrônicos, num passeio por diferentes vertentes musicais.

A cantora estava muito à vontade, inicialmente trajando um vestido vermelho – depois trocado por um preto e branco, mais esvoaçante. No fundo do palco um telão projetava a diversidade brasileira, entre desenhos do planeta Terra, retratos de indígenas e de João do Vale e Luiz Gonzaga – artistas homenageados por Flávia Bittencourt na ocasião.

Do primeiro, ela lembrou Na asa do vento (Luiz Vieira e João do Vale); o segundo é citado em Escavucando o nada, inédita que ganhou de presente do baiano Carlinhos Brown.

Joel Farias e Fernando Saraiva, bailarinos da Companhia Pulsar, emolduraram algumas canções. Flávia Bittencourt também dançou, senhora da cena e de si.

Simbólico vê-la e ouvi-la cantar O sal da terra (Beto Guedes e Ronaldo Bastos), diante da histórica encruzilhada brasileira, o sucesso do mineiro Clube da Esquina de versos como “quero não ferir meu semelhante/ nem por isso quero me ferir”, “vamos precisar de todo mundo/ pra banir do mundo a opressão” e “um mais um é sempre mais que dois”.

O repertório passeou entre sucessos da carreira da artista – a autoral Sentido, que intitulou seu primeiro disco, de 2005 –, inéditas – Escavucando o nada e Roseira (Flávia Bittencourt), single que já vem tocando na Rádio Universidade FM (que a cantora citou, agradecendo) – e clássicos da MPB, destaque para Espumas ao vento (Accioly Neto) e De volta pro aconchego (Dominguinhos e Nando Cordel), interpretada por ela ao teclado, com direito a introdução em francês.

Momento muito aguardado da noite, a participação especial de Sandra de Sá começou bem humorada: Flávia Bittencourt havia sentado num banquinho e dedilhava um ukulele, cantando os versos iniciais de Bye bye tristeza (Carlos Colla e Marcos Valle), quando chamou a carioca ao palco. Ela subiu escovando os cabelos, anunciando o próximo número que fariam juntas: Olhos coloridos (Macau), sucesso também conhecido por “Sarará crioulo”, uma espécie de título alternativo que a música ganhou.

Como se tratava da gravação do show para registro em dvd, este repórter imaginou que haveria mais repetições, que o show seria mais burocrático. Pouca coisa precisou ser refeita, tamanho o entrosamento entre cantora, músicos, dj e convidada. Quando anunciaram que iriam regravar Bye bye tristeza, Sandra de Sá tirou onda: “eu vou entrar de novo, faz de conta que vocês não me viram ainda”. O público entrou no jogo e vibrou ainda mais que quando da primeira entrada. Quando o público pediu mais uma para Sandra de Sá, a anfitriã anunciou que iria guardá-la para o bis. Aos gritos de “joga fora no lixo!”, lembrando o hit Joga fora (Paulo Massadas e Michael Sullivan) – que ela acabou não cantando –, outros responderam “joga Bolsonaro no lixo!” e um coro de “ele não” se iniciou.

Já era hora do bis e Flávia, agora ao violão, cantou Mar de rosas (Rose Garden, de Joe South, versão de Rossini Pinto), contando com o vocal de Sandra de Sá. Outro número sintomático do espetáculo foi o grand finale, também dividido pelas duas, com Fora da ordem (Caetano Veloso).

O dvd chegará depois, a saciar a curiosidade dos que não compareceram ao show de gravação ou o desejo de replay de quem lá estava – aos mais atentos o recado está dado.

César Nascimento: a síncope-síntese

[release]

Violão de coreiro. Capa. Reprodução

Alguns dos convidados, gente graúda, que entende do riscado, apontam o caráter sui generis do violão de César Nascimento, em um dvd (e cd) misto de show (gravado ao vivo em estúdio), documentário, making of e antologia, não por acaso intitulado Violão de coreiro – A composição de César Nascimento e seu violão.

O dvd/cd passeia pela trajetória artística de César Nascimento, por acaso nascido no Piauí, mas maranhense de alma e música – e título concedido pela Assembleia Legislativa do Estado, bem como à sua música Ilha magnética, espécie de hino paralelo de São Luís (não registrada no dvd/cd), tornada bem cultural do Maranhão por decreto legislativo.

César Nascimento é também cidadão ludovicense, em título concedido pela Câmara Municipal de São Luís. Por aqui aprendeu a percussão maranhense como coreiro do Tambor de Crioula de Mestre Felipe, que difunde na oficina “Crivador, matraca e pandeirão – uma viagem pelos ritmos do Maranhão”, que ministra onde quer que seja chamado desde 1996.

Mais que um título do tipo best of, Violão de coreiro perpassa os mais de 30 anos de carreira de César Nascimento, contados a partir de sua participação no histórico LP do Festival Viva de Música Popular do Maranhão, em 1985. O dvd/cd alterna hits radiofônicos de sua autoria, músicas menos conhecidas e a inédita, antenada e bem-humorada You no tube também (parceria com Almino Henrique), sempre valorizando as nuances de seu violão, longe de didático ou hermético.

Apaixonado pelos ritmos da cultura popular do Maranhão, o artista transpôs para as seis cordas a polirritmia dos diversos sotaques do bumba meu boi, o frenesi contagiante do tambor de crioula e a pulsação do reggae, entre outras levadas.

Gravado entre Rio de Janeiro e São Luís, entre o estúdio Aldeia e as ruas, terreiros e arraiais, há um clima junino, evocado no cenário e nas locações, mas César Nascimento não realiza um projeto datado, “de estação”: é como se espichasse os festejos juninos para o ano inteiro – embora também a “composição” de que fala o subtítulo de Violão de coreiro não se restrinja ao período em que se celebram Antonio, João, Pedro e Marçal.

Por falar em divindades, César Nascimento acerca-se de grandes nomes da música brasileira para revisitar o repertório autoral do dvd/cd. Cacau Amaral, Camaleão, Fauzi Beydoun, Gerson da Conceição, Guilherme Mará, Ícaro Gaspar, Manassés, Nelson Faria, Pandeiro Repique Duo, Paulo Calazans, Renata Gaspar, Santiago Batera, Trio Cazumbá e Zé Américo Bastos (em ordem alfabética) comparecem entre o ofício musical, depoimentos e bastidores, dividindo com o anfitrião o set list de Violão de coreiro.

Entre as faixas de Violão de coreiro estão Catirina e o mar, em cujos versos César Nascimento une os universos da cultura popular do Maranhão com outras expressões artísticas como a pintura e o cinema, em citações de Salvador Dali, Caribé e Neville d’Almeida, entre outros, Reggae sanfonado, também pródiga em citações – Bob Marley, Luiz Gonzaga, Paulinho da Viola e o Bloco Tradicional Os Foliões –, Maguinha do Sá Viana (parceria com Alê Muniz), O radinho e Sapato pra todo pé (parceria com Vicente Telles), entre outras.

O verso inicial de Catirina e o mar (que abre o dvd/cd) é um convite: “ê, Catirina, venha ver a pintura que acabei de conceber”. É literalmente uma pintura este mosaico musical de um artista radicado há 18 anos no Rio de Janeiro, que tem dedicado vida e obra a fazer ecoar por onde anda os tambores do Maranhão – e para isso, está mais que provado, precisa apenas de seu violão. De coreiro.

Ficha técnicaViolão de coreiro tem direção, roteiro e montagem de Felipe Hutter, direção musical e coordenação geral de César Nascimento, gravação e mixagem de Gabriel Tauk, masterização de Alexandre Rabaço, direção de arte de Davi Theo e Raquel Theo (que também assina o cenário), produção de Mariana Musse, imagens de Felipe Hutter, Gregori Bastos e Milosz Wieckowski, produção executiva de Wilson Zara, finalização e autoração de Cartola Studio. Cd, dvd, show de lançamento e oficinas têm patrocínio da Companhia Energética do Maranhão (Cemar) e Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Sectur), através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão.

Serviço – O dvd/cd Violão de coreiro – A composição de César Nascimento e seu violão será lançado em show no Teatro Arthur Azevedo (Rua do Sol, Centro, São Luís/MA), dia 4 de maio (sexta-feira), às 21h. Os ingressos serão trocados por um quilo de alimento não perecível. A arrecadação será doada ao Lar Pouso da Esperança.

Frederico felliniano-edipiano

O signo das tetas. Frame. Reprodução

 

Recentemente o cineasta e empresário Frederico Machado arrendou o Cine Lume. Nos próximos anos irá se dedicar a vários projetos de sua primeira faceta. Ontem (27), o filho de Nauro e Arlete, em sessão aberta e gratuita, recebeu amigos e sua equipe para a exibição de O signo das tetas [Brasil, 2015, 68 min.], lançado em dvd após trajetória vitoriosa em festivais.

Após a sessão, depoimentos sinceros e emocionados do diretor e de sua equipe, entre os quais destaco os atores Lauande Aires, Rosa Ewerton e Maria Ethel, os três oriundos do teatro, mas que desempenharam muito bem seus papéis – literalmente – na telona, em suas primeiras experiências com a sétima arte.

Frederico Machado já tem garantido seu lugar entre os grandes artistas do Maranhão, desde seu curta-metragem de estreia, Litania da velha, baseado no livro-poema homônimo de sua mãe, a poeta Arlete Nogueira da Cruz. Não à toa citei-a, e ao pai de Fred, o saudoso poeta Nauro Machado, no primeiro parágrafo – ele, homenageado pelo filho no curta Infernos, aparece em O signo das tetas.

A intenção não é diminui-lo ou rotulá-lo, mas entender como fundamental a presença dos pais para a vida e obra de Frederico Machado. Antes de road movie, como dizem alguns críticos, O signo das tetas é uma permanente busca felliniana-edipiana, no que reside, obviamente, algo de autobiográfico – embora isto, também obviamente, não explique tudo, seria muito fácil.

Ninguém é filho de Nauro e Arlete impunemente e com essa carga ele vem se tornando um dos mais importantes realizadores do Brasil em se tratando de cinema autoral – afora outras aprontações que lhe consomem tempo, juízo (e dinheiro), como a locadora Backbeat e a distribuidora e produtora Lume Filmes – pela qual é lançado o dvd de O signo das tetas.

Há violência e doçura, num filme cuja ótima trilha sonora vai de Franz Schubert e Flo Menezes (que executa àquele e temas originais, compostos para o filme) a Pablo do Arrocha.

Há também momentos hilariantes. Como a cena em que o protagonista, vivido por Lauande Aires, pedala sua bicicleta por uma estrada de chão, a sola do sapato descolada, lembrando o carteiro de Carrossel da esperança, de Jacques Tati – o piano emoldurando a cena lembrando o Nino Rota que trilhava Fellini.

É a busca de um reencontro com o passado, que não se completa, aquele tipo de filme que ao final deixa o espectador imaginando o que aconteceria acaso continuasse, convidando-o a imaginar um roteiro particular. Não é óbvio, nem fácil.

Do Maranhão ao Arizona

Sobrenatural. Capa. Reprodução
Sobrenatural. Capa. Reprodução

Em Sobrenatural: Impressões sobre os Lençóis Maranhenses e o Grand Canyon [2016], o fotógrafo Meireles Jr. volta às paisagens dos Lençóis Maranhenses, já abordado por suas lentes em Descobrindo os Lençóis Maranhenses [2003]. Desta vez, o maranhense viajou também até o Grand Canyon americano e os dois parques, dois dos cenários naturais mais impressionantes do mundo, são o objeto deste seu novo livro.

Conhecemos causos (verídicos) em que o clássico Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, foi parar nas estantes de botânica, ou que os poemas do Manual de pintura rupestre, de Fernando Abreu, foram parar em artes plásticas. Convém, portanto, alertar o leitor: Sobrenatural é basicamente um livro de fotografias de paisagens. Obviamente, em se tratando do Grand Canyon americano e dos Lençóis Maranhenses, estamos diante de algo sobrenatural, isto é, “superior à natureza”, em uma das acepções do termo. Mas isto não explica tudo.

“No Canyon, ora perdido, uma índia nativa sugeriu que nós […] a seguíssemos até o lugar de meu destino naquela noite fria no estado do Arizona. Não hesitei. Pareceu-me um gesto seguro e generoso. Seguimos seu carro sem perdê-lo de vista um só instante até pararmos, mas, para o nosso espanto, quando fomos lhe agradecer, inacreditavelmente não era mais a índia que nos oferecera ajuda, mas sim um senhor velho e soturno que saíra do carro. Arrepiamo-nos todos, pensativos e silenciosos. Senti, a partir desse evento inusitado e até agora inexplicável, que o livro só poderia se chamar Sobrenatural”, explica o autor, em texto no livro.

Realizado com patrocínio da Fribal através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão, Sobrenatural começou a ser produzido em 2013, quando o autor participou da Wedding and Portrait Photography Conference & Expo, a WPPI, na sigla em inglês, Conferência e Exposição de Fotografia de Casamento e Retrato, em tradução livre – entre um livro e outro, Meireles Jr. é um dos fotógrafos maranhenses mais requisitados para casamentos, batizados e eventos similares.

Sobrenatural traz encartado um dvd, documentário/making of, dando ideia da dimensão do trabalho. Para chegar ao resultado final, Meireles Jr. fez mais de 54 mil imagens entre o Maranhão e o Arizona.

Veja o documentário:

Um quarteto fantástico dobrando na praça da basílica

Dobrando a Carioca - Ao vivo. Capa. Reprodução
Dobrando a Carioca – Ao vivo. Capa. Reprodução

Em meio a suas carreiras solo e outros projetos, o espetáculo Dobrando a Carioca já é apresentado há 17 anos. Zé Renato, Jards Macalé, Guinga e Moacyr Luz se apresentam hoje (6), às 22h30, na programação especial que celebra os 70 anos do Sesc, encerrando o III São José de Ribamar Jazz e Blues Festival, na praça da Basílica do município. Produção de Tutuca Viana, o evento tem patrocínio da Vivo, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão.

A ideia de Moacyr Luz, que convidou os demais, vingou e acabou enveredando pelo samba, faceta comum presente às obras dos quatro. A apresentação de hoje ganha um sabor especial: acabam de sair o cd e dvd Dobrando a Carioca – Ao vivo [Biscoito Fino/ Canal Brasil, 2016], gravado em dezembro passado no Teatro Sesc Ginástico, no Rio de Janeiro. São José de Ribamar será o primeiro município em que os fãs poderão adquiri-lo e pegar autógrafos.

O repertório equilibra-se entre temas autorais e músicas de artistas reverenciados pelo quarteto. Não faltam clássicos como Catavento e girassol (Guinga/ Aldir Blanc), Vapor barato (Waly Salomão/ Jards Macalé) e Toada (Zé Renato/ Claudio Nucci/ Juca Filho), sucesso do grupo vocal Boca Livre.

Também comparecem Pixinguinha (Um a zero, que abre o show, parceria com Benedito Lacerda, que ganhou letra de Nelson Angelo), Padeirinho da Mangueira (Favela, parceria com Jorge Pessanha), Manezinho Araújo (Como tem Zé na Paraíba, parceria com Catulo de Paula, sucesso de Jackson do Pandeiro) e Geraldo Pereira (Acertei no milhar, parceria com Wilson Baptista), entre outros.

Com o tempo espremido entre um último ensaio, num salão do hotel em que estão hospedados, e a saída para o almoço e a passagem de som, Homem de vícios antigos conversou com o quarteto. Em tempo curto, os quatro desataram a falar, esbanjando bom humor, tirando sarro uns com os outros, tornando quase desnecessárias as perguntas do repórter. A entrevista começou com uma declaração de Macalé.

Da esquerda para a direita: Zé Renato, Guinga, Moacyr Luz e Jards Macalé, o Dobrando a Carioca. Foto: ZR (6/11/2016)
Da esquerda para a direita: Zé Renato, Guinga, Moacyr Luz e Jards Macalé, o Dobrando a Carioca. Foto: ZR (6/11/2016)

Jards Macalé – Eu declaro a independência do Brasil.

Como é conciliar a agenda do Dobrando a Carioca com suas carreiras solo e outros projetos?
Zé Renato – A gente vem tentando incluir o Dobrando a Carioca na nossa história profissional, na nossa trajetória. A gente tem um carinho muito grande pelo trabalho, o que dá uma motivação maior ainda.
Moacyr Luz – Uma coisa que eu nunca pensei: o Dobrando a Carioca é um exercício de despojamento que cada um de nós tem. Cada um tem sua carreira solo, faz seus shows individuais, o Zé com as coisas dele, eu com meus sambas, o Guinga, o Macalé. Quando chega aqui a gente troca mais.

É um show devotado ao samba? Foi um desembocar natural?
Zé Renato – A gente exercita a percussão. O foco maior é no samba. Não foi feito com essa intenção. É samba assim, vamos considerar o Um a zero um samba do Pixinguinha. Tem samba-canção, Como tem Zé na Paraíba, tem música que foge.
Moacyr – Guinga é o cara que gravou com Cartola, As rosas não falam, gravou com João [Nogueira], Beth Carvalho, Clara Nunes.
Guinga – Compositor brasileiro que não gosta de samba não é compositor.
Moacyr – [para Macalé] Você fez o 4 batutas e 1 coringa [disco de intérprete de Macalé de 1987, dedicado ao repertório de Geraldo Pereira, Lupicínio Rodrigues, Nelson Cavaquinho e Paulinho da Viola].
Macalé – Sim.
Guinga – [para Macalé] Tem um elemento forte, virou disco [Jards Macalé canta Moreira da Silva, de 2001], o Moreira da Silva na tua vida.
Zé Renato – O Um a zero surge dessa ideia, a gente abre o show com Um a zero por causa dessa ideia de bater uma bola [a produtora Memeca Memeca Moschkovich adentra o salão com cds e dvds na mão].
Macalé [gritando] – Deixa eu ver! A gente sente saudade uns dos outros. Eu sinto saudades deles, eles dizem que sentem saudades de mim.
Zé Renato [para Moacyr Luz] – Você sente saudade do Macalé?
Moacyr [em tom de galhofa] – Não.
Guinga – [gargalhadas]
Zé Renato – [gargalhadas]
Macalé – Ele é um sincericida.
Guinga [rindo] – Eu odeio o Macalé. Nós estamos aqui para ver se a gente se mata. Quando Moacyr convidou a gente, isso é uma coisa engraçada, ele falou assim pra gente, “vê lá, vocês têm que ter paciência um com o outro”. Pô, criador de problemas zero [referindo-se a Macalé]. Nunca tivemos um problema. Nenhum problema.
Macalé – Como não? E quando a gente se desfez lá em Fortaleza?
Guinga – Você disse que ia seguir carreira solo [gargalhadas]. Esse filho da puta, saiu uma porrada de matéria em tudo quanto é jornal, com a foto dele na capa, ele ficou nervoso. Eu me lembro que foi muito engraçado, a gente estava no café da manhã e ele não se uniu com a gente.
Macalé – Mentira!
Moacyr – A gente tava no lobby do hotel e ele chega [imita Macalé puxando uma mala com rodinhas e gargalha]
Guinga – [gargalhadas] Dois dias depois a gente chega no Rio de Janeiro, tinha saído uma foto dele nos jornais, com a perna cruzada, com uma meia preta, quadriculada. Dois dias depois, quem está sentado no calçadão, pernas cruzadas, com a mesma meia da fotografia? Esse maluco! Eu digo, não é possível! Mas você pode perguntar uma coisa a ele: essa galera aqui, tudo amigo, não cria problema, tudo humilde. Não é, Macalé?
Macalé – [enfático] Não! [gargalhadas gerais]

Você também é um sincericida?
Macalé – Eu amo esses caras.
Moacyr – Outra coisa engraçada, a gente foi fazer o primeiro ensaio, fizemos o primeiro show, começamos a viajar e a primeira coisa que eu via era hotel e horário, pra não chegar atrasado. E eu falei: “Macalé, olha você!” E o Macalé todo dia chegava 20 segundos antes do horário [risos], “eu sou o primeiro, hein? Cheguei primeiro”.
Macalé – Hoje eu cheguei primeiro.
Guinga – Você só é indisciplinado artisticamente. Mas como homem, como cidadão, é super sério. Por que artisticamente você não tem vontade de ensaiar, você esquece o tom da música. Hoje quando você perguntou [imitando Macalé]: “lá menor ou si menor?” Eu ri muito por dentro. Eu digo: há 17 anos esse filho da puta toca essa música sozinho. Você tem defeitos e tem qualidades. A gente pode falar bem da gente?
Macalé – Agora vamos à entrevista.

Claro! Além de todos já terem vindo aqui com outros projetos, qual a relação de vocês com o Maranhão?
Guinga – Eu conheci João do Vale muito jovem. Eu era aluno de Jodacil Damasceno e ele tinha um assistente, João Pedro Borges. Depois eu passei a ter aulas com João e esses caras mudaram a minha cabeça em 180 graus, impressionante. Me mostraram a música brasileira que eu não conhecia, me mostraram o violão que eu não conhecia. Eu não sabia quem era Leo Brouwer [violonista e compositor cubano], eu me formando em odontologia. Esses caras foram muito importantes. Isso influencia minha música até hoje. Eu passei a tocar violão por causa deles.
Zé Renato – Meu primeiro contato com a música do maranhão foi o Popó [o compositor Cláudio Valente] e o Sérgio Habibe [compositor, de quem o Boca Livre gravou Boi danado], quando eles se apresentavam com o Papa Légua [músico], no show Mostração.
Macalé – Eu trabalhei uma vida com João do Vale no Opinião [show que o maranhense dividiu com Zé Keti e Nara Leão]. Eu fui casado com uma irmã de Turíbio [Santos, violonista], você quer mais relação do que isso? Eu toco num violão que foi de Turíbio, com que ele ganhou prêmio internacional na França. Até hoje ele pergunta: quanto você quer no violão? João Gilberto tentou roubar, mas eu recuperei. Ele foi fazer um concerto no Rio de Janeiro e estavam procurando um bom violão. Eu emprestei, com a condição de que no dia seguinte à apresentação o violão estivesse de volta no meu apartamento. Depois eu fiquei lendo as manchetes sobre o espetáculo, passaram dois dias e nada, eu fui bater no hotel. Comprei umas goiabinhas e fiquei comendo ali embaixo, até que apareceu o Otávio Terceiro [empresário de João]. Ele disse: “João adora goiabinha”. Ele subiu, entrou no quarto e trouxe o violão. Eu troquei meu próprio violão nas [aumenta o tom de voz] minhas goiabinhas [Zé Renato gargalha]. Nesse violão só tocaram Turíbio, Paulinho da Viola, João Gilberto e eu.

A grandeza de Cesar Teixeira

O compositor (já no chão) e seu "batalhão pesado" de intérpretes. Foto: ZR (19/12/2015)
O compositor (já no chão) e seu “batalhão pesado” de intérpretes. Foto: ZR (19/12/2015)

 

Cesar Teixeira estava à vontade no palco da Casa das Dunas, onde se apresentou ontem (19). Cercou-se de alguns de seus melhores intérpretes, para um passeio por diversas fases de sua obra.

A vantagem de um show fora dos períodos carnavalesco ou junino é poder conhecer-lhe diversas vertentes. Teve São João – abriu e fechou com Boi da lua –, teve carnaval –Dias felizes, na interpretação das vocalistas do grupo Lamparina –, teve protesto – Oração latina foi entoada pela multidão de pé –, mas teve muito mais.

Flávia Bittencourt cantou Dolores e Flor do mal, que gravou em seu disco de estreia, em 2005, e Parangolé, que gravou em No movimento, o mais recente. Cláudio Lima cantou Ray ban, que gravou antes mesmo do compositor, em seu disco de estreia, em 2001, e Bis, cujo verso “cada mesa é um palco”, dá nome a seu segundo disco, de voz e piano, dividido com o pianista baiano radicado nos Estados Unidos Rubens Salles. Célia Maria cantou a inédita A cruz do palhaço e Lápis de cor, gravada por ela em seu disco de estreia, o homônimo Célia Maria, de 2001. Lena Machado cantou Flanelinha de avião, gravada por ela em Canção de vida, seu disco de estreia, de 2006, e Quem roubou minha aquarela?, com que ela e o compositor participaram de um festival nacional de samba. As vocalistas do grupo Lamparina cantaram a marcha rancho com que obtiveram o segundo lugar no Festival Maranhense de Música Carnavalesca, promovido pelo Sistema Mirante de Comunicação. Com cada intérprete Cesar, autor solitário da íntegra do repertório, dividiu os vocais em uma música.

A base do repertório que Cesar cantou sozinho era Shopping Brazil, o único disco lançado por ele, em 2004. A Met(amor)fose, Vestindo a zebra, Namorada do cangaço e a faixa-título daquele trabalho, somaram-se Das cinzas à paixão, gravada por Serrinha e Companhia com participação especial de Zeca do Cavaco, e Canção da partilha, lançada há cerca de 10 anos, como um poema, declamado pelo próprio Cesar, em Regar a terra, um disco comemorativo do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) no Maranhão.

Cesar estava acompanhado por Cleuton Silva (contrabaixo acústico e elétrico), Daniel Cavalcanti (trompete), Danilo Santos (saxofone tenor e flauta), Firmino Campos (vocal), Luiz Jr. (violão sete cordas, guitarra, viola caipira e direção musical), Raquel (vocal), Robertinho Chinês (cavaquinho e bandolim), Ronald Nascimento (bateria), Rui Mário (teclado e sanfona) e Wanderson Silva (percussão).

O espetáculo irmanou palco e plateia – não foram poucos os momentos em que o público que lotou a Casa das Dunas fez um bonito coro acompanhando as músicas mais conhecidas do compositor. Cesar dialogou com a plateia, brincou por diversas vezes, dizendo da felicidade para com os muitos amigos ali presentes.

Aos gritos de “mais um”, não se fez de rogado. Voltou ao palco para hastear sua Bandeira de aço e repetir o Boi da lua com que abriu o espetáculo. Reunindo todos os convidados para entoar um dos hinos do São João do Maranhão, finalizou o show junto ao público, cantando com ele.

Toda a apresentação foi filmada e os melhores momentos integrarão um documentário dirigido pelo cineasta Marcos Ponts.

Tendo encerrado o ano musical com a maior categoria, Cesar Teixeira já está de olho no futuro: anunciou com exclusividade a este Homem de vícios antigos o próximo encontro com o público. Em janeiro, em data e local a definir, fará um show dedicado a sambas de sua autoria e de compositores da Madre Deus e outros bairros de São Luís. Dividirá o palco com Patativa, Zé Pivó e a Velha Guarda dos Fuzileiros da Fuzarca – o blogue voltará ao assunto em breve.

“60 é o novo 30”

Birdman. Capa. Reprodução
Birdman. Capa. Reprodução

Depois de se tornar um sucesso interpretando um personagem no cinema – o Birdman que dá nome ao filme – um ator tenta refazer a carreira no teatro, em crise consigo mesmo e com a família – é separado da esposa, com quem tem uma filha adulta, sua assistente na nova ambição.

O cinema de Alejandro González Iñárritu – de petardos como Amores brutos, Babel e Biutiful, entre outros – continua distribuindo tapas na cara de nossa sociedade. “A única obsessão de vocês é viralizar”, vemos o protagonista dizer à sua filha, que por sua vez retruca que toda a dedicação do pai em montar uma peça de Raymond Carver é seu ego inflado, “nada a ver com arte”.

“Um crítico se torna um crítico por não ter qualidades suficientes para ser um artista”, é o que mais ou menos – cito de memória – diz Riggan Thomson (Michael Keaton), o personagem central, à crítica de teatro de um jornalão cuja opinião parece ser a única preocupação do elenco. Ela ameaça “destruir” sua montagem – mesmo antes de vê-la.

A cena que afinal garantiria o sucesso (de crítica) da peça – ou, antes, o acidente durante – lembrou o conto-título de O homem-mulher, de Sérgio Sant’Anna, que daria um ótimo filme.

Após a contratação de Mike Shiner (Edward Norton), o sucesso (de público) – mesmo para a pré-estreia – é imediato, o que contribui para as crises de Thomson. Numa cena, espécie de ensaio aberto, o novo integrante do elenco brada para que a plateia abandone os celulares e tenha uma experiência própria, sem mediação, que, mesmo no papel de espectadores, vivam, enfim.

Enquanto tenta provar que é um ator (e diretor) para além do personagem – e/m roupa de pássaro – que o consagrou, Riggan é atormentado com a voz (e presença) do homem pássaro em sua cabeça, recomendando-lhe a volta a ele – ao personagem, ao estrelato.

Birdman nos leva o tempo todo a questionar os limites e interseções entre ego, vaidade, bastidores, relações, fama, sucesso, crítica, arte “de verdade” e a que merece o desprezo da crítica, por vezes apesar do sucesso de público.

Zeca Baleiro relê assuntos populares e lados b de Zé Ramalho

Chão de giz. Capa. Reprodução
Chão de giz. Capa. Reprodução

 

Há quase 20 anos, quando estreou no mercado fonográfico com Por onde andará Stephen Fry? [1997], Zeca Baleiro já mostrava a que veio. Revelou-se compositor de talento, acima da média, além de intérprete original. Em um disco quase completamente autoral, gravou Essas emoções (Donato Alves), toada do bumba meu boi de Axixá.

Parte da crítica, mais acomodada e afeita a rótulos, não hesitou em cravar no artista que então aparecia a alcunha de “o novo Zé Ramalho” ou coisa que o valha, talvez por conta da proximidade temática de Heavy metal do senhor, que abre a estreia do maranhense, e A peleja do diabo com o dono do céu, faixa título do segundo disco do paraibano – a análise, com quase duas décadas de distância, é do próprio Zeca Baleiro, em texto de apresentação de seu novo trabalho.

Em Vô imbolá [1999], seu segundo disco, Zé Ramalho daria as caras – e a voz. Cantariam juntos Bienal, música de Baleiro inspirada no universo dos repentes e violas, em que tira um sarro do mercado de artes.

Chão de giz – Zeca Baleiro canta Zé Ramalho surgiu após um desafio aceito pelo primeiro, não após certa hesitação. Com curadoria de Monique Gardenberg, o projeto BBCovers, do Centro Cultural Banco do Brasil, teria diversos artistas interpretando a obra alheia, e ao maranhense cabia justamente a obra do “admirável bardo” paraibano. Há alguns anos, Baleiro havia dividido um disco de inéditas com Fagner [Raimundo Fagner e Zeca Baleiro, de 2003], outro nome da chamada geração Nordeste 70, outro artista admirado pelo garoto nascido na terra de João do Vale na década anterior.

Lançado em cd e dvd, Chão de giz passa por grandes hits de Zé Ramalho, repetidos à exaustão por qualquer cantor em qualquer barzinho, mas traz também lados b. “Um “tributo” a um cara como Zé, com cerca de 40 anos de carreira e um repertório consolidado, não poderia omitir seus sucessos populares, concorda? Mas fazer um show só com os hits seria tedioso e acomodado. Juntei as canções-estandartes, como Avohai e Admirável gado novo a lados b que gosto muito, como Um pequeno xote e Kamikaze, além de algumas pérolas esquecidas”, contou Baleiro com exclusividade ao blogue.

Para Ave de prata, que abre Chão de giz, Zeca Baleiro (voz, violão, ukelele e guitarra) chega de capa e chapéu, acompanhado por Adriano Magoo (teclados, acordeom, violão e vocais), Fernando Nunes (contrabaixo, violão sete cordas, triângulo e vocais), Kuki Stolarski (bateria, pandeiro, zabumba, violão e efeitos), Pedro Cunha (teclados, acordeom, sampler, escaleta e vocais) e Tuco Marcondes (guitarra, violão, mandolin, sitar, banjo e vocais).

O próprio Zeca Baleiro considera a experiência curiosa, já que em sua fase de barzinhos, antes de deixar São Luís e estrear em disco, não lembra de ter cantado Zé Ramalho. “Não me lembro de ter cantado Zé quando cantava na noite. Meu repertório era muito insólito, talvez por isso não tenha feito “sucesso” como músico de bar [risos]. De todo modo, é certamente uma volta à origem, à época da minha formação, de quando começava a tocar violão e surgia essa turma do Nordeste – Zé, Belchior, Fagner, Ednardo, Alceu [Valença], Geraldo [Azevedo], Vital [Farias]”, enumera.

No dvd há projeções de Ivan, o terrível [1944], de Sergueï Einsenstein, ilustrando Kriptônia, e Powaqqatsi [1988], de Godfrey Reggio, em Admirável gado novo, num interessante diálogo visual com as músicas, de certo modo ajudando a garantir certo tom sombrio, talvez apocalíptico, profético, para ficar em adjetivos quase sempre usados para se referir ao repertório ramalheano. “É estranho, porque não é Brasil, mas tem tudo a ver”, afirmou Baleiro sobre a segunda, como nos conta a diretora Monique Gardenberg em texto de apresentação ao projeto.

Em alguns momentos Baleiro suaviza Ramalho, noutras mantém os arranjos próximos aos originais, sempre com uma pegada original, sem se contentar com o conforto da posição de cover. Ele é parceiro de Zé Ramalho em O rei do rock, música já gravada pelo homenageado em Parceria dos viajantes [2007]. “Eu escrevi a letra de O rei do rock inspirada no Zé, na sua persona artística, esse misto de caubói, profeta, justiceiro, visionário. Ele musicou e gravou, numa onda meio “rock cigano”, mas refiz o arranjo e o rock ganhou uma pitada de rap”, comentou. Em Bicho de sete cabeças [Zé Ramalho, Geraldo Azevedo e Renato Rocha], Baleiro opta pela versão instrumental, anterior à com letra, que já tinha gravado para a trilha do filme homônimo [2001], de Laís Bodanzky.

Em roteiro bem construído e edição caprichada, Chão de giz guarda ainda ótimos momentos em seus extras. Quando canta Frevo mulher cita Bob Dylan – artista reverenciado tanto por Baleiro quanto por Ramalho – e é imediata a cumplicidade da plateia; lá também está o registro da única música não composta por Zé Ramalho, mas cuja gravação definitiva, inclusão em trilha de novela e execução à exaustão, fazem muita gente crer nisso: Entre a serpente e a estrela [de Frevoador, 1992], versão de Aldir Blanc para Amarillo by morning (Terry Sttaford e P. Fraser).

O próprio Zeca, antes de aceitar o convite para reler a obra do autor de Vila do sossego, afirmou, também no texto de apresentação, a admiração pela obra de outros nomes da música brasileira, entre os quais Luiz Melodia, Martinho da Vila, Tom Zé, Jackson do Pandeiro e Sérgio Sampaio, de quem já produziu disco póstumo [Cruel, de 2005] e relançou Sinceramente [1982], por seu selo Saravá Discos.

Sabedor de sua citada admiração por outros nomes, sobretudo os nordestinos surgidos na década de 1970, indago-lhe se há algum outro artista com quem Baleiro tenha vontade de dividir disco, show e/ou se tornar parceiro. Ele responde, terminando a conversa com um sorriso: “Todos. A obra de Belchior merece um belo tributo. Mas minha carreira de “crooner da caatinga” se encerra aqui [risos]”.

*

Confiram Zeca Baleiro em Não existe molhado igual ao pranto [Zé Ramalho e Lula Côrtes]:

A festa de poesia, música e causos de Jessier Quirino

Vizinhos de grito. Capa. Reprodução

 

Ao lançar seu primeiro livro pela recifense Bagaço, que até então trabalhava exclusivamente com literatura infantil, o paraibano Jessier Quirino colocou a pequena editora no circuito nacional. Sucesso de crítica e público, Paisagem de interior predestinava a carreira do arquiteto de formação, poeta, músico e contador de causos por vocação.

Jessier Quirino seguiu fiel à Bagaço, por onde lançou outros livros e discos – era necessário gravar sua voz, já que certos trejeitos e entonações a palavra grafada na página não era capaz de transmitir. Assim surgiram os dois volumes de Paisagem de interior, após livros como Papel de bodega, Bandeira nordestina, Prosa morena e Agruras da lata d’água, entre outros. São oito livros e dois cds.

No youtube, diversos vídeos com seu nome atingem a marca de 300 mil visualizações cada, poucos postados por ele próprio. O fenômeno instigou-o a lançar Vizinhos de grito [2015, R$ 35,00 na Passa Disco], dvd do espetáculo homônimo, também publicado pela Bagaço.

A gravação aconteceu dias 5 e 6 de abril de 2013, no Teatro Boa Vista, em Recife/PE, tendo sido veiculada meses depois pela Globo Nordeste como parte das programações de fim de ano da emissora. Nos extras, trechos da participação de Jessier Quirino no programa Ensaio, comandado por Fernando Faro, além de uma entrevista com o artista.

Jessier Quirino é acompanhado por Adriano Ismael (baixolão e violoncelo), Antonio China (percussão), Claudia Beija (vocal), Laerte Bandeira (violão nylon), Matheus Quirino (percussão), Roberto Muniz (violão 12 cordas, violão sete cordas e sanfona), Vitor Quirino (violão aço e violão nylon) e Ylana Queiroga (vocal).

A apresentação mistura a poesia de Jessier Quirino – falada e escrita, o dvd acompanha libreto com as letras –, causos e música, popular e erudita. O Bolero de Isabel (Jessier Quirino), por exemplo, cita o quase homônimo Bolero, de Ravel, e Uma paixão pra Santinha (Jessier Quirino) traz em si o Estudo nº. 6 de Fernando Sor.

Matança (Augusto Jatobá) tem a participação de Xangai, responsável pela popularização da música. Maciel Melo participa de Paisagem de interior (Jessier Quirino), a que mescla sua Rainha de todos os dias. Ele volta ao palco em Mistério da fé, parceria de ambos.

Não faltam ao roteiro números clássicos e por demais conhecidos de Jessier Quirino, como Parafuso de cabo de serrote (Jessier Quirino), Coco do pé de manga (Jessier Quirino), recém gravada por Túlio Borges em seu novo disco, Batente de pau de casarão, e Papel de bodega (Jessier Quirino), desenvolvida a partir dos versos de Boneca de trapo (Adelino Moreira), que traz como incidental o Choro abodegado (Roberto Muniz).

Para ver e ouvir, dançar ou sorrir, Vizinhos de grito é dvd bastante apropriado. É o produto ideal para rodar, por exemplo, em tevês de barzinhos pelo Brasil. Já que é difícil conquistar este espaço (em disputa), recomendo-lhe começar pela sala de sua casa: os vizinhos (de grito) que virem/ouvirem se interessarão.

Obituário: Neném Bragança

“Meu Deus, me deixe ficar mais uns dias/ dias que digo alguns anos/ anos assim não mais que uns 26”. As preces que Neném Bragança [Bragança/PA, 19 de março de 1960 – Imperatriz/MA, 15 de janeiro de 2015] cantou em Os milagres (Erasmo Dibell) não foram atendidas: vítima de um câncer de palato contra o qual lutava há cerca de um ano, o cantor faleceu nesta madrugada.

Os milagres abre o recém-lançado cd/dvd de Neném Bragança, segundo volume da série Som do Mará, produzido por Chiquinho França, que inaugurou-a. O câncer de Neném, aliás, foi descoberto quando o artista se preparava para entrar em estúdio e foi submetido a um tratamento dentário.

O trabalho é um apanhado de sucessos colecionados por Neném Bragança ao longo dos anos, composições autorais e clássicos da música do Maranhão, como Prisma (Carlinhos Veloz), Bela Mocidade (Donato), Agosto (Nando Cruz), Grades (Zeca Tocantins), Plenitude das palavras (Neném Bragança) e Ilha magnética (César Nascimento), entre outras. Ave de arribação (Javier dy Mar-y-abá) seu maior sucesso, encaixa-se nas três categorias – no fim das contas a música é também de Neném, será dele a interpretação para sempre lembrada.

Há poucos dias, em uma roda de amigos, comentávamos a situação da saúde de Neném e a torcida coletiva por sua pronta recuperação, enquanto ouvíamos um exemplar em vinil do festival Tribo (1989), que reunia nomes como Zeca Baleiro, Nosly, Renata Nascimento, Luis Carlos Dias, Neném Bragança e Tutuca, entre outros. Foi o último quem comentou: “Pra mim a música que ganhou é essa aqui [aponta para Ave de arribação na capa do vinil]: foi a única que tocou em rádio”, declarou. Na mesma ocasião, ganhei de presente, do amigo e fiel leitor Otávio Costa, o volume dedicado ao cantor da série Som do Mará.

Neném Bragança ficou conhecido como “papa festivais” entre os amigos, tantos os troféus acumulados em certames país afora, em especial no entorno da região que o acolheu. Artista iluminado, trazia a luz no sobrenome de batismo, Raimundo Nunes da Luz Ferreira. Tinha 54 anos. Sua Plenitude das palavras pode lhe servir de epitáfio: “quero a plenitude das palavras/ chegará a hora da verdade/ e aí? O que vai ser de mim e de você?”. Ou Ave de arribação: “o certo é que acaba, como todas as folias/ o certo é que passa, como passa uma euforia/ (…)/ não, não vou deixar meu coração perder a luz”.

(Quase) um filme por dia

Hoje eu dei início a meu projeto pessoal #Umfilmepordia. Explico: comentei com minha esposa que, ao término de Amor à vida (melhor fim de novela dos últimos tempos) eu abandonaria (não sei se temporariamente ou para sempre) as novelas e voltaria a assistir meus quatro episódios diários de Os Simpsons (melhor desenho animado em todos os tempos) e veria um filme por dia, meta ousada, que já nasce impossível de ser cumprida, já que um dia a jornada de trabalho impedirá, noutro a cerveja, noutro uma viagem a trabalho, noutro a pura preguiça etc. Mas foi uma meta que me impus, relaxado, sem muita pretensão de segui-la à risca, como uma dieta (o que não faço) ou exercícios físicos (idem, embora eu esteja precisando). É uma forma de ir com mais frequência ao cinema ou a locadoras de dvd (as poucas que ainda restam na cidade) e ainda de ir dando uma baixa na pilha de filmes que anda acumulada pelas estantes aqui em casa, graças à pirataria e às promoções das Lojas Americanas e que tais. O primeiro filme que assisti nessa fase é o hilário O sentido da vida (The meaning of life), da trupe do Monty Python. Lançado em 1983, ano em que venceu o prêmio especial do júri em Cannes, permanece atualíssimo na crítica a sociedade capitalista, à religião, à guerra e outras “cotidianidades” que são, para muita gente, “o sentido da vida”. Dica (embora eu não receba nada pelo comercial da loja, acho que vale a pena recomendar hora e pouco de riso fácil aos amigos): o dvd está saindo por R$ 16,90 nas Americanas.

[Nota que publiquei 6/2 no Facebook. Atendendo ao conselho do amigo Alberto Jr. e, conhecedor da babel que é o facebook, que não tem uma ferramenta decente de busca, resolvi postar no blogue, o que farei com outros breves comentários da série, que não tem compromisso com o calor da notícia, a novidade, e tudo o que move o jornalismo, particularmente o jornalismo cultural]

Dica Jazz: Chet Baker One night in Tokyo

O dvd cuja capa estampa este post comprei hoje na Leitura (Shopping da Ilha) por apenas R$ 16,90. As imagens fazem pensar num velho VHS ou em sua transcrição para um dvd, provavelmente fruto das condições técnicas da época e do pouco cuidado com a edição. A contracapa, por exemplo, traz imagens distorcidas retiradas do vídeo, além de um pequeno texto com prováveis impropriedades na tradução.

Apesar de tudo, Chet Baker, de pernas cruzadas e gravata de bolinhas, esbanja elegância em cerca de hora e meia e nove números, entre os quais You’d be so nice to come home to (Cole Porter), Almost blue (Elvis Costello) e My funny Valentine (Rodgers/ Hart), em que canta além de tocar seu fino trompete. Completavam seu quarteto Harold Danko (piano), Hein van de Geijn (contrabaixo) e John Engels (bateria).

Última de uma turnê realizada no Japão, a apresentação registrada no dvd é de 14 de junho de 1987, menos de um ano antes da subida do trompetista.

Mariana e o cazumba

(OU: O CAZUMBA DE MARIANA)

Mariana Régia é uma menina bastante inteligente que gosta de bichos, livros, churrasco e batata frita, que fica quietíssima e em absoluto silêncio em frente a um computador ou à televisão, quando ganha um novo dvd, com algum filme/desenho que nunca viu. Tios corujas, vez em quando eu e minha esposa a levamos para passear, justo para tirá-la de frente da tevê ou do computador.

Fico naquelas de Professor Raimundo para Ptolomeu, personagens de Chico Anysio e Nizo Neto, pai e filho, na Escolinha do primeiro, “queria ter uma filha assim”, costumo pensar quando vamos a uma banca ou simplesmente levo uma revista ou um livro para presenteá-la.

Ela é fã incondicional, por exemplo, de Isabel Comics!, as fototiras de Bruno Azêvedo e Karla Freire que retratam o primeiro ano de sua filha.

Tenho em casa, há alguns anos, uma careta de cazumba. É pequena, cabe na minha mão e vive pendurada numa estante, entre livros. Há algum tempo era preciso escondê-la quando Mariana aparecia para nos visitar.

Mariana hoje tem nove anos e um talento para desenhar que, em minha modesta opinião, está para além do talento que toda criança tem para desenhar.

Outro dia ela passou lá em casa com sua irmã Manuela e a prima Maria Clara: brincaram, comeram, tomaram banho de mangueira e desenharam. Mariana já não teme o Cazumba. Desenha-o.