Cristóvão Colombo da Silva

POR CESAR TEIXEIRA*

Um compositor que não precisou descobrir a América para ganhar fama, já trazia dentro de si a nau inspirada com que recriava o mundo todos os dias, e de improviso. Neste 12 de outubro, Dia das Crianças, completaria 100 anos, se estivesse vivo. O nome dele é Cristóvão / Sobrenome: Alô Brasil.

Alô Brasil no bar. Fotos: Acervo Cesar Teixeira. Reproduções

– Alô Brasil! Era a saudação de mouros e cristãos agrupados nas calçadas, nos botecos ou nas portas das casas quando ele passava, e logo respondia: “Aquele abraço!”.

Se fosse tempo de carnaval, transitava amanhecido com a fantasia da Turma do Quinto ou dos Fuzileiros da Fuzarca. De outra feita, era o chapéu de palha ou feltro, geralmente enfeitado com uma flor ou uma pena sobrevivente, quase um enxerto da batucada em sua cabeça. Era magro, de olhos graúdos e semiabertos que pareciam sonhar o tempo todo.

Caso estivesse fardado de funcionário da Secretaria de Transportes e Obras Públicas (Setop, hoje Sinfra) e sem o chapéu, podia-se ver sua cabeleira cheia, penteada rigorosamente à moda Orlando Silva, espécie de ídolo do compositor, daí o inseparável pente Flamengo no bolso de trás da calça.

O autor do perfil, ladeado por Cristóvão e Antonio Vieira

Invariavelmente, subia e descia as ruas da Madre de Deus todos os dias, obedecendo a um relógio interior, as longas pernas arqueadas como se cavalgasse uma nuvem, até finalmente encostar na quitanda do Seu Alfredo Louzeiro para a hora extra. Foi lá que eu conheci de perto, no início da década de 1970, a obra do compositor e amigo navegante Cristovam Colombo da Silva – conforme reza sua carteira de identidade –, que na gramática do samba foi rebatizado Cristóvão “Alô Brasil”.

O nome de pia era homenagem ao descobridor da América, e o apelido ganhou depois de ter na época participado do programa Alô Brasil, Aquele Abraço, apresentado por Lúcio Mauro na Rádio Globo, do Rio de Janeiro, depois de chegar com um dia de atraso para uma participação no Chacrinha.

Em 1982, foi ao programa de Flávio Cavalcante – Boa Noite Brasil –, da Rede Bandeirantes, em São Paulo, como convidado especial do produtor Renato Barbosa, que estivera em São Luís para ser apresentador do 1º Festival de Verão da Música Popular Maranhense, por ocasião dos festejos de 370 anos da cidade, em setembro daquele ano.

“Santo Cristo”, como era reverenciado por alguns familiares, então mostrou para todo o Brasil a sua arte de improvisar, o que fez aumentar mais ainda a sua popularidade, tendo no copo a sua cruz e o solovox da fraternidade. “Palavras que me comovem”, repetiria.

O compacto “Velhos moleques”, produzido por Chico Saldanha, Giordano Mochel e Ubiratan Souza. Capa. Reprodução
“Alô Brasil”. Capa. Reprodução

Ao lado de Caboclinho (José Assunção Gomes), integrou em abril de 1986 o Projeto Pixinguinha, do qual já havia participado três anos antes. João Nogueira e Marília Medalha estavam lá. No mesmo ano, gravou com Antonio Vieira, Lopes Bogéa e Agostinho Reis o compacto “Velhos Moleques”, e, em 1999, o cd “Alô Brasil”, com a participação de vários intérpretes maranhenses.

UNIVERSIDADE DE BAMBA

A quitanda do Alfredo, na Madre de Deus, era uma espécie de pontifícia universidade do samba, a cachaça tinha prioridade sobre os livros e não havia censura prévia, depois era entender-se com a medicina e tentar um fiado nas farmácias do bairro, restando as alternativas do boldo, espinheira santa e folha de mamão.

Entre os catedráticos que a frequentavam estavam Sapinho, Henrique Reis, Paletó, Luís de França, Caboclinho, Biné do Banjo, Vavá, Patativa, Dedinho e Veríssimo (Cuíte), todos compositores. Careca, Virador, Penicilina e Caraolho já eram falecidos.

Vez por outra, por lá passavam os violonistas Paquinha e Mascote, além de Nazinho, pescador e banjoísta que transformava segundas-feiras em domingos após longos dias no mar, entre charutos e doses de alcatrão para manter o voto de silêncio, enquanto Reinaldo mostrava a picardia na cabaça, Zé Leão no pandeiro, Dedinho na retinta…

Bem, na quitanda tudo virava instrumento: as portas, os mochos e até um inocente tonel de querosene encostado na parede, que servia de marcação. Sapinho fazia variações na bomba de lata que puxava o combustível, soprando-a como se fosse um saxofone.

Cristóvão ali era o coringa que iniciava o samba, com pulmão de Noel Rosa, outro artista que admirava. Dava o tom, descendo e subindo uma escala maior, para depois atacar com uma voz sibilada, devido aos dois únicos dentes na boca, segundo ele “para abrir as garrafas”:

Silêncio, vou ler um aviso:
É hora de começar a batucada…

O samba esquentava, convencendo Seu Alfredo a jogar uma pá de camarão seco sobre o balcão para absorver a aguardente do peritônio da rapaziada. “Se tivesse dinheiro, eu comprava um anel pra ser doutor de samba”, costumava dizer Cristóvão. Não sabia que já estava dando uma aula.

Cheguei a levar muitos desses compositores para um programa chamado “Pitacos” gravado e transmitido pela Rádio Timbira nos finais de semana, numa produção do Laborarte, entre 1972 e 1973. Não havia patrocinador, nem cachê. Às vezes partilhávamos uma garrafa e as passagens de ônibus, mas quase sempre a volta para a Madre de Deus era a pé. “Eu acho é bom!”, dizia Cristóvão.

Junto com o compositor participei de vários espetáculos nos palcos da cidade, e como já tinha o costume de acompanhá-lo no violão ou no cavaquinho pelas rodas de samba, quase não havia ensaio. Ele improvisava de lá e eu de cá. Lembro com saudade a apresentação que fizemos do Teatro Praia Grande [hoje Teatro Alcione Nazaré] ao lado de Henrique Reis e Patativa.

NOTÍCIAS DE JORNAL

Em 1984, Cristóvão foi fazer um show para ser gravado pelo Projeto Pró-Memória/SPHAN, que funcionava na rua das Barrocas, nº 125. Chegamos lá com uma garrafa de pinga embrulhada numa folha de jornal no horário marcado para as 19 horas. A secretária viu aquilo e não nos deixou entrar. “Pois bem, então vamos beber em outro lugar”, disse-lhe.

Já estávamos dobrando a esquina, quando um esbaforido Ivan Sarney, diretor do programa gritou da porta: “Voltem, voltem, o auditório está cheio! Podem entrar com a garrafa!” Foi uma noite memorável, com muito tema para improviso e estrondosas gargalhadas da plateia.

“Alô Brasil” costumava dizer, e cantar, que tinha samba na cabeça “como letra no jornal”. Isso denunciava o seu hábito pela leitura, que incluía os livrinhos de bolso. No final do expediente da Sinfra, onde foi contínuo e porteiro, ele reunia os jornais diários que por ali passavam, dobrando-os meticulosamente num pacote retangular amarrado com barbante.

Esse pacote ficava guardado debaixo dos balcões e prateleiras dos bares enquanto durasse a farra e a batucada, quando o carregava para casa. Lia até anúncio. No dia seguinte estava por dentro dos fatos, mesmo sem perceber as armadilhas criadas pelos feitores da informação, quase sempre ruins da cabeça e doentes do pé.

Cristóvão, porém, tinha um espírito puro, que através da música lhe permitia o dom da ubiquidade, assumindo as dores e alegrias dos outros. Fez samba para Dedinho (Eu moro no morro do Esqueleto / com a minha Nega Teresa…) e para Tabaco (Se você desceu de lá / por favor me dê notícias da mina Nega Joana…) como se fosse eles cantando. Mas fez também para si próprio:

Foi no dia 12 de outubro de 22
que nasceu na Madre Deus
mais um sambista,
o resto eu conto depois…

Nasceu no Dia das Crianças, que tanto adorava. Por isso, repetia que se pudesse nasceria de novo, pois estava ficando “velho e encolhidinho”. Aí conjeturava que alguém poderia pensar: “Será que ele está virando criança outra vez?” Quase chega lá, não fossem as complicações de uma hérnia, que o levou à morte em 20 de agosto de 1998.

Fui ver pela última vez meu grande amigo no Hospital Carlos Macieira, onde jazia sobre o mármore, embrulhado em lençóis. Lembrei-me do pacote de jornais, que ele não iria mais colecionar, nem leria ansioso a notícia da própria morte. Isso não seria mais necessário para quem tirou de letra a vida como um passeio distraído pela rua.

No cemitério, antes que o pedreiro vedasse com tijolos o mausoléu de família, consegui jogar-lhe uma flor, para que não esquecesse de por no chapéu quando encontrasse com os outros sambistas já embriagados de aurora.

O BATENTE DO SAMBA

Caricatura de Érico Junqueira

Cristovam Colombo da Silva nasceu em São Luís, na rua do Passeio, em 12 de outubro de 1922, numa casa ao lado do extinto Cine Rialto. De lá foi ainda criança para a rua de São Pantaleão, nº 1.275, próximo ao Hospital Geral, para onde também se mudou, em 1941, o bloco Fuzileiros da Fuzarca, fundado cinco anos antes na rua de São João, com o envolvimento de toda a sua família.

E não era pouca gente. Seus pais, José Bonifácio da Silva e Mercedes Ramos da Silva, tiveram oito filhos: Amélia, Sandoval, Astrogildo, Cristovam, Manoel, Lenir, Noca e Teresa, somando-se uma infinidade de descendentes. Dona Mercedes foi uma espécie de esteio dos Fuzileiros durante cerca de 20 anos, até o seu falecimento no início da década de 1960, quando o bloco se mudou para o coração da Madre de Deus.

Foi então que Cristóvão pode se dedicar à Turma do Quinto, escola de samba da qual foi um dos fundadores, mas tinha uma participação quase clandestina por causa da predileção da família pelos Fuzileiros da Fuzarca.

Quando a escola foi criada, em 1940, ele já era operário têxtil cardador da Fábrica São Luís, que processava fios de algodão, mudando-se dali para a Cânhamo, onde durante 28 anos ocupou como fiandeiro uma das máquinas que fabricavam sacos de estopa para a indústria e o comércio locais.

Depois do trabalho, Cristóvão ainda encontrava disposição e tempo para tocar pandeiro e cantar suas músicas em gafieiras, clubes e cabarés, sobretudo na Zona do Meretrício, onde se apresentava com a orquestra de Pedrão e no Jazz Irakitan. Assim, matava a sede da boemia e alimentava a magra renda.

Em 1968, conseguiu um emprego na Secretaria de Viação e Obras Públicas (SVOP), que depois se tornou SETOP, e, por último Sinfra. Lá exerceu os cargos de contínuo e agente de portaria, que para ele era o nome moderno de vigia. “Mas não vigio nada, nem ninguém”, dizia.

Na verdade, Cristóvão gostava de servir a todos e não se furtava de qualquer tipo de empreitada, desde as filas de banco até entregar no horário exato o almoço dos executivos, que o consideravam um funcionário exemplar. Era o primeiro a chegar e o último a sair da repartição, contrariando o estereótipo da malandragem que pesa sobre os sambistas.

Isso lhe valia uns bons trocados para as suas esticadas pelos botecos das redondezas, antes de chegar na Madre de Deus e de lá seguir para o Bairro de Fátima, para onde se mudara no início dos anos 1970. “Ele acordava às seis horas, tomava café e ia por um atalho até a Madre de Deus, e de lá para o São Francisco, atravessando a ponte, todos os dias”, conta Dona Vanda, a viúva, hoje com 72 anos [à época da publicação original do texto].

Vanderlisa da Silva relata que conheceu Cristóvão na porta da Cânhamo por volta de 1946, quando tinha apenas 14 anos e ele 24. Por ser muito branca, era chamada de “loura” ou “americana” pelos colegas operários. Logo chamou a atenção do compositor, que, a princípio, brincava muito com ela, mas era esnobado.

“A brincadeira virou coisa séria”, lembra Dona Vanda. Tiveram uma convivência de mais de 50 anos, no início cheia de altos e baixos, pois ambos gostavam de brincar – ela nos bailes e ele nas rodas de samba. Dessa paixão, em 1951 nasceu o único filho, Orlando Silva (poderia ser outro?), depois veio o neto, Rafael, herdeiros de uma grande fortuna: o samba inspirado e irretocável de Alô Brasil.

*Cesar Teixeira é jornalista e compositor. Perfil originalmente publicado no Suplemento Cultural e Literário JP Guesa Errante, nº. 66, em 2006, então quinzenalmente encartado no Jornal Pequeno, aqui reproduzido com pequeníssimas modificações

Samba de Nosly

Sambas. Capa. Reprodução

 

As referências aludidas pelo pianista mineiro Kiko Continentino em texto no encarte de Sambas [2018], novo disco do maranhense Nosly, são todas cabidas. O aguardado sucessor de Parador [2011] se aproxima bastante da bossa nova – é lançado no ano em que a revolução musical de Tom Jobim, Vinicius de Moraes e os Joões Gilberto e Donato completa 60 anos –, e consequentemente do jazz, tanto do ponto de vista temático quanto da arregimentação.

Autor de todo o repertório, em parcerias com Gerude, Carlos Berg, Nonato Buzar, Zeca Baleiro, João Nogueira e Luís Lobo, Nosly (violões e voz) é acompanhado por Kiko Continentino (piano), Rogério dy Castro (baixo), Victor Bertrami (bateria) e Wendel Silva (percussão), por 10 faixas que versam, como a maioria dos clássicos bossa-novistas, sobre praias, o amor e a própria música.

Ao refinado time de instrumentistas somam-se as participações especiais de Carlos Malta (sax soprano em Samba em sete, parceria com Luís Lobo), Marcelo Martins (flautas em Pedras do mar, que fecha o disco) e Jorge Continentino (saxes, clarinetes e flautas em Pagar pra ver, parceria com Gerude e Carlos Berg).

Quase todo o repertório é inédito, as exceções são Coração na voz (parceria com Gerude e Nonato Buzar) e Japi (com Zeca Baleiro). O João protagonista de Ladeira (parceria com João Nogueira) evoca o Pedro Pedreiro buarqueano.

Nosly reverencia igualmente a Copacabana, paisagem-musa de bossa-novistas (em É bom viver, parceria com Gerude), e a Ponta d’Areia já louvada por tantos conterrâneos (em Segura o banzeiro, também parceria com Gerude, parceiro mais constante, que assina metade das faixas do disco).

O álbum é embalado pelo belo projeto gráfico de Andrea Pedro, que já assinou trabalhos dos parceiros Zeca Baleiro e Chico Saldanha. Nele, ganha destaque o colorido musical das telas de Betto Pereira, cantor, compositor e artista plástico maranhense radicado no Rio de Janeiro, onde Sambas foi gravado (no Castelo Studio, em Niterói).

Sambas reafirma o lugar de Nosly na música brasileira: um sofisticado compositor popular que merece a atenção de mais ouvidos.

Obituário: Léo Capiba

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

Neste domingo de finados a música do Maranhão amanheceu mais triste: perdeu o sorriso largo e fácil de Léo Capiba, falecido na noite de sábado (1º.), vítima de ataque cardíaco.

Cearense do Crato, radicado em São Luís há quase 30 anos, Capiba tinha 67 anos e chegou a adiar, por problemas de saúde, o show Desde que o samba é samba, anunciado para 17 de outubro passado.

O Regional Tira-Teima, que deve lançar em breve o disco de estreia, registrou duas composições suas: Pra ser feliz, dedicada à esposa Sandra Tavora, com quem teve três filhos, e Zona do agrião, que usa metáforas futebolísticas para falar de amor.

No disco Memória – Música no Maranhão, lançado em 1997, sob direção musical e arranjos de João Pedro Borges, Léo Capiba cantou e tocou pandeiro em Não vá deixar o samba da vila, do compositor madredivino Henrique Martiniano Reis, o Sapo.

Confiram o depoimento que Léo Capiba deu à série Chorografia do Maranhão em abril passado. Continue Lendo “Obituário: Léo Capiba”

A menina que conquistou o coração dos mestres do choro

[Release para Festejos, estreia em disco de Alexandra Nicolas]

Festejar é o destino de Alexandra Nicolas e de seus ouvintes

Maranhense estreia em disco com repertório de Paulo César Pinheiro

Festejos sai pela Acari, maior gravadora especializada em choro do Brasil

Márcio Vasconcelos

TEXTO: ZEMA RIBEIRO

“Eu cheguei sem ninguém saber que eu vinha”. Desde antes de nascer Alexandra Nicolas já era uma surpresa. Filha de mãe solteira, foi cúmplice da genitora, que escondeu a gravidez enquanto pode. O pai, músico e boêmio, ela só viria a conhecer aos cinco anos de idade. Foi criada por três mulheres – a mãe, a tia e a avó.

Sua mãe gostava de cantar e foi em uma tertúlia que seus pais se conheceram. Desde cedo a menina pegou gosto pela coisa. “Eu cantava desde criancinha. E eu não podia sair das rodas, que eles me chamavam: “agora é a vez da menina!”. E eu me lembro, muito nova, de cantar músicas de Nelson Gonçalves, Silvio Cesar, Elizete Cardoso, Clara Nunes, Rita Lee, Novos Baianos, Genival Lacerda, Elba Ramalho”, cita entre gostos passageiros e referências que permanecem até hoje.

Acreditando nos sonhos, a adolescente Alexandra chegou a largar o curso de Pedagogia e foi ao Rio de Janeiro estudar canto, dança e teatro. Sua mãe hospedou-a num pensionato, à época inviabilizando a carreira: “Todos os lugares em que eu podia cantar eram à noite e eu tinha que voltar para casa antes da meia noite”, lembra a cinderela de então.

Do pensionato para a música? Nem pensar! Alexandra só pode mudar-se para um apartamento quando passou no vestibular para Fonoaudiologia, profissão em que se formou e exerceu por pouco mais de 10 anos – a música sempre em paralelo, nunca de menor importância, a vida entre o consultório e os palcos. Após coordenar o curso de fonoaudiologia em uma faculdade particular em São Luís, ela deixou a profissão. Da música, afastou-se apenas para dedicar-se às primeiras infâncias de seu casal de filhos, hoje com sete e seis anos. Uma parada apenas temporária, embora ela não viva, ainda hoje, exclusivamente de música.

“Tudo o que fiz até hoje foi por necessidade, por amor, por que eu não consigo fazer nada que eu não pense em fazer bem feito”, diz, talvez explicando a demora em gravar o primeiro disco, Festejos. Mas nada na vida de Alexandra acontece por acaso. “Eu já gostava muito do Paulo César Pinheiro, principalmente suas parcerias com Mauro Duarte, Sivuca, João Nogueira. Vinha de alguns shows por aqui e estava com a ideia de fazer um em homenagem a Clara Nunes. Numa viagem ao Rio, meu amigo Celson Mendes mandou um e-mail para Luciana Rabello. Segundo ele, ela poderia me dar algumas dicas. De início não acreditei muito que ela fosse responder. Ela respondeu e me convidou para ver e ouvir o bandão da Escola Portátil. Algo incrível! Todos os alunos da Escola Portátil, 40 pandeiros, 15 cavaquinhos, 10 flautas etc., juntas, sob uma árvore, tocando ao mesmo tempo com [o baterista] Bolão de maestro”. Terminada a apresentação, Luciana levou-a para tomar um chopp na Visconde de Caravelas, em Botafogo. Era a rua em que ela tinha morado, e Amélia Rabello, irmã de Luciana, morava no mesmo apartamento que Alexandra ocupou em seus dias e noites cariocas. Sem saber, a anfitriã acabou escolhendo ainda a mesma mesa em que a maranhense costumava sentar vindo da faculdade.

Nada na vida de Alexandra acontece por acaso. “Então você quer homenagear a Clara Nunes? Mas você gosta da cantora ou do compositor?”, indagou Luciana Rabello ao notar que nove das 16 músicas do roteiro eram de Paulo César Pinheiro. “Eu tenho certeza que Clara Nunes ia adorar este show se você pudesse transcender isso. Você precisa se mostrar como artista, sair de detrás dela. Eu recebo 80 e-mails por dia de gente querendo homenagear Clara”, aconselhou-a. “Paulinho [forma carinhosa como se referem ao compositor maiúsculo] tem mais de 2.000 canções. Se quiser eu te dou tudo inédito”, ofereceu.

Luciana Rabello acabou por descobrir a voz autoral de Alexandra Nicolas, mesmo esta não sendo compositora, e assumiu a função de diretora musical de Festejos. Mais que isso, se tornou amiga íntima, uma irmã querida e escolhida. “Ela foi uma bênção de Deus na minha vida”, diz a maranhense.

Tudo começou em Senhora das Candeias, show que ela apresentou duas vezes no Teatro Arthur Azevedo, em São Luís, e que batiza o projeto patrocinado pela Eletrobrás, através da Lei Rouanet de Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura, que permitiu a feitura de Festejos, que sai pela Acari Records, a maior gravadora de choro no Brasil. Inicialmente ela recebeu uma fita com 20 composições de Paulo César Pinheiro: era o repertório do espetáculo. Para o disco, a amostra aumentou para quase 60 músicas, das quais 13 foram escolhidas, entre inéditas – a maioria – e regravações.

“Eu quero essas mulheres da festa!”, escolheu. “Todas as que Paulinho canta, elas são fascinantes, lindas e sensuais. É um amor puro! Elas possuem uma beleza que ninguém consegue ver. Quase ninguém consegue ver a beleza de uma lavadeira. Aí eu vi a verdade. Não era fantasia. Era palpável”. Alexandra começava a eleger o repertório de seu disco. Entre idas e vindas foram quase dois anos só na seleção do repertório, mergulhada de cabeça, corpo e alma.

“Paulo César Pinheiro é a pessoa mais leve que eu já vi na vida. Não sei de onde tira tanta simplicidade. Nem parece que existe, me deu o maior presente. Ele me deu a bênção e disse: “se você tiver que gravar um disco, quero que você grave aqui [no Rio de Janeiro]. Foi a partir daí que eu descobri verdadeiramente meu caminho”.

A partir de então, muitas idas e vindas na ponte aérea São Luís – Rio de Janeiro. Com ela festejam Adelson Viana (sanfona), Celsinho Silva (percussão), Dirceu Leite (flauta, picolo), Durval Pereira (percussão), João Lyra (arranjos, violão, viola), Julião Pinheiro (violão sete cordas), Luciana Rabello (cavaquinho e produção musical), Magno Júlio (percussão), Marcus Tadeu (percussão), Maurício Carrilho (arranjos, violão sete cordas), Paulino Dias (percussão), Pedro Amorim (bandolim) e Zé Leal (percussão).

Ao final de um processo de aprendizado, amadurecimento, risos, lágrimas e muita emoção, o próprio Paulo César Pinheiro definiu a ordem das músicas no disco e, acima de qualquer suspeita, escreveu sua apresentação: “acho que a maranhense conseguiu um belo disco. Abram alas pra ela que a festa começou”, para ficarmos com apenas um trecho.

Embalada pelo capricho do design de Raquel Noronha, a bolachinha é ilustrada por fotos de Márcio Vasconcelos, que captam Alexandra Nicolas, risonha e faceira, no sobrado em que nasceu o dramaturgo maranhense Arthur Azevedo, em 1855, uma segunda coincidência literária – a primeira é que Paulo César Pinheiro, apesar de nunca ter estado em São Luís do Maranhão, conhece-a bem a partir da obra de Josué Montello, e escreveu uma música que leva o nome da capital maranhense, faixa que fecha o disco.

Alexandra Nicolas sonha: “Eu quero fazer o Brasil cantar”. Nada na vida dela acontece por acaso.

FAIXA A FAIXAMárcio Vasconcelos. Festejos. Capa. Reprodução

1. Mironga (Paulo César Pinheiro): “É uma música que abrange todas elas [as mulheres], uma espécie de resumo
do disco. São os homens tocando tambor para as mulheres dançarem e festejarem. É uma música completamente
masculina, mas eu consigo ver a mulher nela, as mulheres que dançam ao som do tambor. Ele descreve, na verdade, a maneira de tocar, como se aprende a tocar um tambor. No final ele diz que tem mironga aí, ou seja, tem algo muito especial na maneira de tocar. “Tem quem bate e faz zoeira/ tem quem toca como quê/ quem comprou tambor na feira/ esse não sabe bater./ Foi no couro e na madeira/ que me disse um alabê/ tocador de capoeira/ não é de maculelê”. Então ele começa a fazer uma série de pontuações no ato de tocar tambor e as mulheres, como ele diz no texto que me apresenta, estão mirongando ao som do tambor. Mironga é uma festa!”

2. Balacoxê de Iaiá (Paulo César Pinheiro): “Na hora em que eu li o título eu fiquei imaginando um bumbum enorme de Iaiá. Na verdade, Balacoxê veio por essa sensualidade, de cortar cana, da mulher, e eu fiquei fascinada, por que a maneira como Paulo cantou essa canção, o que eu ouvi, é como se estivesse na fala dele, essa mulher, Iaiá, que corta cana, que “bota a roda pra rodar/ eu só vejo esse desenho na cintura de Iaiá”. Foi uma canção em que eu me vi. Me perguntei, meu Deus, será que eu vou cantá-la eu vendo Iaiá ou eu sendo Iaiá? Eu acho que de todas que eu cantei, eu era a Iaiá. Tava em mim, passava por mim, essa história de “como eu vejo, com o punho nas cadeiras/ Iaiá fazer”. Essa descrição pra mim, essa mulher, essa Iaiá, ela é incrível”.

3. Passista (Paulo César Pinheiro): “Foi o primeiro refrão que me chamou muito a atenção: “seu povo já foi do cativeiro/ mas hoje que o samba é uma nobreza/ é ela que reina no terreiro/ do samba outra vez virou princesa”. Achei muito forte ele ter trazido como o povo dela sofreu e como hoje ela é uma rainha, comanda o samba na escola. Isso me fascinou, saber que tem muita gente que vai pra vê-la. O samba trouxe essa majestade pra ela”.

4. Coqueiro novo (Paulo César Pinheiro): “Foi a praia daqui. Uma homenagem à minha praia, à praia em que eu cresci, em que eu brinquei na areia e, lógico, às morenas do Cabedelo, na Paraíba, às quais ele se refere, que fazem acessórios com a palha do coqueiro, vivem disso. São mulheres sofridas, mas quando escuto, eu me vejo na praia, sombra, vento nos cabelos e água fresca. Uma valorização do trabalho dessas mulheres, transformando a palha em objetos, bolsas, cintos, acessórios femininos”.

5. Presente de Iemanjá (João Lyra e Paulo César Pinheiro): “Quando Luciana me mostrou ela falou de uma pessoa que tinha que dirigir os arranjos do disco, chamada João Lyra [que assina parte dos arranjos, violões e viola do disco]. A primeira vez que o ouvi cantando, fiquei fascinada por ele, com a alegria que ele põe na canção. E eu ouvi Presente de Iemanjá com ele cantando e me remete à fartura. Quando fala de “jogar a rede pro céu/ e a rede cai no mar/ o que cai na rede é peixe/ é presente de Iemanjá”, isso me vem como abundância, as mulheres tendo o que comer, os homens saem para pescar e trazem o pão de cada dia, o peixe para fazer o almoço. Eu me vejo numa vila de pescadores. Ele trouxe um arranjo fantástico com Toré de índio pra canção, ficou muito forte. Tem o canto pra sereia, por trás de tudo isso, que é muito marcante. Eu não cantei orixás no disco, mas cantei pra Iemanjá, que pra mim sempre foi uma mulher encantadora, embora eu de início não soubesse bem o que era um orixá. Eu sabia que ela vivia no mar e eu sempre lembro da Iemanjá da Ponta D’Areia toda vez que eu canto”.

6. Lavadeira (Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro): “Paulinho me mostrou essa canção, eu já fascinada pelas mulheres, e ele não me contou que ia me mostrar. Eu tava na cozinha da casa dele, comendo, e ele colocando músicas, que ele adora. Quando eu ouvi isso na cozinha eu saí correndo pra sala, “Paulinho, o que é isso?”, e ele já com o sorrisão aberto, por que sabia que eu ia me interessar pela música. Pedi pra ele botar de novo, ele botou. Eu ouvi na voz da Andréia, que é uma cantora que gravou a música. A Luciana perguntou, “mas Alexandra vai gravar? Já gravaram!” E ele disse “não importa. A Andréia sumiu. É ela [Alexandra] quem vai fazer essa música aparecer”. É a canção mais cinematográfica do disco, descreve tudo o que uma lavadeira faz. É de uma sensualidade, de uma sensibilidade tão profunda. A lavadeira passa a ser uma deusa em vez de uma simples lavadeira. Luciana faz um cavaquinho que dói na alma, Mauricio Carrilho fez o arranjo perfeito e ainda criou um canto para a lavadeira: “Lá lá lá ia lá ia/ Madalena foi lavar” e vai embora”.

7. Roda das sete saias (Roque Ferreira e Paulo César Pinheiro): “Eu ouvi cantada por Roque Ferreira, em uma das minhas viagens ao Rio, me apaixonei pela festa. Ela tem oito minutos, é um samba de roda fantástico. Fala das festas populares, tudo o que é cantado nas rodas das festas. Imagina um festejo acontecendo num terreiro, numa casa de festa… os grupos se formam a partir das afinidades: uma roda de samba aqui, uma caixeira tocando ali. Versos que surgem dessas afinidades da festa compondo um samba de roda com a música de Roque Ferreira, a letra de Paulo César Pinheiro e o arranjo de Maurício Carrilho. Eu costumo dizer que não sinto os oito minutos. Termino de cantar e pergunto: “vixe, já foi?” Ela foi uma música muito eleita aqui na minha terra. Fiz uma sessão com os compositores para ouvirmos o disco e muita gente gostou dela, por que ela é forte, ela lembra a gente, ela é muito Maranhão, é nossa…”

8. Coco da canoa (João Lyra e Paulo César Pinheiro): “Eu sou apaixonada por coco. Eu fui atrás de outro coco. Eu já tinha um coco no disco, acho um ritmo que mexe muito comigo. Quando eu era pequena, eu ia para a Rua Grande, e tinha uma cega que cantava um coco com um chocalhinho. Eu cresci com o coco muito presente na minha vida, mamãe sempre cantava em casa. Eu busquei mais um coco e como eu já tava encantada com o trabalho do João Lyra, com a alegria que ele emprega nas coisas, foi uma das canções que eu trouxe. Ela fala de um flerte na praia, de uma mulher faceira que não sabemos bem se é uma mulher ou uma sereia encantada. Gostei muito desse coco meio embolado, gostoso demais”.

9. Coco (Paulo César Pinheiro): “O coco é uma paixão. Ele é um trava-língua e a Luciana me mandou como um desafio para uma fonoaudióloga [risos]. Quando eu ouvi, pensei: “não vou conseguir cantar nunca!” É muita coisa e tudo muito rápido. Quando cantei e vi que o teatro todo cantou de novo… eu ensinei apenas uma vez e quando cantei a segunda parte todo mundo riu de tão embolado que tudo fica… e lindo… Fala de quebrar o coco, das quebradeiras de coco, a maneira como quebram o coco, que fazem a roda. Eu ia muito pra Pinheiro passar férias e comia muito coco babaçu. E pra mim não valia comer coco babaçu guardado, que mofa. Eu queria ver era ver o coco babaçu tirado por dona Mariazinha, que trabalhava na casa de meu pai, e a gente ia lá para um cantinho do quintal, debaixo duma árvore, quebrar coco”.

10. Bisavó Madalena (Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro): “Foi outra pescaria. Paulinho já atrás dos seus tesouros guardados e ele tentava falar para mim como era a canção. Mas como não vou me apaixonar por uma música que fala da bisavó de Wilson das Neves? Que rodou o Brasil inteiro, que era dançarina de primeira e rodou o país dançando todos os ritmos e era boa de gogó, de samba, de bumba meu boi… quando ouvi fiquei encantada pela música. Wilson já gravou e eu não resisti, por que ela dá um resumo dessa matriarca que recebe esse festejo. E eu pretendo abrir o show com ela”.

11. Soberana (Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro): “Wilson das Neves novamente. Essa música eu me lembro de Paulinho, ele não só me mostrou, mas ele dançou, me mostrando como eu devia fazer no palco com minha saia. Foi a maneira mais poética, mais romântica, mais soberana que eu vi um homem falar de uma mulher. Eu acho que qualquer mulher no mundo dava qualquer coisa para ser essa mucama à qual ele se referiu. Ela “nunca foi mucama de qualquer laia”. É a música que mais mexe comigo no disco. É a minha música! Eu sou apaixonada… As pessoas perguntam “qual é a música de trabalho?” Eu só digo Soberana. Eu sei que existe essa mulher, até por que eu sei de muitas mulheres que são soberanas. Mas você chega a duvidar, de tão incrível que ela é, você se pergunta, “é tudo isso?”, por que sempre escapa algo, ela é incrível”.

12. Ava Canindé (Paulo César Pinheiro): “Foi um Divino Espírito Santo que foi trazido para mim. Luciana mandou propositalmente, pois sabia que eu fui imperatriz na infância [em festejos do Divino, em Pinheiro, pagando promessas de sua mãe]. Eu sempre falo que vejo as mulheres indo para as festas do divino, as caixeiras, as arrumadoras da bandeira, e ela fala da simplicidade e da organização dessa festa. O dia a dia, como as pessoas se vestem, como chegam, descreve a cidade, a igrejinha. E João Lyra trouxe o que há de mais surpresa no disco, o arranjo dessa música. Para quase todos os músicos ela é a mais forte. João não conhecia a batida do Divino Espírito Santo, e no entanto ele trouxe sopros, viola. Ficou muito linda, simples, nostálgica. Para eu conseguir cantá-la do jeito que eu cantei eu me imaginava com João e Paulinho, em um morro bem alto, olhando lá de cima para esta cidade e cantando”.

13. São Luís do Maranhão (Paulo César Pinheiro): “A maneira como Paulo descreve o Maranhão, a impressão que a gente tem é a de que ele estava aqui, e de uma maneira também muito cinematográfica. Você consegue ver o boi de uma forma tão simples. Cantar minha terra foi uma honra, com a letra dele, então. E ele não conhece. Conhece através de Josué Montello e é capaz de conhecer até mais que eu, por que Paulinho quando vai em um assunto, ele vai fundo, vai além, muito além… Pra mim foi um presente, ele interferiu nesse arranjo, ele estava presente nessa gravação, acompanhou de perto [o saudoso parceiro João Nogueira era, até então, o último artista visitado por Paulo César Pinheiro em estúdio durante a gravação de um disco]. E nada como o nosso mestre Arlindo Carvalho para dirigir e dar esse toque de Boi de Pindaré. Ela fecha o disco, fecha com minha terra, fecha onde nasci, fecha com São Luís”.

Ótima pedida!

Faz tempo que não vejouço Leo Capiba, cearense do Crato há tempos radicado no Maranhão, cujo sobrenome artístico pegou emprestado do mestre do frevo. Como bem lembrou e lamentou a leitoramigatenta Natália Macedo, no Facebook, onde antes compartilhei a imagem abaixo, saudades do Chico Canhoto (o bar e seu proprietário), saudades do Clube do Choro Recebe, onde vez por outra era possível verouvir Capiba em ação.

Quem ou/viu lembra: são nada menos que antológicas suas interpretações para Espelho (Paulo César Pinheiro/ João Nogueira), Orora analfabeta (Gordurinha/ Nascimento Gomes) e Chiclete com banana (Almira Castilho/ Gordurinha), para citar apenas três das sempre pedidas pelo público, a última com direito a pegada samba-rock e uma gingadança ímpar.

Leo Capiba é ainda exímio pandeirista. Se o seu pandeiro não se faz presente em todas as músicas, o sorriso sim: largo e sincero, a traduzir a alegria de estar no palco. Pra quem tem saudades ou quer conhecer a dica é Bamba de samba, show que ele apresenta esta quinta no Barulhinho Bom (Lagoa da Jansen, detalhes na imagem abaixo). Não faltarão pandeiro, dança, voz, sorriso e boa música.

Trem musical, Parador de Nosly encosta amanhã (29) na estação Arthur Azevedo

Do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira: “Iniciou a vida artística em 1984 na cidade de São Luís, capital do Estado do Maranhão.// Residiu em Minas entre os anos de 1986 e 1995, onde integrou a Orquestra de Violões do Palácio das Artes. No ano 2000 lançou pela gravadora Dabliu o cd Teu lugar, no qual interpretou várias composições de sua autoria, entre elas, Brinco, Noves fora e Japi, as três em parceria com Zeca Baleiro; Coração na voz (c/ Nonato Buzar e Gerude); Gueno (c/ Glauco Barbosa) e June, parceria com o poeta Celso Borges, entre outras.// No ano de 2003, ao lado de César Nascimento e Mano Borges, apresentou-se no “Projeto Prêt-à-porter”, com direção artística de Sérgio Natureza, no Teatro Café Pequeno, no Leblon, Zona Sul do Rio de Janeiro.// Em 2010 lançou o cd Nave dos Sonhos, no qual figura a faixa-título composta em parceria com o também maranhense Nonato Buzar, disco lançado em show homônimo no Bar Severyna, em Laranjeiras, Zona Sul do Rio de Janeiro. No show contou com a participação dos músicos Ney Conceição (baixo), Kiko Continentino (teclados) e Victor Bertrami (bateria).// Entre seus diversos parceiros destacam-se os letristas Celso Borges, Tibério Gaspar, Chico Anísio, Fausto Nilo e Sérgio Natureza, além do compositor e sambista carioca João Nogueira.”

Do texto do encarte de Parador [ouça na Rádio UOL], assinado pelo parceiro-produtor Zeca Baleiro: “Parador é o terceiro disco de Nosly, compositor maranhense que já zanzou por muitas plagas sem fixar-se em nenhuma – São Luís, Rio, Belo Horizonte, Düsseldorf… Como seu conterrâneo Gonçalves Dias, Nosly vive no exílio, no abandono apaixonado da música, urdindo canções como quem tece num tear seu artesanato de afetos, sua teia de ritmos (…)// Sem mais delongas, digo: Nosly é um craque inquestionável da sempre nova (e muito viva) canção brasileira”

Parador abre com a regravação de Aquela estrela (Ronald Pinheiro e Jorge Thadeu) e fecha com Maria Luiza (Nosly), único tema instrumental do disco, homenagem à mãe do compositor. Entre as 13 faixas, parcerias, regravações e inéditas.

Amanhã (29), às 21h, no Teatro Arthur Azevedo, acontece o show de lançamento de Parador (2011), novo disco de Nosly, produzido por Zeca Baleiro (mais sobre o show no release escrito pelo parceiro Fernando Abreu). Abaixo, a entrevista exclusiva que o músico concedeu ao blogue, por e-mail.

ENTREVISTA: NOSLY

ZEMA RIBEIRO – Nosly, como foi sua infância e em que momento você sentiu que ia ser músico, que ia viver de música?

NOSLY – Nasci em Caxias/MA, em agosto de 1967. Sou o sétimo filho de uma família de 10 e carrego o nome do pai, Nosly. Cresci ouvindo muita música boa, música de qualidade, orquestradas e interpretadas por grandes nomes. A minha primeira lembrança, eu deveria ter talvez quatro ou cinco anos, foi colocar na “radiola”Agostinho dos Santos cantando Estrada do Sol (Tom Jobim e Dolores Duran). Depois, com sete, me divirtia com os instrumentos musicais (xilofones, saxofones, clarinetes etc.) que ganhava na época de natal. Acho que os meus pais, de alguma maneira, já identificavam meu interesse pela música. Só lá pelos 13 é que pintou o violão na minha vida. Daí foi paixão à primeira nota.

Parador pode ser considerado teu disco mais pop, embora nunca descartável, como acentua o parceiro Fernando Abreu no release de divulgação do show de lançamento. Como foi sua gestação? O disco começou a ser idealizado no começo do novo milênio, mas por conta da agenda do Zeca [Baleiro, produtor do disco] e a minha decisão de passar um tempo na Europa, foi sendo adiado, até, finalmente em 2010, partirmos pra por em prática e realizar o sonho antigo. Muitos e-mails trocados com o Zeca até chegarmos a esse repertório que aí está. Compus algumas coisas especialmente pra esse cd, como por exemplo Oh, baby perdoe (Nosly e Zeca Baleiro), Aldeia (Nosly e Celso Borges) e Apesar de doer (Nosly e Vanessa Bumagny). Muitas idas e vindas, São Luís, São Paulo, São Luís, até a conclusão e lançamento em maio deste ano.

O que o público ludovicense pode esperar do show de lançamento do disco, que contará com a participação especialíssima de Toninho Horta? O show tem como base o repertório do cd e toco ainda algumas músicas do primeiro [Teu lugar] e do segundo cd [Nave dos sonhos]. A banda é sensacional: VICTOR BERTRAMI – BATERA, NEY CONCEIÇÃO – BAIXO e KIKO CONTINENTINO – PIANO [grifos dele]. O Toninho é amigo desde 86, quando eu participei do I Seminário Brasileiro da Música Instrumental, realizado em Ouro Preto. Considero o Toninho um dos maiores violonistas, guitarristas do mundo, além de consagrado compositor, grande ídolo, desde o tempo que ouvia o Clube da Esquina. Melhor agora, depois de tantos anos de amizade, poder estreitar mais ainda nossos laços musicais e contar com a presença dele no show. É uma honra pra mim e acredito que será também para o público que vai nos prestigiar.

Parador traz uma série de parcerias, com nomes como Celso Borges, Fausto Nilo, Fernando Abreu, Olga Savary, Vanessa Bumagny e Zeca Baleiro, entre outros, o primeiro e o último aqui listados talvez os mais antigos, parceiros desde o começo da carreira. Como se dão essas parcerias? Como é lidar com essa pluralidade? Cada parceiro tem sua importância e admiro todos eles, pois a parceria nasce antes, no coração da gente, só depois vira música. Já compus de n maneiras distintas, não dá pra prever nem premeditar, tudo nasce como deve ser, naturalmente. Recebo letras de música, poemas, ideias de melodias, enfim cada caso é um caso. O importante mesmo é que o momento seja pleno e que a ideia venha à cabeça. Tive a honra de compor com grandes nomes da MPB, como Nonato Buzar, Chico Anysio, João Nogueira, Tibério Gaspar, Sérgio Natureza, Zeca Baleiro, Chico César, Fausto Nilo, Luis Carlos Sá, Celso Borges, Fernando Abreu, Gerude, Luis Lobo, Olga Savary, Lúcia Santos, Cláudia Alencar, enfim, a lista é longa e sempre cabe mais um. É muito bom poder compartilhar momentos e afinidades e a parceira é a junção dessas duas coisas.

Como foi trabalhar com o parceiro Zeca Baleiro assinando a produção? Foi muito prazeroso trabalhar com o Zeca. Já fizemos tantas coisas juntos no passado, que facilitou nesse agora. Temos muita afinidade, crescemos juntos e ouvimos muita música naquelas tardes de Monte Castelo. Além disso, nossa concepção é bem parecida, embora cada um tenha sua maneira particular de evidenciar isso. Pra resumir, foi uma beleza fazer esse cd produzido por ele, pelas ideias que dividimos e pelo despojamento sobre qualquer sentimento de vaidade que pudesse macular esse nosso encontro.

Faixas como Oh, baby, perdoe (Nosly e Zeca Baleiro), I’ll be over you (Steve Lukather e Randy Goodrum) e So I’ll have to say I love you in a song (Jim Croice), têm um acento brega, seja pela temática romântica da primeira, a segunda uma balada original que aqui ganha versão reggae e a terceira por ter tido uma versão em português gravada por um ídolo do gênero, Fernando Mendes. Sobretudo em relação às duas últimas, como se deu a escolha para que entrassem no repertório de ParadorApesar de ter ouvido na infância Odair José, Fernando Mendes, Amado Batista, Wando etc., tudo aquilo soava natural, era rotulado de brega, mas isso já tomou outra conotação dos dias de hoje. Tanto é que grandes nomes  da MPB continuam gravando esses compositores ditos brega até hoje. Nada foi intencional, recebi a letra do Zeca pela internet, via e-mail, daí apenas dei vasão ao sentimento do momento. Melodia não tem hora pra acontecer e nem se sabe como vai ser. Você sente e põe no violão. Quando gravamos não tivemos essa preocupação de fazer um acento como se fora brega. Quisemos sim, fazer rememorar alguns timbres dessa época que caíram em desuso. Seria, pois ,uma retomada de algo que foi bom e se perdeu durante um tempo e que agora temos a chance pelo menos de registrar à nossa própria maneira e entendimento.

A faixa-título é uma homenagem a um tio teu, em cuja casa tu moraste, no Rio de Janeiro. Composta em parceria com Gerude e Luis Lobo, também dá a ideia de um Nosly cosmopolita, que já morou inclusive na Alemanha, onde foi gestado outro disco teu, o anterior Nave dos Sonhos. Qual o melhor lugar em que você já morou, seja por aspectos pessoais, mas sobretudo musicais? É muito bom ser cidadão do mundo, falar quatro línguas, sair em busca do aprimoramento, da melhora que todos almejamos. Belo Horizonte é bem marcante na minha vida. Tenho saudades de lá. O Rio de Janeiro, especialíssimo, e tenho sangue carioca: meu pai era carioca. Foi muito importante pra mim o tempo que vivi lá. E por último Düsseldorf, na Alemanha, onde vivi por cinco anos maravilhosos. Fica difícil apontar essa ou aquela cidade, cada uma tem sua medida de importância em meu coração. E quanto aprendizado!

Como você analisa o cenário da produção musical do Maranhão hoje? E no seu caso particular, é mais fácil ser reconhecido aqui, sua terra, ou lá fora? Claro que se você está num grande centro, São Paulo, Rio, BH etc., você tem mais oportunidades de mostrar seu trabalho, não tem o que comparar. Quanto à produção local, acho que fazemos música de altíssimo nível, lindas poesias, letras, lindas melodias que poderiam com certeza embalar corações mundo afora. Basta, pra que isso aconteça, oportunizar, formar plateia e ocupar espaços ociosos com bons espetáculos, seja de música, teatro, poesia, artes plásticas, dança, enfim, qualquer manifestação cultural com que o povo se identifique. Na Europa, tenho público cativo, são três cds editados lá. No Brasil, minha música é ouvida de norte a sul. Vivo em busca do reconhecimento, não importa onde seja, onde esteja. Se o povo quer me ouvir, lá sempre estarei.