Diário da quarentena (mal e porcamente ilustrado)

Desenho de Zema Ribeiro
Desenho de Zema Ribeiro

Para Elizeu Cardoso, grande contador de histórias (e estórias)

Uma das coisas que mais tenho feito nesta quarentena é abrir e fechar janelas. São Pedro ameaça e, mesmo com a chuva fina, fecho a janela de modo a evitar molhar a sala e os quartos do apartamento. Às vezes levantar para fazer isso vale a pena, às vezes a chuva dura nem cinco minutos e lá vou eu abrir tudo novamente.

Há pouco aconteceu isso e, ao reabrir a primeira janela, deparei-me imediatamente com uma cena infelizmente nem tão inusitada no Brasil de 2020, em que dinossauros ajoelham-se para esperar meteoros, baratas votam em inseticidas e há toda a sorte de pessoas que, como diria o poeta Reuben, comprovam a existência da viagem no tempo: há muitas cabeças do século retrasado neste.

Um motoqueiro subia a rua em que moro com um passageiro na garupa; este, usava o capacete corretamente e zuniram tão rápido que não tive tempo de saber se era homem ou mulher – o que pouco importa para este relato.

O piloto usava um capacete com a viseira aberta, o que, por si só, configura infração de trânsito. Mas não foi isso o que me chamou a atenção: para fora do capacete, pendia, pendurada em apenas uma orelha, uma máscara, dessas que há mês e pouco passaram a fazer parte de nosso guarda-roupa diante da pandemia de coronavírus.

Li, outro dia, numa rede social, algo como “máscara no queixo é o novo capacete no cotovelo”. Não estava com o celular na mão, logo, perdi de fotografar a cena, emblemática de nossos tempos – ao menos foi o que considerei.

Abertas as janelas, sentei-me e arrisquei um desenho. Indagado sobre o que eu estava fazendo, contei toda a história acima a ela, destacando, no desenho, as hachuras, que representam os visores dos capacetes e a malfadada máscara.

Ela, obviamente também reconhecendo a minha falta de talento para desenhar, afirmou: “esse capacete do piloto ficou parecendo um pato”. Não perdi a piada, com que ela concordou e ambos rimos: “deve ser mesmo, algum pato da Fiesp, desses que ainda vão em carreata contra o isolamento e, apesar de tudo, ainda defendem o boçal que ocupa o Palácio do Planalto”.