Chorografia do Maranhão: Agnaldo Sete Cordas

Lenda viva do instrumento que lhe deu sobrenome artístico, o ludovicense Agnaldo Sete Cordas, 85, é o segundo entrevistado da série Chorografia do Maranhão.

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

A entrevista com Agnaldo Sete Cordas começou de maneira descontraída – e assim se manteve até o final. Ele já contava causos antes mesmo de ligarmos o gravador e acionarmos o botão da máquina fotográfica. Nós quatro – ele, o fotógrafo e os dois chororrepórteres – em pé, aguardando Chiquinho [o proprietário do bar] com as chaves do Chico Discos (Rua 13 de Maio, 389-A, altos, esquina com Afogados, Centro), onde a entrevista aconteceu num sábado à tarde, horário em que o bar normalmente não abre e o foi exclusivamente para a ocasião.

Agnaldo Sete Cordas é uma lenda viva do instrumento que acabou por lhe emprestar o sobrenome artístico, tendo tocado com diversos artistas de sucesso nacional, quando de suas passagens pela ilha. Não por acaso, poucos dias antes de receber a ligação convidando-o a dar um depoimento à série Chorografia do Maranhão, ele havia começado a rabiscar em um caderno suas memórias. Uma espécie de “fique por dentro” particular, em que, a caneta, em papel pautado, lembra “histórias, curiosidades, manias de antigos e novos chorões”. Gente com quem tocou, formação de bandas, orquestras e regionais, rodas, farras, datas e causos em geral engraçados – que em parte ele repesca na entrevista, às vezes recorrendo ao caderninho de anotações.

Entre estas últimas lembra quando Cardoso [lenda entre os seresteiros do Maranhão] ia batizar uma filha sua e Six [o cavaquinhista Francisco de Assis Carvalho da Silva, lenda entre os chorões] – ambos já falecidos – chegou e mandou dispensar o padrinho. Foram todos para a igreja, aberta mediante o pagamento do último ao padre. O batizado aconteceu em meio a uma roda de choro. “Meu compadre era um bom companheiro”, disse, referindo-se a Six.

Agnaldo de Jesus Sousa, seu nome de pia, nasceu no Desterro, em São Luís, em 1º. de janeiro de 1928, filho do clarinetista Benedito Sousa, professor de música, e Sabina Martins Sousa. Tem 13 filhos, 13 netos e um bisneto. “O choro é uma música que não se acaba”, vaticina, pouco antes de atender ao celular: era [o bandolinista] Raimundo Luiz, diretor da Escola de Música do Estado Lilah Lisboa, convidando-o para uma roda. No toque do celular do jovem senhor, Odeon, de Ernesto Nazareth.

Agnaldo, o Sete Cordas e o caderno de memórias

Além de músico, qual tua outra profissão? Eu nunca tive profissão assim. Era empregado numa firma, a Francisco Aguiar e Cia. Entrei lá em junho de 1942. Era office-boy, como se diz hoje em dia, levava os telegramas para os Correios. Entrei lá de calça curta [risos]. Passei 17 anos lá. Depois saí, passei uns anos fora e depois, em julho de 1961, eu me empreguei na Companhia de Água e Esgotos. Naquela época era água e luz junto. O governador da época, Newton Belo, foi quem separou água para um lado e luz para outro, eu fiquei na parte da água. Me aposentei em 17 de fevereiro de 1993.

Com quem tu aprendeste a tocar? Eu aprendi a tocar esse instrumento, sem ser esse aqui, foi um violão de seis cordas. O namorado da minha irmã tinha um e deixou o violão lá em casa, aí eu fui pegando quando ele saía e aquilo foi me dando vontade de tocar, de aprender. E de repente mudou-se lá pra casa um vizinho, que era de Caxias e eu soube que ele tocava violão. E a gente ficava até tarde da noite, ele passando as notas. Depois apareceu outro moço que tocava muito bem violão, o nome dele era Ricarte, morava no Monte Castelo [os entrevistadores espantam-se com a coincidência]. Ele ia lá pra casa, levava o violão e eu ficava manjando aquelas notas. Quando ele saía eu ia fazer e não acertava. Pensei em largar de mão. Mas o tempo foi passando e eu fui pegando gosto pelo instrumento.

E depois substituiu pelo sete [o violão de sete cordas]? O sete foi o seguinte: depois de passar muito tempo nesse violão de seis, eu passei pela guitarra, por que pra tocar nos grupos que tinha em São Luís, eu fui fundador do Nonato e Seu Conjunto, pra tocar em grupos assim eu passei pra violão elétrico, depois eu peguei guitarra, mas eu não sabia tocar guitarra, por que eu tocava com dedeira. Para este violão foi da seguinte forma: muitos anos, eu tocava no Lira, e ia para casa descansar, e dia de domingo eu ia para o barzinho lá defronte lá de casa, tomar aquela cerveja com os amigos. Num domingo eu tava sentado lá quando chegou Six, seu Dega, irmão dele, Carlinhos [Leite], Jonas [Pereira da Silva], aquele que tocou com Jacob [do Bandolim, no Conjunto Época de Ouro]. Seu Dega quando me olhou, disse “olá, meu compadre! Olha quem tá aqui! Esse aqui é o Carlinhos, o violonista que toca com Jacob do Bandolim”. Ele tava com o violão de sete cordas, eu com o de seis, ele me deu o instrumento, mas eu não acertei uma nota, entreguei o instrumento pra ele [risos]. Mas nessas alturas eu não estava com o grupinho. Estava eu, Careca no bandolim, sentou Carlinhos com o sete cordas, tinha um menino com um tamborim pra fazer ritmo, Six no cavaquinho e finado Marreta com um gravador Philips. Aí o samba começou. Essa música foi tocada lá, aquele dia, um choro de Waldir Azevedo por nome Contraste [parceria com Hamilton Costa]. Essa música eu tenho gravada numa fita, acompanhada pelo Carlinhos. Aí depois, nessas alturas, a farra começou. Cantou [Léo] Spirro, cantou Seu Dega.

Na tua juventude, de que modo vocês ouviam música? Nós ouvíamos rádio que nós mesmos fabricávamos. Esse mesmo rapaz que me ensinou violão, Mizael, ele enrolava motor de avião, de compressor, essas coisas, era inteligente. Ele enrolou umas bobinas e disse que íamos captar uns sons da PRJ-9, Rádio Difusora do Maranhão. Funcionava ali defronte o Mercado Central, no prédio do SIOGE [o Serviço de Imprensa e Obras Gráficas do Estado, hoje abandonado]. Ela entrava no ar e quem tinha rádio ouvia. Então nós fizemos um tal de rádio galena. Era feito com uma bobina de fio, um telefone antigo, pegava só o fone, fazia adaptação, pegava chumbo com enxofre, botava numa colher no fogo. Aquilo quando diluía, ficava aquela pedra brilhante. Através daquela pedra amarrava uma agulha na pontinha do fio, botava o fone no ouvido e sintonizava a estação. Só tinha essa aqui no Maranhão. Eu ouvia longe… Eu me lembro tão bem de uma música que Isaurinha Garcia cantava, [cantarola:] “aquele aperto de mão não foi um adeus” [Aperto de Mão, de Jaime Florence, Augusto Mesquita e Dino 7 Cordas], parece que era essa música. E eu ouvia aquele violão e “meu Deus, o meu não dá esse som”. Aí foi que aconteceu, quando Carlinhos chegou lá na Cohab com aquele violão, aí eu me envaideci pelo som do instrumento. Fiz uma carta pra minha mãe, que morava no Rio de Janeiro, pedindo pra ela me dar um violão, que tinha visto um violão aqui, e tinha vontade de tocar num de sete cordas. Fiz sem esperança. Um dia de sábado eu tava em casa com a mulher, quando parou o carro do Correio lá na porta. “Olha, Marilene”, minha mulher, que tava lá, “é bem roupinha de menino que mamãe tá mandando pros netos”. Quando eu abri, era um violão sete cordas, Del Vecchio, já afinado. Quando eu peguei esse violão, a notícia correu rápido. Fui inaugurar esse violão e a aporrinhação dos colegas, “tu nãos sabe tocar nem de seis, quanto mais de sete”. Eu pensava em tirar a sétima corda, não tava acertando. Foram quatro anos, me dediquei, fui acertando. Uma vez aquele Biné, irmão de Bastico, disse “Agnaldo, esse violão tem que falar grosso”, e ele me gozava com isso. Fui lutando, Deus foi me ajudando, fui entrando nos grupos. Aí apareceram uns seguidores, que se envaideceram pelo instrumento também. Mascote, Bastico, Chiquinho, eu tenho o nome deles aqui [aponta o caderno], se metiam e largavam por que não acertavam. Entre o grupo que se interessou ficou [Francisco] Solano, Elinaldo, o mais competente, foi quem pegou com mais facilidade, Domingos [Santos]. O resto desistiu. Toquei muito nas noitadas por aí.

Teu pai dava aulas de música e tocava no exército. Ele de alguma forma influenciou o senhor a ser músico ou havia um desencorajamento, que músico naquele tempo era vagabundo, mal visto. Como era essa relação? Naquela época violonista era vagabundo, era mal visto. Ele não sabia, eu pegava esse violão escondido. Ele queria que eu estudasse telegrafia, o código Morse, ele me passava para estudar. Ele não queria negócio de violão, nem bola, o caso era estudar, e era o que eu não gostava.

Você chegou a jogar bola? Eu jogava bola. Até quebraram minha clavícula, aí eu larguei logo.

O senhor fundou o Nonato e Seu Conjunto. No ano de 1962, num daqueles bancos, defronte o Lítero, na praça João Lisboa. Eu tava trabalhando no DAES [Departamento de Água e Esgotos], chegou um colega que tocava comigo na rádio, Rafinha, e Osmaro contrabaixista. Ele disse que não tinha mais nenhum grupo tocando, o que Nonato tava tinha acabado, por causa de molecagem dos músicos. Aí eu disse “vamos convidar Nonato”. Eu peguei folga no serviço e fomos os três. Nonato tava lá em cima tocando piano. Quando desceu a gente disse: “Nonato, nós estamos formando um grupo pra tocar, tu não queres tomar parte?”. De cara ele disse que não. Aí a gente conversou, ele disse que dava a resposta amanhã. Voltamos no mesmo horário e eu combinei com a turma: “se Nonato aceitar, o nome vai ser Nonato e Seu Conjunto, a gente bota uns papeizinhos em um copo, Nonato e Seu Conjunto, o que ele tirar vai dar Nonato e Seu Conjunto” [risos]. No outro dia ele tava ensaiando uma música. Quando ele desceu, “como é, Nonato, resolveu?”, e ele “é, eu vou aceitar”. A gente, êêê, aquela comemoração. Vambora escolher logo o nome do grupo, já tava combinado. Ele meteu a mão no copo, deu Nonato e Seu Conjunto. Daí ficamos. Eu já tinha meu instrumento, eu tinha meu violão elétrico, o baterista tinha a bateria dele, o contrabaixista tinha o baixo, o pistonista tinha o pistom, o saxofonista, que é Nero, já tinha o sax, o cantor era Murilo Oliveira. Depois passou a ser Cardoso. Aí fizemos o grupo, começamos a ensaiar. De repente pegamos o contrato para tocar as tertúlias do Lítero, que começava às oito da manhã. Começava oito, terminava dez. Durou bastante tempo. Aquilo era uma brincadeira, a gente tocava na base da brincadeira, pegava um cachezinho pra levar pra casa. Aí passamos a pegar contrato pra festas de casamento, colação de grau, tocávamos lá no Casino [Maranhense], que era na [avenida] Beira Mar. E o grupo foi tomando frente e só tínhamos nós na praça. Depois foi que surgiu o CurtiSom, Os Colegiais, Os Fantoches. Mas de início éramos só nós, tanto aqui na cidade quanto no interior. Essa baixada toda nós tocamos, e também do outro lado, a gente pegava Vargem Grande, Itapecuru, Chapadinha.

Quem foi o músico que mais te influenciou no começo da carreira? Era o Careca, que tocava bandolim e cavaquinho. Tinha os olhos gateados. Era exímio músico. Tocava violão também. Ele pegava o violão dele, lá no João Paulo, ele vendia pastel numa cesta desse tamanho [gesticula com as mãos]. Quando ele chegava com o violão dele lá no João Paulo, aí faziam a roda, ele cantava até um samba assim [cantarola:] “violão amigo/ venha ouvir meus ais”. Ele cantava essa música, toca violão, aí a canalha fazia a roda e ele vendia o pastel todinho. Quando passava pro cavaquinho, foi quando surgiu aquele choro que o Jacob fez por nome Flamengo [de Bonfiglio de Oliveira], esse era o começo [toca a introdução]. E o Careca tocava isso e chamava a atenção. Aí eu fiz amizade com ele. Eu estudava no Teixeira Mendes, onde é a Caixa Econômica hoje, e eu saía do colégio e passava pra brincadeira. Mamãe falava, “meu filho, vai pra casa”, e eu tava atrás do instrumento.

Você já viveu só de música, a música já te sustentou? Já vivi. Sustentei a família muito tempo na música. Eu tinha um patrão muito agressivo, uma vez ele me passou um carão na frente de Mascote, lá no balcão. Eu já tinha mais de 10 anos da empresa e ele perguntou se eu tinha vontade de sair da firma. “Então faça o seguinte: o que você vai levar de indenização, dá para abrir um negócio para você”, ele disse. E me orientou a, quando me perguntassem o porquê de eu deixar a firma, eu devia responder que era de livre e espontânea vontade. Assim fiz, era 1958 ou 59. Não recebi nada. Passei dois anos vivendo apenas com o ordenado que eu ganhava na rádio Timbira, como violonista do regional. E tocava por fora pra levar pra casa.

Você chegou a gravar discos com Nonato? Ele gravou, mas eu não tava mais no grupo. Quando ele gravou, tava [Arlindo] Pipiu, Zé Américo, Chico do Zuca, saxofonista, Garrincha. Nonato adquiriu um empréstimo no Lítero e foi à São Paulo comprar um instrumental novo. Nosso baixo não tinha trastes, era gavetão. Quando Nonato veio de São Paulo trouxe um contrabaixo elétrico, mas sem trastes, trouxe bateria nova. No dia da inauguração desses instrumentos, foi uma coisa gozada. Nós fomos tocar no Clube Alvorada, ali no Tirirical, um clube da Força Aérea Brasileira. Garrincha antes de chegar já tinha enchido a cara. Na hora que começou a festa, só dava Nonato, o clube cheio de gente, Garrincha cheio do pau, a gente foi tocar uma música [faz o ritmo com a boca], na hora em que ele foi fazer uma frase, estourou os dois tambores, rasgou de meio a meio. Nonato com aquela calma terminou a música e o show na bateria. Garrincha continuou no grupo, mas aprontou muito das suas.

O senhor teve algum estudo formal de violão? Não. Aprendi na raça. O pouquinho que aprendi foi só pra me divertir.

Além de Nonato e Seu Conjunto, de que outros grupos musicais você participou? Primeiro nós tínhamos o Grupo Difusora. Nós tocávamos em aniversário, éramos eu e Zé Cantanhede, dois violões de seis cordas, Careca no bandolim e violão tenor, que ele tocava que era uma beleza, Racinha na maraca e no pandeiro, ele era canhoto, Maneco baterista, Osmaro contrabaixo, Antonio Rodrigues sax tenor e Toinho acordeom. Aconteceu que até uma vez a Dalva de Oliveira se apresentando no Teatro Arthur Azevedo, aquela música [cantarola:] “Ave Maria, lá rá ri” [Ave Maria no morro, de Herivelto Martins], rapaz, nós ensaiamos a música e Rodrigues antes de começar a função era uma dor de cabeça e não teve jeito de ele descer para tocar e quem fazia o solo era ele. Quando chegou na hora dessa música, ele veio de lá, mesmo com a dor de cabeça, ninguém esperava isso dele. Na hora do solo, o saxofone saiu de detrás da cortina, a coisa mais linda, todo mundo aplaudiu. Depois eu passei seis anos com Nonato, tocando no Lítero, festa de carnaval, aquelas músicas que até hoje em dia se toca. Nonato depois que criou asas começou a dar ordens dentro do grupo. Aí ele dizia: “só fica no grupo quem ensaiar”. Eu era empregado, não podia ensaiar, Cardoso, do Banco do Brasil, também não podia ensaiar. Ninguém podia deixar o trabalho para ensaiar. Aí ele já queria botar Oberdan e Pitomba no grupo, eu fui me aborrecendo e larguei. Quando eu saí do grupo, uma noite eu tava em casa, quando recebi um convite para uma seresta na Rua Oswaldo Cruz. Foi a última vez que eu toquei com Nonato, foi na inauguração dessa boate. Depois eu entrei nos Fantoches, em 1968, na vaga de Sinhô, [o violonista] João Pedro Borges. Passei oito anos nos Fantoches. Raimundo Sebastião Coelho, sargento do exército, era o chefe. Tínhamos três pistons, três saxofones, botijão de gás tocado com dois vergalhões, aquilo fazia uma zoada, “taca-taca, taca-taca, taca-taca” [imita o som percussivo do botijão com a boca].

E regional de choro, em quais tu tocou? Regional de choro, não teve assim um seguro. Eu me unia com [o flautista] Serra [de Almeida, primeiro entrevistado da série Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 3/3/2013], a gente tocava umas pisadas em ritmo de choro, o repertório todo de Altamiro Carrilho.

Só vocês dois ou tinha mais gente? Às vezes tinha um pandeirista, às vezes não.

Tinha nome essa formação de vocês? Não, não tinha.

Vocês tocavam em vários lugares, no Hibiscos [bar da época, o entrevistado localizou-o nas proximidades do Detran, Castelão]? No Hibiscos nós tínhamos grupo. Era eu, Serra, Spirro, Zé Branco e Juca [do Cavaco]. Não tinha nome o grupo. Depois do Hibiscos foi que nós fomos para a Caixa Econômica [a Serenata Caixa Alta, na Associação do Pessoal da Caixa – APCEF].

Você compõe, faz arranjos? Não. Às vezes eu crio uma ou outra coisinha diferente [improviso na execução de uma música], pra não ficar bitolado.

Já participou da gravação de discos? Não.

Mas acompanhou grandes nomes nacionais. Dalva de Oliveira, no Casino Maranhense. Quem mais me deu trabalho foi a Maysa Matarazzo.

Deu trabalho por quê? Ela botava um pó na bebida. Pelo menos, no dia em que nós fomos ensaiar, fomos eu, o rapaz do ritmo e o acordeonista, ela tava no Hotel Central. Quando nós chegamos lá, ela tava no banho. Ficamos esperando. Ela saiu do banho toda de roupão, bonita, nos cumprimentou, os olhos bonitos. Ela cantou uma música, passou uns 10 minutos, disse que não queria mais ensaiar. “Eu não quero mais ensaiar, tá tudo bom”. Lá no [Teatro] Arthur Azevedo, estavam tocando artistas locais, a atração era ela, e o teatro cheio de gente. A caminhonete chegou com ela e nos chamaram, estava na hora. Quando subiu ao palco ela disse que não queria cantar com o regional, começou a cantar só. Tinha outro contrato pra mesma noite, no Casino. Ela também se recusou a tocar acompanhada pelo regional e mandou chamar Mascote, um violonista muito bom de que ela tinha ouvido falar. Depois ela se negou a cantar também com ele, o povo já ensaiando uma vaia, quando ela começou a cantar Meu mundo caiu. No outro dia, nos jornais, foi um escândalo.

E outros nomes? Dóris Monteiro, Linda e Dircinha Batista, Ademilde Fonseca, Ângela Maria, Núbia Lafayette, Nora Ney, Dalva de Andrade, Alcides Gerardi, Orlando Dias, Blecaute, Genival Lacerda, Cauby Peixoto, Silvio Silva, Altemar Dutra, Carlos Gonzaga, Nelson Gonçalves, Anísio Silva, Sivuca, Jackson do Pandeiro, Conceição de Oliveira, Orlandira Matos, Suely, Maria Diniz, Célia Maria, Naná Ramires, Ivone Mendes, Elza Lopes, Lourdinha Costa, Sérgio Miranda, Bico Doce, Roberto Müller, Cardoso, Moacir Neves, Escurinho do Samba, Álvaro Duarte, Joaquim Fernandes, Nilton Vieira, José Penha.

O que significa o choro pra ti? Eu considero uma das melhores músicas. É o gênero que eu abraço, é o que eu gosto. E o choro, eu vou te dizer uma coisa: só toca o choro quem sabe. É uma música difícil. Não pode ter erro, de jeito nenhum.

Quem é o artista que você mais admira dentro do universo do choro? Aqui em São Luís eu gosto bastante do Serra. Gosto do Juca. Fomos companheiros de muito tempo. Quando ele começou a tocar cavaquinho, eu disse: “esse menino vai dar um bom cavaco”, e não me enganei. Nacionalmente, um nome que eu admiro é Jacob, o estilo de Jacob.

Tu falaste em vários espaços em que havia música ao vivo. Como tu vê São Luís hoje, em termos de espaço para a apreciação de boa música, choro? Tens saído para ver isso? Se eu passar e escutar um ritmo de choro ou sambas canções, eu paro para ouvir. Mas se eu passar e escutar uma pagodada doida, mal tocada, com três cavaquinhos, um banjo fazendo aquele centro doido, dando umas notas que não tem na música, eu não paro pra ouvir isso aí.

Tu estás escrevendo tuas memórias, né? Umas coisas que fui lembrando de minha juventude e fui anotando. O tempo em que militei na Zona do Baixo Meretrício, eu tocava por lá, apreciava as noitadas, toquei com muita gente. A zona era conhecida, tinha as [pensões] de luxo e tinha as vagabundas.

Quando foi que o senhor teve a ideia de registrar as memórias? Foi semana retrasada, eu não tou fazendo nada, vou me lembrar das coisas aqui que eu passei e comecei a escrever.

O senhor pretende publicar esse material? Publicar isso aqui? [risos]. Eu não sei, comecei a fazer para mostrar pros colegas. Parafuso [o sonoplasta Elvas Ribeiro] se lembra dessas pessoas todas. Onde eu botei aqui o regional [que tocava na ZBM na época]? [Lendo um trecho das anotações] Eu ainda recordo, apesar do tempo, as casas que tinham música ao vivo: Casa Branca, Maroca, Lili, Zilda Preta. O grupo que tocava era assim: Vital, baterista, Jorge Cego, trombone, Haroldo, banjo, Santinho, pistom, Seu Riba, pistom, Amilar, bandolim, Roque, rabecão, Zé Hemetério, violino. Outros músicos davam canja: Osvaldo, baixo, Apolinário, banjo, Mr. Jones, bateria, Padilha, violino. Nome das pessoas que animavam o salão do Bar Hotel Central, do senhor Maia: Vital, baterista, Lauro Leite, violino, Pajebinha, sax alto, Haroldo, banjo, Zé Hemetério, violino, Chaminé, acordeom, Cunha, pianista, Roque, rabecão, Santinho, pistom, Seu Riba, pistom [continua lembrando outras formações, que tocavam em outros espaços]. Olha como eu botei aqui [continua a leitura]: a casa de Lili era frequentada por pessoas mais escolhidas. Não tinha bagunça. Quando acabava o movimento das outras casas, nós, digo, Zequinha de Jagunço, Amilar, Agnaldo, Zé Penha, Xereta, irmão de China, que era amigo de Cleres… Zequinha de Jagunço se dava com a dona da pensão, a Lili, por isso ele nos levava para tocar até de manhã, e eu ia por que sempre eu ficava com uma puta [gargalhadas gerais]. Ora se eu ia pra lá pra ficar de graça? Amanhecia lá.

[O Imparcial, 17 de março de 2013]

Charme e elegância

Quem já ou/viu Léo Spirro num palco, sabe bem que estas duas palavras são tradução possível de suas performances.

Há algum tempo o setentão gravou um disco dedicado ao repertório de Cartola.

Hoje, ele sobe ao palco para cantar músicas deste disco entre outros clássicos da música brasileira.

Isso tudo, por si só, já valeria o show. Mas ele terá a participação especial de Silvério Pontes, ao trompete, somando-se ao grupo que o acompanhará: Celson Mendes (violão), João Neto (flauta) e Fleming (bateria).

É logo mais, no Barulhinho Bom:

Divulgação

De Cajari p’ra Capital Federal

(OU: EMARANHADO EM BRASÍLIA)

Ali pelo final dos anos noventa, início dos zero zero, eu ‘tava começando na boemia e perdi o antológico São três léguas, outros bois e muito mais, show que reunia, no mesmo palco, o do Circo da Cidade, os compositores Chico Saldanha e Josias Sobrinho, cuja obra eu já conhecia.

Do segundo, sobretudo as quatro músicas incluídas em Bandeira de Aço (1978), clássico absoluto de Papete – De Cajari p’ra capital, Engenho de flores, Dente de ouro e Catirina; do primeiro, principalmente Itamirim, imortalizada em seu disco de estreia, Chico Saldanha (1988), por Tião Carvalho. A música, que quase fica de fora, fez tanto sucesso que Saldanha colocou a mesma faixa, de bônus, em Celebração (1998) – é de Morena de Itamirim, uma das faixas do disco, aliás, o verso-título do show.

Tempos depois eu assistiria a vários, muitos shows dos dois, separados, juntos ou em bandos, caso do premiado Noel, Rosa Secular, homenagem ao centenário de Noel Rosa que arrebatou o troféu de melhor show no Prêmio Universidade FM do ano passado, que além deles levava ao palco ainda Cesar Teixeira e Joãozinho Ribeiro, mais as participações especiais de Célia Maria, Lena Machado, Lenita Pinheiro e Léo Spirro.

Com o título DoBrado ResSonante, Josias e Saldanha voltam a se encontrar, desta vez em Brasília/DF, acompanhados de Marcão (violão e cavaquinho), Mauro Travincas (contrabaixo) e Carlos Pial (percussão). O show acontece em dose dupla: amanhã (14), no Feitiço Mineiro (CLN 306, Bloco B, Lojas 45/51, (61) 3272-3032); quarta-feira (18), no Espaço Cultural Silvino Filho/ Nosso Mar (CLN 115 – Bloco B – lojas 3,77, (61) 3349-6556), sempre às 22h – no segundo show a dupla conta com a participação especial de Erasmo Dibell. A produção não informou o valor do ingresso, mas custe o que custar, vale a pena.

Dente de ouro (2005), de Josias, e Emaranhado (2007), de Saldanha, seus discos mais recentes, estarão à venda nos shows.

Rosas, Tetés e Joanas

JOÃOZINHO RIBEIRO*

Encantamento de D. Teté, premiação do Rosa Secular como melhor show do ano, posse de Joana Bittencourt no Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão… qual assunto tomar como tema desta coluna? A tarefa não parece das mais simples, porém não pode ser excludente, afinal de contas existe uma relação de causa e efeito recíprocos em todos eles, que não nos permite optar deliberadamente por um só, excetuando os demais.

D. Teté virou azulejo na madrugada do último sábado, após uma vida inteira de encantamentos e magias, dedicada ao reforço e valorização das nossas ancestralidades, deixando para todos um legado imenso de cantorias e atitudes que servirão de exemplo para as presentes e futuras gerações. Como mulher, negra, mãe, avó, artista, companheira e pessoa humana, nem física ou jurídica, da maior dignidade.

Da simplicidade de mestra da cultura popular do Maranhão a postura de sacerdotisa africana, quando puxava as ladainhas no Laborarte ou em qualquer outro espaço que exigisse a sua altiva intervenção. Ultimamente, em suas raras aparições públicas, sentada num troninho, armado exclusivamente para a altura da sua majestosa presença, que tanto encantou o mundo, extrapolando as fronteiras do país, sob os auspícios e incentivo do guerrilheiro Nélson Brito.

De sua criativa cantoria ficarão para sempre em minha memória uns versos cantados pelo seu Cacuriá, que parecem ter sido feitos sob encomenda para Amália, minha mãe inesquecível, cujo apelido carinhoso de infância era Mariquinha:

“Mariquinha morreu ontem,
ontem mesmo se enterrou
na cova de Mariquinha
nasceu um pé de fulô”.

Almerice era o seu nome de batismo, que muitos poucos conheciam. Teté, este sim, ganhou o mundo e penetrou os terrenos das nossas imaginações através das danças sensuais do Cacuriá e das inúmeras e insinuantes letras e melodias, que até hoje nos incitam e excitam quando são executadas. Uma delas mereceu o coro das vozes minha, de Josias Sobrinho, Chico Saldanha e de todos os presentes na última edição do show Rosa Secular II, realizada no dia 10/12, no Bar Daquele Jeito, com a plateia de pé, cantando comovida em uníssono:

“Lera chorou, Lera chorou
eu te disse, Lera,
vão te tomar teu amor”.

De Teté para Noel: deu a Rosa Secular na cabeça, como costumam dizer os apontadores do jogo do bicho. Só que a coisa não foi obra de nenhum “palpite infeliz” de alguma pessoa amiga ou das pessoas que detesto, conforme atestam os versos do poeta da vila; porém, o reconhecimento de mais de trezentos jurados que resolveram agraciar o Rosa Secular com o prêmio Universidade FM 2011, na categoria “Melhor Show do Ano”.

Da esquerda para a direita: Joãozinho Ribeiro, Chico Saldanha, Cesar Teixeira e Josias Sobrinho, protagonistas do melhor show do ano para o prêmio Universidade FM 2011

Um justo presente natalino para uma produção eminentemente coletiva, realizada em janeiro de 2011 no Bar Daquele Jeito, encharcada das humanidades e emoções dos compositores Cesar Teixeira, Chico Saldanha, Joãozinho Ribeiro e Josias Sobrinho; dos convidados especialíssimos, Léo Spirro, Célia Maria, Lena Machado e Lenita Pinheiro; dos talentos criativos dos artistas plásticos, Lena Santos e Ton Bezerra; do acompanhamento dos músicos maravilhosos: Arlindo Carvalho, Vandico, Domingos Santos, João Soeiro, João Neto e Juca do Cavaco; do auxílio luxuoso da Sociedade Artística e Cultural Beto Bittencourt e de todos os seus integrantes; da cumplicidade solidária de Zema Ribeiro e Marla Silveira.

Enfim, de todos apoiadores, poucos mas sinceros, e, principalmente, do público que lotou a casa e mostrou que ainda há espaço na cidade para eventos musicais que possam dar vez e voz para as pessoas expressarem seu “direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios (…)”, como está destacado no artigo XXVII da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Foi respeitando este direito de participação, que o Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão abriu as suas portas na noite do 15 de dezembro último para receber, em seu respeitável quadro de sócios, uma das figuras mais queridas e solidárias, representante legítima do engenho e arte da cultura maranhense, agora confreira – Joana Bittencourt.

Com justiça e mérito intelectual, nossa “mãe” e “irmãzinha” do coração, poeta, escritora, compositora e diretora teatral – Joana Bittencourt -, que transformou sua própria residência num Ponto de Cultura para abrigar a Biblioteca Dinâmica Mário Meirelles, passou a ocupar a cadeira nº. 36 do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, patroneada por Jerônimo Viveiros. Motivo de orgulho e glória para todos nós que a guardamos no lado esquerdo do peito.

Com esta última coluna do ano, agradeço a paciência e desejo a todos os leitores, do fundo deste combalido coração de poeta, um FELIZ NATAL!

*Publicado no Jornal Pequeno do último 19 de dezembro, data em que o blogueiro completou 30 anos de idade.

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Grande notícia!: o show Rosa Secular terá bis dia 14 de janeiro de 2012, no Bar Daquele Jeito (Vinhais), às 22h. Mais detalhes por aqui em breve.

Sócrates, brasileiro

Ontem fui ao Chorinhos & Chorões, como entrega a foto acima, em que apareço com o titular do programa Ricarte Almeida Santos e os compositores Joãozinho Ribeiro, Josias Sobrinho e Chico Saldanha. A tríade foi entrevistada pelo primeiro, divulgando o show Rosa Secular II, que apresentam sábado que vem (10), às 21h, no Bar Daquele Jeito (Vinhais).

O show é mais ou menos uma reprise de Noel, Rosa Secular, que apresentaram ano passado e, a pedidos, no comecinho deste ano – e que está concorrendo na categoria “melhor show” no Prêmio Universidade FM, a maior premiação da música produzida no Maranhão.

Digo mais ou menos por que, desta feita, além de Noel Rosa também serão homenageados outros bambas centenários, Assis Valente, Ataulfo Alves, Cartola, Mário Lago e Nelson Cavaquinho, além dos saudosos e eternos maranhenses Antonio Vieira, Cristóvão Alô Brasil, Dilu Mello, João Carlos Nazaré e Lopes Bogéa. O show contará com as participações especiais de Célia Maria, Lena Machado, Lenita Pinheiro e Léo Spirro, como eu já disse aqui.

Mas não é disso que quero falar: ao adentrar o estúdio da Rádio Universidade FM ontem, a primeira notícia que recebi foi bastante triste: a subida (ontem, 4) de Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, vulgo Dr. Sócrates (1954-2011) – avesso a computadores em fim de semana, salvo raras exceções, não fui atrás de ler uma linha sobre o assunto e escrever isto aqui é a primeira coisa que faço nesta manhã de segunda-feira, após o Corinthians ter conquistado seu quinto título nacional (também ontem, 4).

Um jogador cerebral. Um dos fundadores, em plena ditadura brasileira, da Democracia Corintiana, que levou também para dentro das quatro linhas a luta pela redemocratização do país. Em campo ou fora dele, Sócrates nunca deixou de pensar.

Participou de duas copas do mundo, em 1982 e 86, sem ter vencido nenhuma. Azar das copas! Sócrates era a tradução humana da frase-pergunta que abre Catatau, o romance-ideia de Paulo Leminski: “que flecha é aquela no calcanhar daquilo?” Quem o viu jogar ou viu videotapes – dá um google aí no youtube agora! – sabe do que estou falando.

Colunista da CartaCapital, comentarista da TV Cultura, apresentador do Canal Brasil, o paraense era do tempo em que o esporte bretão e a mídia não fabricavam ídolos milionários da noite para o dia. Talvez por isso – ou não – ele tenha se dividido entre o futebol e a medicina. E depois ocupado os meios de comunicação de forma crítica – no último canal, nem sei se seu programa chegou a ir ao ar, gestado já em meio às complicações de saúde que o matariam ontem (4).

Em meio à geral, em geral acrítica, de torcedores, jogadores, dirigentes, cartolas e outros, Sócrates era voz dissidente, que despejava críticas e elogios a quem os merecesse, sendo ácido ou doce, conforme a necessidade. Não erraram seus pais quando batizaram-no com nome de filósofo.

Uma grande perda para o futebol e a inteligência nacionais, num dos raros casos em que essas duas categorias conseguem se conciliar. Descanse em paz, Doutor Sócrates! E que seu exemplo – necessário – possa ser seguido por mais gente por aqui.

Em sua memória e homenagem deixo a sinfonia de pardais abaixo, que ouvi e fotografei hoje pela manhã, antes de sair de casa.

P.S.: atualizo o post às 13h23min para recomendar, sobre o assunto, a subida do doutor, três belos textos: dois de Ronaldo Bressane e um de Xico Sá.

P.S.2: e às 8h55min do dia 6, este de Marcelo Montenegro.

Pétalas de rosas seculares marcam trilha da boa música

Show Rosa Secular II repete tributo a Noel apresentado ano passado mas vai além, homenageando nomes nacionais e locais

"Meus tempos de criança" abre tributo a Ataulfo prestado por Itamar Assumpção

“Eu daria tudo o que tivesse/ pra voltar aos tempos de criança/ eu não sei pra quê que a gente cresce”. Muito marmanjo por aí canta, com algum saudosismo, os versos de Ataulfo Alves. Outros, desejam ter nascido noutra época. Há ainda quem simplesmente admire “música de velho”, sendo, por vezes, alvo de chacota. Pouco importa, quase rima involuntária.

Foi João Gilberto quem apresentou a música de Assis Valente aos Novos Baianos

“Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor”. Assis Valente já havia subido quando os Novos Baianos de Morais, Galvão, Baby, Pepeu e Paulinho Boca de Cantor regravaram um de seus maiores clássicos, em Acabou Chorare (1972), eleito pela revista Rolling Stone como o maior álbum brasileiro do século 20. Não é pouco!

“Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar”. Ou era a Guerra dos Mundos, cuja história foi recentemente recontada pelo professor Francisco Gonçalves e sua equipe de pesquisadores, que botou os pingos nos is deste importante capítulo da radiofonia maranhense, ou era a impressão do povo com um blockbuster hollywoodiano qualquer. Nem uma coisa, nem outra: era novamente Assis Valente, o mesmo compositor que “vestiu uma camisa listada e saiu por aí” ou, feminino antes de Chico Buarque, “meu moreno fez bobagem”.

Estreia de Cartola na Marcus Pereira tem time de primeira linha

“Esse trabalho fez a cabeça da minha geração e hoje sei que não fui só eu que passei meses tirando os acompanhamentos e tocando em casa junto com o disco”, afirmou, acerca da estreia de Cartola na Discos Marcus Pereira, o cavaquinhista e escritor Henrique Cazes, em Choro – Do quintal ao municipal, “obra de referência indispensável para estudiosos e amantes do choro e da música brasileira em geral”, como atestou o insuspeito antropólogo Hermano Vianna, no prefácio da citada obra.

“Chatice tudo isso para você, sou o primeiro a reconhecer, homem cheio de trabalhos e compromissos, em luta permanente contra o relógio para chegar onde deve pelo menos com atraso menor, mas no momento não me ocorre o nome de nenhuma outra pessoa a quem mandar isso que nem sei direito o que venha a ser”. O trecho parece ter sido escrito sobre estes nossos dias corridos, doidos e doídos. É do misto de autor, ator, escritor e compositor Mário Lago, em Manuscrito do heróico empregadinho de bordel (1979), num tempo em que o termo artista multimídia sequer havia sido inventado. Sim, é ele o compositor de Ai, que saudades da Amélia (com Ataulfo Alves), Aurora (com Roberto Roberti), Nada além (com Custódio Mesquita) e Fracasso, entre outros sucessos radiofônicos de outrora.

Nelson Cavaquinho, nascido em 1911, teve o registro alterado para ingressar nos quadros da polícia carioca: foi registrado como se nascido um ano antes. Membro da polícia montada, deixava o cavalo preso e ia beber nos botequins aos arredores do Morro de Mangueira. Um dia – ou, melhor dizendo, uma noite – o cavalo soltou-se, regressando ao quartel antes de seu “jóquei”. O autor de Juízo final (com Élcio Soares) foi dispensado. Sorte do samba nacional, da música brasileira, que quando pisa em Folhas secas (Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito), quer que “tire o seu sorriso do caminho/ que eu quero passar com a minha dor”, esta e a morte presenças constantes em seu temário.

De Noel Rosa sobram histórias geniais, pitorescas e engraçadas, o que inclui a recente homenagem do compositor Edu Krieger, que em tempos de Amy Winehouse, Kurt Cobain, Janis Joplins, Jim Morrison e Jimi Hendrix, entre outros, decretou: “rock’n roll pra valer foi Noel Rosa, que partiu sem chegar aos vinte e sete”.

Assis Valente, Ataulfo Alves, Cartola, Mário Lago, Nelson Cavaquinho e Noel Rosa, os compositores-personagens acima, todos centenários, recebem homenagens de Chico Saldanha, Joãozinho Ribeiro e Josias Sobrinho em show que contará com as participações especiais de Célia Maria, Lena Machado, Lenita Pinheiro e Léo Spirro.

A apresentação acontece dia 10 de dezembro (sábado), data em que se celebra o aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e que antecede o aniversário de nascimento de Noel Rosa, que ano passado recebeu homenagem do trio anfitrião mais Cesar Teixeira.

Saldanha, Ribeiro e Sobrinho, juntos, apresentaram-se em projeto no Sesc Pompeia, em São Paulo, em 2004. Antes, em São Luís, foram protagonistas do show Eu e meus companheiros, no Circo da Cidade e Bagdad Café. O trio de bambas e seus convidados serão acompanhados por um regional idem: Arlindo Carvalho (percussão), Domingos Santos (violão sete cordas), Fleming (bateria), João Neto (flauta), João Soeiro (violão), Juca do Cavaco, Osmar do Trombone e Vandico (percussão).

Além dos bambas supra, Rosa Secular II, reprise ampliada do tributo a Noel Rosa, prestado ano passado e repetido, a pedidos, no início deste, homenageará também maranhenses saudosos, eternos na memória de amigos e admiradores: Antonio Vieira, Cristóvão Alô Brasil, Dilu Mello, João Carlos Nazaré e Lopes Bogéa.

Rosa Secullar II acontece dia 10 (sábado), às 21h, no Bar Daquele Jeito (Vinhais). Os ingressos custam R$ 20,00 (R$ 10,00 para estudantes com carteira).

Serviço

O quê: Show musical Rosa Secular II.
Quem: Chico Saldanha, Joãozinho Ribeiro e Josias Sobrinho. Participações especiais: Célia Maria, Lena Machado, Lenita Pinheiro e Léo Spirro.
Quando: dia 10 (sábado), às 21h.
Onde: Bar Daquele Jeito (Vinhais).
Quanto: R$ 20,00 (R$ 10,00 para estudantes com carteira).

[Release-colagem. Textos assim deverão aparecer com mais frequência por aqui. Em breve devo fechar o Ponte Aérea São Luís]

Achados e perdidos

Encontro de Chicos: Maranhão (E) diz algo a Saldanha (D), observadouvido por Ricarte Almeida Santos (C)

8 de dezembro de 2007. Véspera do aniversário de 40 anos de Ricarte Almeida Santos. Na ocasião, o produtor e mestre de cerimônias oficial do saudoso Clube do Choro Recebe, seria homenageado com a primeira audição pública de Chorinho de herança (letra dele musicada por Chico Nô): Lena Machado havia gravado a música às pressas, na casa de Paulo Trabulsi, em uma primeira versão que alcançou relativo sucesso, chegando inclusive a tocar na Rádio Universidade FM.

Anos depois, a música ganharia nova roupagem na gravação que a cantora faria em seu festejado Samba de Minha Aldeia (2010): “É de vinil/ é de vinil/ este chorinho que herdei de pai”, diz o início da letra.

A edição em que a imagem acima foi captada (cujos créditos do fotógrafo não dou por não ter: Pedro Araújo? Ivo Segura? a própria Lena Machado?) é de uma das raras do longevo projeto que perdi. Tinha como grupo anfitrião o Urubu Malandro e como convidado seu ilustre integrante: Mestre Antonio Vieira (voz, percussão).

Uma imagem vale mais que mil palavras e só postar essa foto histórica aí bastaria, sem carecer explicá-la ou mesmo tentar adivinhar o que Maranhão dizia a Saldanha (ou Ricarte ou um deles lembra ou a curiosidade permanecerá), mas uma coisa puxa a outra e, ó a ligação: Trabulsi, então com apenas 17 anos, Vieira e Saldanha, então integrantes do Regional Tira-Teima (outro grupo que muito desfilou talentos no palco do Bar Chico Canhoto, que abrigava o Clube do Choro Recebe), tocaram em Lances de Agora (1978), um disco fundamental de Chico Maranhão.

Achei a foto cascavilhando uns arquivos, à procura de um retrato de Léo Spirro, um dos artistas que deram canja naquela noite, para o material de divulgação da próxima edição de Outros 400, de Joãozinho Ribeiro.

Enviei-a por e-mail aos retratados e a mais alguns poucos amigos, incluindo o professor Flávio Reis, que recentemente escreveu o artigo-fagulha Antes da MPM, publicado no Vias de Fato e orgulhosamente reproduzido por este blogue.

O texto tem dado alguns nós na cabeça de muita “gente boa, gente doida”, entre os quais os dissertandos Ricarte e Alberto Jr. e o monografando que vos bafeja (é, vêm aí alguns trabalhos para jogar lenha na fogueira das discussões sobre música, cultura popular, Maranhão e outros lances, de agora e sempre). Achados e perdidos, outros virão.